Vida, morte, e demais devaneios escrita por Lillac


Capítulo 6
Capítulo cinco.


Notas iniciais do capítulo

Olá! Primeiro fim de semana do ano, haha. Então, esse capítulo (inteiro) ficou muito grande, então eu decidi dividi-lo em duas partes, para não ficar muito cansativo para ler. Mas sem preocupações, segunda parte sai ainda hoje!



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Parte um. 

Nico estava blefando, e dava graças à.... algum deus por ser bom nisso. Era bem verdade que Hades já o havia informado vez ou outra que sangue mortal era, de fato, um bom atrativo para almas perdidas, mas ele obviamente não pretendia fazer nenhum sacrifício humano naquela noite – menos ainda, um sacrifício humano de jovens estudantes de sua própria faculdade. A última coisa que ele e a irmã precisavam era uma investigação policial em suas costas. Havia sido uma eternidade de tempo perdido dando depoimentos à delegacia quanto à morte de Bianca, e até hoje os policiais não haviam completamente retirado suas suspeitas de cima deles.

Ele compreendia, até certo ponto. Não importasse o quão impressionantemente convincente fosse a história inventada, sempre haveriam buracos. Bianca havia sido a filha mais velha de um simpático e bem-sucedido homem de negócios, frequentava a melhor faculdade de Nova Iorque e tinha notas impecáveis. Ela colhia flores em jardins para fazer buquês minimalistas e ajudava senhoras a atravessar ruas. Ela engajava-se em debates na luta por direitos iguais para mulheres e fazia parte de diversos grupos proativos em atividades sociais.

Bianca di Ângelo não era o tipo de garota que se esperava encontrar morta com as roupas ensopadas de sangue e jogada em um ferro velho abandonado.

Hades sabia disso. Ele havia sido impecável. Havia dado depoimentos sofridos, com os olhos escuros cansados e a voz baixa. Havia permitido apenas o suficiente de mídia em sua vida conturbada. O suficiente para que todos pensassem que ele estava de fato abalado, mas não o suficiente para o tirar de sua rotina habitual – e, é claro, todos haviam interpretado a reclusão apenas como o empresário prezando pela própria privacidade em um momento de luto como aquele.

Nico sabia disso. Hazel sabia disso.

Ele continuou caminhando vagarosamente pelo corredor escuro, seus passos ecoando. Hazel havia dito que estava tudo pronto lá embaixo, e, quando parava para pensar sobre isso, chegou à conclusão que talvez, de fato, a intromissão mortal não fosse de todo ruim. Olhando de soslaio pelo canto dos olhos, capturou uma visão de Annabeth os acompanhando de perto, pulsos unidos em frente ao corpo pelas sombras que Nico controlava, quase como algemas. Daquele modo, ele era capaz de sentir o batimento cardíaco dela.

Nico focalizou o olhar.

Annabeth também sabia.

No exato momento em que vira a expressão dela ao tomar o papel de sua mão — como ela havia se esforçado para não deixar transparecer nenhuma reação, Nico soube. Soube que não era capaz de enganar Annabeth Chase. E que aquilo, de algum modo, voltaria para mordê-lo no traseiro muito, muito em breve.

E agora ali estava ela. Prestes a descobrir tudo o que ele havia se esforçado para manter em segredo.

Will caminhava ao lado dela, mas Nico não precisava exercer nenhum tipo de poder sombrio sobre ele. O rapaz já estava petrificado somente pelo medo, seus olhos bonitos vasculhando cada canto escuro que não era capaz de interpretar. Nico conteve um suspiro.

Tudo fazia sentido, e ele detestava-se por não ter notado antes.

Reyna jamais atacara Annabeth se não tivesse um bom motivo para tal, e ele agora enxergava. A filha de Belona havia sentido, muito antes deles, a aura que emanava dos dois jovens. Eles não eram semideuses – certamente, estavam longe disso – mas Nico conseguia compreender que também estavam longe de serem meros mortais.

O que eram, afinal?

Eles seguiram o caminho, Reyna na frente, e desceram uma escada até um porão diferente. Não que a escolha de cômodos naquela mansão realmente importasse. Belona era onisciente ali, e estava sempre os assistindo. Mas ao menos não ter a voz dela pairando sobre ele ajudava a acalmar os nervos de Nico. Com um movimento de suas mãos, Hazel acendeu as flamulas verde-escuras nas tochas que iluminavam a escadaria que descia em espiral.

Ao alcançarem o aposento, Nico não pôde evitar um sorriso, mesmo que discreto. Era óbvio que, embora aterrorizada pela ideia, Hazel havia dado tudo de si. As quatro paredes do ambiente haviam sido cobertas de tinta, e, se ele não tomasse cuidado, as imagens começavam a se mexer diante de seus olhos, como se estivessem tomando vida. Os ramos de trigo mexiam-se com o vento inexistente, os sons baixos alcançavam-lhe os ouvidos como a maré distante. Nico respirou fundo.

Hazel havia pintado o submundo nas paredes, e Nico já sentia-se afundando.

Era uma ilusão.

Por enquanto.

— Di Ângelo — Annabeth, é claro, chamou. — O que é isso?

Nico estremeceu. Uma voz, na parte mais profunda de sua mente, repetiu:

Bianca, o que é isso?

Era sua própria voz.

[...]

Ventríloquo.

— É uma enganação consideravelmente convincente, eu devo dizer — Hades comentou, aproximando-se da filha.

Bianca engoliu em seco. Nico e Hazel, sentados em seus respectivos lugares, não moveram um músculo. Perséfone não estava ali: era aquela época do ano que nenhum deles compreendia, quando a madrasta simplesmente desparecia por meses. O que deixava os três filhos aos cuidados do pai, e de ninguém mais.

— Obrigada, pai — Bianca abaixou a cabeça.

Ela estava sentada em um banco de ébano, mãos repousadas sobre os joelhos magros e cabelo negro amarrado no topo da cabeça. Nico achava que a irmã parecia incrível assim, tão certa e confiante de si mesma.

Ao lado dela, de pé, estava uma mulher. Tinha o cabelo loiro opaco, curto, e pele pálida, talvez até um tanto cinzenta. Vestia um simples vestido branco médio, meio encardido, e possuía uma cicatriz que lhe atravessava o peito e desaparecia por baixo do decote.

Estava parada, simplesmente imóvel, como se aguardasse algo. Hades a rodeou como um leão paciente.

— Quem é?

Bianca fechou os olhos, concentrando-se.

— Seu nome é Elizabeth. Ela tinha trinta e seis anos quando foi morta, latrocínio. A cicatriz é resultado da faca. Ela estava grávida quando aconteceu, mas conseguiram retirar e salvar o bebê — recitou. — Filha única. Estava casada há não muito tempo.

Hades murmurou, parecendo agradado.

— E o corpo dela?

— Enterrado em um cemitério na área leste da cidade, pai.

O deus ficou em silêncio por um longo momento.

— E eu não suponho que você possa trazê-lo de volta, não é?

Ele estava frente a frente com a mulher agora, e só então Nico notou que ela, de fato, não parecia muito bem. Uma luz translúcida emanava de seu corpo, e ele quase podia ver as veias escuras por baixo da pele. Seus olhos também não piscavam, e ela não se movia. Mas, quando Bianca fez um movimento com a mão, Nico precisou conter uma exclamação.

A mulher levantou um braço.

Toda vez que a irmã se movimentava, a mulher também se movia. Nico assistiu, deslumbrado, enquanto Bianca controlava os movimentos do fantasma, quase como uma marionete.

Para a sua surpresa, Hades jogou a cabeça para trás e riu.

— Muito bom, muito bom — ele parabenizou.

Nico sorriu, trêmulo, e notou que Hazel deixou um suspiro de alívio escapar. Mas então, andou mais dois passos e agarrou o queixo da espectro com uma mão firme. Nico já havia visto Bianca tentando interagir com os fantasmas: suas mãos sempre passavam direto pelos seus corpos imateriais.

Mas ali estava Hades, segurando-a enquanto a fitava no fundo dos olhos.

A fantasma não teve nenhuma reação quando a suposta pele de seu queixo começou a rachar. As fendas espalharam-se pelo queixo e pelo maxilar, até consumirem o rosto todo, e então desceram.

Logo, não havia nada além de uma nuvem de poeira no ar e Bianca, de olhar arregalado e boca aberta. Hades limpou as mãos no terno.

— Mas é só isso. Uma ilusão — concluiu. — Você, filha, continua não servindo para o trabalho.

[...]

Lembrar de Bianca nunca era uma boa ideia, Hazel sabia. Trazia à tona todos os piores sentimentos dela e do irmão, e, se havia uma coisa que ela compreendia sobre o mundo inferior, era que não havia nada pior do que colocar os pés nele quando se estava incomodado com algo.

Não que fosse uma boa ideia, de qualquer modo.

Nico caminhou até a parede mais próxima e pousou uma mão sobre ela, de olhos fechados.

— Eu consigo ouvi-los — disse. — Murmurando.

Hazel então caminhou até os dois jovens não inteiramente mortais, e olhou-os nos olhos. Will ainda estava assustado, ela podia dizer, mas os olhos de Annabeth eram como metal gélido. Quase uma lâmina de aço.

— Vocês vem conosco, mas preciso cobrir seus olhos antes — informou. — O mundo inferior é... perturbador, e quanto menos vocês verem dele, melhor.

— Por que será que eu tenho dificuldades em acreditar em você? — Annabeth rosnou.

De súbito, as sombras avançaram seu corpo acima, e enclausuraram o pescoço de Annabeth. Nico não desviou o olhar, de onde ainda admirava a pintura nas paredes, mas disse:

— Morda a sua língua antes de falar assim com a minha irmã, Chase. Eu não quero te matar, mas não é exatamente um empecilho para mim.

Ele a soltou antes que Annabeth ficasse por vez sem ar, e Hazel respirou aliviada.

— Eu sinto muito — ela disse. — Você não tem nenhuma razão para acreditar em mim, ou em Nico. Ficaria surpresa se estivesse de acordo com qualquer parte disso, na verdade. Mas acredite, nós não queremos machucar ninguém.

Ela ergueu uma mão, e materializou duas vendas de tecido escuro.

— Nós só queremos ser livres. E meio que precisamos da ajuda de vocês para isso, agora. Eu não vou obriga-los a colocarem as vendas, se não quiserem, mas...

Annabeth a observava como um quebra-cabeças incompleto. Hazel estava sendo sincera, até onde podia. É claro que haviam muitas coisas que não tinha permissão de revelar — como por exemplo, o fato de que era filha de um deus da morte e estava prestes a arrastá-los consigo para o submundo afim de reviver alguém, porque o sangue dela, de acordo com a reação de Reyna, atrairia almas inconformadas com muito mais facilidade.

Ela não podia falar isso, não é?

Hazel não era como Nico e Reyna. Não conseguia ser inescrupulosa ou ardilosa, ou mesmo manipulativa. Mas queria aquela liberdade tanto quanto o irmão. Ela estava lá quando Bianca morrera. Vira Hylla sendo assassinada.

Hazel não queria morrer.

Ela só esperava que Annabeth pudesse perdoá-la por uma ou duas pequenas mentirinhas brancas.

Omitir não é o mesmo que mentir, ela repetiu para si mesma. Mas pode ser tão mortal quanto, lembrou-se.

Por fim, Annabeth respirou fundo e concluiu:

— Nada de vendas para mim. Se eu for morrer, ao menos quero saber o que me atingiu.

Hazel suprimiu um sorriso.

Não se preocupe, pensou. Ao menos, se morrermos agora, não precisaremos pagar o Caronte.

O que, honestamente, não era uma possibilidade tão abstrata da realidade, naquele momento.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado! Críticas e comentários são sempre apreciados.



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