Cicatrizes de Tinta escrita por Sarah


Capítulo 1
Capítulo 01


Notas iniciais do capítulo

Acho que tudo o que você precisa saber é que nesse mundo cada pessoa nasce com o nome da sua alma-gêmea escrito no corpo. Porém, embora seja incomum, nem sempre as coisas fluem de forma tão organizada. E,como sempre, a sociedade não está preparada para lidar com os pontos fora da curva.

Além do mais, em quase todos os casos o nome da alma-gêmea está escrito no tronco da pessoa, de forma a ser escondido com facilidade. Até alguns anos era considerado absolutamente indecente mostrar sua marca para outra pessoa, e embora esse tabu venha caindo, ainda resta bastante dele por aí.

Enfim... Espero que gostem ao menos um pouquinho da história. E perdão qualquer coisa, estou terminando de escrever e postando quase quatro horas da manhã!




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Sirius ainda enrrugava o nariz toda vez que entrava no seu estúdio. Ele sempre tentava evitar o lugar, mas não era como se ele tivesse muita escolha naquele momento, já que estava sangrando.

— Você é um idiota — Remus murmurou, não pela primeira vez naquela noite, quando Sirius pendeu, obrigando-o a sustentar a maior parte do seu peso enquanto ambos subiam os dois degraus até a área onde ficava a maca.

Remus o depositou ali com alívio, ao mesmo tempo em que Sirius deixava escapar um lamúrio dolorido. Soou bem para Remus: o outro provavelmente merecia um pouco de dor.

— Dá próxima vez que você quiser arrumar uma briga de bar, não me arraste junto. Eu juro que nao vou fazer nada para ajudá-lo se você resolver ser estúpido novamente.

Sirius respirou fundo, engolindo a dor, para então lhe lançar um olhar de desafio.

— Mentiroso.

Ele estava certo, obviamente. Remus nunca seria capaz de deixá-lo sozinho. Supunha que devia se sentir irritado por Sirius conhecer esse fato e lançá-lo daquela forma prepotente, mas o único sentimento que o alcançou foi cansaço.

— O cara esfaqueou você, Sirius. Isso poderia ter terminado muito, muito mal — Remus falou como se estivesse explicando aquilo para uma criança pequena.

Sirius devia ter notado a preocupação em seu tom, pois dessa vez ao menos teve a decência de parecer constrangido. Ele desviou os olhos para um dos desenhos na parede, e Remus aproveitou para se afastar e pegar sua caixa de primeiros socorros.

Quando retornou, Sirius apontou para o Sherlock Holmes vestido de samurai entre os outros quadros — uma bruxa voando numa vassoura, um navio pirata, uma bailarina com uma espada presa na cintura, um lobisomem uivando para a lua cheia.

— O Sherlock é novo — ele comentou casualmente.

— Não tanto. Você simplesmente nunca vem aqui para saber. — Havia uma pontada de acusação na sua voz, mas Remus considerou que tinha direito àquilo depois do fim de noite que Sirius tinha lhe proporcionado.

Sirius não se abalou muito, e apenas deu um muxoxo incompreensível em resposta. Remus suspirou, aproximando-se dele com antisséptico e agulha de sutura. Durante todo o caminho até ali, Sirius mantivera seu casaco firmemente apertado contra o corte. Remus esperava que o sangramento tivesse estancado àquela altura.

— Eu preciso ver o machucado.

Sirius assentiu, mas não fez nenhum outro movimento além de morder os lábios.

— Não vou tirar a camisa.

Oh, claro que não. Sirius era um tipo antiquado — Remus pensou com ironia. Na época dos seus avós seria escandaloso exibir o nome da sua alma gêmea para outras pessoas, ainda mais antes de conhecê-la. Sirius parecia bastante satisfeito em ir contra as todas as tradições que a família Black se orgulhava de manter, mas nunca tinha deixado que nenhum deles o visse totalmente despido. Enquanto cresciam, e ele ia se tornando cada vez mais esse garoto feito de cabelos longos e olhos que pareciam nuvens de tempestade, era mais difícil conciliá-lo com aquele pudor, mas ali estava.

Um hematoma começava a florescer na bochecha dele, Remus reparou. Provavelmente haveria uma mancha roxa brilhante na sua face pela manhã. Por algum motivo o pensamento fez o coração de Remus apertar, e a certeza a absoluta que não era seu nome desenhado no peito de Sirius doeu. Não era um sentimento incomum, e Remus se forçou a suprimi-lo.

— Não vou levantar sua blusa, eu prometo, só o bastante para ter acesso ao corte. Isso é aceitável? — A última questão foi carregada com um pouco de ironia, pois Remus sabia que Sirius não teria se deixado conduzir até ali se não fosse. Eles contavam quinze anos de amizade: fora o suficiente para que Remus deduzisse que o nome da alma-gêmea de Sirius estava escrito acima daquele ferimento, muito provavelmente na altura do coração, e isso era tão clichê.

Sirius aquiesceu mais uma vez. Ele retirou o casaco lentamente de cima do corte. O tecido estava impregnado de vermelho, porém o ferimento já tinha parado de sangrar. Em seguida, Sirius levantou sua camiseta alguns centímetros, expondo o ferimento e a maior parte da sua cintura.

O rasgo era mais largo do que Remus tinha avaliado a princípio, no entanto ainda era algo com que ele podia lidar sozinho. Jogou antisséptico na ferida. Sirius uivou de dor.

— Você poderia ter avisado que ia fazer isso! — ele se queixou.

Por sua vez, Remus deu de ombros.

— E perder a diversão?

Mas não foi divertido quando Remus deu o primeiro ponto e Sirius ganiu em agonia, embora ele tivesse procurado por aquela dor ao se meter numa briga apenas por capricho.  

— Eu deveria ter bebido mais — Sirius gemeu entre um ponto e outro. Normalmente Remus não concordaria com aquilo, mas essa era uma excessão.

Com um suspiro exasperado, Remus deixou sua tarefa por um momento. Sirius apenas observou, surpreso, quando ele voltou com uma garrafa de vodka nas mãos e a estendeu.

— Tudo o que vossa majestade precisar — Remus falou. Sirius conseguiu sorrir através da dor.

Os pontos que se seguiram foram mais fáceis, com Sirius lânguido em suas mãos, em vez de se contorcendo cada vez que a agulha encontrava a pele. Remus tratou o ferimento com cuidado, pontos pequenos e bem amarrados, que deixariam uma cicatriz delicada. Ao acabar, derramou mais uma dose de anti séptico na ferida. Houve um espasmo involuntário, mas Sirius deixou escapar apenas um gemido baixo.

— Você deveria dormir.

Sirius balançou a cabeça diante da sugestão.

— Não aqui.

Remus cerrou os dentes.

— Eu nunca matei ninguém nessa maca, você sabe. — Diante daquelas palavras, Sirius lhe lançou um olhar bêbado e desconfiado. — Deuses, Sirius!

— Não é muito diferente, é? Só que você só mata metade deles?

Remus sentiu uma onda de amargor encher sua boca. Sirius estava torcendo a barra da sua camiseta, os dedos fortemente fechados sobre o tecido. Ele tinha o braço cruzado sobre o peito numa atitude protetiva.

Eles eram amigos desde os onze anos, Remus mal podia lembrar de um tempo em que Sirius e James não estiveram por perto, e, ainda assim, sempre tinham evitado aquele assunto, em grande parte porque o pudor de Sirius em discutir suas almas-gêmeas também servira a Remus. Não era inteligente discutir aquilo quando Sirius estava bêbado, mas, céus, Remus também tinha álcool demais nas veias.

— Eu só faço isso quando me pedem, Sirius. Quase nunca desenho diretamente sobre a marca original… Todos os escritos que eu faço são para consertar alguma bagunça. Talvez você não saiba disso, mas as marcas não acertam sempre, sinto informar. Pode confiar em mim sobre isso.

Ainda assim, se ele fosse pego desenhando na pele das pessoas, seria condenado à pena de morte facilmente. Remus gostava de acreditar que esse era um dos motivos pelos quais Sirius se sentia tão desgostoso quanto a sua escolha de profissão, mas isso era apenas um auto-engano, considerando a forma como os nós dos dedos dele estavam brancos, apertados contra o tecido da sua blusa. Forjar o nome de uma alma-gêmea era considerado algo terrível, repugnante, o pior tipo de traição e falsidade que alguém poderia cometer. Remus não era tolo, ele podia entender porque a sociedade tinha caminhado para esse tipo de pensamento, pois coincidia muito bem com a ideia de que almas-gêmeas eram combinações perfeitas e imutáveis, e que sempre vinham num encaixe de par em par.

Sirius tinha passado a vida inteira se agarrando àquele conto de fadas — na maior parte do tempo verdadeiro, mas nem sempre; ohh, Remus tinha certeza disso —, e o fato de que Remus escolhera trabalhar desenhando nomes na pele das pessoas o machucava.

Se estivesse sóbrio, Remus apostaria que Sirius iria tentar lutar contra suas palavras, mas naquele momento, repleto de álcool e com um corte recém costurado na cintura, Sirius apenas lhe deu um olhar terrivelmente vulnerável e agarrou a barra da camiseta com mais força. Por um instante, Remus achou que ele fosse chorar.

Na última vez que havia visto Sirius chorar, ambos tinham quatorze, e Remus só tinha ficado parado a três passos de distância de Sirius, sem a menor ideia do que fazer ou do que falar, até que James passara por ele como se ele fosse um idiota e abraçara Sirius. Remus não achava que estaria melhor preparado para lidar com as lágrimas de Sirius nesse momento do que estivera doze anos atrás.

Talvez fosse a bebida, ou desespero, ou talvez ele estivesse tentando espelhar o gesto de James, mas, então, Remus se curvou e beijou a cabeça de Sirius, sobre seus cabelos negros. Sentiu o ofegar da respiração dele contra o seu peito, onde o rosto de Sirius tinha se aconchegado, e isso o encheu de calor.

Durou apenas um segundo. Remus se afastou, consciente de que estava muito vermelho. Sirius parecia aturdido demais para realmente compreender o que tinha acontecido, mas a surpresa tinha afastado o resto dos sentimentos desolados que ameçavam engolfá-lo.

— Vamos dormir, Sirius. É muito tarde e estamos muito bêbados para ir para outro lugar — Remus disse, e dessa vez Sirius não contestou. — Você fica no sofá — orientou.

Sirius assentiu. Remus deu a mão a ele, para que descesse da maca e refizesse o caminho dois degraus abaixo, até a área de espera do estúdio. Sirius se aconchegou no sofá sem mais nenhuma queixa, a não ser um ligeiro gemido de dor ao deitar, quando a pele ao redor do corte esticou.

Remus passou por ele e estava tentando desenterrar alguns cobertores de um armário quando a voz de Sirius soou às suas costas.

— Eu sei que você só dá às pessoas o que elas pedem. Sei que você não tem má intenção...

Claro que sabia.

— Eu não esperaria que você continuasse meu amigo se realmente achasse que eu tenho má intenção, Sirius — Remus falou sem se voltar para ele. Ambos já tinham tido o suficiente para aquela madrugada.

No momento em que finalmente conseguiu pegar os cobertores, Sirius já estava dormindo.

Remus o cobriu e jogou uma das cobertas no assoalho para servir de colchão improvisado, usando a outra como manta. Ele quase nunca dormia no estúdio. Por muito tempo se sentira tentado a poupar um aluguel, e trabalhar e morar no mesmo lugar, mas não valia o risco, considerando as consequências caso alguém descobrisse o que ele fazia ali. No entanto, depois da bebida, da briga no bar e de costurar uma ferida sangrenta, a noite estava muito silenciosa. Estar deitado no chão do estúdio com Sirius a apenas alguns centímetros de distância parecia quase aconchegante.

Remus deixou-se concentrar na respiração compassada de Sirius até adormecer.


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