Capítulo VI

Jade

Só havia se passado duas semanas de aula, mas isso já fora o suficiente para me deixar completamente acostumada com a vida de universitária. As aulas eram bem mais divertidas e interessantes do que a tortura que eu vivia no colégio, muito provavelmente porque agora eu estava estudando apenas matérias que eu gostava. Era incrível saber que eu nunca mais precisaria entender o que era um porífero ou como calcular uma estequiometria, e eu ficava animada por ter aulas como Desenho Artístico ou História da Arte, assuntos que realmente chamavam minha atenção.

Também estava muito feliz com a volta do Philip na minha vida. Apesar de ele não passar muito tempo com a gente, especialmente por causa de Leonard, era bom encontrá-lo no campus de vez em quando e saber que ele estava bem. Ele sempre foi um grande amigo meu e eu o considerava quase como um irmão para mim. Por isso, uma das melhores coisas que a universidade me proporcionou, com certeza, era a sua presença.

Eu só podia torcer, entretanto, para que a Diana se tocasse que o Leonard não era o cara certo para ela, mas sim o Philip. Mesmo após anos, esses dois ainda não tinham aprendido a disfarçar o amor e carinho que sentiam um pelo outro. Para mim, era claro que poderia acontecer algo muito bonito entre os dois. Eles só precisavam de um empurrãozinho, e isso eu estava preparada para fazer.

— Srta. Wilson. — meus pensamentos evaporaram quando ouvi o Sr. Carter, meu professor de Matemática 1, chamar pelo meu nome. — O que a senhorita está esperando?

— Eu… — não fazia ideia do que ele queria, porque não estava prestando atenção em suas palavras anteriores.

— Eu acho — Luke disse ao meu lado. — que ele quer que você vá lá na frente resolver a questão que ele passou. Mas só acho, mesmo.

Em todas as aulas de Matemática 1, ele se sentava ao meu lado, desde o primeiro dia. Na maioria das vezes, tudo o que nós falávamos um para o outro tinha um tom de ironia, mas eu não me incomodava com isso. Era uma brincadeira que eu achava até engraçadinha, e, por mais que eu evitasse admitir, adorava ver o sorriso dele, que era lindo, quando ele ria.

— Muito obrigada, Alteza. — rebati baixinho, enquanto me levantava, relembrando de uma das piadas que fiz no dia em que nos conhecemos. — Está pronto para ver como se deve resolver uma questão da maneira mais inteligente possível?

Luke estava prestes a responder, provavelmente também de maneira sarcástica, quando o professor nos interrompeu.

— Sr. Edwards, já que você parece tão interessado na Srta. Wilson e na questão que ela precisa resolver, porque o senhor não vem até aqui e faz o mesmo? — a sala toda segurou o riso enquanto eu, que já tinha chegado na frente da sala, observei-o andar e parar do meu lado, pegando duas canetas de quadro.

— Com certeza, Sr. Carter. — ele me entregou uma das canetas e sussurrou, para que apenas eu ouvisse suas próximas palavras. — Que o mais rápido e inteligente vença, então.

Pude sentir seu desafio no tom de sua voz, então sorri para ele de maneira competitiva e logo comecei a resolver a questão, sem perder mais tempo. Ele também se virou para o quadro e começou seus cálculos. Ficamos assim, apenas pensando e sentindo a classe toda nos encarando atrás de nós. A maioria dos estudantes sabia da nossa pequena competitividade, e muitos achavam engraçada a maneira como nós nos tratávamos.

Após alguns minutos, consegui terminar a questão e achar o resultado. Logo me virei para o professor, orgulhosa ao perceber que Luke ainda estava raciocinando, apesar de também estar próximo da resposta, como pude ver em seus cálculos.

— Acabei, Sr. Carter. Achei a resposta certa? — perguntei.

— Deixe-me ver… — ele olhou e logo sorriu. — Corretíssimo, Srta. Wilson.

— Também terminei, professor. — Luke disse ao nosso lado, mas pude ver que ele estava fingindo estar desapontado pela derrota.

— Também está certo, Sr. Edwards. — assim que ele respondeu, o sinal bateu e todos começaram a arrumar seus materiais para sair. — Classe, até a próxima aula. Estão dispensados.

Dirigi-me em direção a minha mesa e coloquei todos os meus pertences na minha bolsa. No momento em que coloquei-a no ombro e estava quase saindo da sala, porém, ouvi Luke me chamar e me virei para esperá-lo. Ele juntou suas coisas e saímos lado a lado da sala, indo para o refeitório, pois era a hora do almoço.

— Acho que te devo meus parabéns, afinal. — ele disse e eu ri, agradecendo. — Apesar de eu só ter perdido para que você pudesse ganhar.

— O que? — ri mais ainda. — Conta outra, Edwards. Não precisa ter vergonha em admitir que eu ganhei. Perder faz parte da vida, mas não te torna um fracassado, eu juro.

Ele riu também e então seguimos alguns minutos do caminho em silêncio. Até que, de repente, ele perguntou:

— Qual é o curso que você faz? — estranhei a honestidade e falta de ironia, mas apreciei sua tentativa de puxar assunto.

— Eu faço Arquitetura. Você não? — ele negou com a cabeça. — Então como estamos na mesma sala?

— Na realidade, eu faço Engenharia Civil, que também tem Matemática 1. Por isso somos da mesma classe. Mas acho que só temos essa matéria em comum…

— Realmente. Eu nunca faria engenharia. Muita física e química para mim.

— Então você gosta de matemática, mas não se interessa pelas outras matérias de exatas? — afirmei e ele ficou pensativo por uns segundos. — Nunca tinha conhecido ninguém assim.

— Eu sou diferente das outras pessoas. — disse, de brincadeira.

— Isso eu não posso negar… — ele respondeu e chegamos finalmente ao refeitório. — A rainha da ética tinha que ser realmente fora da curva.

— Exatamente. — achei graça de como rapidamente conseguimos voltar para a ironia. Então, avistei Diana e Leonard em uma das mesas. — Tenho que ir. Mas a gente se vê por aí, Alteza.

— Até mais, vencedora. — ele acenou sorrindo e foi para longe.

Quando cheguei na mesa onde minha amiga e seu namorado estavam, porém, fui atacada por um milhão de perguntas de Diana, todas especificamente sobre Luke.

— Calma, Di. — eu ri enquanto me sentava e retirava um sanduíche que havia feito de manhã da mochila. — Ele é aquele garoto da festa do primeiro dia, lembra que depois eu te contei? Nós conversamos de vez em quando.

— Como assim, “nós conversamos de vez em quando”? Eu quero detalhes! — ela segurou as minhas mãos e eu ri.

— Não tem nada demais, eu nem sei muito sobre ele. — falei, apesar de não ter tanta certeza disso. Desde o início eu havia achado o Luke muito bonito, e isso eu não podia negar. Pelo menos não para mim mesma. Para Diana, negaria até o fim dos tempos.

— Pode não parecer nada demais para você, mas ele é bem bonitinho, hein… — ela brincou.

— Diana! — Leonard logo gritou. — Ficou louca?

— Desculpa, Leo. Era só brincadeira. — ele ficou calado e eu só pude revirar os olhos. Era sempre assim, e o ciúme de Leonard nunca parecia ter fim.

Ficamos em silêncio até o fim do almoço e logo eu levantei, não aguentando mais aquele clima levemente tenso e desconfortável que Leonard havia instalado na mesa. Fui para as minhas aulas da tarde e o tempo passou voando. De repente, já era noite e o último sinal havia tocado, indicando que era hora de voltar para o dormitório.

Estava andando calmamente pelo campus, entretanto, quando ouvi uma voz bem familiar me chamar. Parei a caminhada para virar-me para o local de onde eu havia escutado meu nome, e confirmei o que já esperava ao ver Philip vindo em minha direção, acenando. Fiz o mesmo e cheguei mais perto, o que fez com que logo estivéssemos cara a cara.

— E aí, tudo bem? — ele me deu um abraço rápido. — Estava indo para seu quarto?

— Sim… — de repente tive uma ideia. — Mas bem que eu queria conversar com você. Sabe, colocar o papo em dia.

— Tem um Pizza Hut aqui no campus, não sei se você sabe. Podemos ir lá, se você quiser.

— Mas é claro que eu quero! — passei meu braço em volta do seu. — Mostre-me o caminho.

Então fomos até o restaurante, que eu não sabia que existia aqui na universidade, mas fiquei feliz de saber que sim. Durante o caminho e enquanto esperávamos pela pizza que havíamos pedido, conversamos sobre todos os assuntos possíveis, e eu estava muito feliz de poder voltar a saber de tudo da vida dele.

— Não sabia que você tinha se mudado para Liverpool! — falei quando ele contou onde estava morando antes de vir para cá, pois aquela era a cidade onde eu havia nascido, apesar de ter crescido em Brighton. — Se você tivesse me falado, eu teria te apresentado para alguns dos meus primos! Eles adorariam ter te conhecido.

— Eu sei, mas você entende por que eu não te falei, não é? — ele parou por alguns segundos. — Você e a Diana sempre foram como irmãs. Eu não…

— Eu te entendo, Philip. — respondi, meio chateada. O caminho que as coisas haviam tomado não era o meu favorito, mas ele tinha uma certa razão. Eu nunca trairia a Diana de maneira alguma. Nós nos tornamos amigas antes mesmo de conhecermos o Philip, e sempre estávamos juntas.

— Por falar nela, como estão as coisas? Digo, com o Leonard. Ele sempre me pareceu um pouco… ciumento demais, digamos. — dei um sorriso fraco. Era óbvio que ele ainda se importava com a minha amiga, e isso me deixava feliz.

— Philip, eu vou ser bem sincera, porque confio em você. — ele me encarou e eu fiz o mesmo. — Eu nunca gostei do Leonard e muito menos da maneira com a qual ele age com a Diana. Já tentei falar isso para ela umas mil vezes, mas parece que ela está cega… Eu tenho certeza de que ela não é e nunca será completamente feliz com ele. Conheço outra pessoa que a trataria muito melhor. Esse sim tem meu total apoio. Mas, infelizmente, no final do dia apenas ela pode escolher, e não eu. Tudo o que eu posso fazer, como amiga dela, é aceitar sua decisão.

Depois do meu pequeno discurso, ficamos pelo menos uns 10 minutos sem falar mais nada. Eu sabia que Philip havia entendido quem eu achava que a trataria melhor, pois essa pessoa era ele próprio. Decidi não comentar mais sobre esse assunto para deixá-lo pensar sobre o que eu contei a ele, e então, voltei a conversar sobre temas mais leves, até que nós terminamos a pizza, pagamos e fomos embora. Ele me levou até a porta do meu dormitório e nos despedimos.

Quando finalmente cheguei ao quarto, já passava das 22h. Diana, que estava em sua cama vendo um filme no computador, deu pausa e me encarou.

— Onde raios você estava?

— Fui comer uma pizza com o Philip. — ignorei o olhar incrédulo que ela me deu e troquei de roupa, colocando o meu pijama.

— Desde quando vocês são amigos assim?

— Desde sempre, ué! — respondi enquanto ela revirava os olhos. — Acho que conhecemos ele com o que, uns 7 anos?

— Para de graça, Jade. — eu dei uma risada e ela acabou sorrindo também. Apaguei as luzes e fui deitar na minha cama, quando me lembrei de algo que precisava contar a ela.

— Ele me perguntou de você. — logo a olhei para ver sua reação e fiquei feliz em ver que ela havia ficado envergonhada. — Foi uma conversa… esclarecedora. Para ele e para mim também.

— Olha só o que você está fazendo, hein, Jade. — ela desligou o seu computador e se virou para dormir. — Eu tenho namorado e você sabe.

Decidi ignorar sua última fala e a desejei boa noite, fechando os olhos. Sim, eu sabia que ela tinha um namorado, mas também sabia que esse namoro estava com os dias contados. Se fosse por mim, ela já teria terminado com Leonard há muito tempo. Porém, do jeito que as coisas estavam fluindo, faltava pouco para eu finalmente ter o que sempre previ e quis que acontecesse: meus dois melhores amigos juntos.

E foi com esses pensamentos que adormeci, feliz e esperançosa.