Made of Stone escrita por littlefatpanda


Capítulo 9
VIII. De todos os presentes do mundo


Notas iniciais do capítulo

Oilá :3

IMPORTANTE: Gente, só uma coisa que talvez vocês não saibam, principalmente os que não acompanham MOF: este começo da história, o ano em que Caleb e Alex completam, respectivamente, 13 e 16 anos, é o de 2017. O EXTRA do Caleb em MOF se passa em 2016, na primeira vez em que Alex e Caleb se conhecem, em conjunto do começo da história do Will & Turner.
Então, em algum ponto de MOS, a história vai ultrapassar o nosso atual ano, 2018, mas relevem de boas ahahahahaha. (eu espero né, se eu não empacar HAHAHAHAH) (esqueçam que eu disse isso) (parei)

Boa leitura! ♥



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/746861/chapter/9

E daí que estou fazendo treze anos de vida? 

Não entendo por que a gente precisa comemorar a quantidade de anos que vive. "Nossa, que incrível, você tem trezentos e sessenta e cinco dias a mais, meus parabéns por ter sobrevivido por tanto tempo! Aqui, toma uma recompensa por isto." 

E por que não cem em cem dias, ou então seiscentos em seiscentos? 

Nunca vou entender. 

Havia algo, no entanto, que eu gostava em meus aniversários. Não eram só as guloseimas ou o fato de ganhar presentes sem ter feito nada para merecer.

Era a minha família, minha não tão grande e distorcida família. Ali estavam todos eles. Minha mãe, meu irmão, tia Kira e Kaori. 

Tio Shiori não era tão presente porque trabalhava bastante, mas se o dia caísse em um fim de semana, ele certamente estaria ali. Tia Kira sempre estava, já que não trabalhava fora de casa e não se importava nem um pouco com dividir seu tempo com a gente. Às vezes, fazia dinheiro com o que gosta, vendendo suas mudas, para logo crescer mais. 

Kaori é filha única, e é uma mistura perfeita dos pais. Tudo bem que ambos são japoneses, mas ao contrário do que dizem, eles não são todos iguais. Ela tinha o nariz e os olhos do pai, os lábios e o sorriso da mãe, embora fosse bem mais parecida com ela. Os olhos não eram tão puxados quanto os da tia Kira e ela era mais baixa que a mãe também, mas de resto, eram bem similares. 

Os três viveram por tanto tempo ao lado de nossa casa - nem sei quanto, aliás -, que eu sequer consigo me lembrar da casa ao lado vazia. Para mim, é como se sempre houvessem sido nossa família. 

Como minha família rotula o dia como algo importante para mim - mesmo que não seja -, eles se lembram e fazem questão de demonstrar que se importam com o que é importante para mim - mesmo que não seja. E então, naquele momento, depois de quase engolir papéis picados, eu me dava conta disto e me sentia grato por ter pessoas tão lindas em minha vida, que se importam com o que acham que eu me importo - mesmo que não seja assim. 

— Valeu — agradeci, com um sorriso, quando minha mãe me entregou um enorme caderno de desenhos. E eu não estou brincando quando eu digo enorme

Eu devia ter imaginado que eles fariam o mesmo que fizeram no aniversário do Will, mas ainda assim me pegaram desprevenido. Era cedo da manhã, e quando saí do quarto, fui surpreendido com buzinas e papéis picados em confetes na minha cara, além do coro do parabéns. 

Agora eu entendia a careta do Will quando o surpreendemos, e ele fez questão de comentar: — Se não tava acordado antes, tá agora — riu ele, ao me abraçar por último. 

Empurrei-o para longe, vendo-o gargalhar. 

Eu lembro vagamente do meu pai, mesmo que mamãe tenha sumido com todas as fotos dele. Ele era loiro, alto, tinha os olhos azuis e muitas sardas na pele. Will se parecia muito com ele, talvez mais do que com nossa mãe. Apesar dos olhos verdes, como os meus, provindos da genética da nossa mãe, ele era loiro. Os cabelos houveram escurido para um castanho-claro com o tempo, mas ainda assim, nas fotos de bebê, ele parecia o esteriótipo de um pequeno anjo. E havia algo quando ele sorria que se assemelhava muito ao Hugh, mesmo que todos dissessem que tínhamos o mesmo sorriso. 

É claro que eu nunca diria isso a ele, e se mamãe também percebia, havia sempre optado pelo silêncio como eu. Will era capaz de parar de sorrir para sempre, dramático do jeito que era, se soubesse que tem ao menos um terço do sorriso parecido com o do nosso progenitor. 

Balancei a cabeça, rindo, antes de desviar os olhos gulosos para a cozinha. 

Como era uma sexta-feira sem importância, consegui matar aula e com muito gosto. Assisti filmes, comi bolo, joguei videogame. Apesar de não entender aniversários, pelo menos eu podia apreciá-los. Ninguém podia me culpar por isto. 

De tarde, chegou Theodore, o novo namorado da minha mãe. E quando eu digo "novo", não quero dizer que ele seja jovem ou que ela vive com namorados um atrás do outro. Até porque, ela não namorou ninguém depois do meu pai, até Theodore aparecer. Eu digo "novo" porque é muito recente, e recém estávamos conhecendo ele. 

Ele não era de todo ruim. Cabelos lambidos demais para o meu gosto, mas nada que não se ajeite. Ele é dono de um restaurante indiano, então ele tem um bom gosto para comida e até me ensinou uns truques bacanas. Ele era gentil, com a minha mãe e com a gente, então quem sou eu pra dizer algo contrário? 

A verdade era que eu não conseguia me acostumar com ele dentro de casa. Tudo bem que ela estivesse namorando, mas quando ele fica por tempo demais começa a crescer uma agonia dentro de mim. Era como se fosse um intruso, mas apenas depois de alguns primeiros instantes. Era como se ele pudesse ficar um pouco ali, mas se passasse do tempo regular que eu criara em minha cabeça, minha pele começava a coçar de tão incômoda. Era como se ele ficasse mais intruso a cada segundo, e quanto mais tempo ficava ali antes de ir embora, mais desconfortável eu me sentia. Era como se Hugh estivesse de volta, mesmo sabendo que Theodore não é nada como nosso pai alcoólotra. 

Balancei a cabeça, afugentando a sensação ruim. 

Depois dele, foi a vez dos meus amigos chegarem. Nunca na minha vida eu me senti nervoso por saber que quem bateu na porta é a minha galera, mas desta vez, eu tive que retorcer minhas mãos suadas. 

É claro, porque Alex podia estar entre eles. 

Eu não havia convidado ninguém, como sempre, mas eu sabia que eles viriam. Eles sempre vêm. Também tinha certeza de que convidariam Alex para ir junto, mas eu não sabia se ele apareceria. 

Não me entenda mal, eu voltei a tratá-lo como antes. Voltei a fingir que nada estava errado quando ficávamos sozinhos por algum motivo, e a rir de suas bobeiras, ou estranhar visivelmente suas estranhezas, da forma como fazia desde o início. Voltei a repreender seu vício com o cigarro e a revirar os olhos com suas palhaçadas. 

Mas parecia que nada mais voltaria a ser o mesmo. 

— Entrem, meninos — chamou minha mãe, ao atender a porta. — Este é o Theodore, não sei se conhecem. — Apresentou, e eu permaneci quieto, na sala, só ouvindo. Depois de murmurarem um "prazer" em uníssono, e Theodore responder com uma gracinha, minha mãe riu. — Caleb tá lá dentro, podem entrar. 

A cabeleira loira foi a primeira a aparecer na sala. 

— Ah, se minha mãe deixasse eu faltar aula no meu aniversário... — reclamou Mason, ao deixar no ar, estalando a língua. — Sortudo. 

Ri, dando de ombros. — Não tinha nada de importante hoje. 

— Não tem nada importante em dia algum — retrucou Ian, entrando logo após. 

E o vazio atrás dele apenas se prolongou e permaneceu. Suspirei.  

— Tem razão — concordei, forçando um riso ao engolir em seco e voltar minha atenção a eles. 

Era engraçado que fôssemos tão diferentes agora. Dois anos atrás, a diferença de tamanho, de timbre de voz e idiotice parecia a mesma entre os três. 

Mason sempre pareceu mais novo do que é, mas entre a gente, ele realmente tem alguns meses de diferença. Faria os treze só em dezembro e pouco antes disto, Ian completaria os catorze, já que entrou um ano mais tarde no colégio.  

Ian se esparramou no sofá, logo de cara, pegando o controle da televisão. 

Eles são mais de casa que eu mesmo. 

Mason caminhou até mim. 

— Toma. — Mason estendeu um presente embrulhado. — Eu não queria deixar minha mãe comprar nada, porque ela te daria, sei lá, um pote? — sugeriu, fazendo-me rir. — Então, eu e Ian dividimos nossos dinheiros e compramos um só presente. Abre logo — resmungou, enquanto eu o girava em mãos. 

Desembrulhei-o com rapidez, sob o olhar crítico de Mason, para descobrir um jogo de FIFA para PlayStation. Tudo bem que meu videogame já estava acabadinho e não era nem de longe a melhor ou a mais renovada das versões, mas ele ainda funcionava na paz. E aquele era o último FIFA lançado até o momento, o único que me faltava! 

— Finalmente juntos — murmurei, abraçado no jogo. 

Tudo bem que não sou exatamente um encaixe no conceito de normal: o amor da minha vida é o desenho, minha paixão avassaladora é a culinária e meu caso de algumas tardes é o futebol. Mas o videogame é minha alma gêmea. Se eu não tivesse os primeiros citados acima, eu viveria enfurnado em meu quarto com um controle nas mãos. E eu gostava ainda mais de futebol em uma telinha do que futebol na vida real, porque com o primeiro eu não precisava me movimentar. 

Mason riu, juntando-se ao Ian no sofá.

Ian já tinha esse mesmo jogo, e a gente vivia de intruso em sua casa, focados nele. E agora eu poderia... 

Relanceei os dois, ambos esperando para que eu estreasse o jogo, com os controles já em mãos. Bufei. 

É, agora eu poderia ter os dois intrusos na minha casa. 

— Ah, o Alex não pôde vir, tava irritadinho — riu-se Ian, depois de um tempo jogando, batendo o ombro no ombro de Mason, que acenou positivamente. 

Ian estava na ponta esquerda do sofá, quando visto por detrás, Mason estava no meio, e eu estava na ponta direita. Era a minha vez de jogar com o Mason quando Ian, só observando, puxou assunto. 

— Irritadinho? — perguntei, os olhos desviando do meu jogo por um instante e logo focando nele outra vez. — Como assim? 

— Bom, ele atirou o celular na parede e teve sorte de não quebrar — explicou Ian, fazendo com que eu unisse as sobrancelhas. — A gente passou lá para ver se ele viria, já que ele não respondeu nossas mensagens, e ele tava meio estressado.

— É, mas ele anda bem estranho ultimamente — raciocinou Mason, fazendo-me olhá-lo de canto de olho, ao conspirar: — E fica o dia todo encarando o celular. 

Pisquei algumas vezes, notando que era verdade. Alex continuava o mesmo, ainda mais depois que eu voltei ao normal, tratando-o da mesma forma, mas sempre checava o celular. E andava bem nervoso. Sem falar no episódio bizarro de sua tremedeira. 

— Verdade — concordou Ian, pensativo. — Não sei o que houve ou o que anda acontecendo, mas deve ter algo a ver com os amigos dele de Mallow Coast. Não sei — concluiu, dando de ombros. 

— Por que você acha isto? — perguntou Mason, todo interessado. Revirei os olhos, estalando a língua. — Ele anda com problemas por lá? Esses amigos são, tipo, encrenqueiros? Ouch! — reclamou, quando Ian deu um peteleco em sua cabeleira loira. 

— Deixa de ser curioso, mané! — repreendeu, logo rindo, enquanto eu evitava rolar os olhos uma vez mais. 

— Começa você a ser curioso! — reclamou o Mason, bufando. — Nunca presta atenção em nada e depois fica reclam... 

— Ai, nunca presta atenção em nada — imitou Ian, afinando a voz.

Frisei os lábios para não rir, balançando a cabeça. 

Mason parou o jogo, fazendo-me deixar a cabeça cair pra trás e o controle cair em meu colo. Virou para o lado esquerdo, indignado, para continuar, por sobre a voz de Ian: — E depois fica reclamando que não entende as... 

— Blabla, que não entende as... 

— Você quer parar? — irritou-se Mason, e dessa vez eu não me aguentei e comecei a rir, sentindo o corpo balançar com o movimento. 

— Você quer parar? — Ian imitou de novo, refletindo também o cenho franzido do loiro.

Tapei o rosto com as mãos, balançando a cabeça negativamente. Que maduros! 

— Ora, quanta maturidade hein, Ian? — reclamou Mason, verbalizando meus pensamentos, ao afinar ainda mais a voz na indignação. Mas ao contrário de Ian, não era proposital. — Você não é o mais velho? E fica agindo feito um bebê... Ei, Caleb! — reclamou, desta vez, para mim. Nem me dignei a olhar em sua direção, os olhos presos na televisão. — Não era pra tirar do pause

— Azar, agora já foi — falei, fazendo meu jogador se aproximar do gol, dando de ombros. 

Alex não ficou irritadinho, como Ian descreveu, pelo dia inteiro. E eu soube disto quando minha mãe gritou que tinha visita e, esperando que fosse o tio Shiori ao chegar do trabalho ou talvez, meu cunhado, eu me surpreendi ao dar de cara com ele.

É, não haviam muitas pessoas que compareceriam ao meu aniversário. 

Não havia mau humor algum em seus olhos pretos, nem em nada da sua expressão, mas dava para ver pelas olheiras que ao menos um pouco cansado ele havia estado. 

— Pensei que não viria — verbalizei, quando me dirigi à sala para que me seguisse.  

— E perder seus treze aninhos? — ponderou, com o tom de voz que tias usam ao falar com bebês de desconhecidos na rua. Estreitei o olhar, vendo-o rir, mas logo ele perdeu o riso ao passo que parava para me encarar. Inclinou o rosto levemente ao lado ao me observar com certa análise. — Você está fazendo treze mesmo né? — perguntou, o tom de receio. 

— Sim — respondi, estranhando-o.

Alex voltou a sorrir imediatamente. — Ufa! — disse, colocando uma das mãos no peito. — Por um momento pensei que você fosse ainda mais novo. 

Pisquei, vendo-o seguir em direção à nossa já conhecida sala, com cara de pateta, não vendo necessidade de me esperar. Dei de ombros, ignorando mais uma de suas palavras de quíntuplo sentido que eu jamais viria a entender, e pus meus pés a seguirem-no.

Já estava mais do que na hora de aceitar que Alex é incompreensível. 

— E aí, galerinha do bem, sentiram a falta do lindo do Alex? — perguntou ele mesmo, em terceira pessoa, como um perfeito idiota. 

— Achei que fosse morrer — ironizou o primo, arrastando-se um pouco para o lado para indicar que ele sentasse também. — Senta aí. Se quiser jogar, vai ter que esperar eu detonar com o Maze — declarou, malévolo, rindo ao ver Mason ignorar suas palavras, emburrado. 

— Tá certo — riu Alex, mas parou o olhar em mim.

Sinceramente, nem sei por que eu ainda estava em pé ao lado do sofá, encarando o sorriso de Alex. Não estranhei que estivesse, porque nem percebi que estava encarando-o. Pisquei, rindo tardiamente - muito tardiamente - de Ian ao desviar o olhar para longe do Alex. 

Alex é três anos mais velho que a gente, mas para falar a verdade, fisicamente, não havia tanta diferença assim. Ele ainda tinha traços um tanto infantis no rosto, o que não era muito diferente da gente, mas as atitudes, o jeito e as falas o denunciavam como mais velho. 

Ele estava usando uma roupa escura, a camiseta preta, o que deixava os cabelos escuros ainda mais escuros e os olhos parecendo duas bolas de gude diretas da galáxia, como buracos negros. Mas então ele sorria, e toda a atenção de qualquer um que o encarasse - não só eu! - se dispersava por todo seu rosto. 

— Eu só... — murmurou ele, hesitante. Olhou para as próprias mãos, onde jazia uma sacola e voltou as orbes escuras pra mim. — Posso colocar isto no seu quarto? 

Franzi o cenho, recém me dando conta de que ele não veio com as mãos vazias. — Claro. 

Eu estava prestes a dizer que nem precisava, porque eu já abriria ali mesmo, quando ele deu as costas e adentrou no cômodo ao lado da sala. Encarei os outros dois, que resmungavam baixinho, concentrados em ganhar um do outro na partida, e logo os voltei para a minha porta de madeira entreaberta, gasta pelo tempo. 

Era a terceira vez que Alex aparecia em minha casa, então ele já conhecia o caos que eu chamo de quarto. 

Quando adentrei, peguei-o observando ao redor com interesse. A sacola ainda estava em suas mãos, mas os olhos absorviam toda a minha bagunça com cuidado. Se Alex havia vindo três vezes em minha casa, em todas as três ele observava meu quarto como se fosse uma espécime de arte. 

— Não é uma bomba, eu espero — falei, arqueando uma das sobrancelhas ao observar a sacola em suas mãos.

Na verdade, eu estava curioso pra caramba! 

Alex virou-se para mim, e logo riu. — Não, a bomba sou eu — brincou, sorrindo de canto. 

Eu mal podia saber o quão certa aquela brincadeira estava. 

— Eu acredito — falei, desconfortável, ao aceitar o regalo que ele estendia para mim.

Abri mais um presente no dia de hoje, com o olhar crítico do meu amigo em mim, com cuidado. Achei que, por não ser o Mason, eu me sentiria mais confortável com tamanha análise, mas estava enganado. A atenção de Alex era ainda mais perturbadora. 

Já tendo estranhado o fato de não ser tão leve assim, desembrulhei o que parecia uma caixa retangular sem muita altura. Franzi o cenho. 

— Me desculpa — pediu, abruptamente, me surpreendendo. — Eu sou péssimo com presentes, não fazia ideia do que comprar, então pensei nisto. — Ergueu os ombros, com uma careta. — Ian disse que você não usa tintas, que só desenha, então... 

— Ah — murmurei, os olhos alargando, quando me dei por conta do que se tratava. Um kit de desenho. Arregalei os olhos, e não porque eu simplesmente amei, mas porque eu tinha uma noção bem específica de quanto custava um kit daqueles e daquela marca. — A-Alex, como você... 

Abri a boca, chocado, girando o kit de forma retangular, com vários lápis, borrachas, barras de carvão, de grafite, lixas, onde meus olhos podiam alcançar. Não era o mais completo, mas não interessava, porque aquilo era caro 'pra caramba.

Se ele houvesse comprado a maleta dos sonhos, de madeira, e com o dobro dos utensílios, eu teria tido uma síncope nervosa. 

— Como você comprou isto? — finalizei, enfim, erguendo os olhos para ele. — É caríssimo! — expressei o que estava pensando, mas a cara de culpado não se devia ao preço. Ao menos, não era o que parecia. 

— Ah, você sabe, Caleb, eu... — Estalou a língua, trocando o peso da perna, com certa inquietação. — Eu só... — Suspirou, deixando os ombros caírem. — Eu ganho mesada. E, honestamente, não é tão caro assim — confessou, e logo eu percebi o porquê da culpa.

Era a mesma que Ian sentia quando evitava usar suas chuteiras novas no futebol de campo do bairro. Ele pegava as mais velhas, porque sabia que ninguém aqui - eu ou Mason - possui nada daquele nível. 

Culpa de rico, dá para acreditar? 

E Alex certamente também a possuía. 

— Eu juro — acrescentou ele, certo desgosto passando em seu olhar — que não gosto de usar o dinheiro do meu pai pra nada. Eu só... — Suspirou, novamente. — Eu não sabia o que comprar! E é o seu aniversário — explicou, debilmente. 

Não sei em que momento começou, mas meu pequeno sorriso se transformou em um riso, e logo em uma gargalhada. Alex pareceu ofendido, mas sorriu também, com cara de quem não entende nada. 

Não que eu ache que pobres têm que se sentir culpados por serem pobres, porque isto é um absurdo. Mas ricos também não têm culpa de serem ricos, a não ser que estejam ganhando dinheiro em cima de algo ruim. E não era o caso do Alex, nem do Ian, já que eles, por um acaso, nasceram em uma família rica. 

— Tudo bem, Alex — garanti, depositando meu presente, com muito cuidado, em cima da cama. — É perfeito. Valeu.

Sorri, sincero. 

E não, eu não tinha o orgulho de pobre que impediria minha mãe, por exemplo, de aceitar tão facilmente um presente desses. E também não tinha a educação das pessoas normais de fingirem que não precisava, porque precisava, sim. 

Eu mereço, oras! 

Aguentei mais seiscentos e sessenta e cinco dias, são e salvo. 

— Eu ia comprar roupa ou algo assim, mas... — Focou os olhos em um ponto ao seu lado direito, em cima da cômoda que se encontra ao lado da minha cama. Franzi o cenho, seguindo seu olhar. — Eu vejo que posso fazer isto pouco a pouco. 

Senti meu estômago gelar quando encontrei, ao lado do abajur, o mesmo que ele. Na cômoda ao lado da minha cama, jaziam o boné preto e branco que ele pusera em meus cabelos no colégio e o pingente de bala que me emprestara na noite da festa. 

Nem precisei de um espelho para saber que eu estava roxo de vergonha. 

— Ah, eu... Eu esqueci de te devolver — menti, engolindo em seco. 

Alex me olhou de canto de olho, com os lábios frisados um no outro para não rir, assentindo. Aquilo me irritou tanto quanto me deixou ainda mais sem jeito, porque ele pareceu fazer de propósito: não me olhar na cara por saber que eu me sentiria ainda mais desconfortável com seu olhar analítico em mim. 

Respirei fundo, caminhando em direção à cômoda. Peguei ambos com uma mão só e estendi para ele, praticamente olhando para o chão. 

— Você pode levar hoje, já que está aqui — falei, remexendo-me no lugar quando ele não os pegou. 

— Não, não — negou, rindo, ao abrir uma mão, impedindo que eu empurrasse os dois objetos para o seu peito. — Pode ficar com eles. 

— Claro que não — resmunguei, erguendo o olhar para ele. Alex arqueou as sobrancelhas. — São seus. 

— Bom — murmurou, pegando o boné das minhas mãos e pondo-os sobre os meus cabelos —, ficam melhores em você. 

Tirei o boné da cabeça quase ao mesmo tempo, já sem paciência, com a mesma mão em que segurava o pingente. Suspirei, olhando para longe. 

Odiava tudo que remetia ao Alex, seu cheiro, seu jeito, seu olhar, suas brincadeiras, absolutamente tudo. E odiava aquele rebuliço em meu estômago com tanta gana que tinha vontade de arrancá-lo fora com as minhas próprias mãos. Odiava sentir como se meu próprio corpo não me pertencesse. 

— Tudo bem — cedeu, em um tom manso, provavelmente ao perceber meu estado de espírito. — Eu posso levá-los de volta — completou, com cuidado, mas sem parecer muito feliz com a ideia. 

Eu não sabia o que falar, então permaneci encarando a porta, vez ou outra ouvindo Ian e Mason gritarem xingamentos um ao outro e pausarem o jogo para - se eu os conhecia bem o suficiente - se empurrar. 

Alex alcançou a minha mão e eu imediatamente volvi meus olhos para ela, com o boné preso em meus dedos furiosos, e o pingente enroscado neles. Ele deslizou rapidamente e com cuidado, a mão para o boné, ao aceitá-lo de volta. Mas eu não o larguei. 

Droga. 

Eu gosto daquela droga de boné. 

Alex deve ter percebido que ficamos tempo demais, um de frente para o outro, ambos com uma mão presa aos dois objetos no espaço entre nós, porque ouvi um som baixo saindo de seu nariz, como um riso abafado. Ergui o olhar, encontrando uma sobrancelha erguida e um sorriso de canto. 

— Ou não — brincou ele, soltando-o, por fim. 

Eu normalmente sorriria, ao menos, com a situação. Mas ela não era engraçada, porque nada justifica eu ficar com os seus acessórios e, no momento, tudo que eu conseguia pensar era: o que diabos ele está pensando? 

Ou melhor: o que ele vai pensar sobre isto? 

Só que o Alex é um cubo mágico, e todo mundo sabe que ninguém resolve cubos mágicos. Nenhum ser humano comum, ao menos. 

Resolvi quebrar o olhar, dando as costas para pôr os dois objetos em cima da cama, ao lado do presente oficial. Eu esperava que não fosse mesmo uma boa hora para me xingar por tê-los deixado à vista, ao lado da cama, para que ele acabasse enxergando-os, em primeiro lugar. Então aquietei os resmungos mentais. 

— Valeu — repeti, silencioso, ao caminhar desajeitadamente para a porta com o intuito de ir para perto dos meus amigos normais, naquelas circunstâncias.  

— Caleb! — chamou, ao segurar meu pulso antes que eu chegasse a porta. 

Franzi o cenho cada vez mais quando percebi que ele estava muito perto e estar muito perto significava que meu estômago subia à minha garganta, e isto não era legal. 

Não, eu estava errado: ganhar a maleta dos sonhos não me causaria uma síncope nervosa. Isto me daria uma síncope nervosa, porque eu estava quase a este ponto. 

Alex inclinou-se em minha direção, e eu quase fui engolido pelos globos negros em seu rosto. Ele sorriu minimamente, e eu pensei que aquele tinha sido o sorriso mais amável de todos, e o único deles, porque Alex não é amável jamais. Prendi a respiração como se minha vida dependesse disto, e quando sua bochecha encontrou a minha, percebi que aquele cheirinho do boné era muito mais intenso assim, proveniente da própria pessoa. 

Por fim, seus lábios encostaram em meu rosto em um beijo singelo e casto que, mesmo assim, fez com que eu me questionasse seriamente problemas cardíacos na família. Eu já sabia que podia ter problemas de fígado provenientes do meu exemplar pai, mas problemas de coração eram novidades para mim. 

— Feliz aniversário — sussurrou, contra minha bochecha, antes que o espaço à minha frente se tornasse um vazio. 

Engoli em seco, abrindo os olhos que sequer percebi terem se fechado e me deparei com o quarto vazio, logo ouvindo a voz descontraída de Alex ao chegar na sala, com os outros dois. 

Ainda com as sobrancelhas unidas, e com a respiração acelerada, fiquei um tempo encarando o nada, tentando criar alguma palavra em minha mente para o indício de que ela volveu a funcionar. 

Não foi o caso. 

Como eu não sabia nada do que eu estava sentindo no momento, eu pude identificar uma só coisa: a raiva. Eu realmente odiava o Alex e tudo que ele fazia comigo, como um magicista nem um pouco engraçado. Babaca

Sentindo-me um idiota, sabe-se lá por que razão, sequer esperei um só pensamento vir, com medo do que poderia ser, e também dei as costas para o meu quarto. Aquele quarto que muito foi o meu refúgio e que agora continha não só uma, mas quatro memórias com Alex. E três lembranças em cima da cama. 

E uma em minha pele. 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

GENTEM, eu amo de paixão esta história, e como me empolguei, acabei terminando mais um capítulo. Sem falar que eu planejei de forma diferente os próximos, então espero que renda o meu esquema.

Outra coisa! A galerinha do Alex já estava planejada para aparecer mais vezes, mas quando eu criei mais à fundo os personagens (basicamente: Mary Jane, Bruno, Ben, Jake, Matt, Emily, Annelise e Faye) eu me apaixonei e tô louca pra escrever extra deles!

Vocês acham que curtiriam? Tem romance também! Hahahaha.

Amem, odeiem, mas me digam o que acharam. ♥
Att: 05/2021.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Made of Stone" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.