Charlie sumiu escrita por dayane


Capítulo 5
Capítulo 4




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Fickelgruber não era uma pessoa gananciosa, nem má, nem mesmo tinha sonhos. Seu corpo magro sempre lhe rendia apelidos humilhantes e às vezes ele guardava seus pensamentos por tempo suficiente para que a pressão de todos eles explodisse em uma fúria desenfreada e quase imparável.

Foi por ter um ataque de fúria e quebrar os dois dentes da frente junto com o nariz do garoto mais forte de sua escola, que Fickelgruber recebeu uma suspensão e se viu obrigado a trabalhar na loja de doces da família.

Ele odiava o trabalho. E sua preguiça era tão intensa que ele fazia questão de aprender tudo o que podia e de achar a forma mais simples para se fazer algo que nunca precisaria ser refeito; gerando muito lucro para a pequena lojinha que tornou-se uma micro fábrica de doces.

Neste período, Willy Wonka já estava com sua fábrica a todo vapor e Slugworth caçava pessoas eficientes para que pudessem roubar as fórmulas do chocolateiro fantástico.

— Você é sábio, Fickelgruber. E eu posso lhe livrar deste trabalho maçante.

Entregar a possibilidade de não ter que trabalhar fez com que a parceria entre Arthur e Fickelgruber nascesse. E os benefícios disto fora fórmulas roubadas e a fábrica de chocolates de Willy Wonka fechada.

 

Código vermelho

 

O quarto de Willy Wonka carregava a visão perfeita das planícies geladas. Montanhas de chocolate cobertas por floquinhos de açúcar nevado lhe entregava o sono com tamanha facilidade que ele só precisava de alguns minutos deitado. De lá, ele conseguia ver a cabana Bucket, que outrora era recheada de velhinhos cheirando a sabão e o calor acolhedor de uma família unida.

Mas a cama fria de Willy denunciava que aquela visão lhe era torturante e o raiar do dia sussurrava que se completavam vinte e quatro horas que Wonka estava acordado.

Dóris despertou com a visão da cama vazia. Ela, que ficou observando o salvador dos Umpa Lumpas pelo buraco da fechadura, devia ter caído no sono e, quando Wonka saiu do quarto, ela fora levada até a grande poltrona que ficava em frente à lareira acesa. A pequenina suspirou tristemente, tinha plena noção de onde Willy poderia estar e saber que tinha falhado em acompanha-lo, lhe deixava triste.

 

W.W.

 

Charlie abriu os olhos no exato momento em que a cela gemeu um anuncio de que estavam abrindo-a. Ele estava dolorido, sentia os ossos congelando ao ponto de doer e espirrava bem forte, prenuncio de que estava mais do que resfriado. Seus olhos captaram Prodnose acompanhado por um homem mais alto que Willy, mais velho e de chapéu coco abraçando a fumaça do charuto que tragava.

— Ah, nossa, que jeito estranho de dormir. – Disse o homem alto.

O sotaque inglês soando forte e educado.

O Bucket não havia deitado. Cochilou durante toda a noite de forma picotada, sua cabeça latejava levemente por culpa do nariz que entupira durante a madrugada.

— Espero que tenha dormido tão confortavelmente quanto nosso querido Fickelgruber, meu caro Charlie, pois temos muito para fazer hoje.

O herdeiro não respondeu nada, esperando pacientemente que o homem dissesse quem era, também não estava incomodado por Fickelgruber ter usado o pano-colchão.

Prodnose, entretanto, parecia ter uma facilidade muito grande para se irritar com as coisas que Charlie Bucket escolhia fazer e, portanto, o silêncio lhe sugeriu uma audácia grande e nem um pouco educada.

— Responda o chefe quando ele lhe falar!

O medo escorregou pela espinha do Bucket, sabendo que o baixinho poderia lhe agredir a qualquer momento e que seu corpo doente não aguentaria um ataque.

— O senhor poderia me dizer quem você é?

Arthur sorriu. Gostava de pessoas educadas e que tinham voz fraca, elas não incomodavam como pessoas de voz estridente.

Por outro lado, Prodnose achou muito ofensivo Charlie Bucket não conhecer Arthur Slugworth. Ignorando seu nariz que escorria, o capanga se jogou na direção do herdeiro enquanto gritava agoniado e levava a mão esquerda para trás.

Canhoto, atingiu a bochecha esquerda de Charlie com um soco certeiro, girando o rosto do herdeiro para o mesmo lado que o punho ia e deixando um corte levemente fundo por conta do anel que usava na mão. Era um anel com as iniciais de Arthur, demonstrando fidelidade eterna como se um dia tivesse se casado com o chefe.

O herdeiro caiu deitado, batendo a cabeça no chão e fechando os olhos quando o mundo ficou preto permeado por um zumbido forte. Ele chegara muito perto de desmaiar e não pode ver a reação de Fickelgruber que irritado com toda a violência de Prodnose, além de se lembrar como as pessoas de sua escola gostavam de zombar dele por ser tão magro quanto aquele garoto, defendeu Charlie com um chute forte e certeiro no ombro de Prodnose.

O baixinho caiu de costas, o ombro deslocado e o grito de medo correndo de sua garganta quando, um segundo depois de ter caído com as costas no chão, viu Fickelgruber descendo em sua direção com um soco certeiro em seu olho.

— Ai, ai ,ai. – Gritou Prodnose. – Sai de mim, chega, me deixa. Sai!

O mundo de Charlie foi voltando aos poucos. Ele abriu os olhos, viu um capanga sobre o outro, pronto para soltar um novo soco e o fumante de chapéu coco visivelmente incomodado com toda a bagunça.

— Vocês dois são tão barulhentos que me enojam. – Rosnou o desconhecido.

Depois, Arthur olhou o herdeiro.

— Peço desculpas por todo este estorvo, meu querido. Esses dois atrapalhados são realmente estressantes e descontrolados, mas a culpa por você estar nesta situação não é minha.

— Eu não me surpreenderia se o senhor me dissesse que a culpa é de Willy. – Sussurrou Charlie.

Prodnose gemeu descontente com a resposta, mas não se mexeu sob as garras de seu colega.

— Ah, sim. – Arthur expeliu a fumaça que havia tragado. Ele só fumava charutos quando estava pronto para ganhar uma negociação e agora ele estava indo finalizar sua maior e mais longa. – Quero aquela fábrica antes mesmo dela ter sido criada, quero Willy antes mesmo dele ter um herdeiro ou um nome a ser zelado e agora, tudo isto será meu.

Charlie levantou metade do corpo, permitindo-se sentar.

A forma possessiva daquele homem lhe dava calafrios tão pesados que nem mesmo sua doença poderia produzir mais forte.

— Willy não é um objeto para ser seu. – Charlie retrucou.

Mesmo com medo, ele não permitiria que falassem mal de seu tutor ou o tratassem como objeto. E perderia a vida, se fosse necessário, para zelar pelo tutor.

— Veremos, meu pequeno. – Arthur sorriu. – A fábrica será apenas o começo.

 

W.W.

 

As pernas de Willy Wonka estavam travadas na mesma posição há horas, assim como seus olhos estavam pregados na porta principal há horas e seu cotovelo fincado no braço da poltrona sustentava a mão em frente à boca há horas. Horas incontáveis, que começaram bem antes do raiar do sol e permaneciam correndo até depois dos primeiros raios abrirem espaço para que todo o corpo da estrela fosse visto.

Seu estômago estava vazio e sua bexiga cheia, mas nenhum órgão reclamava de seu papel, pois sabia que o cérebro estava focado demais na tragédia que acontecia naquele exato momento.

Se o chocolateiro olhasse para o relógio que estava na mesa ao lado, veria que faltavam quinze minutos para as nove horas. Aquele horário era o que as fábricas costumavam iniciar seus trabalhos, era quando os gerentes dos bancos entravam nas agencias e olhavam suas agendas, quando o horário de pico começava a esvair e o transito esvaziar. Mas ele não olhou, e mesmo se tivesse olhado, não teria se importado, pois não sabia que Arthur Slugworth costumava iniciar suas negociações às nove da manhã.

Atrás dele, com as costas endireitadas e a roupa amassada, Dóris aguardava algum movimento de seu chefe. Sua preocupação era alarmante, mas suas responsabilidades eram primordiais. Willy poderia necessitar de alguma ajuda e ela era a única que poderia fazer isto por ele.

Foi assim quando os Umpa Lumpas chegaram à fábrica. Ela fora a primeira a aprender a língua de Wonka e aprender como fazer as chatas finanças que a fábrica exigia. Foi a primeira que conseguiu escutar a lamuria de Willy e repassá-la ao líder dos Umpa Lumpas, aquele que recebia todo o cacau dedicado aos Umpa Lumpas e repartia em igual quantidade para que nenhum ficasse sem sua parte. O líder Umpa Lumpiano era quem conhecia cada um dos Umpa Lumpas com maestria e os designava aos postos certos para que a fábrica fluísse.

Dóris era o braço direito de Willy e o líder Umpa Lumpa era o esquerdo.

O relógio correu rapidamente, para a Umpa Lumpa descansada, pois ela mal havia chegado a ala e a campainha soou.

Willy descruzou as pernas e abaixou o braço erguido. A Umpa Lumpa não pode ver, mas ele também franziu a testa com desconfiança.

Havia passado, naquele momento, pela cabeça de Willy que os Umpa Lumpas estavam em risco. Eles tinham sua vila escondida em uma área de difícil acesso à fábrica, fazendo com que só aqueles que tinham pleno conhecimento da fábrica, pudessem achar a abertura que dava acesso à vila.

Mas se Arthur entrasse na fábrica, os Umpa Lumpas não poderiam ficar na vila para sempre sem serem percebidos.  A parede que os protegiam não era muito grossa e a cantoria costumeira deles seria descoberta mais rápido do que se poderia imaginar.

— Dóris. – Chamou o chocolateiro.

Ele sentira o cheiro da Umpa Lumpa antes mesmo dela chegar à porta. Havia escutado seus passos quando ela saiu do jardim que ostentava a cachoeira de chocolates, mas mesmo que seus sentidos não fossem treinados para saber tudo o que acontecia na fábrica, ele sabia que já tinha passado da hora de Dóris acordar e que ela sempre estaria por perto quando Charlie não estivesse.

Pois ela era seu braço direito. E Charlie tornou-se sua metade.

A Umpa Lumpa se aproximou e aguardou.

— Ele chegou. – O medo fez com que a voz de Wonka falhasse.

A pequenina confirmou com a cabeça. Seus olhos sempre cravados no salvador.

— Preciso que evacue a fábrica.

O pedido fez com que Dóris arregalasse seus olhinhos, mas não a fez perder a compostura.

— Use a saída de segurança e me esperem na primeira ala de descanso. Não deixe nenhum pertence visível e ninguém pode ficar na vila. Deixem todos os pertences e seja rápida.

A Umpa Lumpa prendeu a respiração.

O tom de voz de Wonka denunciava a urgência da situação, denunciava que ele pensava no pior e que o inimigo deles era um verdadeiro perigo. Willy tinha pensado que Arthur torturaria aqueles pequeninos até sua morte se os descobrissem.

— Não use o elevador. Vou precisar dele. – Willy ofegou. Sua mente trabalhando rapidamente, pensando em como teria tempo de evacuar milhares de Umpa Lumpas. – Acione o código vermelho. – Gemeu o chocolateiro.

A campainha soou novamente quando ele alertou o código a ser usado e por isto não conseguiu escutar quando Dóris gemeu assustada. O código vermelho era o que nunca seria usado, ele mesmo havia dito isto quando passou a lista de códigos criados por ele e pelo chefe dos Umpa Lumpas para ter uma zona segura em caso de invasões.

Usaram código verde quando as crianças foram visitar a fábrica e viviam sob o código branco. O primeiro pedia para verificar todos os objetos capazes de tirar a vida de um estúpido e o desligar; fora acionado uma semana antes, deixando o incinerador desligado e Veruca Salt a salvo; bem como deixava-os alertas para tomar cuidado por onde andavam.

O código branco dizia que eram livres para fazer o que bem entendessem desde que não prejudicassem a fábrica ou a outra pessoa. Tudo fluía normalmente, nos conformes já combinados antes.

Se usado, o código amarelo deixava as máquinas operando remotamente, os testes eram parados e a equipe de campo recolhia para a vila, ficando em silêncio e aguardando as ordens de Willy ou Dóris ou, depois de sua chegada, de Charlie.

O código vermelho, contudo, parava a fábrica por completo. Todos os vestígios Umpa Lumpas que fossem possíveis de serem apagados seriam e até os animais tinham que ser recolhidos às alas de proteção.

— Você tem vinte minutos, minha querida. – Disse Willy.

Era uma missão impossível.

Dóris tirou seus sapatinhos, pegou-os em suas mãos e correu.

 

W.W.

 

Estava nevando e a roupa de neve que Charlie usava quando fora capturado não lhe foi devolvida. Seus pés queimaram quando se enterraram no gelo, seu corpo ficou rígido e tremeu antes mesmo de abrirem a porta da frente, mas o pior era a pegada de Prodnose, que lhe torcia o ombro.

À frente, caminhando com esplendor e apreciando a vista devastadora da neve, Arthur caminhava quase saltitante, a neve derretia aos pés dele. Fickelgruber ia atrás de Charlie, as mãos enterradas nos bolsos da calça e uma carranca deixando claro que ele não era o maior fã daquele clima.

Um carro velho, mas muito bem conservado estava no outro lado da rua vazia. Arthur destrancou o carro e olhou em volta, esperando que Prodnose colocasse Charlie no banco de trás, algo que fora feito sem a mínima delicadeza e o garoto bateu o tornozelo em algum ferro do carro, causando uma dor intensa ao ponto de lhe fazer lacrimejar.

— Um belo dia, eu diria. – Comentou Arthur. – Vai ser ensolarado.

— Só sinto frio. – Disse Fickelgruber. Ele entrou no banco de trás, ao lado de Charlie e logo fechou a porta.

Prodnose gemeu com o ato. O combinado era que o garoto iria atrás com ele, mas Fickelgruber havia acabado com aquele plano sem, ao menos, anunciar que queria ir atrás.

— Saia! Saia! – Disse o baixinho. – Você é na frente!

Arthur olhou os capangas que começavam uma discussão besta. Prevendo que tudo acabaria rapidamente, entrou no banco do motorista e esperou que Prodnose fosse convencido a ir para seu lado. Era um belo dia para perder tento ensinando uma lição a seus capangas e ele estava animado demais para deixar que outro dirigisse seu carro.

— Não é você que sempre quis ser mais próximo do chefe – Questionou Fickelgruber. – Aproveite.

Foi possível ver a mente de Prodnose abrilhantando-se com perspectiva de ficar tão perto de seu chefe e mostrar-se mais capaz do que o outro. Feliz, mas sem sorrir, cafungando e mancando, o baixinho contornou o carro e se jogou no banco livre.

— Fickelgruber, me faz um favor? – Perguntou, retoricamente, Arthur. – Com este belo dia, abra a janela de nosso convidado. Ele vai apreciar um pouco de ar fresco depois de ficar enfiado naquela cela.

O capanga olhou para o chefe através do retrovisor e depois para o garoto. Os olhos claros brilhavam de desespero, com as pupilas tão fechadas que ele parecia não tê-las.

— Se abrir, vou ficar com frio e ele poderá fugir.

— Ah, não. Não mesmo. – Arthur sorriu com os dentes amarelados e falsos. – Veja, ele parece sedento por um pouco de ar e devemos pensar primeiro em nossas visitas, não é mesmo?

O capanga empinou o lado esquerdo do lábio superior. Aquela violência lhe era bem cansativa e desagradável. Era mesmo necessário tudo aquilo?

— Poderia me fazer este favor? – Sussurrou Fickelgruber ao garoto.

Charlie afundou nos próprios ombros antes de fazer o que lhe fora pedido. A viagem de vinte minutos seria a pior de sua vida. Congelaria seus ossos e lhe presentearia com uma pneumonia bem forte que só se mostraria dias depois.

 


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