A Proposta escrita por Maria Ester


Capítulo 7
Capítulo 7




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Ao entrarem na casa, Cecília reparou em Dulce que olhava para tudo, mas nada comentou. Gustavo também percebeu o olhar especulativo de Cecília ao olhar a menina. O silencio foi rompido quando Dulce olhou para o jardim e avistou um cachorro. Rox, o pastor alemão de Gustavo.

— Tia Cecí, um cachorrinho, posso ir la onde ele, por favor?

— Dulce, o Rox de cachorrinho não tem nada, acho melhor não, ele não te conhece e pode estranhar.

— Tudo bem.

Gustavo percebeu a tristeza da menina que tentava disfarçar, ele queria interferir, mas não podia, a autoridade sobre a garotinha era toda de Cecília e era difícil de aceitar, mas ela estava certa.

Rox era o dobro do tamanho da menina e apesar de ser super dócil, ele estranhava estranhos, o que era bom, porque ele servia como cão de guarda.

— Gustavo, onde ela vai dormir? Preciso arrumar as coisinhas dela.

Como ela conseguia ser linda assim? Como ela conseguia mexer com os sentidos dele dessa forma? Ele precisava urgentemente ficar a sós com ela, se lembrar por que a fez essa proposta.

— Vamos, mostrarei a vocês.

Saíram da sala e subiram as escadas em direção a ala dos quartos, Gustavo apontou para a porta, Cecília pegou nas mãos de Dulce e entraram. Era um quarto normal, branco, sem nada infantil, tudo de muito bom gosto, mas muito formal para uma criança. Cecília ao olhar para Gustavo, ele entendeu o seu agradecimento. Sabia que assim, ela não se apegaria ao lugar.

— Tia Cecí, eu não posso dormir com você?

— Não meu amor, mas eu vou ficar em um quarto do ladinho do seu, qualquer coisa é só me gritar que eu venho correndo.

Por um momento houve um silencio que foi quebrado por um soluço que quase não saiu.

Cecília percebeu que Dulce tentava esconder um choro. Gustavo saiu do quarto para deixa-las sozinhas, aquele momento era delas.

— Tia, você não está mentindo para mim, não é? – dessa vez, não houve lágrima, nem choro, só se via medo – Você vai mesmo ficar aqui, não é?

— Dulce, vem cá, - apontando para cama aonde estava sentada - senta aqui do meu ladinho, vem. Deixa a titia conversar com você.

Ao sentar do lado de Cecília, Dulce a olhou, como se quisesse identificar alguma mentira.

— Meu amor, eu nunca vou mentir para você, se eu disse que vou ficar aqui nessa casa com você, é aqui que eu vou ficar. Não precisa sentir medo, vou estar sempre ao seu lado, independente do que aconteça. Entenda isso, vou te proteger sempre, porque eu te amo.

Dulce estava com os olhos marejados, mas se recusava a chorar, era como uma luta interna com seu coração.

— Ninguém nunca disse que me amava. Eu também te amo tia, você tem cheiro de mãe de verdade. Você me dá colo e cuida de mim e eu nem preciso arrumar a casa.

Cecília a abraçou, não sabia se ria ou chorava.

Como a vida era mesmo uma caixinha de surpresas, uma hora sua vida estava totalmente encaminhada, casada com um homem que ela amava. Agora, separada, sem muito entender do que estava acontecendo e aquela menininha linda, que apareceu em sua vida e não se imaginava mais sem ela. Dulce era um presente, o melhor de todos, e se fosse preciso mover céus e terras por ela, Cecília o faria.

— Vamos arrumar suas coisinhas agora, vamos? Você gostou do quarto?

— Vamos. Sim, gostei muito, eu nunca tive um quarto, na casa do meu padrasto, eu dormia na sala, no sofá. Agora eu tenho uma cama.

Assim que terminaram, Cecília entregou o tablete para que Dulce se distraísse, enquanto iria falar com Gustavo.

Ao encontrar com Gustavo na sala, ele levou-a até o seu quarto, ela suou frio ao olhar a cama que eles dividiriam ao longo desses quatro meses.

— Vamos fazer isto de uma vez. Entrou e foi para o quarto desfazer as malas, guardando as roupas no closet. Conseguia ver Gustavo dando uma olhada nela, observando-a guardar as últimas coisas.

— Terminou?

— Sim.

— O que é isto? – indagou ele, parando atrás dela e tornando o clima ainda mais desconcertante.

— Os planos para o próximo ano letivo.

— Não se preocupe com isto. O ano ainda nem acabou.

— Mas tenho que dar entrada na papelada para poder usar este plano como base. E outra coisa, não interfira nos meus projetos.

— Cecília, não se esqueça que eu estou no controle agora. – Aproximou-se dela, a ponto de sentir seu calor aquecendo as costas. Sua voz tornou-se um sussurro. Sentia a respiração dele entre seu cabelo. – Principalmente de você.

Cecília congelou. Ficou dura. Engoliu a saliva acumulada na boca. Como ele era capaz disso?

— Não antes de segunda. Até lá, nós somos completos estranhos.

— Acho que você não vai me fazer esperar tanto.

— Eu te odeio.

— Eu sei. – Sua respiração passou por entre o cabelo dela. – Deve ser horrível me odiar tanto e mesmo assim me desejar loucamente.

— Não desejo você.

— Quando nos casamos, não sabia que você era tão mentirosa. – Encostou a ponta do nariz na cabeça dela.

— Se não estivesse tão cego pelo desejo, saberia que suas juras de amor e a promessa de um filho não passavam de um artifício para conseguir minha fortuna.

Havia certo deboche no tom dele, mas, ao se virar, Cecília percebeu seu olhar sombrio.

— Eu não menti. E não me casei com você por causa de dinheiro.

 Odiava que ele a visse como uma interesseira, como se os momentos felizes que tiveram juntos, e alguns deles foram deliciosamente felizes, fossem meras mentiras.

— Então por que se casou comigo? Pela minha sagacidade? Minha personalidade? – Seu tom ainda era de deboche e seu olhar tornou-se frio.

— Você, Gustavo. – Sentiu um calor subindo pelo pescoço. – Casei por gostar de você. Achava você maravilhoso.

Gustavo fez uma expressão fingida de sofrimento:

— E agora já não me acha mais maravilhoso?

— Acho que é cruel. Está usando a Dulce como pretexto para ir para a cama comigo, como uma vingança ridícula por não ter dado um filho a você.

Aquelas palavras saíram sem pensar, mas ela se arrependia profundamente de tê-las dito. Se pudesse, voltaria atrás. Mas elas saíram como se tivessem vida própria. Ficou com calafrios com a frieza do olhar dele. O sorriso continuava firme em seu rosto. Aproximou-se e roçou sua bochecha na dela.

— Não é uma vingança, Cecília. Eu vou dar o que deseja. Em troca, você me dá o que eu quero.

— O meu corpo.

— Isso mesmo. – Esfregou-se no rosto dela.

— Mas, se eu quisesse me vingar, tê-la na minha cama seria a mais doce vingança de todas.

— Quanta presunção.

“Acho que é cruel”. Cecília disse exatamente isso.

Ele estava mesmo sendo cruel? Gustavo não gostava da ideia de parecer cruel. Seu pai, quando tinha saúde para isso, era capaz de ser muito cruel. Gustavo sempre jurou a si mesmo que jamais seria daquele jeito. Tudo bem dizerem que era taxativo e direto, até mesmo arrogante, mas jamais cruel.

— Precisamos partir daqui uma hora. – Havia informado a ela pela manhã, durante o telefonema, que iriam almoçar fora. Ela nem olhou para ele.

— Estarei pronta.

— Cecília, você costuma demorar no mínimo duas horas a cada vez que saímos. – E isso sendo muito otimista.

Ela experimentava o guarda-roupa inteiro antes de se decidir e fazia mil e um penteados antes de escolher o “certo”. Não importa o quanto ele dissesse que ela ficava linda de qualquer jeito.

Ficou pensando no tempo em que eram casados.

De repente, lembrou-se de uma coisa: da lua de mel, quando a levou para uma ilha escondida no Caribe. Fora a última vez que a viu completamente entregue e cheia de vida. Certa noite, apressou-a gentilmente para o jantar e ela tirou a roupa, com todo seu esplendor, e foi até a caverna onde os funcionários não podiam entrar e nadou nua na água com tamanha alegria que ele se viu obrigado a tirar a roupa e acompanhá-la, fazendo amor com ela. Encheu-se de felicidade ao lembrar daquele momento especial, da liberdade que sentiram com o sol batendo sobre seu corpo nu e o corpo encantador da esposa em torno dele.

 De todos os bons momentos do casamento, aquele se destacava. A lembrança viva de que eram o casal mais feliz e perfeito do mundo.

— Eu estarei pronta – insistiu.

— O que vai fazer?

— Dar uma olhada nos planos de base que foram reformulados para a escola, preciso resolver para poder dar entrada em um parecer jurídico.

— Para quê? Já disse, vou usar minha equipe.

Ela deu de ombros.

— Gastei um tempão com isto. Seria burrice ignorar por completo.

— Certamente Cristóvão vai adorar contar com suas intervenções.

Ela empurrou a cadeira e se levantou.

— Vou tomar um banho – disse, com a voz sufocada.

— Uma hora.

— Eu já entendi.

— Fechou a porta. Ele pôde ouvir o barulho da tranca.

Passados alguns momentos, sentou-se na cadeira, ainda quente pela presença dela, e franziu o cenho.

Conferiu mais de perto a pilha à sua frente, reparou que ela havia planejado cada um dos itens de ensino de acordo com o exigido pelo Ministério da Educação e colocado suas ideias no papel. Todos os códigos dos quais ele entendia, estavam certos.

Cecília disse que ela mesma havia feito. Seria uma mentira para tentar impressioná-lo? Mas não; todas as notas nas margens, os números das atas, tudo estava com a sua letra de menininha. Esfregou o rosto, sentindo um aperto no peito ao imaginá-la sentada, trabalhando arduamente na escrivaninha da casa minúscula onde morava. Sozinha.


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