A noite havia caído do lado de fora, e dentro de um dos inúmeros velhos sobrados de Paris, uma jovem criava coragem para adentrar o próprio apartamento.

A cena seria cômica, se não fosse trágica.

Após destrancar a porta, Marinette pôs apenas a cabeça para dentro da sala, preparando-se para dar de cara com a expressão nada satisfeita de seu namorado.

Quase chorando de alívio, constatou que ele não estava por ali e, considerando o silêncio local, era provável que ainda não tivesse chegado. Caso contrário, poderia escutar a voz de Plagg, reclamando de qualquer coisa. O Kwami negro tinha o mal costume de tagarelar a cada minuto.

Mais tranquila, caminhou até a cozinha conjugada e contornou o balcão, dirigindo-se a geladeira. Sua tarde havia sido exageradamente carregada de tensão, tanto que ela sequer havia se lembrado de comer ou beber. E olha que ela nem havia almoçado.

Sentindo a garganta arder de tanta sede, apanhou um latinha de suco de uva e, antes mesmo de fechar a geladeira, sorveu praticamente a metade do conteúdo, em apenas um gole. Emitindo um suspiro satisfeito, fechou a porta, preparando-se para voltar, enquanto fantasiava um banho relaxante de ao menos vinte minutos.

Contudo, ao virar-se, tomou um susto tão grande, que sentiu o suco arranhar a garganta, tendo tempo apenas de virar a cabeça para não jogar todo o líquido que preenchia a sua boca em Chat Noir, que estava parado a sua frente, com os braços cruzados e uma expressão de poucos amigos.

Marinette tossiu algumas vezes e sentiu o nariz arder, ato que não foi o suficiente para amenizar a expressão do namorado, nem quando a transformação desfez-se, gradativamente, revelando um Adrien em posição idêntica e semblante tão severo quanto. Atrás dele, a janela pela qual certamente havia entrado, permitia que uma brisa gélida adentrasse o ambiente e balançasse as cortinas.

Mentalmente, a garota amaldiçoou os passos felinos que a impediram de ouvi-lo chegar.

— Desembucha. - Ordenou, ainda de braços cruzados, enquanto Plagg voava para longe dali.

— E-eu… - Começou Marinette. - Não sei do que está falando. - Mentiu, descaradamente, correndo em direção a sala.

— Marinette, você sabe que nem no início do namoro conseguia esconder quando algo sério acontecia. - Lembrou. - O que te faz pensar que conseguiria agora? - Indagou.

— E-eu não estou pensando nada. - Respondeu, caminhando em direção ao quarto.

— Você gagueja quando mente. - Continuou ele.

— N-não mentindo estou! - Exaltou-se atirando a bolsa na cama.

— E se embaralha quando fica nervosa. - Continuou, seguindo-a. - Qual é, eu tive um dia péssimo, e sei que um vestido de noiva não te impediria de ter ido nos ajudar! - Falou, passando as mãos pelos cabelos loiros, em um gesto nervoso. - O que indica que você está me escondendo alguma coisa. - Completou.

Marinette o encarou, um tanto culpada. Depois de tanto tempo de convivência, conseguira transpassar a casca de garoto perfeito que Adrien sustentava para o mundo e descobrir seus defeitos e fragilidades.

Por exemplo, descobrira que o loiro era extremamente ciumento - não a ponto de desconfiar dela, mas sim, de ser hostil com qualquer pessoa que cismasse que queria tomá-la de si - e odiava que lhe escondessem qualquer coisa. Essa última característica havia sido extremamente fortalecida, graças ao fato do ex-modelo ter sido mantido no escuro por tanto tempo em relação ao desaparecimento da mãe e as ações de seu pai, que agora, sabiam se tratar de Hawk Moth, o vilão que os aterrorizara por anos.

Mas descobrir tais fatos, não causou outro efeito que não ligá-la ainda mais a ele.

Ela sabia que, no fundo, ele estava extremamente preocupado. De fato, apenas um acontecimento deveras sério impediria Marinette de cumprir seus deveres de heroína, o que o deixava um tanto desesperado e temeroso em relação ao que estava acontecendo.

— Eu preciso de um tempo. - A garota falou por fim, e não pode deixar de notar que tal frase fez com que o companheiro empalidecesse drasticamente.

— O quê? - Adrien praticamente gritou. - Por quê? - Quis saber.

— Eu tive um dia cheio, preciso de um banho para organizar meus pensamentos. - Explicou, confusa com a reação do namorado. - Podemos conversar depois?

— Ah… - Adrien suspirou aliviado. - Esse tipo de tempo. - Completou.

Só então, Marinette entendeu a duplicidade no sentido da frase que soltara, o que fez com que ela batesse na própria testa ante a conclusão precipitada do outro.

— Bobo! - Exclamou. - O que no mundo te faz pensar que eu o deixaria? - Completou, levando as mãos na cintura. Adrien engoliu em seco, corando como um pimentão e sentindo-se um idiota.

— Não sei do que você está falando. - Desviou os olhos e coçou a nuca.

— Eu não vou a lugar algum Agreste, que não seja o banheiro, para tomar um banho. - Continuou, tirando os sapatos. - Espero que você também não vá. - Completou, em tom de brincadeira. Contudo, expressou a insegurança que vinha lhe atacando durante a tarde, a qual, ao mesmo tempo, fazia com que ela se sentisse culpada por pensar coisas tão ruins de seu namorado.

— Por que não contou para ele? - Tikki indagou, confusa, quando já estavam na segurança do banheiro.

— Não é uma notícia que possa ser anunciada de qualquer maneira. - Marinette respondeu, terminando de se despir. - Deve ser, no mínimo, especial. - Completou, abrindo o chuveiro e sentindo a água morna deslizar pelo corpo, tentando imaginar como ela trataria como bom um fato que ainda lhe assustava.