Na frente da sala, o professor enchia o quadro com uma quantidade impressionante de matéria. Iruka sensei era desses: ele queria fazer cada minuto render, e passar o máximo de conhecimento para seus alunos. Desenhava os kanji com habilidade, com traços bonitos, reunia as informações de um jeito tão fácil de entender que encantava até o adolescente mais relutante.

As aulas dele eram sempre as preferidas em todas as turmas. Parecia uma heresia não prestar atenção em um mestre que se dedicava tanto e amava tanto a desafiadora profissão.

Mas, atipicamente, naquela manhã de sexta-feira; todos os olhos da classe 2-3 estavam fixados, vidrados em num único aluno: Inuzuka Kiba.

O garoto que costumava dormir sobre a carteira e babar nas folhas do caderno, nos últimos dias adotou uma postura completamente contrária até então. Ele estava copiando cada ponto da matéria, anotando as explicações e, pasmem, fazendo perguntas em voz alta para sanar dúvidas!

Parecia o fim do mundo.

Até mesmo Hinata estava surpresa com a nova atitude do colega de sala. Naruto, apesar de ser da 2-2, já tinha ouvido falar na “recuperação milagrosa” do amigo de infância e volta e meia usava os intervalos entre as aulas para ir na classe de Kiba espiá-lo.

— Alguma dúvida...? — Iruka perguntou com um sorriso quando preencheu o último espacinho com resumo da aula. Notou que Kiba ergueu uma das mãos — Sim, Inuzuka kun?

Kiba pegou dois rascunhos menores, alternando olhares entre um e outro.

— Sensei, não entendi nadinha!!

A classe acompanhou tudo com atenção. Era uma situação tão atípica, que eles não sabiam como reagir. Se deviam aplaudir o esforço ou debochar a incompreensão da matéria tão fácil.

O sorriso de Iruka sequer vacilou.

— O que acha de faltar à atividade do clube essa tarde e ficar aqui na sala para repassarmos toda a matéria? — nesse ponto voltou o olhar para restante da sala — Quem tiver alguma dificuldade pode vir também.

— Obrigado, Iruka sensei! — Kiba suspirou de alívio — Aceito sim!

Em seguida o sinal tocou, anunciando que era hora do almoço. Kiba pegou o bento e saiu da sala, respirando fundo. Hinata foi atrás do amigo, vendo ali a primeira chance de conversar com ele, que ultimamente fazia as refeições na sala e estudava ao mesmo tempo.

— Vai pro telhado, Kiba kun? — perguntou.

— Sim! Se ficar estudando no almoço de hoje é bem capaz do meu cérebro fugir da casinha — reclamou — Não aguento mais!

— Está tudo bem?

— Está sim — ele respondeu vago.

— Tá tudo bem é o caralho — Naruto veio pelo corredor e pulou sobre Kiba, prendendo-o pelo pescoço.

— Que porra, Naruto! Me larga!

O outro garoto riu e obedeceu.

— Que lavagem cerebral foi essa que você sofreu? — ele debochou enquanto foi andado ao lado dos amigos. O próprio bento preso entre os dedos, na clara intenção de dividir o horário com aqueles dois.

— Não foi lavagem cerebral.

— Sei...

O telhado estava vazio, naquela época do ano muita gente aproveitava a hora do almoço para estudar ou se envolver mais com as atividades dos clubes, haja vistas as competições de inverno que batiam na porta.

Foi fácil achar um lugar para sentar e poder comer.

— Não foi lavagem cerebral — Kiba repetiu olhando o céu azul — Eu só me preocupei com o futuro. Quero ser delegado e preciso ter cuidado pra dar tudo certo. Um errinho de cálculo e tudo já era!

— Essa preocupação veio assim do nada? — Naruto perguntou enquanto equilibrava pedaços de omelete com o hashi. Morava sozinho, era uma as poucas coisas que sabia cozinhar.

Kiba respirou fundo. O que podia dizer?

— Não veio “do nada”. Só... levei um golpe da realidade segunda-feira. Só isso.

Naruto e Hinata se entreolharam.

— Fico feliz que esteja tão dedicado aos estudos, Kiba kun. Caso precise de ajuda em alguma coisa é só me falar.

Ela sempre seria grata pela ajuda com o chantagista desconhecido. Já tinha começado a falar sobre o assunto das redes sociais com a mãe e a aceitação foi maior do que o esperado, conseguindo uma aliada inesperada para quando fosse contar ao pai.

— Comigo nem precisa contar — Naruto gracejou — Vou abrir minha casa de lamen. Não preciso de faculdade nem de nada mais pra isso.

— Seu plano é bom — Kiba suspirou — O meu plano é mais difícil, tem que se esforçar muito e... bem... que caralho. Só to estudando! É tão estranho assim? Errado?

O rompante surpreendeu os outros dois. Mas Naruto logo deu de ombros.

— Relaxa, ninguém tá julgando. Vou ficar um tempo sem te chamar pra jogar na casa do Chouji. Eu te apoio, cara.

Kiba acenou com a cabeça e voltou a comer. O clima ficou um tanto estranho depois disso, os três terminaram a refeição em silêncio. Algo que raramente acontecia quando Kiba e Naruto estavam no grupo, quando o cenário era bem oposto: ambos gostavam tanto de falar que a quietude nunca estava por perto.

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A aula especial com Iruka sensei foi uma maravilha. Além de Kiba, mais dois alunos apareceram para aproveitar a oportunidade. O professor tinha uma paciência que se estendia ao infinito. Explicou e reexplicou todas as vezes necessárias até ter certeza de que tudo estava bem entendido! E deixou bem claro que poderia repetir aquele reforço todos os dias se preciso, até que dominassem o assunto. Era a maior recompensa que poderia receber como professor.

Passava das quatro horas da tarde quando Kiba saiu da escola.

Caminhou exausto até em casa. Usar o cérebro era mais cansativo do que exercitar o corpo! Podia participar de mil jogos de futebol e mil campeonatos de artes marciais sem ter a sensação de ser atropelado por um desfile de tratores!

Assim que chegou em casa e foi recebido por Akamaru, o estresse amainou com a animada recepção. Os dois rolaram um pouco pelo chão gramado do quintal, com Kiba rindo alto e o cachorro tentando lamber-lhe o rosto.

— Chega, chega — o garoto acabou com a farra e coçou atrás da orelha do mascote, que aceitou o carinho cheio de gratidão, antes de levantar-se e entrar na casa — Tadaima!

Anunciou a chegada mesmo sabendo que Hana estaria no banho e provavelmente não o ouviria. Tsume costumava chegar mais tarde do trabalho. A irmã mais velha passava pela casa para tomar um banho e já saia de novo para o segundo arubaito.

Tirou os sapatos no genkan e avançou descalço mesmo. Amava o contado dos pés com o chão.

No quarto, jogou a mochila sobre a cama. Em seguida notou a caixinha estampada sobre a escrivaninha coberta com anotações e resumos do colégio. Reconheceu fácil: era da confeitaria em que Hana trabalhava meio período. Às vezes sobravam doces e os funcionários podiam levar para casa. Aquele bolo confeitado e coberto com morangos eram um dos preferidos do garoto.

Cansado, sentou-se na cadeira e ficou observando o doce, sem grande vontade de comê-lo. A mente estava dominada por outras coisas.

Foi então que o celular alertou para a chegada de nova mensagem. Era o som típico do Line. Ao desbloquear a tela, descobriu que vinha de remetente restrito. Só podia ser uma pessoa.

Respirou fundo. A última que recebera até que nem fora tão ruim assim, nenhuma assuntou mais do que o print, que Kiba apagou por precaução. Vai que alguém pega seu celular que já era meio velho e não bloqueava com senha nem padrão. Muito menos impressão digital.

Talvez essa mensagem...

Pois a nova que acabou de chegar fez o sangue de Kiba gelar nas veias e o coração falhar uma batida. E ele não soube lidar.

O celular escapou-lhe da mão, caindo sobre a escrivaninha com um baque abafado.  Alguns segundos depois a tela se apagou.