A Proposta escrita por Maria Ester


Capítulo 9
Capítulo 9




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Ao chegar no restaurante, escolhido por Gustavo, foram direto para uma mesa reservada para ambos. O restaurante não era formal, tinha uma ala especial para crianças, Dulce ficou encantada, mas não quis ficar nos brinquedos. Eles entenderam que ainda era medo que ela tinha, de deixarem sozinha.

— Tia, eu prefiro ir para mesa com vocês. Não quero brincar, estou com muita fome.

— Tudo bem, vamos.

Na mesa, pediram os pratos. Enquanto isso Cecília precisou ir ao banheiro e convidou Dulce para acompanha-la, mas a menina não quis e preferiu ficar na mesa com Gustavo. Cecilia ficou receosa de deixa-la a sós com Gustavo, sabia que ele não iria ferir os sentimentos dela, era muito íntegro para isso, seu medo era do afeto, do vínculo que poderia ser desenvolvido sem que ninguém se desse conta. Ao olhar para Gustavo, viu em um aceno que estava tudo bem, ela poderia ir tranquila.

Era incrível como mesmo depois de dois anos separados, ainda conseguiam se comunicar apenas pelo olhar. Ao sair da mesa, deu um beijinho em Dulce e se distanciou.

Gustavo, via que Dulce não se sentia totalmente a vontade ao lado dele, mas o respeitava e o melhor de tudo, não sentia medo de ficar a sós com ele sem a presença de Cecília.

— Dulce, você quer alguma coisa para beber antes da comida chegar?

— Não senhor, eu espero a comida.

— Tudo bem.

Houve um silencio entre eles, quebrado pela curiosidade de Dulce.

— Seu Gustavo, posso lhe fazer uma pergunta?

— Contanto que você pare de me chamar de senhor – rindo ele percebeu que ela ria também, primeira vez que ele via ela rir abertamente. – Tio ou somente Gustavo já está de bom tamanho.

— Pode ser tio? acho um desrespeito chamar adulto só pelo nome.

Gustavo ficava cada vez mais impressionado com a maturidade dela, não sabia de sua história e não tinha noção como Cecília a conheceu, mas tinha uma leve impressão de que a menininha já tinha passado por maus bocados. Dava para ver em seu comportamento que ela tinha dificuldade em confiar nos adultos, o que era totalmente compreensível, criança geralmente era muito mais confiável que qualquer adulto à sua volta.

— Mas então, qual era a pergunta?

— Porque você briga com a minha tia Cecí? Dá para ver que você gosta dela e ela tão boa, não merece que briguem com ela.

Além de tudo, ela era protetora e defendia Cecília como ninguém, que menina esperta. Em outras circunstancias, seriam felizes os três.

— Dulce, eu não estava brigando com ela – o que de fato não era mentira – Nós só estávamos debatendo sobre pontos de vistas diferentes, você entende?

— Mais ou menos, vocês adultos são bem estranhos. Mas eu percebi que ela ficou triste, não gosto de vê-la triste.

— Eu também não.

O que ele iria dizer a não ser a verdade? Odiava ser motivo de tristeza para Cecília.

— Tudo bem então

— Mas agora é minha vez de perguntar. Você está gostando do seu quarto?

— Sim, muito. Eu nunca tive um quarto.

— Sério Dulce? Pensei que no apartamento da Cecília tinha um quarto para você.

— Tinha, mas eu tinha medo de dormir sozinha, preferia dormir com ela.

— Você gosta muito dela, não é?

— Sim, ela tem um cheirinho de mamãe que não tem como confundir, ela me dar colo, me bota para dormir coçando minha cabeça.

Era um gesto único de Cecília, não tinha como esquecer e ele adorava o cafuné dela. Dulce realmente admirava Cecilia, muito mais que isso, dava para ver de longe o amor e carinho que uma sentia pela outra.

— Seu... desculpe... Tio Gustavo, posso fazer só mais uma pergunta? Depois dessa prometo ficar caladinha.

— Dulce, eu não me importo de conversar com você, pode fazer quantas perguntas quiser.

— Tudo bem, só queria saber se você deixa eu conhecer seu cachorrinho.

Gustavo achou graça dela pedir permissão para ver o Rox.

— Minha linda, eu não posso passar por cima da autorização da sua tia, ela está certa, ele pode te estranhar. Mas eu vou fazer assim, posso te levar para ver ele, se a Cecília permitir. Que tal?

Dulce abriu um sorrisão, ele sabia que ela ficara feliz de verdade, esse era o motivo de crianças serem tão especiais, seus encantamentos eram outros, não tinha nada haver com dinheiro e títulos. Tudo vinha da alma, do coração.

—  Nossa tio, muito obrigada, você é muito legal!

Cecília chegou e estranhou Dulce toda animada e sorridente.

— O que eu perdi aqui?

Perguntou desconfiada. Dulce não se conteve de alegria e disparou;

— Tia, meu tio Gustavo disse que se você permitir, ele vai me levar para ver o cachorrinho dele, o Rox.

Cecília, olhou para Gustavo, que a encarou de forma cativante e ela fez um sinal de agradecimento. Como poderia esquecer aquele homem se a cada momento que passava ele a surpreendia?

— Dulce, o Rox é muito grande, ele não conhece você, tenho medo que aconteça algo. E se ele tentar avançar em você?

— Cecília, eu vou estar lá, e você pode ir também se quiser, o Rox te adora e você sabe disso.

Era verdade, o cachorro já tinha um ano quando casou com Gustavo e todos se surpreenderam como ela conseguiu conquistá-lo, já que ele só não estranhava o dono.

Gustavo tinha maior adoração pelo animal. E Cecília passou a ama-lo também como se fosse um filho.

Com a separação de ambos, ela sofreu também com saudades de Rox, mas nada se comparava ao sofrimento de estar longe de Gustavo.

— Tudo bem, mas você vai botar a focinheira nele, não é? – olhando diretamente para Gustavo – por precaução.

— Sim.

— IUUPIIIII – Dulce gritou batendo palmas.

Todos riram.

O almoço logo chegou ao fim e Gustavo precisou ir a empresa. Mesmo em recesso natalino, sempre surgia algum problema que somente ele poderia resolver, lá, encontraram Cristóvão que elogiou seus relatórios de Cecília, dizendo que facilitaria muito o trabalho dele.

 Ao chegarem em casa, já era noite, Dulce que dormiu no caminho, foi levada por Gustavo, que fez questão, para seu quarto.

Cecília ficou na sala, bebericando uma taça de vinho tinto do bar da casa. Tomou um gole e lembrou-se da vez em que ela e Estefânia beberam tantos coquetéis antes do jantar que mal conseguiram comer, caindo na risada no sofá, para a diversão de Gustavo e Vitor, noivo de Estefânia na época.

Gustavo realmente cuidou dela naquela noite. De manhã, ele lhe deu um copo d’água e alguns analgésicos sem uma palavra de reprovação, depois voltou para a cama e a abraçou, sem apertar muito.

Aquelas memórias doces lhe deram um arrepio. Às vezes era mais fácil lembrar das coisas ruins, mas também houve bons momentos, principalmente no início.

Ao vê-lo agora com Dulce nos braços, ela percebeu que não existia distância entre eles. Havia respeito, mas também havia afeto.

E ela sentiu medo. Como seria para Dulce, daqui a quatro meses lhe dar com uma separação? Tão novinha e até então sem estrutura familiar. E se ela visse em Gustavo o pai que não teve? Meu Deus, era muito problema para cabecinha dela.

Deveria prepara-la desde cedo para que ela estivesse pronta quando enfim ficasse só as duas.

O silêncio dominou, não se ouvia um só ruído, até Gustavo dizer, descendo as escadas:

— Dulce já está na cama e provavelmente acordará só amanhã, ela estava bem cansada.

— Sim, ela aproveitou bem o passeio. Obrigada.

— Pelo que?

— Pelo que você fez por ela, por enxerga-la de verdade.

— Ela é uma criança, merece ser tradada como tal.

Gustavo foi em direção a cozinha e ela o seguiu, colocando a taça de vinho em cima de um aparador.

Entrando, o encontrou na bancada colocando capsulas de café na cafeteira.

 – Quantos drinques você bebeu hoje? – perguntou ele, com uma voz mais ríspida do que gostaria.

Durante o seu casamento, Cecília pouco bebia, pois ela rápido ficava sob o efeito do álcool. Nunca o envergonhou por isso, mas sabia que ele detestava o descontrole, nunca demonstrava raiva, chateação, impaciência...

— Nada muda, não é?

— Do que você está falando?

A voz dela estava triste.

— Tudo tem que ser perfeito, até os nossos sentimentos.

O silêncio logo foi preenchido pelo barulho do café sendo despejado na xicara.

— Tome esse café, lhe fará bem.

— Está vendo? Em vez de confrontar o que eu disse, você sai pela tangente.

— Porquê você não bebe o café ao invés de instigar uma discursão que não nos levará à lugar algum?

Ele tinha razão, não ganhariam nada com isso, e se iriam passa quatro longos meses juntos, deveriam conviver no mínimo civilizadamente.

— Cristóvão ficou impressionado com seus relatórios – elogiou Gustavo.

Ela assentiu hesitante, ainda chocada com o elogio que recebera do Advogado.

Além de cuidar das crianças, nunca fizera nada que tivesse arrancado elogios antes. Era extasiante saber que não precisava ser ruim em tudo que fazia.

Queria tanto deixá-lo orgulhoso, ser vista como uma igual, a pressão, não dele, mas do cotidiano em si era insuportável.

— Onde você aprendeu isso? – perguntou ele.

— Dei uma pesquisada na internet, me aprofundei sobre o assunto, quando vi, já dominava o programa que tinha instalado para elaborar as planilhas.

­– Desculpe por ter feito pouco de seus relatórios.

O coração dela deu um pulo com esse pedido de desculpas inesperado. Não sabia que “desculpa” fazia parte do vocabulário dele.

 – Tudo bem. – Ela deu de ombros. – Já estou acostumada.

Ele a olhou com curiosidade.

— Como assim?

— Você sempre pedia que alguém resolvesse essas burocracias por mim. Eu sempre soube que não leva minhas ideias a sério.

— Tanto levo a sério que dei rios de dinheiro para elas. Ela suspirou.

— Sempre achei que você só queria me agradar.

Gustavo apertou o botão da máquina na mesma hora em que foi tomado por uma onda de raiva.

— Não era só para agradar. Eu queria que se desse bem e acreditava na sua capacidade. Mas você não me escutava, nunca estava disposta a ouvir minhas opiniões sobre seus negócios. Tudo o que eu fiz foi lhe oferecer o benefício do meu conhecimento e da minha experiência.

Fora difícil para ele vê-la fracassar em alguns roteiros de orçamento, funcionário mal capacitados para os cargos de finanças, queda em malha fina por contas mal feitas, além de outros deslizes. Mas ele manteve a paciência, embora tenha sido difícil. Parte dele admirava a coragem dela de querer resolver tudo sozinha. Foi só quando perdeu a tolerância e testemunhou a recusa imediata dela de ter um filho que ele percebeu que ela rejeitava ajuda para adiar o momento de confessar que não queria ter o filho dele, podendo aproveitar um pouco mais o seu estilo de vida. Ele percebeu isso na noite em que ela o deixou e, mesmo assim, pediu para que ficasse.

O que mais o enojava é que sabia que a teria aceitado de volta.

Ele deixou seus pensamentos correrem, e uma coisa se infiltrou na cabeça dele, a mesma coisa que estava presa na garganta desde que os dois voltaram para casa.

 As palavras dela ecoavam dentro dele, ficando mais fortes à medida que ele tentava afastá-las. Tudo tem que ser perfeito, até os nossos sentimentos.

Será que havia verdade naquilo? Não. Claro que não havia. Cecília estava tentando atingi-lo.

Veio-lhe uma lembrança da vez em que ele tinha se deixado dominar pelos sentimentos. Foi na noite em que Cecília lhe disse que não queria ter um filho com ele.

A raiva dele fervia na superfície, impossível de esconder, e, pela primeira vez na sua vida adulta, deixou-se dominar por ela, atacando Cecília verbalmente, de forma cruel.

Ele a chamou de interesseira e mandou-a ir embora, sem querer que ela realmente fosse, sem imaginar nem por um instante que ela obedeceria.

Não foi unilateral. As recriminações vinham dos dois lados, Cecília gritava com ele chorando de raiva porque o casamento deles não tinha nenhuma base na realidade, que ele era condescendente com ela e a tratava feito criança, e que devia procurar outra esposa de uma vez por todas, alguém que pudesse parir dezenas de filhos para ele, tivesse a aparência perfeita e fosse capaz de tocar uma multinacional, tudo isso enquanto dormia. Que ele era frio, arrogante, maníaco por controle.

Quando a raiva deu uma esfriada, os dois já bem mais calmos, as malas dela já estavam prontas.

— Isto é ridículo – dissera ele. – Você não vai a lugar algum.

— Você me mandou ir embora – respondeu ela com um rosto tão duro que parecia uma estátua.

— Foi no calor do momento, e agora estou dizendo para você ficar.

— Mas eu não quero ficar. – Ela o encarou com olhos completamente vermelhos, de tanto chorar, e aquela cena doeu nele, saber que ele foi o causador daquela dor, mas aquela aparência dela correspondia ao modo como ele se sentia.

— Eu não posso mais viver assim.

E então, de uma hora para a outra, o casamento deles acabou. Ele quase riu diante da ironia. Na única vez na vida adulta em que realmente se deixou levar pelos sentimentos, sua mulher o abandonou. Se aquilo não fosse um recado para manter suas emoções sob controle e bem escondidas, nada mais era.

— Foi difícil para mim – disse ela baixinho, apoiada na parede de braços cruzados. – Eu queria dar conta de tudo sozinha, porque era doida para impressionar você.

— Para quê? Você era a minha mulher. Eu não teria casado com você se já não estivesse impressionado.

— Você se impressionou com o meu corpo – respondeu ela, com uma risada amarga.

— Foi mais que isso, sabe muito bem – interveio ele. – Eu admirava a sua energia. – Energia essa que desapareceu nos últimos anos do casamento, tinha que admitir.

Como não tinha percebido? Ver aquela energia de volta, aquela determinação, trouxe uma sensação de déjà vu.

— Eu queria que você ficasse impressionado com a minha inteligência e as minhas capacidades – disse ela, num tom ressentido. – Mas foi muito mais difícil do que esperava. Pode ser ingenuidade, mas queria fazer as coisas do meu jeito, provar que sou capaz, mas pus tanta pressão em mim que não aguentei. Não saber manipular qualquer programa de computador também não ajudava.

— Você está dominando bem desde que nos separamos.

— Foi a Escola e as crianças, precisava dos relatórios e não tinha como pagar alguém para fazê-los então tive que aprender rápido para manter a escola aberta.

Gustavo não respondeu, rilhando os dentes como sempre fazia quando a imaginava cercada de criancinhas diariamente. Cecília adorava crianças. Mas não tanto quanto dinheiro...

Será verdade? Tudo indicava que ela estava levando uma vida modesta sem ele.

E não havia pedido dinheiro para si...

Ela ficou em silêncio, de cabeça baixa. Então, de repente, ela levantou o queixo e o encarou com força suficiente para ele manter o foco nela em vez de na cafeteira.

— Casar com você foi um erro – disse ela, de olhos arregalados. – Você era a estrela que transformava o negócio familiar em outro. Tudo em que tocava virava ouro. Não dava para competir.

— Nosso casamento não era uma competição.

— Eu sei, mas para mim...

— Para você o quê? – perguntou ele quando ela se calou.

— Eu não estava preparada para ele. Tentei, de verdade, mas eu sabia que você queria a perfeição. Queria que eu vestisse as roupas certas, fosse uma esposa para ostentar por aí...

— Não era assim – redarguiu, enojado por ela conseguir distorcer a situação para se vitimizar. – Eu estava tentando ajudar você a se integrar no meu mundo.

— Eu também queria me integrar e levei um tempo para perceber que não podia, porque não era o meu lugar. Venho de um mundo muito diferente. Você transforma tudo o que toca em ouro, mas só conseguiu me pintar de dourado. Por dentro, eu ainda era Cecí, não a Cecília que você tanto queria.

— É uma história muito boa, mas não é assim que eu lembro. Em todo o nosso tempo juntos, você nunca disse que estava infeliz. Nenhuma vez.

— Porque eu morria de medo de você concordar comigo se eu me abrisse. Eu ficava só esperando o dia em que iria perceber que eu não estava à sua altura e me trocaria por um modelo melhor. Ela pareceu tão sincera que ele quase acreditou.

— Responda uma coisa. Em todo esse tempo, alguma vez eu lhe dei motivo para pensar que seria capaz de trair você?


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