Made of Stone escrita por littlefatpanda


Capítulo 5
IV. De todos os colégios do mundo


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura! *-*



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— O que você faria se um amigo seu estivesse envolvido com uma pessoa que te fez mal?

Franzi o cenho.

Will não havia dormido direito, e eu sabia disto por conta das olheiras abaixo dos olhos verdes, embora ele houvesse dito que acordara mais cedo por um acaso. Por isto, optou por me levar até o colégio. Estávamos, então, caminhando até o local, que não era muito longe de casa. 

Desde que Will começara a faculdade, nossos horários de aula não batiam. Quando ele tem aula no turno da manhã, eu tenho aula no turno da tarde. E agora, enquanto ele tem aula no turno da tarde, sou eu que tenho aula no turno da manhã. 

Pensei no que ele havia perguntado.

— Envolvido como? — perguntei, encarando o rosto de cor alva.

Will era mais alto que eu, praticamente oito anos mais velho, tinha os cabelos castanho-claros e o rosto mais comprido. Fora isto, éramos bastante parecidos. A pele clara, os olhos verdes, o nariz, a boca, o corpo esguio.

— Eu ainda não tenho certeza de como, mas acho que romanticamente — murmurou, com um sorriso fraco.

Pensei um pouco.

— Essa pessoa também faz mal ao seu amigo? — perguntei, tentando compreender. — É uma pessoa ruim?

Will piscou algumas vezes, o cenho vincando. Torceu os lábios em uma careta, mas logo estalou a língua, suspirando.

— Depois do que me fez, sempre vai ser uma pessoa ruim pra mim — resmungou, chutando uma pedrinha. Arqueei as sobrancelhas, mas antes que respondesse, Will emendou: — Deixa pra lá — disse, com um sorriso amarelo. — Olha só, estamos chegando. — Indicou o muro do colégio. 

Nosso colégio - nosso, porque Will estudou ali também - já tinha o muro envelhecido e pichado, e de longe, já era possível ver o portão enferrujado na cor descascada de azul. 

— Aquele é o Mason? — perguntou, frisando os lábios para não rir.

Segui seu olhar.

Mason usava os cabelos loiros lambidos para o lado, tinha os olhos azuis irritados atrás dos óculos e um beiço nos lábios. A camisa engomadinha ficava justa no corpo, com os botões fechados até a garganta dele. Parecia desconfortável naquelas calças ajustadas na cintura.

Voltei os olhos para Will, que gargalhava quando chegamos perto dos dois, uma covinha afundando em sua bochecha. Também ri, sem conseguir desviar os olhos das vestes de meu amigo e de seu rosto avermelhado. 

— Não ri, Caleb! — resmungou, mesmo percebendo que meu irmão também prendia o riso. — Foi minha mãe, tá legal? Ela fez uma limpa na casa e encontrou essas roupas horríveis! — choramingou, irritado. — Meu uniforme tava sujo e ela aproveitou pra me fazer usar essas roupas antes que não servissem mais.

— Bom — intrometeu-se Will, diminuindo o riso para um levantar dos lábios —, eu vou indo. — Deu uma última olhada na entrada do colégio e despenteou meus cabelos com a mão, em um ato já costumeiro que eu sempre odiei. — Vê se não apronta. E cuidado ao voltar pra casa — alertou, por último, feito um pai coruja, antes de dar as costas.

Observei-o se afastar, ignorando as piadinhas de Ian para Mason e os resmungos do garoto mais baixo, enquanto tentava inutilmente desviar o assunto de sua roupa para qualquer outra coisa.

Will andava trancado dentro de casa nos últimos dias, e agora parecia um pouco mais disposto a sorrir, embora viesse com esse papo estranho de alguém que lhe fez mal. Era bom vê-lo rir, depois de tanto haver estado agoniado nas últimas semanas, seja pelo motivo que for.

Will era minha pessoa preferida em todo o mundo. 

Eu não tinha um pai em quem me espelhar, então me espelhava nele. E era o melhor exemplo que eu podia ter.

Eu não tinha um pai em quem me espelhar, então me espelhava nele. E era o melhor exemplo que eu podia ter. Lembrava-me pouco do meu pai, mas o pouco deixava claro que ele não era nenhum exemplo a se seguir. Nenhuma lembrança dele era agradável. Nem apenas uma.

Lamentava por meu irmão que, sendo oito anos mais velho que eu, havia de ter oito anos a mais de memórias. Podia ser que eu não lembrasse muito daquele homem durante meus primeiros anos de vida, mas o que eu não tinha de memórias dele, eu tinha de Will. Eu sempre estava em seus braços, ou senão, estava em seu quarto, usando de seus fones de ouvido. Tomava conta de seus cadernos para rabiscar, de seu aparelho de músicas para ouvir, de seus amigos para brincar e de tudo que envolvia a sua vida.

Will, com apenas vinte anos de idade, havia sido meu pai durante minha vida inteira.

Não que ele me tratasse como um filho, mas havia assumido, junto de minha mãe, todas as responsabilidades que meu pai devia carregar nas costas e havia deixado aos ventos. 

— Mentira!

A voz surpresa de Ian chamou-me a atenção rapidamente, e virei para ver do que se tratava. Ambos Ian e Mason tinham os olhos fixos em um carro de marca que estacionava do outro lado da rua. Não demorou muito para que Alex descesse dele, resmungando alguma coisa para o motorista, mas colocando um sorriso no rosto ao fixar os olhos em nós.

Arqueei as sobrancelhas.

Não era surpreendente ver o Alex por ali, embora fossem seis e meia da manhã e neste horário ele nunca havia aparecido. O que era surpreendente era a mochila nas costas e o uniforme de colégio nas cores verde e branca.

O nosso uniforme.

Engoli em seco.

— Alex! Como é que você convenceu ele? — perguntou Ian, abismado, quando o garoto mais velho se aproximou.

Alex já havia reclamado algumas vezes, para nós, sobre o colégio particular no qual estava estudando. Não gostava das regras idiotas, como dizia, e nem dos alunos riquinhos que só sabiam acatar ordens ou puxar brigas estúpidas para dizer que são rebeldes. Só que, querendo ou não, Alex também era um aluno riquinho, e seu pai queria que tivesse a melhor educação, educação esta que provavelmente não seria encontrada em um colégio público encontrado em um bairro no fim do mundo.

Mas, de alguma forma, Alex parecia haver conseguido o colégio que ele queria. E de todos, ele queria esse colégio. 

Alex fez uma careta desgostosa, enquanto eu desviava os olhos para o uniforme que ficava estranhamente bonito nele - uniforme este que ficava ridículo em todo mundo.

— Eu descobri um podre sobre o meu pai e ameacei ele — disse, erguendo os ombros, como se não fosse nada. 

Arregalei os olhos.

— Tá falando sério? — perguntou Mason, os olhos intrigados em Alex.

Ian mantinha-se em silêncio, já conhecendo o seu primo e, pela sua cara, ouso dizer que conhecia bem o suficiente para saber que estava falando sério, sim. E eu começava a conhecê-lo também.

— Sim — respondeu, franzindo o cenho ao focar os olhos em Mason. — Cara — disse, soltando um riso automático pelo nariz —, que diabos de estilo é esse?

Com um grunhido, Mason teve que suportar os comentários chatos em sua direção, desviados do absurdo que saía da boca de Alex para sua aparência novamente. 

A mãe de Mason era daquelas superprotetoras e também, na minha humilde opinião, supersufocantes. Dona Helen era muito querida, e sempre fazia de tudo para nos agradar quando íamos para a casa deles, tanto Ian quanto eu. No entanto, Mason não sabia apreciar o bem que tinha, e eu imaginava que era porque tinha que conviver com ela todos os dias, ao contrário da gente, que a víamos de vez em quando. 

Eu até podia vê-la, em minha mente, fazendo Mason vestir a roupa e puxando-o ao dizer "só falta mais um pouquinho", tacando dois litros de gel no cabelo gringo dele. Ri com o pensamento.

Logo, nós quatro adentramos no colégio de meu bairro, pela primeira vez, juntos. A ação se repetiria por semanas, meses e por três anos seguidos. E eu nunca me acostumaria. 

— Psst, Caleb!

Depois que havíamos nos dispersado, já que Alex era três anos mais velho e estava três anos à frente no colégio, abri meu caderno e comecei a deslizar meu lápis pelas folhas.

A ideia de Alex no mesmo colégio que a gente me causava calafrios, e com razão.

Eu havia pedido licença para ir beber água, depois que a professora começou a discursar sobre guerras de séculos atrás, assim que minha mão começou a doer de tanto desenhar. Odiava história, talvez ainda mais do que odiava matemática.

Olhei para o lado esquerdo, com o cenho franzido, mas o riso idiota que veio do meu lado direito chamou minha atenção. Então, acabei encontrando o rosto moreno.

Alex estava com as costas apoiadas em uma pilastra do pátio, ao lado das salas de aula. Só que do lado contrário ao que eu estava, por isto só vi o vislumbre de seu rosto quando ele olhou por cima do ombro e ao lado da pilastra.

Arqueei as sobrancelhas, encontrando o sorriso arteiro dele.

— O que você tá fazendo? — perguntei, embora estivesse óbvio pela fumaça que vinha de sua direção.

Fumando.

— Fumando — verbalizou o óbvio, desencostando-se dali e aproximando-se de mim com o cigarro em mãos. 

— Você só pode estar brincando — deixei escapar, incrédulo, ao olhar ao redor, mas todo o pátio estava vazio. Todos estavam em aula.

O sorriso de Alex aumentou ao passo que as sobrancelhas arqueavam.

— Eu pareço estar brincando? — perguntou, inclinando a cabeça ao me observar, como se eu fosse um bicho do mato. Então, indicou o próprio cigarro. — Quer um trago?

Estreitei os olhos para ele. 

Quinze anos de idade, com um cigarro em mãos, no horário de aula, no pátio do colégio no qual acabou de entrar. Era inacreditável.

— Sério que você tá matando aula no seu primeiro dia de aula aqui? — insisti, incrédulo, para então apontar para a sua mão. — E para fumar, ainda!

Alex diminuiu o sorriso, embora a diversão ainda estivesse ali, dando de ombros. Levou o cigarro que dispensei à boca e deu mais uma tragada, enquanto eu olhava para todos os lados mais uma vez.

— E o que você tá fazendo aqui, espertinho? — questionou, estreitando o olhar para mim, com a expressão de traquineiro.

— Eu saí pra beber água — expliquei, recém lembrando do fato e dando as costas para ele.

Não é como se eu estivesse com sede mesmo. 

Jamais iria admitir para ele, ainda mais depois da tentativa de sermão, que eu também havia saído da aula para ter um descanso. Nem sede eu tinha, afinal, mas caminhei até o bebedouro mesmo assim, ouvindo os passos atrás de mim.

Depois do roubo que ele nos levou a cometer no mercadinho do italiano, eu estava oficialmente assustado com o cara de pau que Alex era capaz de ser. E também estava em estado de alerta com cada movimento suspeito do primo do meu amigo.

— Sabe, a diretora disse pra eu pedir que alguém me mostre o colégio — instigou ele, com humor na voz, enquanto eu fingia beber água por mais tempo que o necessário.

Respirei fundo, virando para encarar o rosto do garoto endemoniado.

— Eu tenho aula agora — falei, já percebendo onde ele queria chegar. Isto fez com que o sorriso se alargasse.

— Ninguém vai descobrir — insistiu, naquele tom de traquinagem.

Eu estava prestes a dar-lhe as costas, mas meus pés pareceram presos ao chão e meus olhos, presos naquelas orbes negras. Talvez tivesse sido o silêncio do corredor que fez com que a imagem de Alex se tornasse um tanto quanto tenebrosa naquele vazio. Ele era como um destaque de perigo - e um perigo estranhamente bonito.

Engoli em seco, subitamente nervoso. 

— Vamos, Caleb — instigou, talvez ao perceber que eu hesitava. — Por favor — pediu, aproximando-se um pouco mais, tentando fazer um beiço de coitadinho.

Desviei o olhar para sua boca quase que imediatamente, sentindo a barriga gelar. Os lábios não eram cheios, mas também não eram finos, e eu podia apostar que eram macios.

Franzi o cenho com o pensamento estranho antes de focar o olhar, então, nos olhos escuros, que pareciam fingir não ter visto que me demorei por tempo demais encarando sua boca. Só que ele sabia. Ele sabia, porque o beiço forçado havia dado lugar a um sorriso peculiar, que eu ainda não conhecia direito.

Desviei o olhar para o corredor, para tentar fazer com que meu coração parasse com essa loucura de querer sair fora do peito.

Alex, aquele idiota. 

E então veio a minha resposta. Aquela que se repetiria por anos; aquela que, em todas as vezes, faria com que eu me achasse maluco; aquela que faria com que eu quisesse bater a cabeça na parede toda vez.

— Tá bom — resmunguei, chocado comigo mesmo por haver aceitado. 

— Ótimo — exclamou, satisfeito, antes que começasse a andar para o lado esquerdo do corredor.

Então, jogando o cigarro que houvera esquecido entre os dedos em uma lixeira, parou e virou para trás com um olhar questionador sobre eu ainda estar parado. Revirando os olhos, caminhei em sua direção, incapaz de compreender o que estava se passando em minha cabeça.

Eu ando desvairado das ideias? 

— O que quer saber? — perguntei, pensando que não havia muita coisa no nosso colégio. Apesar de não ser tão pequeno, era bastante simplório.

— Onde eu posso fumar tranquilo — respondeu, erguendo os ombros, depois de pensar um pouco.

Bufei. 

— Cigarro não faz bem para a saúde — verbalizei o que queria há um tempo. Agora já me sentia próximo o suficiente para desembuchar, já que Alex fizera questão de, além de estar em todas as partes, ainda por cima mudar-se para o nosso colégio. — E cheira mal.

Ele apenas riu-se.

— Cheira, é? — perguntou, como se estivesse pensativo. — Você ainda não cheirou de perto para saber.

Girei o rosto para ele, percebendo que havia se inclinado um pouco em minha direção com um sorriso sacana. Chocado demais para falar, mas orgulhoso demais para demonstrar que estava chocado, franzi o cenho.

— Nem vou — respondi, inclinando-me para longe dele apenas para vê-lo revirar os olhos. 

Ele, então, deu uma olhada pelo pátio novamente. — Onde? — insistiu, olhando-me de canto de olho.

Suspirei.

— Atrás do ginásio nunca tem gente.

Dei de ombros, indicando em frente, para onde estávamos indo. Minha resposta pareceu satisfazer o garoto mais velho, o suficiente para que ficasse em silêncio por alguns minutos.

Enquanto isto, eu tentava entender o que diabos eu estava pensando.

Primeiro, porque era muito estranho estar sozinho com Alex, o que nunca havia acontecido antes por mais de dois minutos, quando os garotos se retiravam ao mesmo tempo para fazer alguma coisa e voltar. Ele era amigo e primo de Ian, não meu.

Ele não é nada meu, reforcei mentalmente.

Segundo, porque apesar de ser normal andar com ele junto de meus dois amigos, andar a mais com ele era idiotice. E ora, eu tinha doze anos - quase treze -, mas não era algum idiota. Eu sabia que Alex era um encrenqueiro, não do tipo que puxa briga - bom, eu estava prestes a descobrir esta parte -, mas do tipo que atrai confusão de todos os lados. Estar perto dele por tempo demais era ruim para mim, sem falar que Alex era mais velho.

Então, lembrei de meu irmão no início da manhã, falando sobre um amigo que andava com uma má companhia. Eu não tinha um amigo que andasse com má companhia, eu é que estava andando lado a lado com a má companhia. Alex.

E terceiro, porque Alex era estranho demais e agia como se fazer e falar coisas estranhas fosse a coisa mais normal do mundo. Digo, ele havia mesmo sugerido que eu cheirasse seu bafo de cigarro de perto como se fosse normal dizer algo do tipo. E não era. Eu sabia que não era.

Alex quebrou o silêncio, parecendo curioso: — Algum problema?

Não soube se ele se referia ao meu silêncio, à minha cara brava por haver aceitado matar aula a pedido de Alex ou à mão que eu esfregava na barriga para ver se o formigamento passava logo. 

— Não — respondi, dando de ombros e deixando o braço cair novamente.

Relanceei-o de canto para encontrar - ora, que surpresa! - um sorriso.

— É aqui — falei, contornando o fim do ginásio.

Havia uma cerca de arame que separava o ginásio de um terreno baldio que, antes do próprio ginásio ser construído, era usado para o futebol. No entanto, agora a grama estava alta, chegando à metade da minha canela, e quando chovia, só tinha barro por ali.

Afastei a parte da cerca do arame que era movível para o lado. Passei por entre a parede da parte externa do ginásio e o arame, neste buraco que já havia quando encontrei o lugar pela primeira vez. Óbvio que um pessoal espertinho ia se afastar ali de vez em quando. Olhei por onde pisava, e ergui os olhos a tempo de ver Alex fazer o mesmo que eu fizera ao passar pelo espaço e adentrar no terreno das costas do colégio.

Suspirei, observando-o olhar ao redor como se analisasse. Então, um sorriso largo e satisfeito abriu-se em seu rosto ao focar os olhos negros em mim.

— Eu ia perguntar onde posso dar uns pegas, mas vejo que aqui serve também — falou, fazendo com que eu quase me engasgasse com minha própria saliva.

O problema não era apenas o que saíra da boca perfeita de Alex, mas a forma como me olhava quando o dizia. Senti o rosto queimar, e me odiei por isto, desviando o olhar como se isto fizesse diminuir a vermelhidão que eu sabia que tomava conta do meu rosto.

— Você ainda não conhece ninguém do colégio e já tá pensando nisto? — perguntei, incrédulo, ainda sem olhar em sua cara.

Não estava acostumado com ninguém falando abertamente sobre "dar uns pegas" em outra pessoa. Claro que eu falava sobre isto com meus amigos, mas nada de experiência própria, e nem muito menos eles. Ian era o único que já havia beijado uma garota e, mesmo assim, não havia durado nem dois minutos.

Tínhamos entre doze e treze anos, não é como se nos importássemos tanto com algo que não envolva videogames, piadas sem graça e futebol. Bom, e garotas - mas garotas longe da gente.

Só que Alex já havia passado disto. 

— É claro que conheço — murmurou, divertido, de forma com que eu virasse o rosto para vê-lo com os olhos ainda em mim. 

Não éramos realmente amigos para ele estar fazendo este tipo de brincadeira comigo. E não era como se fossem tão comuns estas piadinhas entre amigos, embora às vezes garotos consigam ser tão idiotas a este ponto. Mas nestes casos, sempre haviam as gargalhadas após a brincadeira sem graça e, mesmo que a voz fosse sugestiva, os olhos nunca demonstravam mais do que diversão. 

Este não era o caso de Alex. 

Me olhava como se realmente estivesse flertando. 

Por que ele dizia aquele tipo de coisa enquanto me olhava com aquele tipo de jeito? Não percebia que era fácil distorcer as coisas?  

— Este é o seu motivo de vir à escola? — desconversei, não querendo parecer afetado com a brincadeira idiota.

— Não é o motivo de todos? — Sorriu mais largamente. 

Não.

Franzi o cenho. Já que Alex não parecia parecia perceber que eu estava odiando a conversa, eu teria que deixar a conversa por conta própria.

— Preciso voltar pra aula — informei, encarando tentadoramente o vão entre a cerca e o ginásio.

Então, um riso sapeca escapou por entre os lábios de Alex, sem que tirasse os olhos de mim. — O que foi, Caleb? — perguntou, se aproximando de mim como um predador. — Até parece que você não sabe do que estou falando...

Apertei os lábios, tentando fazer com que meu rosto fechasse em uma expressão que eu esperava ser assustadora para disfarçar o nervosismo.

— É claro que sei, idiota — resmunguei, irritado com ele, irritado comigo, irritado por me sentir estranho como ele. 

Afastei-me rapidamente de seu corpo, contornando-o e voltando para a abertura entre a cerca e a parede. Estava há alguns passos de poder respirar normalmente. No entanto, ele puxou meu braço para que eu virasse em sua direção, fazendo com que minhas sobrancelhas unissem ainda mais. Aproximou-se ao mesmo tempo em que eu me afastava, mas logo bati as costas na parte traseira do ginásio, exatamente onde ele estava encostado antes.

— Então por que tá fugindo? — perguntou, descendo os olhos para a minha boca.

O que ele quer dizer com isso?

Àquela altura, eu já pensava que estava prestes a infartar. E ao invés de tentar descobrir do que se tratava, eu ficava irritado com minha próprias reações e irritado que isto parecesse divertir Alex. Eu sentia como se ele tivesse rindo de uma piada que eu não havia entendido e me recusava a admitir isto ou a fingir achar graça junto dele. 

— Não estou fugindo — murmurei, porque não saiu mais alto que isto. — Só estou atrasado.

Por algum motivo que desconheço mas agradeço, o sorriso de Alex perdeu a diversão. Diminuiu até um leve levantar de lábios, enquanto ele assentia positivamente, como se recobrasse a razão.

— Tem razão — murmurou de volta, afastando o corpo do meu, embora não chegasse a haver encostado em mim. Então, mais alto, repetiu: — Tem razão.

Tão logo ele se afastou e eu desgrudei da parede, passando tão rápido pelo espaço em que havíamos entrado que minha blusa do uniforme enganchou na cerca. Bufei, tentando me soltar, até que a gargalhada de hiena de Alex se fez ouvir.

Aquela risada era de família, eu já havia percebido.

— Deixa que eu te ajudo, irritadinho — disse ele, fazendo com que eu ficasse ainda mais emburrado. 

Que mania idiota de me chamar por diminutivo. Até parece que ele é vinte anos mais velho que eu!

Encolhi os ombros sem querer quando ele puxou a camisa, próxima do pescoço, para me livrar da cerca. Seus dedos haviam encostado na minha pele e, àquela altura do campeonato, eu já havia até desistido de descobrir o que se passava comigo mesmo e tentava apenas me afastar.

— Pronto — disse, ainda soltando risos divertidos, ao me deixar ir.

*

Mais tarde, eu conheceria um lado de Alex que não era divertido.

Durante o intervalo de aula, eu viria a descobrir que Alex não só puxa brigas, como também não foge delas com facilidade.

Alex nos esperava do lado de fora da sala, porque depois de eu haver voltado à ela - ele tinha razão ao dizer que ninguém perceberia a demora com exceção de meus amigos -, ele descobriu de qual se tratava.

Saí primeiro, ao lado de Ian, enquanto ele discursava sobre o porquê de não mais gostar de meu jogo favorito de futebol no celular. Mason veio atrás, mas alguém se intrometeu para sair antes e praticamente jogou o corpo miúdo contra a lateral da porta, fazendo com que ele soltasse um gemido de dor.

— Sai da minha frente, quatro olhos — ordenou Bruce, fazendo com que seus amigos rissem. 

Bruce havia enchido o saco de Mason durante todo o período antes do intervalo, o que não era tão comum, mas Mason usando aquela camisa e aquele cabelo também não era algo comum. Fizeram piadinhas durante toda a aula, mexendo com ele, enquanto tentávamos defendê-lo, sem sucesso.

Agora, havia sido a oportunidade de maltratá-lo fisicamente, longe dos olhares dos professores.

— Mason! — Aproximei-me, segurando seu braço ao erguer os olhos para as costas de Bruce.

Eu estava de saco cheio desse garoto prepotente. Fuzilei-o com o olhar, prestes a ir tirar satisfações de uma vez por todas, mesmo que ganhasse alguns socos como resposta.

Só que Alex foi mais rápido.

Bruce sequer viu quem havia puxado seu braço antes que seu corpo inteiro desse um baque com a brusquidão com que suas costas encontraram a parede. Uma das mãos de Alex ainda segurava o pulso do garoto, enquanto o outro braço forçava a garganta dele.

Bruce não era tão alto quanto Alex, embora fosse apenas um ano mais novo, mas tinha certa força nos braços pelas comuns brigas. Aparentemente, Alex tinha ainda mais. 

— Mais uma dessas e eu arrebento sua cara, garoto — disse ele, sério, mas logo deu um sorriso de canto ao observar Bruce tentando desvencilhar-se de seu corpo.

— O que foi, você é a namoradinha do nerd? — questionou ao Alex, com escárnio, fazendo com que seus amigos rissem logo ao lado. 

Quase revirei os olhos, não fosse minha vontade de não tirar os olhos da cena, com as palavras tiradas de filmes colegiais norte-americanos pelos antagonistas.

Eles não assistiam televisão para saber que os ridículos eram eles?

Alex sorriu ainda mais largo. Um sorriso que eu ainda não conhecia. Um sorriso maldoso. 

— Se ele fosse meu namorado — corrigiu, soltando um riso pelo nariz —, você já estaria quebrado ao meio. 

E, de todas as reações mais estranhas que eu tive naquele dia, eu acabava de ter a de mais alto calão: o arrepio. O arrepio que havia subido por minhas costas e por meus braços pela forma como ele falara. 

E não era de medo. 

Bruce ficou roxo pela raiva, os olhos castanhos tratando de demonstrá-la com intensidade para os olhos negros que lhe encaravam com deboche. Optou por chutar-lhe a perna, fazendo com que Alex grunhisse e soltasse seu pulso, usado logo após para tentar um soco no garoto mais alto. Alex, no entanto, desviou e acertou o punho no nariz já torto do garoto, fazendo com que ele inclinasse para trás e batesse as costas na parede na qual havia sido jogado anteriormente.

Alex não era tão burro, afinal, olhando à sua volta para ver se algum monitor ou professor estava por perto antes de dar um último soco em Bruce. Desta vez, enquanto o brutamontes segurava o nariz que sangrava, na sua barriga.

Então, com um suspiro e olhares admirados no grupinho que havia formado à sua volta, tanto do ensino fundamental quanto do médio, caminhou em nossa direção.

Recém tomando conta do mundo à minha volta, permiti com que minha boca aberta cerrasse e virei para Mason - a causa de tudo - apenas para ver que também estava surpreso. O rosto branco feito papel estava vermelho, destacando os cabelos loiros. Arrumou os óculos no rosto, ainda esfregando o ombro que havia colidido na porta com a mão contrária.

Ian assobiou, parabenizando o primo pela briga, enquanto o mais velho apenas ria e piscava um dos olhos para Mason.

— Então, coleguinhas — disse, passando um braço por meus ombros e outro pelos ombros de Mason, os únicos mais baixos que ele —, onde fica a cantina do meu novo colégio? 


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Notas finais do capítulo

GENTEM,
vou dizer o que disse aos outros: desculpa pela demora grande. Dezembro é puxado porque é fim de semestre, fim de ano, natal, ano novo. Depois eu viajei e quando voltei a escrever, botei em dia as histórias em ordem: MoF, Lucca e agora MoS.

Eu tô de volta, nem esquentem, e vamo que vamo! :*

Amem, odeiem, mas me digam o que acharam! *O*
Att: 05/2021.



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