Mistério em Alto Monte escrita por HugoMartins


Capítulo 1
A represa.




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Nós temos a contínua ilusão de que o céu é melhor do que a terra. Talvez sejam as nuvens que se movem durante o dia, ou talvez as estrelas perfurando o horizonte à noite. Sempre consideramos o que está acima melhor do que está embaixo. Mas, isso nem sempre é verdade.

Em uma tarde nublada, um carro luxuoso desliza montanha abaixo. É um carro bonito e brilhante, todo vermelho. Ele se aproxima da entrada suntuosa e aguarda enquanto o porteiro abre o pesado portão de ferro. O homem gordo dentro do carro dá uma piscadela para o porteiro e acelera rumo à planície do pequeno vilarejo que fica ao pé do monte.

O homem gordo dirige com segurança. Ele põe a mão no bolso da camisa e retira um bombom. Enquanto rasga a embalagem, desvia o olhar para desembrulhar o doce e assusta-se com um cão que atravessa correndo a estrada. O carro ziguezagueia na pista encontrando logo a estabilidade nas mãos do homem gordo. Ele rapidamente põe o bombom na boca e revira os olhos sob o prazer que o doce causa.

O homem gordo estaciona o carro vermelho próximo a uma tenda, montada na beira do rio Papuá. O prefeito, e um monte de empresários bajuladores estão esperando aquele que deu o pontapé inicial para a construção da represa.

— Meu caro Arnoudo! Estávamos prestes a abrir a represa sem você - disse o prefeito abrindo os braços em direção a Arnoudo que descia do seu carro vermelho.

— Você não tem coragem suficiente pra fazer isso, pequeno Wesley - disse Arnoudo jogando o paletó sobre os braços do prefeito Wesley.

O prefeito se aproxima da comitiva que aguardava ansiosa a abertura da represa. Todos olham admirados o excesso de peso do comedor de bombons.

Arnoudo agarra um microfone que está próximo e, olhando para os empresários famintos por lucros, diz: - É com grande prazer que hoje damos início a uma nova era à cidade de Alto Monte. Esta represa significa o progresso que tanto aguardávamos. Agora não iremos precisar da represa de Nova Olinda, porque temos a nossa. Somos independentes e auto-suficientes em matéria de geração de energia. Lutamos e trabalhamos duro para conquistar a nossa independência, e aqui estamos, realizando os nossos sonhos e trazendo riqueza para a nossa cidade.

Os homens engravatados vibram a cada palavra do grande Arnoudo. Ele é o orgulho do povo de Alto Monte. Um símbolo de prosperidade e sucesso. Um herdeiro que vive em um castelo no alto de um monte. Enquanto que os reles mortais rastejam na planície da pequena cidade ao redor.

Um caminhão com a carroceria aberta se aproxima da tenda que abriga os engravatados. Uma jovem negra com cabelos black power salta do caminhão com um megafone na mão.

— Preserve a natureza, abaixo a represa! Preserve a natureza, abaixo a represa! - grita a jovem acompanhada com mais uma dezena de outros jovens.

Arnoudo olha com desprezo o grupo e, com a calma de quem tem o controle, diz: - Vocês perderam! Vocês perderam! Vocês não conseguem aceitar e eu imagino que seja difícil aceitar, mas, vocês perderam. Por que tanto ódio a um projeto que vai melhorar a vida de milhares de pessoas neste lugar? Por que abrigar tanto ódio assim?

A jovem toma a frente do grupo e diz: - Você fede Arnoudo! Você e toda a sua trupe destroem e não levam o povo a lugar nenhum. Essa represa só interessa a vocês ricos, porque os ribeirinhos estão falidos. Acabou a pesca porque a sua represa levou todos os peixes!

— É mentira! - grita Arnoudo com o dedo em riste - Como ela se chama? A pretinha? - pergunta Arnoudo ao prefeito.

— Ana Rosa! - responde  o prefeito.

— Você sabe quantos empregos foram criados na construção desta represa? E quantos ainda serão criados para manter este projeto? Você sabe, Ana Rosa? - pergunta Arnoudo.

Um dos engravatados se aproxima de Arnoudo com um tablet nas mãos.

— O tio dela é empregado da Corporação. - diz o engravatado ao pé do ouvido de Arnoudo.

Arnoudo volta sua atenção novamente para Ana Rosa e diz: - Como se chama o seu tio, criança?

As mãos de Ana Rosa apertam o megafone. Um leve tremor percorre o seu coração. É possível ver a palma de sua mão sem sangue ao apertar o megafone. Um dos jovens que acompanha Ana Rosa põe a mão em seu ombro e chama ela para ir embora. Ela sai furiosa e indignada.

Arnoudo senta-se em uma cadeira de praia enquanto uma jovem asiática lhe oferece uma bandeja repleta de doces. Arnoudo começa a comer um por um. Ele olha para os doces que tem o seu nome gravado em cada um e se delicia com as iguarias.

    

Arnoudo dirige seu carro em direção à mansão no alto do monte. Mas, antes de entrar na estrada que leva à sua casa, ele desvia o caminho indo em direção a um lixão. Arnoudo para no acostamento e desce do carro desconfiado. Ele olha pra todos os lados enquanto se aproxima do porta-malas. A estrada está deserta.

Ao longe, uma jovem com os dentes cobertos de ferro, pedala por uma trilha na floresta, quando ela avista Arnoudo próximo ao carro no acostamento. Ela para assustada e, se esconde atrás de uma árvore. Seus olhos acompanham atentos cada movimento de Arnoudo. Ela parece não acreditar no que está vendo.

  

Ligia entra na bomboniere e vai em direção ao balcão. A garçonete aparece e, logo abre a porta do balcão indo em direção à Ligia. Ela lhe dá um abraço caloroso.

— Lígia. Eu sinto muito - diz a garçonete ainda abraçando-a.

— Tudo bem Marcela. Eu vou encontrá-lo. - diz Ligia parecendo consolar a si mesma.

Ligia mostra os cartazes que segura em sua mão à Marcela.

— Eu posso colar alguns na parede? pergunta Ligia.

Marcela concorda e logo pega alguns cartazes com a foto de um garoto. O cartaz destaca que ele está desaparecido, a roupa que usava quando sumiu e os telefones para contato, além de uma recompensa.

Ligia é morena e tem olhos pesados de chorar. Seus cabelos outrora brilhantes e sedosos, agora estão presos em um rabo de cavalo. Mas sua boca protuberante e seus olhos felinos continuam a despertar a atenção em muitos homens. Ela parece estar na casa dos 30 anos ainda.

Uma jovem estaciona a bicicleta em frente à bomboniere. Seus dentes cobertos de ferro dão um volume extra à sua boca. Ela está esbaforida, cabelos desgrenhados, parece ter se deparado com um tornado e ainda está em choque. Entra na bomboniere e corre em direção à Ligia.  

— Dona Ligia eu preciso falar urgente com a senhora - diz a jovem apressada e eufórica.

— O que foi menina? - diz Ligia preocupada.

— É sobre o David! Eu vi uma coisa hoje e acho que posso ajudar! - diz a jovem.

Marcela sai mais uma vez detrás do balcão e para em frente à jovem. Ela tem a expressão séria.

— Olha aqui Camila, se você acha que pode usar o sumiço do David pra fazer mais uma de suas intrigas, você está completamente enganada. Ninguém mais cai nas suas conversas fiadas, nós estamos cansados de suas invencionices. - diz Marcela com raiva.

— Mas eu juro que não é invenção, eu vi algo, de verdade. - diz Camila.

Marcela olha para Ligia e diz: - É por sua conta e risco Ligia. Só não esqueça do que a jovem Camila é capaz de criar sobre a vida dos outros.

— O que você viu Camila? - pergunta Ligia.

— Vem comigo. Eu vou te mostrar! - diz Camila.

Um caminhão percorre o lixão enquanto vários homens jogam o lixo dentro. Do alto da colina, Camila aponta para o vale onde fica o lixão. Ligia está ao seu lado.

— Estava ali tia Ligia, eu juro! - diz Camila convicta, apontando para o vale.

— Eu não vejo nenhuma bicicleta Camila - diz Ligia confusa.

— Eu juro por tudo que é mais sagrado que eu vi o seu Arnoudo abrir o porta-malas e tirar a bicicleta vermelha do David, eu juro tia Ligia. Eu não iria brincar com algo tão sério. Ele jogou a bicicleta bem ali, próximo àqueles arbustos.

— Você tem certeza Camila? Pergunta Ligia mais uma vez.

— Eu juro pela alma da minha mãe mortinha! - Camila fala crédula.

— Sua mãe já está morta Camila - diz Ligia.

— Eu juro tia Ligia. Eu juro!

   

O delegado Celso tem um grande bigode grisalho e ostenta grandes orelhas de abano. Ele se recosta em sua cadeira enquanto o prefeito de Alto Monte termina de fazer seu monólogo.

— Não se preocupe Celso! Toda a verba necessária virá, eu só quero discrição nos seus serviços. Agora que temos uma represa seremos uma pequena cidade rica. - diz o prefeito convicto.

— Com certeza prefeito, com certeza. - diz Celso entediado.

O prefeito aperta a mão do delegado Celso e sai da sala. Antes da porta fechar um policial põe a cabeça pra dentro e diz: - A dona Ligia quer falar com o senhor.

— Manda ela entrar. - ordena o delegado Celso.

Ligia entra acompanhada da jovem Camila. Ela tem bolsões debaixo dos olhos e lábios ressecados.

— Doutor Celso, pelo amor de Deus encontre meu filho. - suplica Ligia.

— Nós já percorremos toda região do vale de Alto Monte, comunicamos o sumiço aos municípios vizinhos e ainda continuamos com a busca no rio. - diz o delegado Celso.

— Vocês ainda não subiram até à mansão no alto do Monte. - replica Ligia. - Por que ainda não foram lá? Eu preciso saber onde está meu menino! Me ajude doutor, por favor - Ligia diz derramando lágrimas.

Ligia observa o entardecer pela janela. Nuvens negras se formam no céu.

— Parece que hoje teremos chuva - diz Ligia.

— Sim! Nós faremos o possível pra encontrá-lo. Acreditamos que seu filho não subiu o monte rumo à mansão. Por isso que ainda não investigamos lá. - argumenta o delegado Celso.

— Vocês não subiram porque não querem incomodar o grande Arnoudo em seu castelo. Vocês são frouxos e covardes, apadrinhados dele. - diz Ligia se exaltando.

— Êpa êpa Ligia. Eu sei que você está fragilizada com tudo o que está acontecendo, mas não utilize isso para desrespeitar as pessoas. Mantenha o controle. - diz o delegado apaziguador.

— Se depender de você o meu filho nunca vai ser encontrado. - diz Ligia levantando e saindo da sala.

A cidade de Alto Monte é conhecida pela educação de seu povo, uma igreja que ostenta um alto pináculo e agora uma represa para mostrar o orgulho do povo.

Ligia entra em casa resolvida a encontrar seu filho. Ela abre uma grande mochila e joga dentro uma corda, um canivete, uma lanterna, um mapa da cidade, um cantil e uma arma. Ela carrega a arma enquanto prende os seus cabelos negros em um coque.

Já é noite quando Ligia abre a porta da sua casa e se depara com Camila sentada na calçada. A jovem dá um pulo sobressaltada e olha resoluta para Ligia.

— Eu vou com a senhora! - diz Camila, com seus 15 anos e seu aparelho cobrindo os dentes.

— Nem pensar! - diz Ligia fechando a porta atrás de si.

— Eu vou e não se fala mais nisso. - insiste Camila.

— Garota você não tem mãe não? - pergunta Ligia.

— Não! - diz Camila olhando para os pés.

Ligia revira os olhos sentindo-se culpada. -  Ahh me desculpe, eu não queria ter falado isso.

— Sem problemas! Se ela fosse viva provavelmente não iria me impedir de subir a montanha. Eu ouvi dizer que coisas estranhas acontecem naquela mansão. - diz Camila em uma tacada só.

— São lendas. - diz Ligia.

Elas caminham em direção às bicicletas estacionadas junto ao poste.

— Dizem que na casa que eles têm em cima da torre, mora um fantasma. - diz Camila fazendo suspense.

— Isso não existe - Ligia fala, incrédula.

— Por que além de uma grande mansão, a família Meyson tinha que construir uma grande torre com uma casa em cima? Você não acha isso meio megalomaníaco? - pergunta Camila - Parece que eles querem se distanciar o máximo dos pobres mortais que moram na planície. Isso sempre me pareceu estranho.

Ligia revira os olhos, impaciente, enquanto pedala em direção ao pé do monte.

— Monstros, fantasmas. Alguns dizem que o Arnoudo balofo coleciona corpo de prostitutas de outros vilarejos. - diz Camila tentando chamar a atenção de Ligia.

— As pessoas dizem muitas coisas. E nem tudo o que elas dizem é verdade. Por isso devemos ver com os próprios olhos. - diz Ligia revoltada.

— Só porque não vemos não quer dizer que não exista - replica Camila.

— Você é muito espilicute. Se vai subir o monte comigo, pelo menos fique quieta. - adverte Ligia.

— Tá bom tá bom. Mas é verdade! - diz Camila sorrindo.

Ligia e Camila continuam pedalando. Elas se aproximam do pé do monte.

— Preparada? Pergunta Ligia a Camila.

Ela assente e sorri para Ligia.

— Então vamos lá! Eu vou te achar meu filho! - diz Ligia esperançosa.


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Notas finais do capítulo

CONTINUA - PR?“XIMO CAPÍTULO SERÁ PUBLICADO NA TERÇA DIA 19/12.
ATÉ MAIS!



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