Made of Stone escrita por littlefatpanda


Capítulo 14
EXTRA - Somos todos uma festa


Notas iniciais do capítulo

Oilá, gente maravigold do meu ♥

Mais um extra? Tão cedo?
SIM, SE ACOSTUMEM. Explicação nas notas finais, mas aqui já deixo um básico: este extra é sobre a panelinha do Alex, não é necessariamente relevante para a história, então podem pular se não curtirem. Bjs de luz. :*

Boa leitura! ♥



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— Caralho, que casa grande!

Jake revirou os olhos, fechando a porta atrás de si. — Até parece que nunca esteve na casa do Ben. É o dobro da minha.

Bruno piscou, olhando de um lado ao outro naquela casa que mais parecia um hospital de tão branca e espaçosa. A casa de Ben tinha um ar mais pesado, escuro, e masculino. Talvez porque só morassem lá pai e filho, com exceção dos que trabalhavam. No entanto, Bruno sabia que Jake tinha ambos os pais, e se recordava dele haver dito que não haviam empregados na casa.

— Sim, mas a sua é o triplo da minha, a do Ben nem se fala — murmurou, distraído, ao olhar ao redor.

Jake franziu o cenho, sentindo-se um tanto culpado. Estava tão acostumado com sua nova vida, ainda mais crescendo com Ben - que mesmo sendo um adolescente, já era rico -, que era difícil lembrar que seus outros amigos não viviam vidas assim. Talvez Alex também, mas de resto, todos vinham de famílias singelas.

É fácil esquecer o quanto se é privilegiado.

— Jake?

A voz feminina veio de outro cômodo, seguido do ressoar de salto alto, cada vez mais alto, até que sua figura aparecesse diante dos dois.

— Seu pai e eu acabamos de almoçar, querido, se eu soubesse que você viria... — Parou ao perceber o rosto desconhecido ao lado de Jake. — Oh. Olá.

Bruno arqueou as sobrancelhas ao observá-la. Era uma mulher negra acima do peso, vestida elegantemente, com os cabelos presos - um estilo feminino que Bruno certamente desconhecia o nome -, olhos castanhos simpáticos e sorriso branco.

— Olá, senhora.

Jake apenas o encarou com o canto do olho, evitando a todo custo revirar os olhos pela falsa cordialidade. Falso!

— Mãe, este é o Bruno. — Fez um gesto vago em direção ao mexicano ao caminhar na direção da mãe. — Já te falei dele.

— Uau — diz Bruno, antes que a mulher dissesse algo, colocando a mão no peito. — Já falou de mim?

A mulher ri, enquanto Jake se limita a balançar a cabeça com um sorriso. Bruno sendo Bruno. — É claro. Bruno... Você é o colega mexicano? — perguntou, arriscando.

— Eu mesmo, senhora.

— Por favor, não me chame de senhora! — pediu ela, os olhos alargados. — Sou Ruth, ou tia Ruth, como o Ben chama.

Ruth, então, fez um gesto para que a seguissem até o cômodo ao lado, que se tratava da sala de estar. Bruno olhava ao redor com admiração, um espaço maior que o outro. 

— O Ben deve viver por aqui, né? — ponderou Bruno.

Na sala, havia um senhor sentado com um jornal em mãos. Ele olhou por cima dos óculos e, ao ver que o garoto ao lado do filho era desconhecido, fechou o jornal e ajeitou os óculos no rosto. Estava igualmente bem vestido, e Bruno pensou que eles já iriam sair para o trabalho.

— Desde pequeno — afirmou ela, enquanto Jake largava as coisas em cima do sofá. — Como é que Jake nunca te trouxe antes? 

— Ah — riu ele, relanceando um entediado Jake. — Isto é porque o melhor sempre fica pro final, tia Ruth. Não é, Jake? — Diz, piscando um dos olhos para o amigo. Jake até tentou, mas não conseguiu não rir.

— Gostei dele — afirmou o pai, estendendo a mão para cumprimentá-lo, pega por Bruno na metade do caminho.

— Todo mundo gosta, chega a ser irritante — confessa Jake, evitando bufar.

Bruno estreitou o olhar para o amigo, indignado, mas guardou para si até depois de se despedirem e subirem as escadas.

— Chega a ser irritante? — questionou o mexicano, imitando Jake, quando eles chegaram no quarto do andar superior. — Pois eu sou um amor! — defendeu-se, falsamente ofendido.

Jake solta um riso pelo nariz, sentando-se na mesa de estudos do quarto para abrir uma gaveta.

— Só escolhe um tema e a gente parte daí. A gente tem que terminar cedo se quiser ir na bendita festa.

No entanto, Bruno parecia ter uma ideia diferente. Ficou analisando o quarto demasiadamente azul do outro, como todos fazem ao conhecer algum local pela primeira vez. Focou os olhos nas fotografias, com os pais, com Ben, com a galera. Havia uma em uma turma de crianças - onde reconheceu Ben no meio, pequeno, também -, uma com a família grande que imaginou ser a família dos pais, e uma sozinho, quando se formou no fundamental.

Jake olha por cima do ombro, percebendo a atenção de Bruno focada na foto com os pais.

— Eu sei, eles são negros — disse, em um tom entediado. — Mais alguma coisa?

Todo mundo ficava surpreso quando conhecia seus pais. Ora, os que chegavam a conhecer seus pais eram amigos, logo, sabiam que ele era adotado. Portanto, se Jake era adotado, por lógica, não se pareceria com os pais. Não devia ser surpresa alguma serem negros. Não devia, caso não vivessem em um mundo preconceituoso. 

— Não é isto — murmurou ele, depois de dar uma olhada em Jake. Voltou a passar os olhos pelas fotos, embora tenha sorrido com a fala do amigo, porque realmente ficara surpreso quando viu a mãe dele em um primeiro momento. No segundo momento, porém, já até esquecera. — É que agora me dei conta que não sei nada sobre você ser adotado. Quantos anos tinha?

Jake suspirou, abrindo o notebook. Não gostava do assunto.

— Seis — murmurou, aquietado. — Sete, quando a adoção foi oficializada — acrescentou, olhando para o perfil de Bruno. — Não tem o que saber. Eu passei por alguns lares temporários — ditou —, e quando parei no abrigo, meus pais me encontraram e me adotaram. Eu era novo, então não lembro de muito. É só isto — repetiu, de forma automática, o que sempre dizia a todos. — Agora, será que podemos fazer o trabalho?

Mas é claro que Bruno o ignorou, parando os olhos em uma foto de Jake com Ben.

Jake parecia ter uns dez anos de idade, os cabelos pareciam mais claros, quase loiros, e os olhos naquele tom claro azul-esverdeado quase sumiam com o sorriso. Mostrava os dentes - e a falta de alguns -, enquanto estava meio abraçado em Ben, que mesmo na época, já era alguns centímetros maior. Ben parecia uma estátua, embora também sorrisse, com a cabeça pendida para o lado, encostada na do amigo. Não havia mudado muito, eram os mesmos olhos castanhos e cabelos da mesma cor, a mesma pele morena e a covinha no queixo.

— Aham — murmurou ele, distraído, pensando na quantidade de fotos que havia com o Ben. — Este — apontou para a foto que anteriormente analisara — é o motivo pelo qual chamam vocês de siameses. Cara, acho que tem mais foto do Ben do que sua aqui. — Jake coça os cabelos, arqueando uma das sobrancelhas para o mexicano. — É muito amor — acrescenta, rindo com gosto.

Jake se retorceu na cadeira, desconfortável, ao desviar o olhar. — Ele é meu melhor amigo — fala, na defensiva.

— Ah, eu sei — afirmou ele, olhando por cima do ombro com um sorriso. — Eu entendo. São como irmãos.

Jake engole em seco assim que Bruno desvia o olhar novamente, até perdendo o foco nos papéis que pegou, dobrando-os no automático, com a mente longe. — É — sussurrou, embora o peito estivesse apertado.

— Siameses — concluiu Bruno, por fim, deixando as fotografias de lado e dando uma olhada no resto do quarto.

Passou os olhos pela cama perfeitamente arrumada, uma estante com alguns livros, o vislumbre de uma varanda fechada, uma área com tapete redondo, puff e uma tela com videogame, até passar pelo guarda-roupas e parar na mesa onde Jake estava. Deu toda uma volta.

Jake suspirou, balançando a cabeça, descrente. — Bruno?

— Hum? — perguntou, como se recém visse a figura estática de Jake na cadeira.

— O trabalho — lembrou, com uma das sobrancelhas erguidas.

— Ah, é mesmo!

*

Annelise abriu a porta de casa, com a toalha na cabeça, um pijama solto e apenas um dos olhos castanhos maquiado. Assim que a outra pôs os olhos nela, franziu o cenho. 

— Por que você...?

— Porque você chegou cedo — reclamou, abrindo mais a porta para que amiga entrasse. 

Faye a olhou dos pés à cabeça, com um sorriso de canto.

— Adorei o estilo, mana, mas não é festa de pijama. — Foi logo dizendo Faye, passando por ela com um riso, e adentrando na casa que já conhecia bem.

— Ridícula — retrucou ela, com um sorriso, ao fechar a porta. Analisou a amiga com cuidado, fazendo uma careta forçada. — E também não é festa metaleira. 

Faye usava uma camisa colada, preta e roxa, e uma saia preta solta por cima de uma meia calça preta, rasgada por estilo, botinas pretas, maquiagem preta e unhas grandes e pretas. Os cabelos pretos, na altura dos seios, estavam lisos e soltos de maneira simples. 

Faye abriu um sorriso, dando de ombros. 

— Se fosse, eu não estaria morrendo de preguiça de ir.

Anne revirou os olhos, girando o rosto para a porta que dava para a sala.

— Mãe! — gritou, sobressaltando Faye. Sua mãe gritou de volta. — Faye já chegou, eu tô subindo com ela! — disse, puxando a amiga para subir as escadas.

Faye riu, enquanto a outra a empurrava escada acima, rindo também. Assim que entraram no quarto, Annelise trancou a porta e virou-se para Faye, que já estava sentada na cama com uma cara travessa.

— Você trouxe? — perguntou a líder de turma, já sorrindo em antecipação.

— Sim, consegui com o Matt. — Faye tirou um potinho da bolsa com dois beck.

— Ok, abra a janela — instruiu Anne, enquanto corria até o guarda-roupa para pegar a garrafa de vodka escondida, junto de algumas balas de menta para disfarçar depois.

As duas sentaram de frente para a varanda, do jeito que estavam, e Faye tirou as botas de couro, já que demoraria ainda para Annelise se aprontar e elas partirem para a boate. 

Sentaram nos bancos de madeira que Faye sempre disse querer roubar para enfeitar seu quarto, e ficaram em silêncio, ora bebendo, ora tragando mais da maconha. 

Faye, em algum momento, gargalhou.

— Seus pais estão criando uma diabinha em casa — comentou, olhando-a de relance, com uma garrafa de vodka em uma mão e um beck na outra.

Annelise riu também. — Não, eles criaram uma filha exemplar.

Faye desviou o olhar, encarando o céu escuro, parcialmente coberto de estrelas pequenas de onde estavam. Estas iluminavam a piscina de chão no enorme quintal de Annelise. Não fazia muito que havia escurecido. 

— Me surpreende que te deixaram ir hoje — comentou, como quem não quer nada.

Annelise se remexeu na cadeira.

— É, papai se sensibilizou depois do A que tirei em física — explicou, tragando mais uma vez, com os olhos no horizonte.

Faye assentiu, compreendendo.

Os pais de Annelise não eram ruins, nem cruéis, nem nada do tipo. O pai era superprotetor e a mãe era rígida com relação aos estudos. Annelise já houvera explicado para Faye que a mãe passou por maus bocados por haver sido pobre -  e mais um tanto por ser mulher e negra -, e que demorou muito para aprender que devia se esforçar o dobro que qualquer outro colega. Só então, ela houvera conquistado o próprio sucesso, com um salário gratificante, uma casa enorme e uma vida confortável.

A irmã mais velha morava do outro lado do país e estudava em uma das melhores universidades que poderia estudar.

Já o pai era mais tranquilo, carinhoso e protetor. Temia pela filha como qualquer outro pai, mas se deixava sensibilizar mais fácil por pensar que a esposa exigia demais de Annelise, a ponto de haver transformado a filha em uma garota inocente que não conhece nem o que é festa. Gostava de, vez ou outra, incentivá-la a curtir a vida e não se transformar em uma garota reprimida. Para ele, ela era um anjinho que nunca houvera posto uma gota de álcool na boca.

Faye deixou um riso sair pelo nariz, antes de cutucar a outra.

— Pelo menos vai ser bom sair pela porta da frente, para variar — comentou, e Annelise riu.

— De vez em quando é bom — acrescentou, sorrindo, antes de fazer uma careta. — Eu ainda tô com um roxo na perna da última vez que pulamos a varanda bêbadas — contou, indicando a perna.

Faye gargalhou.

A história de Faye era um pouco diferente. Sua mãe faleceu no parto e seu pai foi morto à tiros no bairro precário em que moravam quando ela tinha seis anos. Foi um baque forte em sua vida tão pequena, que conseguia persegui-la até os dias atuais. Depois disto, foi viver com os tios junto do irmão mais velho que, ainda mais impactado pela morte do pai, acabou indo para um mau caminho e naquele instante, enquanto Faye se preparava para uma festa, Fred estava cumprindo pena na prisão penitenciária por furto e outras delinquências que eram vergonhosas para os tios. 

Gostava de pensar que já agia com os tios como família. Brigavam bastante, mas no fim do dia, pensava que é exatamente assim que filhos agem com pais, tinha uma boa vida e era amada. Esperava pelo dia em que pudesse se reencontrar com o irmão para ajudá-lo a ver a vida com um pouco mais de cor.  

Sim, era gótica metaleira e rebelde, mas não quer dizer que não sentia gosto por viver. Faye descontava todo o preto e branco de sua vida em suas roupas e maquiagens, para que pudesse ser colorida por dentro. Sempre achou uma boa tática.

— Que horas nossa índia* ficou de vir?

*

Matthew sabe da paixãozinha platônica de Emily por ele.

Não era muito difícil perceber, com as miradas excessivas, os olhos brilhantes, os sorrisos e risos fáceis, a vergonha que parecia aumentar perto dele.

No entanto, não queria constrangê-la ao comentar sobre o assunto ou dizer que sabia, e também não queria rejeitá-la e fazê-la se sentir mal. Gostava da Emily e de sua companhia, e por se sentir um tanto culpado, acabara por se aproximar dela e tentar fazê-la rir e se sentir bem porque sabia que iria quebrar seu coração.

Era estupidez, mas queria compensá-la por não retribuir seus sentimentos, como se fosse culpa sua. 

Mas acabara metendo os pés pelas mãos, porque o bom tratamento para com ela apenas a fizera gostar ainda mais dele. Sem falar que agora, se a rejeitasse, tudo seria mil vezes pior que antes, porque ela se tornara sua companhia favorita dentro do grupo, do colégio, e a perderia como amiga.

— Quem é? — perguntou, do banco de motorista, ao ver o celular de Emily vibrar várias vezes seguidas.

— As garotas — respondeu ela, digitando rápido no celular. — Eu esqueci de avisar que iria direto para a festa — comentou, com um sorriso de culpa. — Com você.

Matt assentiu.

— Eu nem sei porquê tô indo — comentou ele, rindo. — Eu nem gosto dessas baladas barulhentas.

Emily riu. — Nem eu.

— Prefiro as festinhas em casa — acrescentou Matt, relanceando-a rapidamente antes de voltar os olhos para a direção.

— Eu também — concordou ela, com um sorriso satisfeito.

Matt arqueou uma das sobrancelhas.

— Somos a mesma pessoa — comentou ele, fazendo-a rir sem graça por haver concordado tanto com ele.

— É que não vamos pela festa, vamos pelas pessoas — explicou Emily, desligando a tela do celular e deixando-o em seu colo.

— Verdade.

Matt sempre foi uma pessoa tranquila, paciente e de bem com a vida, desde pequeno. Era um contraste e tanto com a vida dificultosa que teve, junto da mãe e das três irmãs. Cresceu em bairro pobre, com hora para comer e dia para ir no mercado, para que não gastassem demais. Já passou fome para deixar sua parte da comida para a mãe, porque ela sempre comia menos que os filhos. 

Agora tudo havia melhorado, apesar de morarem na mesma casa de sempre, a qualidade de vida havia subido significantemente. A mãe, que sempre foi mãe sola, havia consquistado a vaga de gerente de seu emprego, com o salário duas vezes melhor. Matt, então, pôde retornar aos estudos, especialmente porque a mãe podia pagar as aulas especiais da irmã autista, que já não requeria de seu cuidado o dia todo.

Matt trabalhava desde os dezesseis anos, e nunca teve problema com isto, mas terminar o ensino médio já havia se tornado meta e com o diploma, conseguiria empregos melhores para levar comida para casa. 

— Sua irmã continua gostando das aulas? — perguntou ela, com o intuito de quebrar o silêncio no carro.

Matt sorriu involuntariamente ao pensar em Aurora.

— Sim — afirmou, com gosto. — Aurora adora a professora. Espera por ela, todo dia, na porta de casa. E insiste em se despedir dela no mesmo lugar — contou, com carinho.

— Que amor — disse ela, com os olhos no rosto tranquilo do Matt. Então, desviou para a janela. — Deve ser muito bacana ter irmãs.

Aquilo fisgou sua atenção.

— Você é filha única?

Emily sorriu, negando. — Não, eu tenho um irmão mais novo. Mas a gente sempre quis ter mais gente dentro de casa — contou, rindo. — Acho que somos carentes demais — riu, vendo Matt fazer o mesmo. — Mas o pai é professor na Tribo* — falou, distraída e Matt franziu o cenho — e trabalha o dia todo, e a mãe também não pára em casa. Já falei que ela tem mais de cinco empregos? — perguntou, arregalando os olhos para ele, que negou. — A mulher não pára — riu, porque amava aquele jeito inquieto da mãe. — Eu e o Ahanu, quando crianças, sempre achamos a casa muito vazia com apenas nós dois.

Matt assentiu.

— Já eu sempre a achei muito cheia com nós quatro — contou, achando graça, se referindo às três irmãs. — Você disse que seu pai é professor na Tribo? Tribo, aquela aldeia? — questionou, curioso.

— Sim, lá mesmo. — Estranhou, olhando-o de canto. — Conhece?

— Claro — falou, animado. — Quero dizer, nunca fui lá, mas é conhecida. É aqui na cidade do lado — falou, como se ela não soubesse.

— É, eu sei, eu nasci lá — falou, rindo.

— Sério? — questionou, impressionado. — Digo, eu sabia da sua descendência, mas... Sei lá, eu não...

— Tudo bem. — Riu, sem jeito. — Meus pais são indígenas, e cresceram lá. Você sabe que é uma das maiores comunidades indígenas do país né?

— Sim. E a cidade é conhecida como indígena, porque tem uma das maiores porcentagens de.... Bom, de vocês — falou, meio sem graça —, no país.

Emily concordou. — Então, meus pais sempre foram mente aberta. É claro que têm orgulho de sua origem e sempre nos ensinaram tudo sobre a aldeia e as crenças e os costumes. Mas eles gostam daqui, e não se sentem menos indígenas por se mudar pra cá — contou, orgulhosa. — Eles sabem que nada tira isto deles, e nem da gente. Só que há poucos professores especializados lá, e meu pai quis se dedicar para isto. Todo dia ele levanta cedo, dirige por duas horas, fica o dia todo lá, volta, janta com a gente, descansa e faz tudo de novo.

— Nossa, que bacana — comentou ele, impressionado, ao desligar o carro. Já haviam chegado no estacionamento na rua da balada, mas o assunto estava tão bom que permaneceram ali. — Parece cansativo, mas ele soa apaixonado.

— Ele é — concordou ela, sorrindo.

— E seu irmão, tem orgulho assim também? — falou, indicando o sorriso de ponta a ponta, e os olhos brilhantes dela.

Emily sorriu, sem jeito, inclinando o rosto em direção ao ombro, como sempre faz quando tem vergonha. Matt achava adorável. 

— Sim, ele também têm — afirmou, ignorando o coração batendo forte no peito, tentando se concentrar na conversa e não nos olhos castanho-esverdeados do outro. — Para você ter noção, ele escolheu o próprio nome, Ahanu, porque era o nome do meu avô e é um nome indígena.

Matt arqueou as sobrancelhas, impressionado, mas confuso.

— Ele escolheu? — questionou, tentando descobrir como isto havia funcionado. — Então ele trocou o nome?

Emily pareceu um pouco desconfortável, mas contou assim mesmo: — Sim, Ahanu é transgênero. — Matt tentou ao máximo esconder a surpresa, mas sem muito sucesso. — Ele teria que mudar o nome de qualquer forma, e ele escolheu um indígena.

— Ah, que legal — comentou, sincero, sem saber o que mais dizer.

Em continuou desconfortável, no silêncio, e logo suspirou. 

— Desculpa — pediu ela, fazendo-o rir, porque não havia motivo para pedir desculpa. — Ahanu é muito tranquilo ao explicar que é trans, ele não tem vergonha alguma, mas é que eu descobri que eu não sou tão paciente para explicar. — Matt abriu a boca para dizer que estava tudo bem, mas ela continuou: — Eu já ouvi tanto absurdo sobre o meu irmão e eu simplesmente não tenho paciência pra ouvir opinião dos outros sobre como Ahanu se identifica. — Riu, de nervoso. — Mas ele tem paicência, ele sempre tem.

— Não precisa se desculpar por isto. Eu entendo — falou, assentindo. — E é seu irmão. — Matt suspirou, apoiando a cabeça no banco do carro. — Quando a gente ama alguém desta forma, não há desaforo que a gente se permite ouvir sobre esta pessoa — divagou, pensativo. — Eu posso aguentar ouvir mil besteiras sobre eu ter vinte anos no ensino médio, e não ter vergonha na cara, e ser um maconheiro, e ser um vagabundo ou um inútil — listou, achando graça, enquanto Em ficava horrorizada. — E eu não dou bola. Mas se alguém abre a boca para dizer que minha irmã não é normal, ou que tem alguma coisa de errado com ela, eu parto para cima — contou, se referindo à Aurora. 

Emily assentiu, em silêncio, um tanto maravilhada pela maneira de pensar de Matt. 

— É mais natural defendermos quem a gente ama do que nós mesmos — ponderou, com os olhos nos de Emily. — Talvez porque a gente sabe o que aguenta e sabe o peso que consegue carregar, e quando se trata de quem amamos... — Suspirou. — Não importa o quão bem os conhecemos, nunca sabemos os limites deles e, por amor, não nos permitimos arriscar que uma pessoa de fora os ultrapasse. 

— Faz sentido — murmurou ela, com carinho. — Ahanu é meu melhor amigo, meu irmão, meu confidente. Ele é dois anos mais novo mas não parece — contou, os olhos desfocados. — Ele teve que amadurecer mais rápido pra suportar o peso que é ser diferente. Eu vejo isto nele — sussurrou —, e sempre que eu posso, eu seguro este peso para ele. É uma ideia boba de que talvez ele se sinta mais leve quando eu o defendo para os outros, mesmo que ele não saiba o que estou fazendo.  

Matt sorriu.

— Não é uma ideia boba — falou, se identificando com a forma como se sentia com a Aurora. — Não é nem um pouco boba. É uma ideia bonita. 

Quando um silêncio se instaurou no carro, os dois de frente um para o outro e apoiados nos bancos, Matt decidiu que não se importaria de ficar mais um pouco. Emily, muito menos.

— Me fala mais sobre sua aldeia. 

*

— Caralho, onde é que eles se meteram? — questionou Faye, digitando furiosamente no celular, mais uma menagem para a Em.

— Deixa eles, garota — disse Anne, como quem não quer nada, já que sabia da paixonite da Emily e estava torcendo por ela. — Uma hora eles aparecem.

Faye resmungou alguma coisa, enquanto olhava ao redor.

— Cadê todo mundo?

— Para de reclamar, Faye — resmungou Anne, girando mais um copo com um drink colorido.

— Eu tô nervosa — chorou a outra, fazendo beiço. — Olha só — falou, quase colando o celular na cara da amiga. — Ela não me responde.

Annelise afastou o celular da gótica para enxergar melhor, dando de cara com uma garota bonita e... Bom, feminina. Ergueu os olhos castanhos para os verdes de Faye.

— Esta garota não é seu estilo — acusou, estranhando.

Faye era assumidamente bi, e gostava de garotas tão góticas quanto ela, ou estranhas, ou peculiares, ou... Chamativas. Enquanto, quando se tratava de garotos, Fayes gostava deles no estilo Ben. Altos, sérios, certinhos, misteriosos e engomados.

— É claro que não — concordou Faye, olhando para a foto, mas então tornou a enfiar o celular na cara da amiga. — Mas olha só esta carinha!

Anne revirou os olhos, limitando-se a rir. 

Há alguns metros delas, Alex entrava na boate aos risos com Bruno e Jake. Cunningham havia encontrado os dois na fila do lado de fora, que haviam vindo juntos depois de finalizar um trabalho do colégio.

Geralmente comemoravam as festas na casa de algum deles, ou de outro colega de colégio aleatório, porque era mais fácil e prático. Evitavam as identidades falsas ao máximo para não serem pegos, mas vez ou outra valia a tentativa.

Ben chegou atrasado, porque enrolou o máximo que podia para ir na festa. Ben sempre odiou festas, mas sempre acabava indo na parceria com os amigos ou apenas por causa de Jake. Quando encontrou o grupo de amigos quase todo reunido, caminhou até eles e se misturou. Ao menos, tentou. 

— Vocês não têm ideia da quantidade de fotos que tem do Ben na casa do Jake — contou logo Bruno, rindo.

Jake e Ben se entreolharam rapidamente. O mais novo enrubesceu, rindo disfarçadamente e desviando o olhar. Ben também cessou encarar-lhe ao perceber e saber de seu desconforto.

— Isto é o que acontece quando se cresce junto — comentou Ben, para amenizar a situação. 

— Que bonitinhos — afirmou Annelise, daquele jeito dela, ao apertar as mãos no ar quando na verdade queria apertar os dois.

— Ben sempre foi gato deste jeito? — questionou Faye, provocando com um riso.

Jake riu, ainda desconfortável.

— Foi — afirmou Bruno, fazendo Alex ao seu lado gargalhar. — Um gatinho de uniforme de colégio e cabelos penteados para o lado.

Todos riram, incluso o Ben, balançando a cabeça.

— Mas Jake era mais bonitinho — acrescentou Bruno, apertando a bochecha do amigo, que desviou logo em seguida com um resmungo.

— Ele disse “era”, Jake — falou Alex, aproximando-se do Jake com diversão. — Eu não deixava quieto.

Todos riram mais uma vez.

— Não, eu não disse isto — negou Bruno, balançando a cabeça e rindo, enquanto Jake teatralmente o fuzilava com o olhar.

E logo se seguiu mais uma conversa acirrada entre eles. Ben se retirou por um momento a pedido de Faye, que insistiu por mais um drink e ele foi buscar. Ao mesmo tempo, Matt e Emily, atrasados, se juntavam à panelinha do ensino médio, causando várias piadas e brincadeiras dos amigos que deixaram Emily da cor de um pimentão.

Ben, na volta, acabou esbarrando em uma garota e, consequentemente, derramando bebida em parte da roupa dela. Arqueou as sobrancelhas, surpreendido, mas não teve a chance de abrir a boca para pedir desculpas antes dela erguer os olhos azuis enfurecidos e soltar uma série de impropérios gesticulados em sua direção.

— ... seu filho d’uma puta, arrombado do caralho — reclamou ela, desviando os olhos para a saia preta e o cropped curto, passando a mão neles na tentativa frustrada de amenizar a cor avermelhada do drink. — ‘Cê tá pensando o quê, maluco, na morte da porra da bezerra? — reclamou, na ponta dos pés para tentar equivaler-se na briga com o garoto alto.

— Me desculpa — pediu ele, desorientado com tanto palavrão. E olha que seus amigos não são recatados, mas a garota ganhava a disputa em dois tempos. — Se você quiser, eu... Eu te empresto minha camisa.

A loura ergueu o olhar novamente, indignada. — Você tem merda na cabeça? — questionou, irritada. — Eu não quero a porra da sua camisa, imbecil. Eu quero que você reze e muito para que a minha roupa não tenha manchado — resmungou, mais baixo, ao tentar esfregar a roupa uma segunda vez.

Ben arqueou as sobrancelhas e, sem sequer perceber, passou a sorrir para ela.

A loura tinha o quê, um e sessenta de altura?, e pensava que podia gritar e esbravejar desta forma para parecer assustadora, quando, na verdade... Ela era adorável.

— Então você vai ficar feliz de saber que sou judeu — falou, com graça, ao inclinar um pouco do corpo para que ela ouvisse. Ela ergueu os olhos, ainda irritados, com confusão. — Eu sei rezar.

Pela primeira vez, ela pareceu enxergá-lo, a despeito da raiva. Analisou-o por um instante, desde os olhos castanhos à altura absurda para um adolescente, e a postura reta de gente rica. E então, tentou decifrar se a piada dele era válida. Achou que sim.

Ergueu o rosto, com um suspiro, perdendo o franzir entre as sobrancelhas, mas permanecendo sem um sorriso.

— Ótimo. E, pensando bem, eu vou aceitar esta camisa — falou, apontando para a camisa xadrez com jeito de ser cara, por cima da camiseta preta.

Ben sorriu, assentindo. Tirou a camisa com gosto, estendendo-a para a loira com rapidez. Ela aceitou sem pensar duas vezes, vestido-a e, ao perceber o tamanho maior, fez um nó com as pontas para deixá-la estilosa.

— Também vou querer este bagulho gosmento com cor de morte que você estava carregando — acrescentou, empinando o nariz.

— Então vai ter que buscá-lo comigo porque o meu se perdeu no chão e na sua roupa — falou, apontando para a saia que não fora tapada pela camisa e para o chão avermelhado.

— Não, eu espero aqui — disse ela, se apoiando na parede, e cruzando os braços.

Ben franziu o cenho, analisando a situação, antes de cruzar os braços de forma semelhante à ela. — Eu não busco bebida para pessoas as quais não sei o nome.

Alguns minutos de silêncio se passaram até que ela suspirasse, descruzando os braços e parecendo baixar um pouco da guarda.

— Lucy — disse, sem estender a mão, ao dar de ombros.

Lucy, pensou ele, com gosto. Desde os olhos azuis, os cabelos curtos e louros, as roupas estilosas que demonstravam um caráter um tanto rebelde e o piercieng na boca, combinava perfeitamente com ela.

— É para já, madame — falou, com uma reverência que a fez achá-lo bobo, antes de buscar uma bebida para ela e esquecer completamente da amiga que também havia pedido. 

De longe, os amigos gargalharam ao ver a cena. Não viram exatamente quando ele virou a bebida em Lucy, mas ouviram as exclamações indignadas da garota e, a julgar pela roupa suja dela, deduziram o ocorrido.

Perderam o foco, brevemente - com exceção do Jake -, quando Matt se esbarrou com um amigo de infância e apresentou-o para a galera. Pouco tempo depois, Mary Jane apareceu, a mais atrasada do rolê, com seu grupo de amigas do primeiro ano. Grudou em Alex como uma sanguessuga, e Bruno apenas observou o desconforto disfarçado do melhor amigo.

Em algum momento, Alex se inclinou para Faye, cutucando-a para dizer: — Perdeu, Faye — disse, indicando com a cabeça o casalzinho ao longe.

Ben estava em outra parte da balada desta vez, com um copo de cerveja em mãos e a garota marrenta à sua frente com um drink colorido. Ela frisava os lábios para não sorrir, mas era notável que estava ali, com ele, porque queria.

— Ah, droga! — reclamou Faye, estalando a língua e causando risos nos outros.

Alex esperou todos engajarem em uma conversa tomada de risadas antes de pedir licença a MJ e sumir da panelinha para não mais retornar naquele dia. Sequer haviam percebido que o mesmo acontecera com o amigo do Matt, segundos antes. Exceto, talvez, Bruno.

Quanto ao Ben, também parecia confortável na presença da garota. Aliás, parecia mais confortável do que jamais esteve em alguma festa, especialmente em boates, locais dos quais ele não gostava. Jake soube disto, com os olhos analíticos no melhor amigo.

Ben não tirava os olhos de Lucy, e sorriu mais vezes do que já o vira sorrir, ao passo que conversava com certo encanto. Jake engoliu em seco, encarando os dois de longe com o coração pesado.

Não, não, não, não.

Ele não conhecia aquele brilho no olhar de Ben, mas odiava se deparar com ele pela primeira vez. Benhur nunca havia se apaixonado, e Jake desconfiava que ele estava prestes a embarcar nesta aventura.

Esperava estar errado, esperava tanto que tivera que reprimir a vontade de sobrepôr um dedo no outro, como quando criança e desejava muito alguma coisa.

E quase sempre elas eram relacionadas ao Ben.


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Notas finais do capítulo

*Índia: gente, aqui os AMIGOS dela usam como apelido carinhoso e ela está OK com isso, mas que fique dito que o termo correto é INDÍGENA e que "índio" na realidade é um termo ofensivo. Não chamem indígenas de "índios", ok?
*Tribo: é o nome específico da aldeia, mas de novo, ressaltando que usar o termo "tribo" para se referir a uma aldeia indígena também é pejorativo, chamem aldeias de ALDEIAS. Combinado?

Gentem, erro meu, mas eu vou ter que chutar tudo os extras para a primeira parte da história, então quase todos eles vão aparecer no início. Tipo, na parte 1/3 de MOS. Por quê? Porque eu fui idiota e não calculei que, em meio ano, o Ben e o Matt vão ter terminado o ensino médio e estarão jogados na vida. Claro que eles ainda podem se ver, mas eu planejei umas coisas para quando ainda estivessem no colégio. HAHAHAHAHHAHA. Eu, rainha da bocabertice. Anyway, vocês se importam?

Geralmente os extra's não vão influenciar na história, salvo alguma referência ou outra - mas se for o caso, explicações estarão nas notas -, e fora um ou outro extra que o Caleb vai participar. Mas isto estará avisado nas notas iniciais, tipo: CALEB APARECE NESTE EXTRA! Hhahahaha.

Enfim. #homofobiaécrime #écrimesim #criminalizastf
E só para não perder o costume: #elenão #nãomerepresenta

Amem, odeiem, mas me digam o que acharam! *O*



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