Made of Stone escrita por littlefatpanda


Capítulo 18
XIV. De todas as garrafas do mundo


Notas iniciais do capítulo

Hello, it's me :*

Se vocês bem se lembram do prólogo, Caleb mencionou sobre uma garrafa do Alex. O que diabos isto quer dizer?
Let’s descobrir agora, meus unicórnios!

E LEIAM AS NOTAS FINAIS!

Boa leitura! ♥



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Aquela semana se passou lentamente, como se arrastasse para a morte. Eu me sentia da mesma forma, ainda mais quando o fim de semana chegou.

Eu desenhei, cozinhei, joguei, conversei, e toda vez que olhava para o relógio os minutos pareciam teimar, como crianças birrentas, para passar. E eu odiei a sensação. 

Alex, naquele sábado, estava na sua antiga e gigantesca cidade praiana. Havia ido naquela viagem a respeito de um aluguel de sua antiga casa por haver insistido tanto, a ponto de brigar com a mãe na frente dos amigos e a ponto de querer se enfiar em um carro com o pai que tanto odeia por mais de horas. 

Era de se ponderar o que havia naquela cidade que fosse tão importante para o Alex nestas condições, tanto que Mason insistiu na conversa porque queria descobrir o que havia por detrás da história. E eu não podia dizer absolutamente nada apesar de saber ao menos de um motivo pelo qual Alex gostaria de estar em Mallow Coast. 

Dean.

Esperava muito estar errado, porque apesar de nunca ter posto os olhos neste cara, eu já o odiava até a medula.

Alex merece melhor do que isto, não é?

Eu não tinha para quem perguntar, porque não podia contar a ninguém. Então, quando perguntado a mim, eu apenas sugeri que ele queria rever seus antigos amigos, o que não era de todo impossível. 

Não é porque ele é apaixonado por um cara daquela cidade que o único motivo para ele insistir em ir até lá seja o cara, certo? 

Ah, bom, ninguém podia responder isto além de eu mesmo. E eu consigo ser cruel comigo mesmo quando eu me empenho no processo.

Outro assunto que Mason insistiu em discutir era o de Agatha. Neste, eu estou tão no escuro quanto os outros dois, mas nem por isto vou querer desenterrar o passado do Alex para descobrir. Digo, ele parecia bem nervoso com o assunto, e se ele não quis falar sobre isto, talvez não devêssemos saber mesmo.

Só que Ian ficou estranhamente quieto quando o assunto ressurgiu no caminho para a casa de Alex, no domingo. Estávamos os três carregando mochilas para tal, já que dormiríamos lá. 

— Se você sabe de alguma coisa, é melhor desembuchar — insistiu Mason, quando percebeu o mesmo que eu. 

Ian franziu o cenho, chutando uma pedrinha no caminho.

— Eu já disse que não sei — reclamou ele, estalando a língua.

Mason me olhou e eu ergui os ombros, sem saber o que fazer, então ele voltou a atenção ao Ian. — Então tá, pode esquecer do seu videogame porque ele vai ficar lá em casa — provocou, ajeitando os óculos no rosto.

Ian estreitou os olhos, enquanto eu ria. Estes dois eram uma piada constante, em evolução. 

— Você não se atreveria a sequestrar o meu bebê — tentou, analisando o loiro com os olhos como se para checar se estava certo.

Mason fixou os olhos azuis nos dele e então sorriu, maquiavélico.

— Me tente. Você sabe que eu consigo esconder as coisas melhor do que ninguém — disse, e eu deixei um “uh” longo escapar pela provocação, colocando lenha na fogueira.

Mason se referia aos fundos das gavetas de seus armários, do esconderijo em seu teto, de uma parte solta do chão do quarto, e da parede falsa de um roupeiro. Ele guardava bilhetinhos de aula, bebidas alcoólicas, computadores que ele jurava ter vendido mas estavam escondidos, e mais coisas que ele nunca nos deixou ver. 

É, eu sei. Mason é bizarro. 

Mas nada disto deixa de ser supermaneiro!

Ian hesitou por um momento, mas franziu os lábios, por fim, negando mais uma vez. 

— Olha, eu não sei de muita coisa. Me lembrei de algo que ouvi minha mãe comentar poucas vezes e de uma conversa com a tia, mas mesmo que eu soubesse de certeza, eu não posso falar.

Franzi o cenho, quase sentindo a irritação de Mason ao meu lado.

— Por que não, idiota?

— Porque é pessoal, é coisa de família. E é um assunto morto — acrescentou, chutando a mesma pedrinha que o acompanhava.

— Você quer dizer que ela tá morta? — tentou Maze, olhando por cima dos óculos.

— Eu quero dizer que o assunto tá morto e devia morrer aqui também.

Mason estalou a língua e eu desviei o olhar, assentindo e deixando o assunto morrer como pedido, como uma pessoa normal. Só que Mason estava longe disto.

— Você sabe que eu consigo a informação se eu quiser — provocou Mason, pegando o celular do bolso e começando a digitar no mesmo. — Eu só preciso contatar um dos meus informantes, o fight!logan para que ele contate um peixe maior e dentro de um par de dias, eles me repassam a informação. Não deve demorar, especialmente se eu pedir que procure nos óbitos de Mallow Coast desde que Alex nasceu, já que provavelmente esta garota...

— Mason! — Fechei a mão em seu antebraço magricela, fazendo-o calar e olhar para mim. Repreendi com o olhar. — Você não vai fazer isto.

— É, cara, tá maluco? — reclamou Ian, contrariando o emburro.

— Eu sou curioso! — resmungou, puxando seu braço, ao olhar de mim para Ian e de Ian para mim. 

— Você precisa aprender algo chamado “espaço pessoal” — reclamei, visto que essa não era a primeira vez que Mason não tinha um senso de noção com essas coisas. — É importante e é o que mantêm uma sociedade funcionando.

Os dois silenciaram e olharam para mim. Ian não se aguentou e riu, fazendo com que Maze sorrisse também.

— Ah, que sábio — comentou ele, não se aguentando com a risada de hiena de Ian e rindo também. 

— Ele tá assistindo muito documentário, isso sim — completou, e eu revirei os olhos.

Finalmente havia uma pessoa sensata e inteligente no meio do nosso grupinho: eu, e ainda reclamavam da minha interpretação de Yoda. Francamente, onde este mundo vai parar? 

Mason guardou o celular e, incomodado, deu de ombros. — Ok, eu vou deixar isto de lado. Felizes?

— Sim! — concordamos em uníssono, aliviados, vendo um beiço teimoso surgir no rosto do loiro.

Ian empurrou-o apenas para provocá-lo, e logo veio uma série de impropérios incomuns, como “energúmeno” e “bocó”, o que era a cara do Mason.

Caminhamos lado a lado o resto da distância até a casa de Alex.

Alex estava de castigo.

De acordo com ele, discutiu mais uma vez com a mãe porque transformou a viagem de volta para casa, na noite do sábado, em um inferno para o pai. Agora não podia sair de casa, e a mãe dele ficou ainda mais em cima dele quando descobriu que a panelinha do ensino médio estava planejando alguma festa no fim de semana. E como os pais tinham que sair - algo sobre uma conferência da empresa do pai dele -, precisavam que alguém ficasse de olho no Alex. 

Surpresa a nossa que estes alguéns éramos nós mesmos.

Aparentemente, Alex bateu o pé sobre ficar em casa e não se deixou ser arrastado para a conferência do seu pai de jeito nenhum. Como consequência, decidiu pôr a gente de babá no fim de semana para si próprio, para que a mãe “pare de encher meu saco”, nas palavras dele.

A mãe do Alex fez questão de pedir à mãe do Ian que checasse se estávamos mesmo com Alex em casa. Talvez tudo isto fosse porque somos mais novos e, bom, nerds excluídos, então a ideia de Alex sair com a gente para festas era absurda para ela. 

A Sra. Cunningham certamente não conhecia o demoninho que tinha por filho. 

Podia ser que ela estivesse certa neste caso em específico, mas o motivo de Alex não aprontar no domingo não tinha nada a ver com nossa presença na casa ou com sua postura responsável. Não. Tinha a ver com seus problemas internos, aqueles que o deixaram disperso e irritado a semana toda, agitado para ir nesta viagem e igualmente agitado quando voltou.

— Ah, ele a carregou porque precisa passar uma imagem de família perfeita pra empresa idiota dele — contou Alex, assim que os pais partiram ao nos deixar sozinhos, jogando o celular na cama. — Mas eu não quis participar dessa palhaçada. Ah, não quis mesmo! — resmungou, ajeitando os controles do videogame com certa impaciência. 

Mason, Ian e eu já estávamos atirados pelo tapete peludo e preto de Alex, e pelos puff’s coloridos.

— Relaxa, cara — tentou acalmar Ian, com um sorriso de canto. — Este tipo de coisa é assim mesmo. Minha mãe também tem esses eventos da empresa que são um saco, mas é meio que obrigação deles passar uma boa imagem. Vá entender! — Riu, dando de ombros.

Pisquei, relanceando Mason ao meu lado, que franziu o cenho.

— Eu tô achando que isto é coisa de rico, porque na empresa que a minha mãe trabalha ninguém se importa com a família dos funcionários, desde que trabalhem feito escravos e ganhem uma miséria com perfeição — comentou Mason, de forma rápida, já pegando um dos controles e arrumando as configurações iniciais antes do jogo.

— Eu já ia falar isto! — Ri, batendo o ombro no dele. — Minha mãe só se junta com os funcionários dos empregos dela quando também são amigos e não tem nada a ver com as empresas. 

— Não é? — concordou Mason, rindo.

— Eu acho que vocês têm preconceito de classe com a gente — comentou Ian, distraído, ao iniciar a partida com Maze. 

Revirei os olhos. — Sim, ricos sofrem muito preconceito. 

— Deixa de ser bocó! — Mason pediu ao dar um peteleco na cabeça de Ian, que reclamou. 

— Sério, Ian, às vezes você se passa — falei, estalando a língua.

Apenas quando Ian e Mason engajaram em mais uma discussão engraçada - ao menos, eu sempre via graça neles -, que eu percebi que Alex nada mais havia dito. Olhei ao redor, percebendo que ele nem no quarto estava, estranhando mais uma vez a maneira como agia. Alguns minutos depois, ele reapareceu com algumas guloseimas, deixou-as no tapete para a gente e se jogou na cama, encarando o teto como se quisesse perfurá-lo com os olhos.

Voltei os olhos para o jogo, antes que perdesse mais uma partida para o Ian, porque daí seria humilhante demais. Mas meus pensamentos, uma vez mais, estavam naquela figura afastada de Alex.

Tão perto e tão longe, como sempre era.

Alex estava meio disperso às conversas, em um humor não muito bom, durante toda a semana. Por vezes, parecia haver voltado à sua maneira de sempre, mas logo estava envolto em pensamentos e retorcendo os dedos em nervosismo antes de sumir para mais um cigarro.

— De novo? — questionou Ian, mais tarde, quando Alex recusou a quinta ligação de seu celular.

Já havia anoitecido, a televisão estava ligada em um filme de terror e estávamos atirados nas camas improvisadas pelo chão do quarto de Alex. Apesar de assistirmos o filme, cada um estava com o celular na mão, exceto por Alex, que evitava seu celular e as chamadas, e estava envolvido com mais um cigarro na varanda.

— Quem era? — questionou Mason, atiçado pela curiosidade, sem se aguentar.

Fiquei quieto, apenas os ouvindo, com os olhos na partida de futebol do jogo em meu celular.

— A Mary Jane — respondeu ele, para a nossa surpresa, dando mais uma tragada no cigarro.

— Estão brigados? — perguntou Ian, embora não parecesse estar muito interessado na conversa, com os olhos na garota que berrava na televisão.

— Não — resmungou Alex, encostando as costas no apoio da varanda. — Eu só tô de saco cheio dela.

Ergui os olhos para ele, surpreso, mas com o coração apertado. Digo, ele insistiu para ir até Mallow Coast, andou estranho a semana toda, e depois de voltar da viagem recusava as ligações de MJ porque não a aguenta mais.

Ele provavelmente estivera mesmo com Dean, pensei, desgostoso. Mas então por que o humor sinistro? 

Como se os céus gritassem: Caleb, dessa única vez você terá sorte, sim!, eu obtive a resposta desta pergunta mais tarde. Uma das únicas perguntas respondidas em um bom tempo. 

Alex estava estranho durante toda a semana, sim, mas neste dia, no entanto, parecia mais inquieto que o normal. Não queria dormir, fumou alguns quantos cigarros, e depois ficou quieto em sua cama com o violão até ali pelas duas horas da manhã, quando nos deitamos nos colchões ao lado de sua cama. 

— Não vai dormir? — forcei-me a questionar, sentindo meus olhos pesarem, ao olhá-lo de baixo.

Alex, no escuro, olhou por cima do ombro, parando de dedilhar ao perceber que os outros dois já estavam dormindo em um sono pesado. 

— Daqui um pouco — murmurou, largando o violão na cama e caminhando em direção à varanda, onde eu já não o podia ver dali de baixo. — Só vou fumar mais um.

— Ok — murmurei, fechando os olhos por completo.

*

Abri os olhos, prendendo a respiração.

Meu coração acelerou ao ponto de eu ouvi-lo pulsar nos meus ouvidos, e senti o corpo retesado pela sensação estranha. Pisquei, acostumando os olhos ao escuro do quarto, tentando desvendar o que estava acontecendo. Não demorei mais de cinco segundos para me dar conta de que eu dormi na casa do Alex, com os outros, então não estava em um lugar desconhecido ou em perigo.

Fechei os olhos, aliviado, e voltei a respirar, relaxando os músculos. 

Isto sempre acontecia quando eu não dormia no meu quarto. Eu não sei qual é o problema da minha mente que usa de uma lógica estranha de que, se eu não estou na minha cama, eu estou morto ou em perigo. 

O quarto estava totalmente escuro, porque a televisão foi desligada, então estava em completo silêncio também, não fosse um barulho persistente e abafado ao longe. Estava um tanto frio, mas era devido à varanda aberta, porque o vento frio de fora fazia a cortina de pano balançar quase disfarçadamente, mas não para a minha pele. 

Abri os olhos mais uma vez, dando-me conta de que não vi ninguém na cama única do quarto, e confirmei a informação ao fazê-lo. O violão do Alex ainda repousava ali, por sobre a cama, e o cheiro de cigarro havia dispersado quase por completo. Só que não havia sinal do Alex, confirmei, quando sentei no colchão e olhei ao redor. 

O som persistente, no entanto, pareceu mais nítido quando prestei atenção nele. Não pude dizer o que era, mas soube que vinha do lado de fora. Com isto em mente, levantei, circundei a cama de Alex e adentrei na varanda aberta, me encolhendo pelo ventinho frio. Aproximei-me da beirada para ter total visão do pátio dos fundos.

A princípio, não enxerguei nada, mas quando me inclinei para o lado, pude ver de onde o ruído provinha, próximo à lateral da casa.

Forcei os olhos, mas era exatamente isto que pensei estar vendo: Alex, com um touca de moletom tapando-lhe os cabelos, com uma pá em mãos, em frente a um buraco de terra próximo às plantas cuidadas da lateral da casa. 

Alex cavando um buraco em seu jardim no meio da madrigada? Não, isso não é nem um pouco suspeito!

— O que você tá fazendo?

Alex deu uma espécie de grito, que mal começou e ele já o engoliu, com os olhos arregalados e a mão no peito - a pá foi ao chão -, para só então relaxar quando me viu há alguns passos de distância dele.

Me assustei também.

Primeiro, porque quando desci até lá não planejei assustá-lo, então o susto dele acabou me assustando. E segundo, porque... Alex estava chorando.

Franzi o cenho, me aproximando para ver se eu não tinha me enganado, mas ele já tinha virado as costas, juntado a pá que havia caído ao lado de uma garrafa no chão, e continuado a cavar.

— Alex? — perguntei, em um murmúrio, relanceando a cova pequena. — Você tinha um cachorro que morreu ou algo assim?

— O quê?

Alex virou para mim mais uma vez, confuso, antes de compreender.

Percebi que eu estava certo: as bochechas estavam um tanto inchadas, os olhos e os lábios avermelhados, e tinha uma listra molhada para o lado de seu rosto, como se ele houvesse limpado as lágrimas.

— O que houve?

— Não é da sua conta — respondeu, ríspido, voltando os olhos para a terra.

Recuei um passo para trás, chateado, ao encarar as costas cobertas pelo moletom preto de Alex. Girei nos pés com o intuito de voltar para a casa, de onde eu aparentemente não devia ter saído.  

 Não iria pedir desculpas, não fiz nada de errado.

— Droga. Espera, Caleb! — chamou, um pouco mais alto que um murmúrio pra não acordar ninguém, e eu parei. — Desculpa. Eu não queria... — Suspirou. — Só vem cá. — Girei o corpo para ele, que me encarava. Ele fez um gesto vago, meio desanimado, quando hesitei. — Só... Vem.

Me aproximei, um pouco na defensiva, até parar lado a lado com ele, ambos de frente para a cova. Ela estava quase escondida por estar próxima das folhagens bem cuidadas que circundavam todo o fundo da casa. Observei aquilo com atenção, vendo-o se abaixar e juntar a garrafa em mãos.

Só então prestei atenção na mesma.

Alex girou-a nas mãos, observando-a, mas parecendo estar com a cabeça há anos luz dali. A garrafa de vidro era simples e transparente, parecia ser uma versão antiga de Coca-Cola, mas não tinha mais o rótulo. Estava fechada com uma rolha amarela, ao invés de uma tampa. Dentro dela, agora que eu podia observar melhor, tinha um rolinho de papel envolto por uma fita rosa, da mesma forma que um diploma.

Ergui os olhos para o Alex.

Os olhos negros encaravam o chão, mas não parecia enxergá-lo. A pele morena se destacava na precária luz que vinha da área da piscina, há uns cinco metros de nós. Os cabelos, os olhos, a roupa com capuz, todo o resto, escuro, parecia se fundir com a madrugada.

— Eu... — murmurou, com a voz rouca, logo antes de pigarrear. — Eu sei que vocês tão se perguntando quem é Agatha.

Só o tempo todo!

— Você não precisa contar — murmurei, indo contra a minha monstruosa curiosidade. Afinal, dava para perceber que era isto o que lhe causava tanta tristeza.

— Eu sei — sussurrou, com um sorriso fraco. Focou os olhos em mim. — Agatha era... — A voz sumiu, e ele teve que piscar algumas vezes - pra afastar as lágrimas, percebi, com um aperto no peito -, antes de prosseguir. — Ela era a minha irmãzinha.

Engoli em seco, assentindo. Ele fez um gesto semelhante, mecânico, antes de voltar os olhos para frente. Fungou e, com o canto do olho, vi que ele limpou o rosto. 

Já imaginávamos que Agatha fosse alguém da família, alguém importante. Também imaginamos que ela tivesse morrido, pela maneira como ele agiu.

Não soube o que podia dizer sem que o fizesse sentir ainda pior, então optei pelo silêncio. 

— Ela teve pneumonia quando pequena — contou, de forma dura, como se tivesse conseguido se controlar. — Ela tinha seis anos quando morreu.

Céus, uma criança! 

Senti meus olhos marejarem também, chocado ao imaginar, mas as forcei a permanecerem dentro. Não era minha dor para extravasar, embora meu peito apertasse ao ver Alex naquele estado.

— Eu não me lembro de muito, eu tinha nove anos, e eu só... — Franziu o cenho, como se esforçasse pra lembrar. — Eu senti — sussurrou, parecendo confuso ao recordar-se. 

— Você tava lá? — perguntei, horrorizado, antes que me contesse.

Ele negou, ainda com as sobrancelhas unidas.

— Não — disse, parecendo perdido em pensamentos ainda, antes de focar os olhos em mim. Negou mais uma vez. — Não. Eu estava na casa de um colega, e eu... Eu lembro de sentir uma pressão no peito e... — murmurou, levando a mão no próprio como se sentisse mais uma vez. Suspirou. — É só.

Eu o encarei por um instante, percebendo que ele pareceu congelar naquela posição. Levei uma mão para a sua, tensa contra o peito, e a trouxe para baixo. Apertei-a na minha, de forma semelhante que ele fez comigo semanas antes.

Desta vez, para confortá-lo.

Alex sorriu, parecendo voltar à realidade, e apertou minha mão de volta. Virou-se completamente para mim, inclinando o rosto como se me admirasse. Pisquei, tentando não demonstrar meu desconforto, porque ainda estava tentando confortá-lo.

— Os olhos dela eram assim, grandes como os seus. — Arqueei as sobrancelhas, surpreso. Alex me encarou com tanto carinho que senti como se ele realmente estivesse me acariciando. — Eram duas bolas de gude tão azuis quanto o oceano. — Sorriu, pela memória, e eu o imitei. — Eu pensei que não havia, no mundo, olhos tão bonitos quanto os dela... Mas então eu te conheci. 

Pisquei, sentindo o estômago coçar, e desviei o olhar para longe.

Alex também o fez, soltando a minha mão para levá-la à calça.

— Vou te mostrar — disse ele, enfiando as mãos nos quatro bolsos do jeans até encontrar a carteira. Encontrou-a e tirou dela uma foto revelada, talvez do tamanho de uma 6x8. — Aqui. 

Peguei-a em mãos, arqueando as sobrancelhas ao observar a garotinha sorridente. Ela não parecia ter nem cinco anos, tinha os dentes pequenos e redondinhos e o nariz arrebitado. Como um anjo, tinha os cabelos loiros feito o sol e os olhos azuis se destacavam abaixo da franjinha, grandes como Alex havia dito. 

Apesar da beleza, não se parecia nada com o Alex ou com o pai, mas se parecia muito com a mãe deles, praticamente uma cópia. Uma cópia colorida, porque a mãe de Alex era simplesmente apagada. E agora que eu pensava a respeito, provavelmente era este o motivo. 

Agatha era o motivo. 

— Ela era linda — admiti, erguendo os olhos para ele, vendo que os negros estavam marejados uma vez mais. Ele assentiu, pegando a foto da minha mão, com tristeza. — Eu sinto muito.

— Eu também — sussurrou ele, guardando a foto com um suspiro e enfiou a carteira de volta ao bolso.

— Isto tem a ver com ela? — perguntei, apontando vagamente para a cova.

Não fazia a menor ideia do que uma coisa tinha a ver com a outra. Talvez ele tivesse fazendo uma homenagem, mas achei bem bizarro fazer um buraco no jardim para homenagear a irmã.

— Sim — afirmou, quando compreendeu do que eu falava. Juntou a garrafa mais uma vez. — Eu fui com meu pai para Mallow Coast para buscar isto. — Arqueei as sobrancelhas, um tanto confuso. — Estava enterrada no jardim da nossa casa, e como ela vai ser alugada agora, eu achei melhor...

Suspirou, chateado. Virou para mim, mais uma vez, parecendo disposto a conversar, por um milagre.

— Eu acho que eu ainda estava um pouco em negação, porque eu sei que a gente vai ficar aqui por mais anos, mas no fundo, no fundo, eu pensei que a gente fosse voltar pra lá. Vivi a vida toda naquela casa, Caleb. — Assenti, porque toda a minha vida eu também estive na mesma casa. — Tudo o que eu passei de bom ou de ruim ficou lá. Eu desejei muito que a gente se mudasse depois que Ag... 

Suspirou, balançando a cabeça, parecendo se recusar a pronunciar o nome dela mais uma vez.

— Mas minha mãe não quis de jeito nenhum. Eu amava o nosso lar quando ela era viva, mas quando ela morreu eu daria um fígado para sair de lá. Foi um inferno morar naquele lugar, onde cada canto dela tinha uma lembrança diferente. O quarto dela — falou, um tom mais alto, de indignação — ficou intacto por um ano. Um ano, Caleb — contou, estalando a língua. — Era um show de horror. Meu pai perdeu a paciência quando a morte dela completou um ano, no outro dia tirou minha mãe de lá à força, e chamou uma companhia para limpar aquele quarto. Eles chegaram com o caminhão e tiraram tudo de lá enquanto minha mãe fazia um escândalo.

Engoli em seco, imaginando a cena.

Alex suspirou, encarando a garrafa mais uma vez.

— Enfim, eu... — Suspirou mais uma vez. — No fim, os anos passaram, eu acabei superando e esquecendo o quanto eu odiava aquela casa. Nós superamos. E, quando eu menos esperava, a gente se mudou pra cá. Eu devia ter trazido isto — falou, erguendo a garrafa para que eu visse direito — quando a gente se mudou. Mas eu ainda achava que voltaríamos, e agora que alugaram, eu fiquei com medo que encontrassem e jogassem fora.

Franzi o cenho, pegando a garrafa das mãos dele. Girei-a nas minhas mãos, estreitando os olhos para ver se enxergava alguma coisa, mas não tinha como ler o que havia dentro do papel. Estava um pouco envelhecido e enrugado, talvez pela umidade de dentro dela.

— O que é, afinal? — perguntei, curioso.

— É um tesouro — brincou, mas o sorriso não chegou aos seus olhos. — Quando ela morreu, eu quis enviar uma mensagem. Sabe aquela história antiga de enviar cartas em garrafas por meio do mar? — questionou, e eu assenti. — Pois é. Eu tinha visto em um filme que um cara havia enviado uma carta de amor, esperando que chegasse nas mãos da pessoa amada — contou, um tanto sem graça, e eu sorri. — Eu esperei que, se eu escrevesse uma carta e jogasse no mar, Agatha a encontraria. 

Assenti, embora ainda estivesse confuso com a cova ao lado. Alex, em seguida, quitou-me a confusão, e eu desejei que ele não o tivesse feito.

— Mas eu não queria jogar no mar, porque ela tinha asma e podia sufocar — acrescentou, com a voz falha. Senti o coração afundar em alguma parte do peito. Ele ergueu os olhos vermelhos, soltando um riso triste. — Que idiota, não? — questionou, fungando, mas o nódulo na minha garganta não me permitiu dizer nada. — Só que eu só tinha nove anos. E então eu decidi enterrar, porque eu soube que ela havia sido enterrada também.

— Então você trouxe para enterrar aqui, porque vai ficar aqui por um tempo — completei, em tom de indagação.

Alex assentiu, mecanicamente. Ele abriu e fechou a boca algumas vezes, com uma careta.

— Eu sei que seria melhor se eu tivesse enterrado, você sabe, junto dela — falou, coçando os cabelos. — Mas eu não... Eu ainda não consegui... — A voz sumiu novamente, e eu coloquei minha mão em seu ombro. — Eu ainda não conseguir ir...

— Tudo bem — falei, vendo que ele virava o rosto para longe, para que eu não o visse chorar. — Quando você conseguir visitá-la, você leva a carta junto. Enquanto isto, achei inteligente mantê-la com você.

Eu o vi limpar o rosto uma, duas, três vezes. Por fim, assentiu e, sem olhar para mim, pousou a garrafa no centro do vão no jardim. Fez isto com tanto cuidado que segurei o choro de novo, por perceber o quanto aquilo significava para ele.

Eu sequer consigo imaginar como seria minha vida se eu houvesse perdido o Will. Não sei se algum dia eu me recuperaria.

Alex voltou à posição anterior, limpando mais uma vez o rosto e ficou encarando a garrafa. Pegou a pá mais uma vez, mas eu vi que suas mãos tremiam de novo. 

— Você quer que eu faça? — questionei, em um murmúrio, quando uns dois minutos se passaram e ele permaneceu do mesmo jeito. 

Alex pareceu ponderar antes de assentir, me entregando a pá.

Com o cuidado que percebi que ele tinha, fui cobrindo a garrafa aos poucos, ouvindo Alex fungar baixinho atrás de mim, quase como se ainda estivesse querendo esconder o choro. Abaixei-me, por fim, para afofar a terra com as mãos e não ficar feio por cima e voltei à posição de antes, batendo uma mão na outra para tirar o excesso de terra.

Por fim, encarei Alex que, ao invés de observar a obra, me observava.

— Obrigado — falou, com um sorriso fraco, ao levar a mão ao meu rosto e fazer um carinho rápido.

Assenti, com um sorriso fraco.

Ele deu as costas rapidamente, em direção ao fundo do jardim e voltou com uma rosa vermelha nas mãos. Deixou em cima do montinho, parecendo satisfeito.

— Até mais, princesa — murmurou ele, por fim.

Deu um último sorriso na minha direção antes de caminhar para a casa novamente, a passos largos. Imaginei que ele fosse chorar escondido mais uma vez, sequer conseguindo imaginar o estado em que ele ficaria estando sozinho, se tentando esconder já havia chorado horrores.

Fixei os olhos no montinho e sorri, respeitoso.

— Eu cuido dele por você, Agatha, não se preocupe. 


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Notas finais do capítulo

Se eu tinha o peito afundado no peito enquanto eu escrevia este capítulo? Sim, sou sagitariana, mas meu coração não é de ferro! Hahahah. Bizinho do Alex. ♥

Mas bola pra frente, galerous, que este é SÓ O PRINCÍPIO, porque este é o FIM da PRIMEIRA PARTE (exceto pelo extra que foi postado agr também, que fecha 19 capítulos) de MOS. Eu tava louca pra chegar aquiii ♥

IMPORTANTE:
Eu disse que MOS está dividido em 4 partes, mas eu fui mais longe no planejamento e me dei conta que são 5 partes, na realidade. Sorry. Haahahhaa. Mas ainda melhor, não?
Esta 1ª parte (19 capítulos, mas tecnicamente são 14 de MOS) ficou grandinha porque é o início (e por causa dos extras), então teve pouco “empurrão” na história, mas a 2ª parte é a menor de todas, então deve passar rápido também.

Entããão, teremos um pequeno salto temporário agora. Este capítulo se passou mais ou menos em setembro/outubro de 2017 e o próximo vai retratar as férias 2017-2018, e o começo do novo ano letivo. Então nos vemos lá ♥

E gente, abraço em grupo depois desse capítulo. Venham! ♥

Amem, odeiem, mas me digam o que acharam!
Att: 06/2021.



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