Made of Stone escrita por littlefatpanda


Capítulo 21
EXTRA - Sobre amores e desamores


Notas iniciais do capítulo

Oilá ~le aparece como se nada tivesse acontecido com um capítulo de 9 mil palavras.

Perdão pela demora, eu ‘tava meio que emperrada na área da inspiração. Mas vorrrti! E, como prometido, trouxe o capítulo focado nos nossos siameses! Mais especificadamente, no Jake. Só que, como eu não me aguento, trouxe as garotas também :3

IMPORTANTE: Este extra se passa ANTES do capítulo atrás (ou seja, antes do ano acabar e o próximo começar, antes do Alex revelar ser LGBTQ+, etc), e DOIS MESES DEPOIS do último extra. Eu só não postei antes (cof cof não tava pronto também) pra não ficar dois capítulos extras juntos entre fases. Sem falar que queria começar a nova fase com nossos bebês, Alex e Caleb. Então aqui está!

Boa leitura! ♥



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Jake adentrou no quarto do Ben com certa hesitação, já que passara-se um tempo desde que estivera ali pela última vez. Estava evitando, como jamais tivera feito na vida, estar perto de Ben e de sua felicidade com Lucy. Sabia que estava quebrando uma das promessas que fizeram quando crianças de nunca saírem um do lado do outro, mas sequer conseguia se importar com isto.

— Faz tempo que você não aparece aqui — comentou Ben, entrando no quarto atrás dele, que olhava ao redor como se fosse sua primeira vez ali.

Jake engoliu em seco, sem virar-se para trás.

— Ah, sim, bom... — Pigarreou, olhando para ele com um sorriso fraco. — As provas começam daqui um pouco e eu tenho estudado bastante.

Ben nem tentou disfarçar que não acreditara em palavra mentirosa alguma que ele deixou escapar. — Está estudando há dois meses?

Não havia deboche em sua voz, nem provocação, porque Ben não era assim, muito menos com o Jake. Havia um pedido silencioso de que dissesse a verdade para que pudessem parar de fingir. 

Jake engoliu em seco, desviando o olhar dos intensos olhos escuros de Ben. Lembrava de tentar, quando pequeno, ensiná-lo a não encarar tanto as pessoas com a aquela cara de intenso, mas Ben sempre pareceu ter dificuldade em agir feito um humano normal. Desde a postura reta, as roupas engomadas, as mãos sempre nos bolsos da calça, e a expressão séria.

Estava sempre sério.

Jake dava de ombros, sem saber o que dizer, quando focou os olhos em dois pratos com salgados pela metade em cima da mesa de vidro.

— Você teve visita? — questionou, com os olhos nos copos de suco que suavam devido à diferença de temperatura do ambiente e do gelo adentro.

Lucy, pensou, com um nó na garganta.

Ben suspirou, sabendo que ele pensava na loira. 

— O Alex apareceu para as aulas de violão — contou, vendo Jake tentar disfarçar o alívio ao sentar em sua cama. Revirou os olhos, então, pensando no Cunningham. — Ele não avisou que viria, e acabou de ir embora.

Jake riu, mais de nervoso que de qualquer coisa, tentando focar na conversa. — Nossa, mas você odeia isto — comentou, sorrindo. — A família dele não tem dinheiro? Ele podia pagar por umas aulas particulares, não?

Ben suspirou, puxando a cadeira ao lado da mesa para sentar-se, esticando as pernas longas.

— Sim, mas ele precisa do pai dele pra isso — contou, lembrando-se do que Alex havia dito. — A mesada dele não cobriria. E ele não quer que o pai saiba. 

Jake arqueou uma das sobrancelhas. — Mas ele sabe que você odeia dar aula pra ele, não sabe?

Ben sorriu, dando de ombros.

— Ele não parece se importar.

Jake riu, assentindo, antes que o quarto caísse em um silêncio desconfortável. Percebeu, então, no quanto as coisas haviam mudado, porque silêncios nunca haviam sido desconfortáveis para eles.

Sentiu uma súbita vontade de sumir, mas preferiu apenas continuar a conversa para que o silêncio chegasse a um fim.

— Então ele tá sempre aqui, não? — comentou, esticando o assunto.

Ben percebeu, óbvio, mas não reclamou. Odiara o silêncio tanto quanto ele, embora pensasse diferente sobre enrolarem-se em assuntos desimportantes no momento, como a vida do Alex. 

Se eles iriam conversar, seria sobre o que importava. 

— É, talvez mais do que com o Bruno — falou, inclinando a cabeça para observar o garoto pálido à sua frente. — Mas isso não importa, porque você tem passado bastante tempo com ele, não?

Jake piscou.

— N-não. — Jake remexeu-se, pigarreando ao perceber que gaguejara. Por que gaguejara? — Quero dizer, um pouco. O que tem? — questionou, na defensiva, sem saber o porquê.

Ben cruzou os braços, subitamente na defensiva também, analisando-o.

— Nada — falou, firme. — Só que para quem não tem tempo para vir aqui por causa dos estudos, só acho estranho que tem tempo de estar sempre na casa dele.

Jake desviou o olhar para os pés, franzindo o cenho.

— Ele também estuda — murmurou a mentira, perdedor, porque sabia que soava completamente mentiroso.

— Jake — pediu Ben, saindo da pose ereta ao descruzar os braços —, por que me evita e me mente?

Jake suspirou, erguendo os olhos claros para ele.

— Não é isso — tentou, baixinho. — Eu só... Eu achei que você precisasse de mais tempo com a Lucy.

— Eu não preciso de mais tempo com a Lucy, eu preciso de mais tempo com você — falou, rápido, com chateação. — Você sumiu. Você me evita. Você mente. Você está sempre... — Apontou o braço para fora como se o direcionasse a alguém específico. — Com o Bruno.

Jake sentiu as bochechas esquentarem pela forma simples como ele dizia coisas tão bonitas, mas que sempre o iludiam, mesmo que soubesse que o sentimento por detrás delas não era o que ele desejava. 

— Mas eu...

— Eu preciso de você aqui, Jake — insistiu, firme. — Eu preciso de você comigo. Eu não preciso de uma garota só porque... — Suspirou, e Jake franziu o cenho. — Jake, você é tudo para mim.

Jake começou a tremer, apesar de já ter ouvido aquilo antes, apesar de já ter dito aquilo antes, como sempre ocorria. Desta vez, no entanto, Ben o dizia com certo desespero, o que tornava o seu coração, que já era mole por ele, completamente derretido.

Abriu e fechou a boca, mas nada saiu. Sua mente ficou em branco. 

— Mas eu continuo aqui — murmura, apenas, no automático.

— Não da mesma forma e você sabe — retruca, com os olhos nele, sem esconder a mágoa na voz e Jake raramente a ouvia.

Encolheu-se, relembrando das duas promessas ao perceber que podia estar quebrando ambas: nunca deixarem um ao outro e nunca magoarem um ao outro. 

Sabia que quebrava a primeira sem importar-se, porque aliviava ao menos a agonia em seu peito, mas não tinha ideia que pudesse estar magoando-o. Devia ter imaginado, pensou, já que Ben estava tão desacostumado a estar longe dele quanto ele o estava. Se haviam feito tantas promessas juntos é porque o que possuíam era real, e Jake era capaz de magoá-lo tanto quanto do contrário. 

— Desculpa — pediu, envergonhado. — Eu não sabia que era tão importante pra você — confessou, sincero. — Achei que o que era importante agora era a Lucy.

Ben acabou perdendo um pouco da paciência ao ouvir, pela segunda vez na mesma conversa, o nome da loira que tentava, à todo custo, esquecer. — Será que pode esquecer essa garota? — pediu, remexendo-se na cadeira e olhando para o outro lado do quarto, as sobrancelhas unidas.

 Jake piscou, confuso, antes de estreitar os olhos, saindo da postura encolhida. 

— Como? — murmurou, os neurônios parecendo movimentar-se com tanta rapidez que quase o tonteou. — Por quê? — questionou, movendo-se mais para a ponta da cama, mais próximo de Ben. — Por que eu faria isso?

Talvez estivesse enganado, pensou, quando viu os olhos escuros brilharem ao olhar para a garota loura que passara a ressentir. Talvez ela não fosse tão importante para ele. 

Ou ainda, será que ela o dispensou ou machucou seu coração apaixonado? 

Jake conhecia um pouco sobre a dor do amor platônico e não a desejava à ninguém, muito menos para o Ben, mesmo que isto significasse que esteja livre novamente. 

Ben o ignorou, não querendo responder a pergunta.

— Não é justo que você se afaste de mim quando tudo o que eu faço é impedir que você se afaste — desabafou, os olhos voltando-se ao Jake, implorando para as coisas mudarem novamente do que jeito que tanto queria. 

Afastou-se de Lucy para não ter que se afastar de Jake, e durante os últimos dois meses tudo o que seu melhor amigo têm feito foi do contrário. Era como se tentasse e tentasse remendar a bagunça que Lucy criou em sua vida pelo simples fato de conhecê-la, mas as coisas só tendiam a piorar. 

As palavras nervosas causaram mais confusão no garoto em frente, que começava a ligar as coisas e desconfiar do que realmente se passava ali. 

Ela não havia se afastado dele, ele o fizera. 

— Você não respondeu minha pergunta — acusou, com a voz falha. — Ben?

Ben mordeu a língua, culpando-se internamente de haver revelado demais, porque devia ter imaginado que Jake perceberia que algo havia de errado. 

Ultimamente, esteve desejando que tudo explodisse em ambas as suas caras para que a tortura acabasse logo, mas agora que o momento chegara, o controle escapando de suas mãos, desejou mais do que tudo que pudesse tornar a falar sobre as aulas de violão. 

Engoliu em seco.

— Terminei com ela.

Jake sentiu como se o chão houvesse sumido debaixo de seus pés, e algo o convencia de que isto não era exatamente bom, como o sonhara a vida toda.

Aquilo não era uma declaração de amor.

*

— O que foi? — Mia pergunta, desconfortável com os olhos verdes por sobre si.

As duas estavam sentadas em um banco em frente ao shopping, semanas depois de haverem se conhecido, todas as quais passaram juntas.

— Eu... — começou Faye, receosa, mas tomou coragem, ajeitando-se no banco de frente para ela ao dobrar a perna por sobre o mesmo. — Olha, não me leva a mal — pediu, e Mia arqueou as perfeitas e curvilíneas sobrancelhas —, mas eu preciso saber. Sua família sabe sobre você?

Mia desviou o olhar, mas deu um sorriso desanimado.

— Sabem, mas fingem não saber — contou, dando de ombros. — Nunca contei, porque sei que não querem ouvir.

Faye se surpreendeu.

— Se nunca contou, como sabe que eles sabem? — pergunta, logo fazendo uma careta ao perceber a redundância de sua pergunta.

Mia riu disso, os olhos encantados por sobre a Faye, como sempre o eram. Em seguida, mordeu o lábio ao pensar na resposta.

— Eu... — começa, um tanto receosa. — Eu namorei um tempo com a minha melhor amiga.

Faye sequer conseguiu esconder sua surpresa. Em pensar que aquela garota parecia mais hétera que as próprias héteras e que podia jurar que ela estava mais incrustada no armário do que era possível. Curioso.

Pensou que não podia gostar ainda mais da Mia quanto já gostava, mas ela continuava surpreendendo.

— Então, a gente andava de mãos dadas, vivia grudadas, usava anéis de compromisso, dormia junto no meu próprio quarto... — listou, um tanto envergonhada por falar da ex com a sua desejada futura atual. 

Porém, Faye estava encantada demais ouvindo tudo para sequer sentir pontada de ciúmes. Adorava saber que Mia era o total oposto do que parecia, e queria conhecer mais e mais sobre sua vida. Queria pô-la em um palco e ficar ouvindo-a pelo resto do dia, como sempre acontecia quando estavam juntas.

Que falasse de antigos amores! Mas que falasse!

Amava ouvi-la naquela voz melodiosa.

— Eles até evitavam chegar perto do meu quarto quando ela estava lá. E eu sei que era para não nos encontrar em uma situação constrangedora que deixaria óbvio que eles sabem sobre mim e deixaria em aberto a possibilidade de um diálogo a respeito — disse, acostumada com a situação. Faye sentiu um aperto no peito. — Eles não querem saber e eu não quero me incomodar. Que finjam a vida inteira, mas que saibam sempre que eu me recuso a me esconder.

Faye engoliu em seco, levando sua mão à pequenina de Mia.

— Sinto muito, Mia — pediu, os olhos verdes piedosos.

Mia abanou como se não fosse nada, mas então sorriu largamente ao se dar conta do questionamento.

— Tem a ver com a minha aparência, não tem? — perguntou, jocosa.

— O quê? — indaga Faye, os olhos divertidos.

— Você disse que precisava saber, e eu me pergunto o porquê — explicou e o rosto de Faye relaxou, compreendendo. — Achou que eu não aberta sobre mim porque eu não pareço lésbica — deduziu, rindo.

Faye riu, tapando o rosto como se assumisse a culpa.

— Me desculpa — pediu, sincera. — Às vezes eu caio nessas de estereótipos. É que eu sou um — brincou, apontando pra si mesma, rindo. Mia a acompanhou, mas Faye deu-se conta de mais uma coisa. — Espera, lésbica?

Mia riu mais uma vez, sem se aguentar, enquanto Faye batia com a mão na cabeça teatralmente, por haver feito de novo.

— Mais sapatão impossível — respondeu ela, achando graça.

— Droga! Desculpa.

— Não tem problema, todo mundo cai nessa minha propaganda enganosa — brinca também, apontando para si mesma.

Faye apoiou o rosto na mão, sorrindo. — Desde quando se faz propaganda de sexualidade, eu hein?

Mia assentiu.

— Tem razão — concordou ela, também se apoiando parcialmente no banco para encará-la melhor. — Acho que eu também cometo erros vez ou outra — comenta, baixinho, encarando-a com intensidade.

Faye franze o cenho, embora ainda sorrisse, agora de nervoso.

— Não está achando que eu sou um erro, não é? — questiona, um tanto insegura.

 Mia nega rapidamente, mordendo os lábios mais uma vez, ao passo que as comissuras de sua boca se elevavam ao pensar na resposta.

— Não, erro foi ter demorado tanto tempo pra procurar por você — murmurou, apaixonada, embora sentisse um aperto no peito pela verdade que sua própria voz revelou.

Faye piscou, sentindo o coração palpitar alto o suficiente para saber que havia acontecido: o molenga, carente, bobo do seu coração havia se apaixonado de novo. Ok, já entendi, quis reclamar para ele, que fazia um reboliço como se para sair do peito. Mas acabou por fazer, sem dar-se por conta, exatamente o que o palerma queria: aproximar-se do outro.

Pegou o rosto de Mia em mãos e levou os lábios por sobre os dela, que já esperavam-na com ansiedade. Tão logo os juntou, abraçaram-se de forma automática, colando um corpo no outro naquele mesmo banquinho, sequer importando-se com as pessoas que por ali passavam.

Mia tinha gosto de banho de chuva, e seu toque era como uma manta que a cobria após o mesmo. Não havia nada que Faye amasse mais no mundo.

E tinha certeza que a amaria também.

Se estava na chuva, iria mesmo se molhar.

*

Preso em uma armadilha na qual ele próprio se colocou, Ben passou a se sentir culpado pela declaração de má fé que havia feito, porque podia ser que Jake também se desse conta dela.

Por muito tempo, tudo o que mais queria é que a paixão de infância que Jake sentia por ele chegasse ao fim. Sabia que não sentia o mesmo, sabia que jamais poderia retribuir; o que não sabia era como rejeitá-lo sem afastá-lo de si.

O problema é que quando pesava as duas coisas, percebia que o que não podia abrir mão de verdade era dele. Não conhecia um mundo sem o Jake e morreria se tivesse que passar por isto. Jake salvou sua vida. Salvava a sua vida todos os dias, porque era a única luz nela.

Então esperou. Espero, esperou, e esperou mais um pouco.

Toda vez que Jake lhe encarava com encantamento e abria a boca pra falar, Ben implorava em silêncio que não fosse para lhe contar o que sentia por ele. 

No fundo, entendia o porquê de Jake pensar que ele pudesse sentir o mesmo, já que Ben nunca fez questão de esconder seu amor por ele. Não tinha vergonha, medo, preconceito, não se sentia menos homem e não se sentia menos hétero. Do contrário, sentia necessidade de expressar o quanto Jake é importante para ele, para garantir que permanecesse ao seu lado para sempre.

E é óbvio que Jake permaneceria. 

Ben até mesmo se questionava os próprios motivos para seguir dizendo coisas como o que acabara de dizer. Jake era, sim, tudo para ele, mas por vezes, percebia que só repetia mais uma vez para mantê-lo perto. Fazia isto quando sentia que ele estava escapando por seus dedos, como foi o caso há pouco. Por mais horrível que parecesse, por pior pessoa que o tornasse, preferia manter vivas as esperanças de Jake de que pudessem ter algo do que admitir que isto não era possível e arriscar perdê-lo. 

Queria que tudo acabasse logo, mas no minuto em que as coisas se encaminhavam para isto, o medo de perdê-lo era maior. Era maior do que qualquer coisa. 

— Por quê? — sussurrou, nervoso. — Por que se afastou dela?

Ben fechou os olhos, desistente.

A relação construída entre os dois jamais foi saudável, não completamente, apesar de não enxergarem isto. Eles se reergueram, quando crianças, e continuaram a fazê-lo durante todo esse tempo. Se ajudaram, se apoiaram, se amaram.

O problema é que criaram uma dependência um do outro. Não foi à toa que passaram a ser chamados de siameses, e isto ia além de andarem sempre juntos. Faziam tudo um pelo outro. Se Jake precisa de uma festa para se sentir bem, Ben o faz. Se Ben precisa que Jake fique todo o fim de semana com ele, apesar da semana de provas, Jake o faz.

A amizade dependente se resumia em fazer, sem questionar, mesmo que traga um malefício para si. Se resumia em colocar o outro antes de si próprio, antes de qualquer coisa, antes de qualquer pessoa. E era exatamente por isto que se encontravam ali. Era por isto que Ben se apaixonara por uma garota e se recusara a ficar com ela, porque sabia que estar com ela o magoaria e isto era inaceitável. 

Eles construíram uma relação bonita, mas também abusiva para cada um. Acreditavam que deviam um ao outro por estarem ali, que estariam sempre em dívida um com o outro, e que deviam estar sempre provando sua amizade para com o outro. Uma relação de “eu te dei algo, mas você também me deu algo em troca, então vou te dar algo de novo, mas você também o fará, então eu também vou...” infinita.

Um vivia para fazer o outro feliz, e não percebiam que a felicidade era mais ampla que apenas os dois e que o mundo estava lá fora para explorarem e para descobrirem que a felicidade pode ser encontrada em qualquer lugar. 

Ben quis muito pensar em si próprio por Lucy e quebrar esse ciclo vicioso entre eles, mas quando chegava a hora, desistia.

E quanto ao Jake, diferentemente, quebrou suas promessas ao Ben para amenizar a dor em seu peito, para fazer algo por si mesmo. E esta onda de amor próprio era forte demais para abandoná-la neste momento, em que percebia que o buraco que os dois cavaram era mais fundo do que ele imaginava. 

— Por quê, Ben? — insistiu, embora os olhos piedosos do outro já lhe diziam a resposta.

Ele estava certo. Durante todo esse tempo, Jake estava certo.

A forma como Ben o encara com pesar de vez em quando, ou como muda de assunto de repente quando se trata de amor, ou como desvia o olhar, ou checa para ver que cara Jake está fazendo em determinada discussão, ou se esquiva de garotas quando ele está por perto.

Ben sabia. Ele sabe como Jake se sente, e sabe há muito tempo.

— Não preciso dela — respondeu, simplesmente.

E, ao passo que a respiração de Jake começou a acelerar ao se dar conta do fato, começa a perceber o que Ben fizera pelo simples fato de Jake ser apaixonado por ele. Ele havia se afastado da primeira garota na vida que o fez sentir confortável o suficiente para esquecer que Jake estava no mesmo cômodo, o que aconteceu naquela festa.

Piscou, a cor se esvaindo de seu rosto.

— Mas precisa de mim? — sussurrou, chocado.

Ben pisca, desviando o olhar.

O cômodo já estava mais escuro, devido ao pôr do sol que já começava a se desenrolar do lado de fora da janela aberta. 

— Você... — hesita. — Você sabe sobre mim, não é? — questiona, em um murmúrio, mas Ben se recusa a olhá-lo nos olhos. — Você sabe o que eu sinto. 

Ben ergue o rosto, os olhos escuros prendendo nos claros de Jake, alargados pela constatação. — Eu conheço você — sussurra, com tanto carinho quanto sentia. 

Jake assente, mecanicamente, tentando fazer descer o nódulo na garganta e ignorar os músculos retesados em nervosismo.

— Então sabe — murmura, ainda assentindo, como em transe. — Sabe que no acampamento, eu não estava doente, eu só queria ficar na mesma barraca que você — relembrou, e os olhos piedosos de Ben lhe responderam, causando um suspiro surpreso. — Ah. — Engoliu em seco, antes de prosseguir: — Então também sabe que eu não tinha vergonha dos outros garotos do vestiário, eu só achava errado te ver sem roupas por gostar de você. — Ben frisou os lábios para que não tremessem e Jake tomou como uma afirmativa. — E sabe que quando me contou do seu primeiro beijo, eu não estava com sono, eu só queria ir pro quarto chorar. Eu te ouvi na porta — acrescentou, em um sussurro. 

Pela primeira vez em muito tempo, viu os olhos de Ben se encherem d’água, ao passo que ele respirava pesado pelo choro que viria a seguir.

— Eu sei — murmurou, a voz falha. 

Jake assente novamente, de forma mecânica, ao desviar o olhar.

— Sabe que eu não queria estragar nossa amizade — afirmou, olhando para o outro lado.

— Eu sei — repetiu Ben, novamente, chamando os olhos claros para ele.

Jake firmou a voz ao insistir: — Por que terminou com ela?

Ben negou, porque não queria responder, embora sentisse que Jake não pararia até descobrir. 

— Jake... — sussurrou, em um pedido silencioso.

Levantou-se da cadeira, percebendo que Jake também o fizera instantaneamente, fechando a distância entre eles em um vulto, cego pelo rancor. 

— Por quê? — repetiu, mais alto, ao cerrar as mãos em punho, há centímetros de Benhur. — Por pena?

Ben o observou de cima, sentindo o coração afundar em alguma parte do peito, negando em seguida. — Não, Jake, eu jamais sentiria pena de você.

— Então por quê? — grunhiu, os olhos embaçando sua visão.

— Porque eu te amo.

Jake sente os lábios tremerem e boa parte das lágrimas escorrerem por seu rosto, antes de levar uma mão à nuca de Ben e puxá-lo para si.

Uniu os lábios com certa ira, à princípio sem saber muito bem o que pretendia com isto. Se queria alimentar àquela bactéria chamada esperança ao obter alguma reação inesperada de Ben ou se queria que fosse rejeitado totalmente para finalmente eliminá-la de seu organismo. 

Talvez apenas quisesse sentir o gosto daquele beijo ao menos uma vez. 

Não movimentou os lábios, mas demorou-se com eles grudados nos de Ben por tempo o suficiente para que sentisse o gosto adocicado de suco nos lábios quentes do melhor amigo, que contrastava com o gosto de lágrimas que provinha dos seus. 

Sonhou com este momento por tanto tempo e agora que o alcançara só conseguia sentir tristeza. 

O gosto salgado de lágrimas apenas o lembrou de Bruno, e pensou no quão patético ele é por estar sempre chorando quando beija alguém. Ou sempre chorando, ponto final. Com desalento, percebeu que esta não era a única semelhança entre os dois beijos, porque Ben não se movera além da mão que segurava seu braço como se Jake fosse se quebrar. Quiçá realmente se quebrasse ao se dar conta que Ben não se afastou, assim como Bruno não o fez, e também não aprofundou o beijo. Ben também agia como um amigo, sem querer machucá-lo mas também incapaz de retribuir. 

Sentiu o coração estilhaçar, como se para provar que nem a maior das delicadezas de Ben ao segurá-lo o impediria de quebrar-se com peso da desilusão. 

Tão logo Jake se afastou, um soluço escapara de sua boca e, como se surpreendesse que o som houvesse vindo de si, tapou-a com a mão na mesma hora. 

— Jake...

— Você não me ama — afirma, com a voz embargada, sem olhá-lo nos olhos, assim que conseguiu engolir o choro decadente.

Ben tenta dar um passo em frente, visto que Jake pôs uma distância entre eles. — É claro que eu te amo, Jake.

O garoto dos olhos claros os ergue, avermelhados, para o amigo. Engole o choro mais uma vez, se preparando para continuar a conversa dolorosa.

— Mas não é apaixonado por mim — reajusta, percebendo os olhos escuros sobre os deles, mas incapaz de dizer uma palavra. — Só... Só me diz, Ben — pediu, como quem pede para arrancar o band-aid de uma vez. — Você é a pessoa mais honesta que conheço. É uma das coisas que eu mais gosto em... — Impediu-se, engolindo em seco. — Só não mente para mim. Eu também odeio que minta para mim — confessou, a voz falhando. — Me diz.

Ben começa a rachar, os lábios tornam a tremular e os olhos enchem d’água uma vez mais. Nega mais uma vez, tentando fugir à todo custo.

— Jake...

Jake limpa o rosto com rapidez, ajeitando a postura como se para se demonstrar forte o suficiente, mas falha ao ver que não há força nem no melhor amigo.

— Por favor — implora, em um sussurro, ao intensificar o pedido com os olhos. 

Ben fecha os olhos, não se importando que o ato molhasse seu rosto também, e assente em desistência. 

A bomba havia explodido e o único que podia fazer é acabar com o sofrimento de seu amigo, porque Ben sofreria de uma forma ou de outra. E ele lhe devia isto, depois de todo o tempo em que o enrolou por puro egoísmo de tê-lo para si. 

Ben abre os olhos, melancólico. 

— Você é o meu melhor amigo. — Jake prende a respiração, trincando a mandíbula antes que Ben continuasse: — Eu não sou apaixonado por você. Eu nunca vou retribuir esses sentimentos. — Faz uma pausa, vendo que a pose durona de Jake vacilava. Podia jurar que a dor no peito dele reverberava no seu, como de fato os siameses que os amigos juravam que eram. — Mas eu te amo tanto que, se eu pudesse, eu retribuiria agora e a vida toda. Eu retribuiria para te fazer feliz. — A voz falhou, mas não importou em se mostrar vulnerável. Nada importava naquele momento além do Jake. — Eu faria qualquer coisa para te ver feliz, Jake, e dói muito não poder ser o que você precisa que eu seja.

Jake não consegue dizer nada, o choro parece engasgado no topo da garganta, e a única coisa que se move em seu corpo são as lágrimas que não pode controlar. Ele assente quando consegue se mexer, e Benhur começa a ficar nervoso, como se soubesse o que estava por vir. Jake limpa as lágrimas, respira fundo, e tenta dar as costas para sair porta afora. 

Ben se apressa em fechar a mão em seu pulso, tentando não ser rude, como se sua vida dependesse disso. O desespero começa a bater, a garganta a fechar e o choro a vir com mais intensidade.

— Jake, não.... — Implora, a voz falha pelo choro. — Por favor, não vá. Por favor, não me deixa. — Jake tenta se afastar mais uma vez, mas Ben aumenta o aperto, agoniado. — Por favor — sussurra.

Jake suspira, erguendo os olhos avermelhados para os dele, igualmente desastrosos. Entendia o medo de Ben mais do que gostaria, e também o sentia na pele, com pesar.

— Me perdoa — pede, frisando os lábios que tremiam ao puxar Jake pela camisa e grudar a testa na dele, sem soltar seu pulso esquerdo. 

Jake engoliu em seco, fechando os olhos por um instante, ao passo que ficavam em silêncio. Sabia o que aquele ato terno queria dizer, que o amava, que sentia muito, que queria que as coisas fossem diferentes, que estava doendo tanto nele quanto em Jake, que doeria ainda mais se o perdesse. 

— Vai ficar tudo bem, Ben — murmura, forçando um sorriso triste, ao agarrar o pulso da mesma mão que apertava o seu. Afastou o rosto para olhá-lo nos olhos, vendo-os avermelhados, como os seus. — Você é o meu melhor amigo também. Eu não preciso te perdoar por nada e você não vai me perder — forçou-se a dizer, a voz embargada, deslizando a mão até que encontrasse a dele, fazendo-o soltar seu pulso e as uniu em um aperto desajeitado. — Mas me deixa ir — sussurrou. — Por favor, me deixa ir. 

Ben não queria soltá-lo por nada no mundo, com medo de que mentisse e que fosse abandoná-lo, sim. Com medo que não o perdoasse pelo sofrimento que causou, por medo que ele não conseguisse mais estar perto de si por só infringir dor. Com medo, sempre. 

Mas nunca mentiu quando disse que o amava.

E por amor, deixou-o ir.

*

— Você não pode me proibir de vê-la!

Annelise gesticulava, com raiva contida por se tratar de sua mãe e do respeito que sentia por ela, com os olhos cheios d’água. Victoria estava na mesa de seu escritório, sem olhá-la na cara, ao preencher uma papelada.

Tudo havia começado quando ela implorou para sair um pouco de casa ou pelo menos chamar a melhor amiga para visitá-la.

— Eu já o fiz — respondeu, continuando o que fazia. — Eu gosto da Faye, mas você pode usar de um tempo longe dela. — Então, ergueu os olhos escuros para a filha. — Não é pra sempre e vai te fazer bem, acredite.

Annelise inspirou fundo, passando uma das mãos pelo pescoço para aliviar a tensão. Tomou um respiro antes de continuar.

Não desistiria fácil desta vez.

— Já se passaram dois meses, mãe — apontou ela, indignada. — Você não acha que eu já aprendi a lição? Que droga!

Sua mãe empurrou a caneta para longe de si, perdendo um tanto da paciência. Ergueu os olhos castanhos para a filha. 

— Não — disse, arqueando uma das sobrancelhas. — Não, eu acho que o único que aprendeu é a se cuidar para não ser pega por mim de novo. — Annelise bufou. — É disto que se arrepende, não é? De ter sido pega, e não de tê-lo feito. 

Annelise limpou a lágrima rancorosa que lhe desceu pela bochecha, rindo sem achar graça. 

— Bom, sim — grunhiu, com raiva. A mãe apenas cruzou os braços em sua pose perfeita, sem deixar-se abalar. — É claro que sim! Porque eu sempre me divirto com meus amigos e nada nunca acontece até você descobrir — acusa, chateada. 

Ela se levanta com rispidez, e Annelise dá um passo atrás.

— Olha como fala comigo, Annelise, eu não te criei para ser mal-educada! — xingou, também chateando-se.

— Eu não sou mal-educada! — gritou, perdendo a paciência. — Eu sou tudo o que você me criou para ser. Eu sou inteligente, eu tenho vários amigos, eu tiro notas boas, eu sou a líder de turma, pelo amor de deus! — listou, tornando a chorar. — O que mais quer de mim? Por que ainda não sou o suficiente? — choramingou, tapando a boca com a mão para segurar o soluço. 

A expressão da mãe suavizou um pouco quando percebeu para onde a conversa se encaminhava, tornando-se ferida. Deu um passo em frente, mas Annelise deu outro atrás, desviando o olhar e limpando o rosto com certo rancor.

— Você sempre será o suficiente para mim, Annelise — prometeu, suavizando a voz, mas Annelise não acreditou. — Quantas vezes conversei com você sobre isto e você ainda não entende? Nunca teve a ver com suas notas, com seus estudos, sempre teve a ver com você — falou, apontando para ela.

Ela fungou, limpando o rosto mais uma vez.

— O que é que eu fiz de tão errado? — questionou, chorosa. 

Sua mãe suspirou, apoiando-se na mesa atrás de si.

— Você ainda não acordou — falou, fazendo-a franzir o cenho. — Você se atira nesse mundo como se ele fosse te acolher. As coisas não são assim, minha filha. 

Annelise soltou um som rouco, abrindo os braços em exasperação. 

— De novo isto? — reclamou, sem saber se ria ou se chorava. — Meu deus, mãe, eu já te disse milhões de vezes! Eu nasci em uma época diferente da sua! Eu tenho uma família diferente da sua! Eu vivo uma vida diferente da sua!

Victoria se aproximou, com rapidez. 

— Isto é porque teve sorte — disse, séria. — Isto é porque eu e seu pai batalhamos para dar esta vida e estas oportunidades para você. E isto é porque somos sua família — disse, colocando a mão no peito, o que já houvera dito várias vezes e que sempre fazia a filha sentir-se culpada, embora ela não percebesse que o causava. — Seus amigos não são sua família. — Negou, séria, e Annelise suspirou, chorando mais ainda. — O mundo lá fora, essas pessoas com quem você festeja, não são sua família. Entenda, Annelise. Você não pode e não deve agir como eles — frisou, e quando Annelise abriu a boca, ela ergueu a voz para calá-la —, e se eu tenho que mantê-la aqui comigo até que entenda isto, eu manterei. 

Annelise inspirou fundo, o cômodo caindo em um silêncio pesado por uns instantes, com a mãe esperando mais uma negação dela. E esta veio em seguida. 

— Mãe, por favor — pediu, unindo as mãos em desalento. — Me escuta. Por favor. — A mãe negou, suspirando. — Por que não me escuta? — pediu, chorando. — Você não entende. Você não os conhece. Mãe, as coisas não são mais como você pensa, como foram com você. O mundo está mudan...  

Victoria tira os óculos de grau e os larga na mesa, sem delicadeza nenhuma, antes de virar para a filha. 

— Meu deus, Annelise, será que você é mesmo tão ingênua? — desabafou, desta vez com certo desespero e preocupação. Annelise calou-se. — O mundo está igual, minha filha, as pessoas continuam as mesmas. Se algo está mudando, Annelise, está mudando muito lentamente. Não pense que por viver no século vinte e um você está imune à podridão que há lá fora. Não está, meu bem, não está — negou, buscando as mãos dela para segurá-las.

Annelise soluçou, negando, ainda sem compreender.

— Por que você é assim? — questionou, tentando desvencilhar-se das mãos dela, mas Victoria as apertou ainda mais. Annelise desistiu. — Nem todo mundo é racista, mãe. Como você consegue viver pensando que estamos em guerra o tempo todo?

Ela soltou as mãos da filha como se a queimassem.

— Foi vivendo assim que construí a vida que você possui agora — retrucou, magoada. — Foi vivendo assim que te mantive tão protegida a ponto de você pensar que foi o mundo lá fora que te protegeu. Mas fui eu, Annelise! — diz, a voz começando a embargar também, batendo no peito. — Fui eu e foi o seu pai, sempre passando a mão na sua cabeça!

Annelise soluçou, e a mãe engoliu em seco, tentando se livrar das lágrimas. Era uma mulher forte e odiava chorar, especialmente em frente da filha. Mas estava na hora dela perceber que força que tem só construiu-se em si devido às inúmeras dificuldades e sofrimentos pelos quais passou. Alguns os quais passou com a versão pequena de sua filha nos braços, e aguentou tudo, firme, para dar o melhor para ela.  

— Será que não vê que estou preocupada por você? — perguntou, com os olhos avermelhados. — Será que não vê que só quero o seu melhor e que se eu a estou fazendo passar por dificuldades aqui dentro é para que... — A voz falhou, e o choro da filha retornou, mas ela continuou, firme: — Para que você não passe dificuldades lá fora?

Inspirou fundo, vendo que Annelise deixava os ombros caírem ao andar para trás até sentar-se em uma cadeira do escritório. Apenas quando ela o fez, Victoria viu o marido olhá-las com pesar da porta, sem querer interferir, antes de fechá-la silenciosamente. 

Victoria ergueu o queixo, respirando fundo ao olhar para uma versão muito parecida consigo em frente, desta vez, amuada na cadeira. 

— Annelise — chamou, com a voz amenizada, antes de limpar o rosto com rapidez. — Sua vida acadêmica não está nem aos pés da minha lista de prioridades. Sua vida é a minha prioridade, Annelise, ponto final. Sua vida, minha filha — explicou, a voz falha. — Eu a quero viva. Eu a quero inteira.

Annelise mordeu os lábios, erguendo os olhos para a mãe.  

— Quando eu digo que você não pode agir como os amigos, meu bem, é porque quero que volte para casa. Quando eu digo para que não aja como se tivesse os privilégios que não tem, é para que volte para casa com o corpo, o coração e a alma intactos, minha filha.

Annelise cobriu o rosto, soluçando, e Victoria puxou a cadeira de rodinhas detrás de sua mesa para sentar-se de frente para ela. Passou a mão pelos cabelos bem cuidados, que caíam em cascatas bonitas em torno do rosto avermelhado pelo choro, e ergueu seu queixo para que a olhasse nos olhos.

— Se você age feito uma inconsequente, vestida daquele jeito, bebendo, fumando, ou sabe-se lá o que anda fazendo por aí... — Faz um gesto vago. — Você estará agindo exatamente da forma como esperam que aja. Não lhes dê este gosto, Annelise, porque sua integridade e seu caráter é o único que você tem.

— Mas eu...

— Sabe o que eu pensei quando vi aquelas fotos? — questionou, interrompendo-a. — O que eu e seu pai pensamos? "Meu deus — sussurrou, os olhos enchendo d’água —, podia ter sido desta vez. Podia ter sido ontem que receberíamos um telefonema, enquanto assistíamos um filme, em casa, despreocupados”. — Annelise soluçou. — Que tipo de mãe não sabe onde está sua filha na madrugada de um fim de semana?

— Mãe, me desculpa — chorou, sentindo o peso das palavras, abaixando a cabeça até que estivesse no colo da mãe. — Eu não quis...

— Eu sei que não — disse, firme, engolindo o choro. — Annelise, olha para mim — chamou, fazendo-a erguer o rosto e olhá-la novamente. — Não a estou punindo, estou tentando ensiná-la a sobreviver lá fora. — Annelise assentiu, mordendo o lábio que tremera. — Aquela festa estava cheia de menores de idade com bebidas alcoólicas e sabe-se lá o que mais. Minha filha, você estava vestida daquela forma, agarrada com um garoto mexicano — apontou, as rugas entre suas sobrancelhas demonstrando a gravidade da situação. — Vocês teriam sido os primeiros a serem responsabilizados caso a polícia entrasse lá. Vocês e todos que são como vocês. Todos que são como nós — acrescentou, séria. — Sabe quem teria saído ileso? Seus amigos, aqueles que não são racistas — diz, repetindo o que Annelise já havia dito algumas vezes. Então balança a cabeça em negação, suavizando a expressão. — Isto nunca teve a ver com eles, e sim com você. Eu adoro aquela garota — acrescentou, referindo-se à Faye. — Adoro que vocês tenham tanto o que aprender com suas diferenças, mas preciso que você aprenda um pouco sobre você. — Pegou o rosto dela, acariciando-lhe para quitar-lhe um tanto das lágrimas. — Preciso que você adore você. Que você pense em você. Que você veja as coisas pelo seu umbigo, que é muito diferente do dela. 

Puxou-a para um abraço desajeitado antes que outro soluço saísse de sua garganta e apertou-a contra si como se sua vida dependesse disto. Fungou os cabelos bem tratados, sentindo seu cheirinho e desejando que nunca tivesse que deixar de senti-lo.

O medo de mãe, e mais ainda quando se trata de uma filha mulher e negra, atingia na boca do seu estômago desde que a filha estava um pouco abaixo dele, em seu útero. Desde a primeira filha o medo se instalara ali, mas é como se sentisse desde o princípio que a segunda seria mais rebelde, mais livre e mais destemida. 

Jamais poderia pôr em palavras a amargura que sentia de ter que quebrar seu mundo de cristal, de ter que cortar-lhe um pouco as asas, de ter que sugar um pouco a magia que ela tanto enxergava, de ter que quitar-lhe um pouco da confiança e da liberdade que tinha, mas sabia que se não o fizesse, outro alguém o faria. 

— Eu queria que estas diferenças não existissem, Annelise, eu juro — contou, a voz embargada. — Não há nada que eu quisesse mais no mundo, meu bem. Mas elas existem, elas existem, e não podemos ignorá-las.

Annelise a apertou ainda mais. — Eu sinto muito, mãe — pediu, como um pedido de desculpas, culpada, enquanto as palavras preocupadas ressoavam em sua cabeça como avisos. 

No fundo, Annelise sabia de tudo aquilo. Conhecia as diferenças de longe, já ouvira os relatos não só da família como de outras pessoas, ouvira os alertas que os pais tentavam ensiná-la desde pequena. Estava ciente de tudo, e talvez por isto sentira o soco no estômago ao perceber que, mesmo sabendo, não percebera o perigo das situações nas quais se colocara. 

Annelise sabia de cor sobre a teoria, mas lhe passara à percepção que estava vivendo a prática desta teoria sem enxergar. Assombrava-lhe que seu mundo podia haver sucumbido à sua volta sem que ela percebesse. 

Victoria fechou os olhos, chorando silenciosa.

E, enquanto pensava em tudo o que Annelise ainda sentiria na pele nos anos que viriam, e em tudo pelo que ela ainda perceberia que já passou sem dar-se conta, sussurrou também:

— Sinto muito, filha.

*

— ... então eu saí de lá e aqui estou.

Jake deu de ombros, passando a manga da blusa no nariz ao fungar mais uma vez, embora já houvesse deixado de chorar. 

O rosto alvo estava avermelhado pelo prévio choro, as bochechas e os olhos inchados, e o nariz trancado. Os cabelos castanhos eram curtos, mas os fios estavam fora de ordem e a blusa um tanto larga o fazia parecer menor do que era.

Bruno sentiu dó de ver os olhos claros opacos pela vermelhidão em torno dos mesmos.

Estava jantando com sua abuelita, enquanto os pais e os dois irmãos assistiam televisão quando a campainha tocou. Teve que empurrar o choroso Jake para o seu quarto para que sua família parasse de fazer perguntas inconvenientes e sua mamá e sua abuela parassem de tentar paparicá-lo para fazê-lo sentir melhor, quando na verdade só o fariam chorar mais.

Sua família adorava todos os seus amigos, mas em especial o Jake, por estar frequentando a casa mais vezes que o normal.

— Eu nem sei o que dizer — confessou Bruno, meio sem jeito, sem querer tomar lados já que ambos eram seus amigos.

— Nem precisa — murmurou Jake, mexendo na barra da camisa. — Eu só não queria ir pra casa, e não queria ficar sozinho também, então pensei em você.

Bruno sorriu. — Cara, você sabe que é sempre bem-vindo. Acho que minha família gosta mais de você do que de mim — brincou, causando um sorriso fraco nele.

— Que nada, eles jamais trocariam o Brunito deles por ninguém no mundo — provocou, com o apelido usado por absolutamente todos dentro daquela casa.

Bruno fez uma careta, jogando uma almofada no amigo. — Idiota.

Jake apenas deu de ombros, divertido, antes que o sorriso sumisse mais uma vez, perdido em pensamentos.

Os dois estavam sentados na cama do Bruno; ele sentado com as costas na cabeceira e Jake sentado do contrário, com as costas no apoio dos pés da cama. As pernas de ambos estavam esticadas.

Jake gostava da casa do mexicano, se sentia mais acolhido nela que em qualquer lugar do mundo. Tinha a ver com a própria cama na qual estava sentado: era antiga e rangia. Havia algo naqueles móveis simples de época, naquele exagero de itens desnecessários em cima de balcões dispersos pela casa, no cheiro de flores que havia em todos os cômodos que visitara, na comida de vó, na família barulhenta, e no próprio espírito mexicano deles.

Não sabia se toda casa mexicana era assim, mas amava a de Bruno. Por isto não lhe ocorreu outro lugar que quisesse estar.

Como se lesse seus pensamentos, Bruno inclinou a cabeça para observá-lo. — Por que não quis ir pra casa? — perguntou, baixinho, com medo de ser a pergunta errada. — É por causa dos seus pais?

Jake piscou, pensativo.

— Um pouco — confessou. — Eu não conseguiria falar sobre isto com eles, e não quero que se preocupem comigo. Se eu chegasse chorando lá, e não falasse sobre o quê, sabe o que eles fariam?

Bruno negou, quieto.

— Eles ligariam para o Ben — contou, com um riso triste. — Porque ele sempre sabe o que se passa comigo.

Bruno assentiu, compreendendo. — E você não quer que saibam sobre você? — tentou, mas Jake sorriu para si mesmo, achando um pouco de graça.

— Eles sabem sobre mim.

Bruno arqueou as sobrancelhas. — Sério?

— Sim, eles sabem que sou gay — falou mais baixinho, como se para não arriscar que mais alguém ouvisse. Não sabia como era a família do Bruno em relação ao assunto. — Eu contei quando eu tinha uns treze anos.

Bruno sorriu. — Pela sua cara, eles reagiram bem.

Jake aumentou o sorriso, assentindo.

— Eles me amam de uma maneira que eu nunca vou entender — confessou, mordendo o lábio. — Às vezes eu acho que inventei as memórias dos lares e que na realidade saí da barriga da minha mãe.

Bruno riu.

— Você tem sorte.

Jake assentiu, mas perdeu o sorriso mais uma vez. — Eu sei, mas agora não me sinto sortudo.

Bruno suspirou, sentindo uma súbita vontade de socar aquele rosto perfeito que Ben possuía. Fechou os olhos por um instante, repetindo como um mantra: não devo tomar lados, não devo tomar lados. 

— Se importa que eu pergunte como tudo começou?

Jake franziu o cenho. — Como o que começou?

Bruno mordeu a bochecha, soltando em um tom baixo ao mexer na almofada, como se não fosse nada importante: — A amizade de vocês.

— Ah — murmurou, os olhos desfocando ao pensar nas versões de bolso que ele e Ben eram. — Isto foi... Não sei dizer.

Bruno esperou que ele colocasse os pensamentos em ordem, ajeitando-se melhor na cama.

— A gente era parecido — contou, erguendo os olhos claros para ele. — A gente estava passando por fases difíceis. Eu recém tinha sido adotado e não estava me adaptando, e o Ben tinha perdido a mãe — lembrou, também ajeitando-se no lugar. — Ele me dava medo no início. — Riu, fraco. — Ben era uma porta. Não demonstrava nada.

— Era? — questionou Bruno, rindo, incrédulo. — Ele não era, ele é.

Jake sorriu. — Ele é bem mais solto hoje.

Bruno arqueou as sobrancelhas. — Sério?

— Sim. Já viu uma criança que não chora, não brinca, não ri? — perguntou, um tanto pesaroso. — Ele era assim.

Bruno o observou por um instante, curioso.

— E você?

Jake piscou, desconfortável. — Ah, eu chorava bastante — falou, sentindo-se patético ao perceber que isso ocorre até hoje. — Eu era quieto. Ben também era. A gente se entendia, sabe?

Bruno assentiu, mas ainda queria mais.

— Você não se adaptava em que sentido? — questionou, sobre a adoção.

Jake remexeu-se no lugar. — Não achava que pertencia àquela casa, àquela família. Esperava que eles me devolvessem a qualquer momento — contou, baixinho, antes de pigarrear. Remexeu-se de novo. — Bom, mas ele me ajudou com isto. Na verdade, Ben sempre me ajudou, muito mais do que eu ajudei ele.

Bruno suspirou, forçando um sorriso ao assentir. Jake desviou o olhar, e Bruno viu que ele piscava vezes demais para não chorar novamente.

Em realidade, Jake não conseguia ficar chateado com Ben por ter escondido que sabia sobre ele, e por ter manipulado parte das conversas entre eles para que ele não percebesse. Sentia que tudo havia sido sua culpa.

Tudo estaria perfeitamente bem se não houvesse se apaixonado pelo melhor amigo. Era a amizade perfeita até ele estragar, com seu coração mole e carente.

— Terra para Jake — chamou Bruno, brincando, ao estalar os dedos na frente dele.

Havia decidido que estava na hora de dar uma pausa nos assuntos profundos e buscar um lanche para os dois. Comeram ao passo que assistiam a televisão do século passado que havia no quarto do Bruno e da qual Jake tirou sarro a primeira vez que esteve no quarto dele.

Em algum momento, Jake desligou-se novamente, ajeitando-se na mesma posição que antes na cama. A televisão apontava para a lateral da cama, então ambos podiam assistir mesmo de frente um para o outro.

— Estou aqui — confirmou ele, depois de piscar e focar os olhos no rosto moreno de Bruno.

Ele riu, um pouco mais à vontade para tal, já que o rosto de Jake parecia um tanto melhor, apesar da óbvia tristeza que o envolvia. Havia conseguido ao menos distraí-lo, e continuava a tentar fazê-lo.

— Cara, ‘cê usa meia de ursinho — provocou, pegando o tornozelo do Jake para ver melhor a meia branca tomada de ursos marrons com gravatas.

Jake riu, tentando puxar a perna. — Ah, para!

Bruno o soltou, inclinando o rosto de forma jeitosa.

— Agora nós dois sabemos o porquê da sua vida amorosa ser uma droga — comenta, no automático jeito gracioso, olhando para a outra ponta da cama.

Arrependeu-se no mesmo instante, não sabendo se era o momento certo para fazer piada, porque ainda podia ver os resquícios de vermelhidão no rosto dele, do prévio choro. Mas assim que ele sorriu, incrédulo, e o sorriso se transformou em uma risada, Bruno soube, com alívio, que não havia estragado tudo.  

— Cala a boca, mexicano!

 Jake puxou a perna para dobrá-la próxima do corpo e longe de Bruno, mas o mexicano se inclinou para frente e puxou-a uma vez mais pelo tornozelo.

— Não calarei a voz da razão, Jake, isto é democracia — disse, um perfeito palhaço filosófico.

— O quê? — Jake riu ainda mais, sem aguentar-se, ainda lutando para puxar seu pé de volta. — Você é idiota?

— Não, eu só falo verdades! — concluiu, quando pararam de se mexer, os dois se encarando das pontas da cama com risos prendidos. 

— Ah, é? — Jake pronuncia, por fim, ao dar continuação à brincadeira. Relanceou, sem seguida, seu lado direito, onde estavam os pés do dito cujo em grossas meias brancas. — Pois aqui tá uma verdade: eu, pelo menos, não tenho chulé. Agora nós dois sabemos o porquê da sua vida amorosa ser uma droga — retrucou, cruzando os braços, convencido.

Não era verdade, porque o único que sentia no quarto do Bruno era o cheiro constante de flores que se espalhava pela casa. Talvez sua família fosse tão acostumada que não percebesse, mas Jake sempre percebia. Bruno também tinha um cheiro adocicado específico, mas Jake não sabia apontar o que era. Concluiu que não devia ser nada específico, apenas algum perfume que usava.

Bruno solta um arquejo com exagero, ultrajado, e Jake quase engasga com um riso pelo som surpresa, tornando a rir.

— Chulé o caralho — reclama, ofendido, ao erguer um dos pés e enfiar na cara de Jake. — Toma esta então!

— Argh, que nojo! — Começou a rir, tentando desviar, mas ficando encurralado na parede, já que estava do lado direito. — Sai! Que nojo, Bruno!

Fez a maior cara de nojo que conseguiu, mas isso apenas trouxe mais divertimento para o outro. 

— Admite que eu não tenho chulé! — ordenou, se contorcendo para enfiar os dois pés na cara de Jake, que os empurrava para longe.

— Não! — Riu ele, desviando quando quase levou um chute. — É sério, Bruno, tira essa porra da minha cara!

— Não até você admitir! Aqui só aceitamos verdades! — continuou, sábio.

Jake revirou os olhos para a idiotice, embora os mesmos olhos claros ainda permanecessem divertidos. 

— Ok, ok. — Desistiu, segurando os dois tornozelos com cara de nojo forçada. — Você não tem chulé, ok? Você é cheiroso. Você é... — Pensou, segurando-se para não rir. — Uma flor de tão cheiroso! Teus pés têm cheiro de lavanda — acrescentou, debochado, com um sorriso de canto. Sua expressão mudou, no entanto. — Não, de orquídea — falou, automaticamente, recém dando-se conta do aroma que sempre sentia quando Bruno estava por perto.

Eles ficaram se encarando, parados, por um tempo, Jake ainda lhe segurando os tornozelos.

Bruno estreitou os olhos.

— Orquídea nem cheiro tem — continuou, falsamente indignado. 

— Tem sim — retrucou Jake, balançando a cabeça positivamente. — Tem cheiro de... — Parou, frisando os lábios para não rir. — Tem cheiro de Bruno.

Eles se encaram por mais um tempo, tentando não rir em antecedência, mas Bruno volve a mexer os pés e impulsioná-los na direção de Jake.

— Não! — nega, vingativo. — Aqui não aceitamos deboche!

Jake gargalhou, desviando. 

— Sai, Bruno!

Riu-se, se retorcendo até conseguir girar o corpo e deslizar pela parede para a cabeceira da cama, onde Bruno estava.

Bruno dobrou o corpo, levando as pernas em direção ao próprio abdômen para conseguir alcançar os pés em Jake, já do seu lado. Algo dá errado, no entanto, e ele contorce o rosto em uma careta, reclamando de dor nas costas com um grunhido. Jake gargalhou ainda mais, mas a careta de Bruno continuou mesmo após o riso dele chegar a um fim, enquanto tentava enfiar as mãos debaixo do corpo para massagear as próprias costas. 

Jake ri de novo, observando-o e dando-se conta do aperto. 

— Sua cama é muito pequena — reclama, percebendo que um dos ombros estava grudado na parede gelada e o outro estava grudado no ombro quente de Bruno. Estava esmagado.

A situação lhe fez ponderar sobre o amigo.

Jake o encara de canto de olho, curioso a respeito de Bruno. Sabia que ele estava sendo parceria quando permitiu que o beijasse, e ainda o apoiou após.

Naquele quarto escuro, durante a festa, eles estavam sozinhos e Jake estava chorando, então é normal que ele tenha se sentido sensibilizado e ainda deixado que o beijasse, já que ninguém veria ou saberia a respeito. Só que ele continuou andando com Jake, ouvindo sobre seus dramas e fazendo-o rir, e agora Jake estava em sua cama, com os pais do mexicano ali do lado de fora. Não era qualquer garoto hétero que estaria tão à vontade assim.

Embora...

Não tão à vontade assim.

Relanceou-o mais uma vez, vendo que as mãos já estavam em cada lado do corpo ao invés de estar nas costas e que a careta nada tinha a ver com o mal jeito da coluna, mas com o Jake grudado ao seu lado. Jake soube disso porque Bruno estava evitando olhá-lo, não havia soltado mais nenhuma piadinha, e os dedos se remexiam em desconforto enquanto ele fingia assistir a televisão ao lado. 

Seu primeiro instinto foi de afastar-se para que Bruno voltasse a se sentir confortável, mas pensou um pouco e se sentiu seguro o suficiente com ele para comentar o que pensara.

— Primeiro eu te beijo e agora eu estou na sua cama junto de ti — começou, baixinho, fazendo Bruno não poder evitar e girar o rosto para o lado, encarando-o. Sob os olhos castanhos, Jake sorri, sem graça. — Eu me pergunto como tá a sua masculinidade agora.

Riu fraco, mas não sentiu a necessidade de desviar o olhar, o que o fez sentir sortudo como Bruno afirmara que ele é. Bruno’s são raros e ele tinha um ao seu lado, tão querido para consigo que ele não precisava desviar o olhar.

Bruno sorriu largo, preguiçoso, dando de ombros. Os olhos escuros quase sumiram, dando lugar ao sorriso branco. 

— Minha masculinidade está intacta — garantiu, estufando o peito com teatralidade. Jake revirou os olhos, sorrindo. — Você poderia fazer muito pior e ainda estaria intacta, porque é forte assim — brincou, palhaço.

Jake franze o cenho, pensando no que ouviu, antes de arquear as sobrancelhas, com desconforto. Só então Bruno percebeu como suas palavras soaram.

— Digo, você... — Pigarreou. — Quero dizer...

E, naquele momento em que todo o sangue do corpo de Bruno subiu para o seu rosto, Jake ponderou de onde vinha aquela vergonha. Bruno não sentia vergonha. Nunca. 

Pela primeira vez, perguntou-se se podia mesmo sustentar seu olhar castanho, mas continuou a fazê-lo, instigado pela reação que obteve. 

— N-não que eu queira que você...

— Muito pior tipo o quê? — interrompeu, fisgado pela curiosidade ao descer os olhos para a boca avantajada dele.

Ora, se não havia acabado de cruzar uma linha.

Arrependeu-se no minuto seguinte, tomado pela vergonha e pelo desconforto que também percebia no rosto avermelhado de Bruno, como se fosse contagioso. 

— Jake... — murmurou Bruno, sem jeito, mas não pôde continuar. Nem sabia como continuaria. 

— Eu preciso ir — interrompeu, subitamente, desviando o olhar e remexendo-se. — Este cheiro tá me deixando... 

Tonto, completou mentalmente. E com uma vontade imensa de fazer besteira, tipo estragar mais uma amizade perfeita pelo mesmo motivo que o fizera chorar por horas naquele mesmo dia. 

Jake sentou-se na cama com rapidez, e Bruno o fez também no mesmo instante, trazendo as pernas para o seu torso para que Jake deslizasse até a beirada da cama, pondo os pés no chão.

Procurou por seu calçado, pensando no que dizer em seguida.

— Cheiro de chulé? — perguntou ele, tentando uma última brincadeira para que Jake não fosse embora. 

Jake, que puxava os calçados e os enfiava nos pés, riu, um tanto satisfeito que Bruno não caísse no silêncio tão fácil como Ben costuma fazer. 

— Não. — Assim que finalizou, ergueu o corpo, ainda sentado na cama e olhou para ele por cima do ombro. — Não, cheiro de orquídea — murmurou, sincero, com um sorriso mínimo. 

Percebeu o indício de sorriso no rosto do mexicano, mas desviou o olhar antes que vislumbrasse o sorriso lindo por completo. Levantou-se, pegando a jaqueta com rapidez, sem sequer dar chance de Bruno dizer mais nada.

— Estou bem atrasado — disse, olhando-o com rapidez ao abrir a porta. — Te vejo amanhã. — E sumiu-se, fechando a porta atrás de si.

Bruno, do mesmo jeito que estava, estabanado na cama, permaneceu. Na verdade, mesmo que tivesse a chance de dizer algo, não sabia o que diria. Estava confuso, mas não o suficiente para deixar de perceber que aquilo era algo bom. Era bom, certo?

Sentou-se melhor na cama, puxando a própria camisa para cheirá-la, tentando sentir algo além do aroma de sabonete e de roupa lavada. Mas nada sentiu. 

Sorriu para si mesmo.

Jake sentira algo, sim, algo que o afetou. E talvez não fosse necessariamente um aroma, mas um sentimento. 

Bruno o afetou.


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Notas finais do capítulo

Hello, meus pandinhas.
Peço perdão pelas notas ENORMES, mas a gente fica um tempo sem se falar e surge uns papos aleatórios. HAHAHAHAHAHHA.

Sobre o capítulo:

1) Gentem, existe amor platônico tá? Hahahaha. Eu sei que a situação que eu criei foi bem suspeita, por causa da ligação forte entre o Ben e o Jake, mas era essa a intenção desde o princípio. Aos que shippam BenKe (eu amei isso), saibam que em uma realidade paralela, essa conversa saiu diferente. HAHAHHAHAHAH.
2) Nada a declarar sobre o Bruno. Eu sou um túmulo e nenhuma informação sai de mim. AHAHAHHA.
3) Mia e Faye são um hino lindo e eu protegerei sempre.
4) Deixei a Em e o Matt (e o Alex) para o próximo extra, porque senão ia ficar muito gigantesco.
5) Entendam a Anne, gentem. Sei que queremos personagens maduros mas não dá pra exigir muito de adolescente hormonal hahahha. E quanto à mãe, não dá pra exigir tanta delicadeza se não é da personalidade dela. Minha mãe, por exemplo, é mais grossa que não sei o quê ahahahahhaha.

*Queria deixar uma nota sobre a parte dedicada à Annelise:
Eu achei que era um tópico interessante e importante de ser falado, sobre as dificuldades - movidas pelo preconceito - de ser negro, em especial de ser uma mulher negra. Mas caso se perguntem, não, realmente não é o meu local de fala, por isto fiquei um tanto receosa de trazer o assunto. Eu pesquisei bastante, e eu tenho lido bastante sobre o assunto, mas ainda assim achei necessário pedir ajuda pra alguém que estivesse em seu lugar de fala. Caroline, sua maravilhosa, muito obrigada pela ajuda ♥
Eu sei que, assim como todas as comunidades específicas, uma só pessoa não define toda ela. Então, se acharem que eu fui ofensiva de alguma forma, ou se eu tenho que mudar uma coisinha ou outra, acrescentar ou diminuir, falem comigo! Por review ou por MP, tanto faz, please. Não quero cometer erro grotesco algum.

Sobre a específica comunidade LGBTQ+:
Eu queria compartilhar essa novidade que nada tem a ver com as fics, mas eu sou emocionada e queria contar ahhahahaha. GENTEM, EU SOU BI! HAHAHHAHA. Eu sei que parece bobo, MAS EU NÃO SABIA, e recentemente descobri que sim, e que mulheres são mais maravilhosas do que eu pensava. Eu tô muito feliz! Venham me abraçar!

Sobre plágio:
Acreditam que alguém teve a AUDÁCIA de plagiar Made of Stone? AHAM, pois é. Mas eu já resolvi este probleminha e tá tudo certo agr. Só queria pedir que me avisem caso encontrem algo por aí que seja suspeito. Eu tenho conta aqui no Nyah, no Wattpad e no Inkspired, e todas elas estão sob o mesmo codinome daqui: Little Fat Panda. Talvez um _ diferente, mas é o mesmo nome.
Então, please, avisem-me!

Amem, odeiem, mas me digam o que acharam! *O*



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