Pelas ruas desertas e escuras da pequena cidade de Hawkins, localizada no condado de Indiana, era possível ver uma jovem mulher caminhando apressada pelo local. Seus passos eram abafados pela respiração entrecortada. Se ela pudesse ouvi-la, ou se tivesse uma imagem de si mesma, veria uma adolescente alucinada em busca do irmão mais novo.

Como era de praxe, seu irmão, Dustin Henderson havia saído a horas de casa para participar de um jogo na casa do melhor amigo Mike Wheeler. Sabia que as campanhas no D&D costumavam durar horas a fio, mas isso não a impedia de ficar preocupada com o menor e desesperada para encontra-lo a salvo. Estava tarde e, mesmo que a cidade tivesse níveis baixos de criminalidade, ainda era perigoso para alguém da idade do menor andar sozinho por aí.

Não que não fosse perigoso para ela, uma adolescente no auge dos seus dezesseis anos. Mas Louise não acreditava ser o tipo de pessoa que viraria alvo de bandidos, caso alguém fosse sequestra-la, logo a largaria no canto para pegar alguém mais interessante, exatamente como sua amiga de infância havia feito assim que ingressaram no High School.

Lola, como prefere ser chamada, estava acostumada a ficar sempre no banco de reserva e no fundo das fotos da turma. Não era algo que a incomodasse o tempo inteiro, havia aprendido a conviver com o desdém alheio e até preferia a vida como levava. Ela era bonita, com cabelos castanhos claros volumosos e olhos azuis escuros feitos como a noite nos oceanos. Entretanto, não acreditava ter o tipo de beleza que atraísse olhares dos rapazes do colégio ou fosse o suficiente para que as populares quisessem tê-la como amiga.

Falando em amigos, ela não era uma pessoa cem por cento solitária. Possuía poucos amigos, era verdade, mas esses são o suficiente para serem levados por toda sua vida. O principal deles é Jonathan Byers, um rapaz tão perdido no meio da sociedade quanto ela mesma, era como ter uma versão masculina ao seu lado desde que se lembra como gente.

Morar em cidade pequena chega a ser sinônimo de encontrar conhecidos. É como ter uma grande família que está sempre falando de você pelas costas e é obrigada a conviver. Só existe uma escola primária, um High School, os comércios são pequenos e as únicas coisas grandes da cidade são as plantações – principalmente as de abóbora – e a estação científica que fica muito afastada e ninguém ousa perguntar sobre o que acontece ali. Lola costuma brincar que só existe duas formas de sair de Hawkins, a primeira é ingressando em uma ótima faculdade e a segunda é morrendo, o que, aparentemente, é a forma que a maioria das pessoas preferem deixar a cidade rural.

Louise já havia pensado diversas vezes em deixar a cidade em que nasceu e viveu toda sua infância, mas seu irmão Dustin era o motivo que a mantinha presa naquele fim de mundo. Ela se preocupava com ele, seus pais, mesmo sendo amorosos, não eram tão cuidadosos com os filhos. O que obrigou Lola a amadurecer mais rápido e criar responsabilidade, não apenas por ela, mas pelo irmão também.

⏤ Está atrasado! ⏤ Gritou Louise ao ver o menos descendo apressado a rua sobre a bicicleta.

⏤ Lola! ⏤ Dustin freou o meio de transporte, parando quase de imediato ao lado da irmã. Sorria de maneira fofa, deixando visíveis os dentes que faltavam. ⏤ Terminamos a campanha agora e você sabe quanto tempo demora...

⏤ Claro que sei, já joguei Dungeons & Dragons várias vezes com você e seus amigos. ⏤ Ela gesticulou para que ele descesse da bicicleta. ⏤ Isso não é desculpa, deveria ter ligado. Sabe que horas são?

⏤ Desculpe, prometo que da próxima vez dou notícias. ⏤ Murmurou o mais novo descendo da bicicleta. ⏤ O Will passou por aqui?

⏤ Não, na verdade não vi nem sinal do Will. ⏤ Louise passou os braços ao redor dos ombros do mais novo, andando lentamente com ele em direção a casa. ⏤ Está com fome?

⏤ Eu comi pizza no Mike. ⏤ Dustin sorriu sem mostrar os poucos dentes na boca. ⏤ Você sabia que a Nancy está saindo com o Steve?

⏤ Qualquer idiota do colégio sabe. ⏤ O desdém era visível no tom de voz e nas expressões enjoadas feitas pela adolescente.

⏤ Vocês ainda não voltaram a se falar? ⏤ A pergunta soou baixa e temerosa, ele sabia que aquele era um terreno perigoso de ser atravessado desde o ano passado.

⏤ Quantas vezes tenho que dizer que nunca mais seremos amigas? ⏤ Lola rebateu a pergunta com outra pergunta. ⏤ Nunca vamos voltar a se falar.

⏤ A senhora Wheeler perguntou de você...

⏤ Grande coisa. ⏤ Retrucou interrompendo a frase do irmão mais novo e abrindo a porta da frente da casa. ⏤ Agora já para o banho e depois para a cama, você tem escola amanhã, todos temos.

O dedo indicador da Louise permaneceu apontado para o andar superior da casa, suas expressões faciais eram irritadiças. Não quer estivesse brava com Dustin, mas sentia incomodada com a pergunta feito pelo irmão mais novo. Mesmo tendo passado pouco mais de um ano desde a última vez que conversou com Nancy, aquele assunto era seu calcanhar de Aquiles.

Achava inacreditável a mudança comportamental da sua ex melhor amiga de infância. Desde que o maior babaca do colégio começou a demonstrar interesse amoroso por Nancy Wheeler, a menina transformou da água para o vinho em pouco tempo. Os assuntos não eram mais o mesmo, Nancy havia trocado os jogos de tabuleiros por maquiagens, as conversas interessantes por fofocas sobre garotos. Louise chegou a tentar acompanhar a ex amiga nas conversas, entretanto não conseguia achar algo em comum, era como se ela tivesse virado outra pessoa. Um cânon cresceu entre elas, uma barreira invisível da qual Louise achava impossível transpassar. Nancy agora era uma das adolescentes de quem viviam tirando sarro quando mais nova. O que Louise não sabia é que dessa vez ela seria o motivo de chacota no colégio.

Entretanto, caso houvesse alguém que compreendia o verdadeiro significado de família e amizade, essa pessoa era Jonathan Byers. O adolescente foi o único amigo de infância que não mudou a personalidade quando ingressou no ensino médio, na verdade ele era considerado um cara tão estranho quanto Louise. Eles eram conhecidos como a dupla de lunáticos paspalhões com quem ninguém queria ser visto andando.

Louise considerava Jonathan como uma das pessoas mais importantes na sua vida depois do irmão mais novo. Conseguiam conversar sobre tudo, desde revistas em quadrinho a músicas e fotografia. A amizade entre eles deu início no jardim da infância e seguiu pelo resto dos anos. Era comum Lola frequentar a casa dos Byers, aproveitava algumas das visitas para levar Dustin, assim ele poderia se divertir com um dos melhores amigos, da mesma maneira que ela se divertia com Jonathan. A presença dela na casa dos Byers era tão frequente, que chegava a ver em Joyce uma figura materna presente e a chamava de tia. Mesmo que sua mãe fosse uma pessoa amorosa, ela preferia dar mais atenção para Mews do que para ela e o irmão, principalmente depois de ter enfrentado o 'monstro' do divórcio.

A menina acompanhou o irmão mais novo com os olhos, querendo ter certeza de que ele iria direto para o banheiro da casa e não para o quarto. Assim que ele fechou a porta do banheiro atrás de si, Louise subiu as escadas e regressou para o seu quarto.

As coisas estavam do mesmo modo que havia deixado antes de sair de casa, os livros de química que usou para estudar estavam espalhados sobre a cama, próximo a eles estavam vários cartões de respostas e uma revista em quadrinhos que surrupiou das coisas do irmão mais novo. Era comum aquele tipo de empréstimo, principalmente quando Dustin ficava responsável por comprar a última edição lançada. Cada um possuía a sua própria coleção, enquanto a do Dustin era formada principalmente por revistas da Marvel a da Lola eram da DC, o que facilitava a troca literária.

Não havia nada de interessante em relação a vida da adolescente, ela era uma garota comum, vivendo uma vida comum e com enorme paixão por super-heróis, Star Wars, fotografias, filmes de terror, fliperama e jogos de tabuleiro. Ela era como um dos garotos, uma versão mais velha e feminina do Dustin. Não era a menina mais incrível e legal do colégio, mas na visão do irmão e dos amigos dele, ela era a melhor adolescente do mundo. Fato que a deixava orgulhosa.

Ela respirou fundo depois de fazer uma breve analise sobre sua vida e esparramou todos os livros pelo chão, assim que acordasse limparia a bagunça, no momento ela só queria relaxar. Limpar a cabeça dos pensamentos negativos e preparar para qualquer coisa que tivesse de enfrentar no dia seguinte. Ou melhor, teria de se preparar para enfrentar mais um dia no inferno que chamava de escola.