Réquiem nequem escrita por P B Souza


Capítulo 1
Não é ninguém


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem.
Ps. Ainda não revisei, qualquer erros de gramática eu já peço desculpas desde já :)
Boa leitura!!



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[...] Estava amarrado em uma cadeira parafusada ao chão, seus braços esticados, ardiam e ele podia sentir que algo frio estava em sua pele, uma agulha e um saco repleto de algo que gota a gota descia até sua veia.

— Me chamaram de psicopata doentia nos jornais, e por sua culpa. É compreensível a balburdia, detetive, mas tudo isso por uma mulher? Olhe para trás, o rastro de destruição que causou para me parar, apenas para acabar preso como um rato, não muito diferente de Diana... Pois bem, já que chegou até aqui, lhe contarei a verdade, detetive.

Então o maníaco agarrou o holofote virado para o rosto de Caio, virou para si mesmo, iluminando seu corpo e jogando a sombra contra a parede de uma garagem aonde adolescentes tinham uma banda, aquele teto, Caio logo reconheceu, era a prova de som. Ninguém nos ouvirá. Percebeu que não adiantaria pedir socorro, não que estivesse cogitando fazê-lo.

Havia marca no chão, atrás do maníaco, aonde uma poça de óleo de motor se formara dia após dia. Uma mesa de ferramentas ao lado de uma porta interna, cheia de serrotes, martelos, grampos e parafusos, adesivos e colas. Fora isso, pouco Caio enxergava, o holofote tinha um facho de luz direto que não se dispersava iluminando arredores.

— Foi com dezoito que ingressei na faculdade, como tenho certeza que descobriu. Eu nunca soube o que fazer, mas o comportamento humano me fascinava, então ingressei em psicologia, meus professores não paravam de me elogiar nos sete anos que passei no campus, mas atrás das lindas rosas há os espinhos. Foi também na faculdade que precisei de antidepressivos pela primeira, mas não última, vez! — O homem, alto de postura incorrigivelmente reta, barba e cabelos castanhos com fios grisalhos, olhar exausto e com bolsas d’água debaixo dos olhos, usava um terno preto e gravata preta listrada em vermelho, sapatos de couro vermelho sangue e calça de alfaiataria igualmente preta. Suas mãos estavam nuas, não segurava nada, e nem gesticulava enquanto falava. A expressão aparentava ser de um homem com seus sessenta anos, mas Caio sabia que ele tinha trinta e oito. — Foi mais tarde naquele tempo que me forçaram a tratar uma dependência química causada pelos antidepressivos que, por serem cada vez mais fortes e eu usar cada vez mais faziam cada vez menos efeito. A culpa, claro, era da jornada exaustiva.

Fungou, como se gripado, e então continuou.

— Isso se repetiu três vezes, por isso deixei o campus. Não sou um viciado, embora tenha tratado muitos por certo tempo. Eles sempre caiam de volta no vicio, e o tratamento era caro, mas não tão caro quanto o que eles estavam dispostos a pagar pelas drogas que usavam, alguns; maconha. Outros; bromazepam. E eu tinha como consegui-las. Sim, detetive. Essa história não passa da boa e velha ganancia, enquanto alguns se viciam em drogas, outro se viciam em dinheiro!

“de qualquer forma, foi nessa época quando meu pacientes precisavam de medicamento que eu recorria aos órgãos responsáveis, com tudo em dia, os remédios vinham e eles iam, depois voltavam pedindo mais. Foi assim que conheci Diana, uma gorda sem amigos que se descobriu lésbica, ganhou o ódio da mãe e teve que sair de casa, conseguiu, como um prêmio de consolação, um trabalho público para se pendurar e passar o resto da vida na miséria, usava o dinheiro que ganhava para comer em fast-food, na casa dela, deve ter ido lá, nem mesmo tem um fogão. Quando a conheci logo notei algo diferente, uma necessidade... de uma figura presente. Um amigo”

— Você não foi um amigo para ela...

— Fiz tudo por ela, a ingratidão que a tirou de mim! — O homem cortou Caio no ato, como se sentisse ultrajado com aquela fala do detetive. Então ajeitou seu cabelo e se recompondo voltou as suas explicações — A verdade é que eu gosto de dinheiro, e Diana de atenção. Ela gostava demais de atenção, mas depois de um tempo começou a gostar de dinheiro também. Admito que talvez tenha sido minha culpa, comecei a mimar ela demais. De qualquer forma, éramos uma dupla, ela conseguia os remédios, eu os revendia, depois passava em sua quitinete e jogávamos conversa fora comendo um hambúrguer. Ou melhor, eu comia um. Ela comia três e dois copos de refrigerante.

Riu, mas ao ver que Caio não esboçara nenhuma reação, parou e se endireitou.

— O que quero dizer, tínhamos uma relação aonde eu tirava dela o beneficio da facilitação no tráfico de medicamentos e ela tirava de mim a atenção que não tivera em casa ou na escola, por sempre ter sido a excluída, até mesmo no trabalho. Diana precisava de mim, mas se tornou gananciosa e feito uma cobra decidiu dar o bote. Primeiro parou de me suprir, depois começou a me ameaçar caso não dividisse os lucros, mas naquela altura eu já estava encontrando outro fornecedor. Meu clientes não podem depender exclusivamente da boa vontade de uma garota defeituosa.

— Você quem é o defeituoso...

— Em tanto pontos, sim. Mas um empreendedor, isso nem mesmo você pode negar! — O maníaco sorriu se aproximando de Caio, e então saiu da luz, seu rosto mergulhou nas trevas e Caio via apenas o contorno, as formas das bochechas, nariz, boca... e os olhos, olhos cruéis demais para encarar, mas Caio não desviou o olhar. — Diana me decepcionou, e eu poderia deixar decepção de lado, mas ela me ameaçou. Pior; ela me delatou. Ou tentou. Em seu último apelo mandou aquele e-mail ridículo com acusações mas sem nomes. Claro que não precisou muito para rastrearem até o homem, o único, que falava com ela semanalmente; eu. Por isso comecei a me movimentar, sabia que hora ou outra vocês me achariam, principalmente quando ouvi que o grande Caio Quantim conduziria as investigações. Então sim, eu matei ela, mas você não se importa com os porquês, apenas com o cadáver. Advinha só, Caio, ela não sente mais nada! — Disse as últimas palavras lentamente, com entonação em cada sílaba. — E eu sou um medico formado, não causei dor desnecessária, ela apenas se tornou um risco que eu não podia correr, infelizmente agi tarde demais.

— Ela tinha uma vida toda pela frente!

— Não me ouviu? — Ele disse indignado. — Gorda, lésbica, sozinha, abandonada pela família, sem amigos, emprego público irrelevante sem chance de crescimento, infeliz e antissocial, eu posso listar todos os comportamentos sociais que a impediam de conviver em sociedade se você quiser, a lista é longa, não faz ideia do número absurdo de concessões morais que fazia para passar uma tarde com ela. Então retorno ao meu argumento, todo o dinheiro que movimentei nesse país em crise, todo os viciados que impedi de comprarem drogas mais pesadas de traficantes que matam crianças e estupram suas mães, todas essas coisas que eu fiz são posta de lado porque uma mulher irrelevante da qual nem mesmo a mãe sabe o paradeiro morreu. O nome disso, detetive, é dano colateral.

Caio percebia aonde aquilo ia, então não falou nada, apenas observava enquanto sentia o braço formigando. O líquido acabara, nada pingava agora. O sangue retornava pela agulha ao cano.

— Porque causou tamanha desgraça na vida de tantas pessoas para encontrar sua tão aclamada justiça em nome de alguém que ninguém sabia sequer da existência? O que você ganhou com isso? Quantos vão perecer por não terem mais a mim? Quantos já não pereceram nesse caminho, nessa caçada tosca que fez em minha busca? E agora você também. Pois sim, detetive, não pensou realmente que lhe contaria a verdade esperando pela sua mirabolante forma de escapar... Jamais! Matei-lhe enquanto conversávamos, gota por gota, como a matei. Vê, é indolor!

O homem suspirou e olhou para Caio como quem pede não por perdão, mas por entendimento.

— Você estava errado. — Caio disse então. — Do começo ao fim, e embora faça da razão arma, a distorce para seus fins e desmonta os alicerces não dá moral, mas da simples lógica, além de mostrar-se sábio em detalhes, mas ignorante em fatos. Diana está morta, e nada pode mudar isso, mas a justiça ainda assim deve chegar, até porque eu sou um detetive, como bem disse várias vezes, mas sou particular! Uma pessoa sozinha, morta, não me contrataria.

— Uma mãe arrependida...

— Não! — Caio o interrompeu dessa vez. — Diana estava grávida. Três meses, e o pai quer respostas. Ela tinha uma vida, ela tinha trabalho, família e amigos. Sua vida não era perfeita e a de quem é? Mas ela tinha uma vida, a que você não tinha direito de tomar, não importa quantos pense estar salvando de um destino pior, o destino pior é escolha deles, não sua, mas você escolheu por Diana.

— Não faz sentido...

— Faz sim. — Caio sorriu, mesmo que fosse seu último momento, sentia-se realizado. — Você só não vê; o sozinho é você!

Então a porta da garagem foi arrombada com um estouro, o homem se virou em um salto, mas Caio sequer se mexeu. A porta se soltou das dobradiças de cima, pendendo para o chão.

Guardas entraram com submetralhadoras e revolveres na mão, as luzes foram acessas e o portão da garagem começou a subir. Um guarda veio soltar Caio enquanto outro rendia o maníaco.

— Você me explicou tudo, permita-me fazer o mesmo. — Caio disse indo até o homem olhou para ele, para baixo vendo-o rendido. — Aquilo é soro fisiológico com um corante inofensivo. Sabíamos que você me prenderia e seu ego não permitiria uma execução limpa, me propus a bancar a vítima, e quando invadi a casa que você abandonou encontrei as ferramentas, pensei em tortura, não nego, mas não faz seu estilo, afinal, você se deu o trabalho sim de usar as ferramentas, mas para criar o cenário. Cadeira aparafusada, amarras de couro, iluminação difusa... Muito engenhoso, deveria ter cursado teatro! Então entrei e troquei o veneno por algo inofensivo, me retirei e retornei quando a equipe lhe viu chegar. Fui pego de surpresa, ou ao menos foi isso que você pensou.

“então seu erro continuo, o ego; Diana era tudo que você disse, mas ela era algo mais; ambiciosa. Sabia, porém, ser pé no chão. Via em você uma oportunidade de crescer, mesmo que ilegalmente, porque tinha total consciência que dentro de seu trabalho estaria presa para sempre. Lésbica? Sim, mas fértil ainda assim. Seus amigos, poucos para ser honesto, mas ainda assim amigos, eram um casal gay que desejavam um filho. Ela foi a barriga de aluguel e você matou uma mulher, um bebe, tirou a família de um casal e a filha de uma mãe. Eles iam pagar para Diana, uma bela quantia que ela pretendia usar para investir em um negócio particular, ninguém sabe que negócio seria esse, mas eu acredito que ela queria trabalhar com você, de verdade, erguer um império do tráfico de remédios. Ela era empreendedora, isso eu admito”

Caio recuou, olhou para fora, a rua estava repleta de viatura e olhos curiosos.

— Agora o toque final. — Foi até um armário e de lá pegou um pano, enrolado no pano havia uma bolsa de soro, mas o maníaco sabia, assim que viu, que lá dentro não havia soro. Caio viu o horror nos olhos do homem enquanto se aproximava com o composto e tirava, do próprio bolso, uma agulha ainda selada. Abriu, e com cuidado preparou a injeção. O maníaco começou a se debater até que os guardas o rendessem.

— Você não pode fazer isso, eu preciso ir preso, um julgamento...

Caio espetou o braço dele e ergueu a bolsa de soro. O conteúdo pingando lentamente, então ele apertou a bolsa fazendo o líquido deslizar pelo cano adentrando no braço do maníaco, que se desesperava com os olhos arregalados. Gritou que estavam matando ele, até que acabasse o conteúdo do saco plástico. Então Caio, que estava agachado para olhar nos olhos dele, segurou-o pelo queixo. O homem estava mole já.

— Isso é um calmante, não é o veneno. — Disse se levantando. Quando se virou viu a multidão. — Levem-no para a delegacia. Meu trabalho aqui está feito.

Disse quando uma salva de palmas explodiu entre a multidão. Diana não era ninguém, vivera como nada e morrera como menos ainda, mas nos dias que seguiram a solução de seu assassinato todos ouviram seu nome, todos conheceram sua história.

Naqueles dias, Diana foi alguém, mas o maníaco... Qual era seu nome mesmo?


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado.
Se puderem deixar um comentário :)
Tenham um bom dia!!!



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