Segredos Profundos escrita por Pifranco


Capítulo 1
Único


Notas iniciais do capítulo

Eu estava sem sono!!!!

E enfim, fiz uma one obscura da Pequena sereia...

Utilizei de Ursula como Ursus, variante masculino do nome em Latim cujo significador é literalmente, urso.

Eu amo Gender Bender, e eu amo vilões então quando eu vi uma fanart feita pela artista Esther, na hora vieram centenas de ideias, inclusive outra mais longa com esse casal adverso.

Sem mais,
Boa leitura!



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Capítulo Único

Segredos Profundos

            Os cabelos vermelhos cintilavam nas águas marinhas, contrastando com as cores predominantemente frias do ambiente aquático, onde alguns raios solares conseguiam vencer as barreiras físicas, cortando a grande massa de água como lâminas douradas, até minguar a claridade conforme o oceano tornava-se mais profundo. A cauda verde com reflexos translúcidos se agitava com rapidez, enquanto as barbatanas guiavam o corpo humanoide entre os corais, vez ou outra por entre cardumes inteiros de variadas espécies de peixes. Os olhos curiosos agitavam-se a todo o momento, a procura daquele ponto ermo nas águas frias e obscuras da profundeza dos mares, onde vivia aquele que embalava as lendas dos marinheiros, protetor dos piratas tiranos e das almas pútridas dos amantes do mar em sua parcela sombria.

            Lá estava ele, com seus tentáculos em torno do próprio corpo cinzento, em meio ao breu da caverna marinha, os olhos em tom ambarino mais marcantes ainda pela disparidade de tons entre a pestana negra e os cabelos prateados, que moviam-se em uma dança com as correntes marinhas. O sorriso indecifrável de caninos protuberantes, emoldurados pelos lábios finos e desdenhosos do bruxo do mar recebeu a princesa dos mares, e um leve roçar de língua no labro¹ inferior antes de encostar a boca contra a maciez da outra, que tinha tom avermelhado e sabor de prazeres ocultos, naquele ósculo indecente e proibido, onde cada tênue rostir gerava imenso deleite àqueles indivíduos sobrenaturais.

            No sorriso da boca rubra e um piscar dos orbes azuis, um assentir veio do bruxo do mar. Estava na hora. Ariel estava mais do que pronta para sua primeira atuação como sereia, e a tarefa a ser realizada era a mais aguardada por toda criatura como ela: a morte de humanos desavisados, que se deixam seduzir pela voz hipnotizante das sereias, e rumam ao naufrágio, e por consequência, ao afogamento. Ursus² ofereceu a destra cinzenta e levemente arroxeada para a ruiva, que a aceitou de bom grado, e juntos, seguiram pelas águas gélidas do mar da Dinamarca, entre navios apodrecidos em profundezas azuladas, correntes metálicas cobertas por musgo marinho, tubarões e rochas escuras, todos componentes da incrível vista exclusiva para eles. A tarde estava em seu fim, os tons alaranjados tingiam o céu e conforme eles nadavam rumo à superfície, mais as águas se comparavam a aquarelas fantásticas. Em pouco tempo, a ilhota perdida naquela imensidão do oceano foi percebida, e ambos foram até ela. Sentaram-se nas rochas mornas pela incidência do sol em sua superfície, e aguardaram o momento que seria indicado por Ursus.

— Estou nervosa… — mordeu o lábio inferior, juntando os fios vermelhos e extraindo em um aperto o excesso de umidade.

— Não há motivos, por hora se concentre. — apoiou o corpo levando ambas as mãos à rocha, inclinando o tronco para trás.

            Aquela rota era movimentada por ser mercantil, e logo haveriam embarcações a passar por ela, de forma que os dotes mortais de Ariel seriam testados por Ursus. O firmamento punha-se a escurecer, e o sol descia no horizonte. A ruiva poderia jurar que ouvia o oceano chiar quando o Astro rei se recolhia, dando seu lugar à cândida Lua cheia, o que sempre roubava um sorriso singelo da mística criatura.

— Veja… — um tentáculo fora erguido, indicando o oeste, de onde um navio pontava.

            Ariel virou a cabeça naquela direção, e a luz da lua aliada à visão de sua presa, transformaram a doce sereia em um demônio devorador de vidas. Os olhos azuis tiveram suas pupilas dilatadas, e na boca pequena, os caninos foram alongados, em uma moldura obscura de um sorriso sedento. Aquela expressão de predadora, fascinaram a Ursus, que mantinha-se atento às reações da jovem sereia, ele quase não piscava preso ao magnetismo daquela criatura ameaçadora e bela, se fosse um humano, se afogaria de bom grado, mesmo sabendo que sua carne seria devorada pelos seres sombrios das profundezas do oceano.

            As luzes vindas das lamparinas da embarcação, cintilavam nas íris dos olhos de Ariel, que observava atenta os movimentos da tripulação, havia música também, e os marinheiros dançavam ao som de acordeom e violão em conjunto às vozes em tom de embriaguez.

— Vá! — empurrou-a com uma das extensões de seu corpo, e a jovem lançou-se ao mar.

            Nadando com destreza, em poucos minutos Ariel alcançara o imenso navio, cujas cordas rangiam conforme a estrutura de madeira trabalhava contra a força da intensa maré. As velas estufavam contra a força dos ventos, semelhantes a nuvens pálidas na escuridão oceânica, logo arrebentariam pois a pronunciada tempestade ganhara corpo, porém, ainda não haviam sinais das grossas gotas de chuva que logo precipitariam. Após um longo suspiro, a sereia se pôs a cantar. Os homens ficaram parados, olhando a bombordo onde Ariel mantinha-se apoiada em seus dois braços delicados, cantando enquanto os olhava, suas vistas pousavam em cada um dos tripulantes, parando nos orbes azuis do príncipe Erick, que encantado se ajoelhou perante a jovem. A beleza da ruiva era de fato única, impensável para um simples mortal desfrutar de tamanho privilégio de observar tal criatura. A cabeça de fios sanguíneos inclinou-se para o lado, num gesto inocente que mascarava a real intensão da sereia. O homem chegou a entreabrir os lábios, um sussurro ininteligível escapou… Chegando mais perto, e mais perto, até que…

            As pupilas gentis da sereia tornaram-se filetes ameaçadores, e a arcada cominadora apareceu em meio às escamas eriçadas do rosto outrora angelical, agora diabólico e faminto onde um sorriso brincava em meio ao retrato bizarro que se formara. Erick ainda a olhava, seus olhos ligeiramente arregalados refletiam a última imagem monstruosa que o príncipe vira antes de ser arrastado para o fundo do mar, enquanto o mesmo permaneciam indefeso, preso demais no encanto do ser mitológico. As garras lhe perfuravam as carnes, tingindo de vermelho o rastro de sangue nas águas rumo às profundezas caliginosas, cada vez mais álgido e doloroso. As feridas ardiam com o sal marinho, e o oxigênio sendo roubado lhe queimava os pulmões, que expulsavam o ar devido à pressão que o forçava à morte por afogamento. Queria desmaiar, queria de uma vez por todas abraçar a morte, a ceifeira de vidas que carregaria sua alma ao paraíso, mas não, ele teve dor, viu o mais puro terror e sentiu não mais do que medo, antes de finalmente parar de convulsionar e perder a consciência.

            A ruiva voltou ao seu normal assim que percebeu a ausência de vida no humano, que jazia com os olhos muito abertos, assim como sua boca arroxeada. Deixou-o lá, no escuro, sozinho em seu fenecimento enquanto nadava sofregamente para encontrar seu companheiro. Ao chegar à superfície, sorriu para o polvo humanoide apoiado nas rochas sob o céu noturno, ele olhava as estrelas distraído enquanto seus tentáculos agitavam a água ao seu redor, como se brincasse na cristalinidade.

— Ursus, consegui… — sorriu meiga, se aproximando e apoiando-se sobre o abdome definido da criatura.

— Eu sei, meus parabéns. — olhou-a nos olhos, esboçando um meio sorriso em seus lábios finos.

— Por que fazemos isso? — meio infeliz, ela questionou, pousando a cabeça de lado no peito do ser cinzento.

            Ele pareceu pensar por um instante, queria poder dar a ela luz aos seus questionamentos, porém, não haviam respostas para mistérios, ele não sabia dizer nem mesmo o porquê de sua existência, quem dirá o motivo por tirarem vidas de humanos, todavia, não deixaria sua sereia sem uma resposta.

— Porque o mar é nosso, e os humanos não deveriam se aventurar por lugares que não conhecem — sorriu para a ruiva, que inclinou-se para lhe beijar os lábios. — nós não vamos ao mundo dos caminhantes, nosso lugar é aqui, e ponto final.

            Ariel olhou para a lua, ciente de que se fosse ao mundo que não lhe pertencia, também seria morta. Então, por que pesar sua consciência por manter o equilíbrio?

— O oceano, não foi feito para os humanos… — sussurrou resoluta, antes de puxar Ursus pela mão e jogar-se no mar, imergindo às profundezas secretas e mortais do pélago indecifrável em seus mistérios.

 

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Notas finais do capítulo

1 ??” Labro: Lábio, beiço.
2 ??” Úrsula tem origem na forma diminutiva do latim ursa, feminino de ursus adaptado ao enredo, que significa literalmente “urso”.


Se acaso escaparam erros, peço que desculpem pois eu posso ter falhado na revisão.

Agradeço imenso por sua leitura e seria um prazer ler seus comentários. Beijos!!!