Made of Stone escrita por littlefatpanda


Capítulo 13
XI. Você me faz tão bem


Notas iniciais do capítulo

Oilá, minha gente linda ♥

QUIZ: Vocês conhecem MOS o suficiente pra perceber que o título desse capítulo foge à regra? Hahahahha. Pois então, não é um extra, mas de certa forma é especial. Por que será?

Boa leitura! ♥



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Eu sou um cara bonito.

Odiaria parecer um babaca dizendo isto, mas a real é que se você é bonito assim, você sabe. Nunca diz em voz alta, motivo pelo qual estou pensando e não compartilhando com ninguém, mas a pessoa sabe quando ela é bonita. 

Eu jamais iria querer esculachar com a história de “amor à primeira vista”, mas o cara que me encarava dos pés à cabeça com olhos maliciosos apenas o fazia por eu ser bonito. E, bom, por eu retribuir o mesmo olhar lascivo. 

Loiro, minha altura, penetrantes olhos azuis, queixo quadrado, barba por fazer e cabelos na altura dos ombros. O cara podia ser um daqueles atores pelos quais pré-adolescentes babam e colam seu pôster na parede.

Ele também é bonito e também sabe disto, comprovando a minha teoria. 

— Alex! — chamou Faye, escandalosa ao estalar os dedos na frente da minha cara, antes que eu focasse os olhos dela.

— A minha pessoa? — perguntei, colocando a mão no peito com um sorriso.

Ela revirou os olhos.

— Sim, a sua pessoa — concordou, impaciente, antes de indicar Matt, que aparentemente havia falado comigo enquanto eu comia seu amigo com os olhos.

— Já tá bêbado? — perguntou Matt, gargalhando em seguida. Ri também, fazendo cara de confuso e logo, de surpresa, ao olhar para meu copo vazio, como se eu recém percebesse, para que ele risse mais. Mas não, eu ainda não estava bêbado. — Eu tava apresentando meu amigo da época do fundamental, o Wade — apresentou, indicando o cara dos pôsteres de quartos adolescentes. 

Sorri abertamente, esticando a mão para cumprimentá-lo apenas para ver se era grande e forte como parecia. Bingo!

— Alex — apresentei, com um sorriso de canto.

— Alex — repetiu, testando o nome na boca, com a voz grave que me fez arrepiar. Caralho! — Prazer.

O prazer é meu, é teu, é nosso, se você quiser.

Wade, assim como o Matt, é um tanto mais velho que eu. Eu diria ter a idade do meu amigo, vinte e um anos, mas ele aparentava mais. Vinte e três, talvez?

Eu tinha quase certeza que a forma como ele lambeu os lábios ao me encarar podia ser considerada um crime. Mas eu estava com tanto tesão - eu só tenho dezesseis anos, não vou me desculpar por ainda não saber controlar esse tipo de coisa - que eu não me importei. 

Por incrível que pareça, não me assustava que eu estivesse deste lado da situação. Estar do outro lado, no entanto, me fazia lembrar de certos olhos verdes, e estes me lembravam que eu sou um filho da puta por haver querido - sim, passado - seduzi-lo também. 

Mas Wade era um filho da puta ainda maior, porque ele não parecia nem um pouco preocupado com foder com alguém menor de idade.

Obrigado, universo, pela escrotice alheia. 

A ligação se quebrou assim que senti uma mão pequena em meu ombro. Pisquei, desviando o olhar para as unhas compridas e pintadas de vermelho que pertenciam à Mary Jane.

Droga.

— Oi, bebê — cumprimentou ela, levando uma das mãos ao meu pescoço e me puxando para um beijo rápido. Bom, não era rápido, mas eu o tornei assim. 

— Oi, coreana linda — falei, com um sorriso forçado.

Droga. 

Me tornei quem eu mais temia: meu pai. Vivo esquecendo da minha mulher enquanto me enrosco com amantes por aí. 

Tá, Mary Jane não é minha mulher e muito menos minha namorada, mas é real que todos nos vêem como um casal, e a gente está sempre ficando, o que é ponderável. E, ao contrário do meu pai, minhas amantes têm nomes particulamente estranhos para uma mulher, como Wade. 

Hahaha, Alex, que engraçado. Conta essa piada pro teu velho pra ver o que te acontece!

— Alex? — chamou novamente, quando todas suas palavras entraram por um dos meus ouvidos e saíram por outro. — Você ouviu alguma coisa do que eu disse?

— Claro, meu bem — que não!

Olhando para aqueles olhos pequenos e puxados, o rosto perfeitamente oval e os cabelos lisos e perfeitos, eu senti vontade de apertá-la. Gostaria que MJ não fosse tão chata para que eu a achasse fofa do jeito que ela aparentemente é. Mas não é o caso.

Pelo menos ela beija bem, pensei, conformado.

Assenti, deixando vários beijos em seu rosto, fazendo-a rir. Esperei que isto funcionasse, junto do braço em torno de seu corpo, para que ela ficasse quieta e me deixasse interagir com meus amigos sem começar com melodrama. 

Foquei os olhos em Wade. Ah, Wade, se eu não conseguir te pegar hoje, pode ter certeza que em meus sonhos pecaminosos, eu o farei. 

Ele parecia curioso com a garota baixinha debaixo dos meus braços, mas seu olhar secretamente me perguntava se a coreana interferia de alguma forma nos nossos esquemas silenciosos. Sorri malicioso, e soube que ele entendeu o recado quando o retribuiu. 

*

A festa recém estava na metade, mas como Mary Jane não desgrudou de mim, eu tive que esperar um longo tempo antes de sumir em direção aos banheiros. Vários goles de álcool depois, várias músicas reboladas depois, várias risadas e provocações da minha galera depois, eu finalmente pude sentir o gosto de Wade. 

A casa noturna era a maior da cidade, e estava minada de gente, de forma que tive que esbarrar em várias pessoas antes de chegar no banheiro, onde haviam cinco cabines. Wade havia me esperado antes de entrar em uma delas e, ao esperar que um dos rapazes do mictório se sumisse de lá, entrei na mesma. 

Wade, escorado no lado contrário da portinha, mordeu os lábios quando a fechei e fiquei de frente para ele. Sequer tive a chance de dar o primeiro passo, porque ele se grudou em mim quase com violência, percorrendo meu corpo com as mãos e minha boca com sua língua experiente.  

Em algum momento, ele girou meu corpo e prensou contra a cabine, enfiando o nariz na minha nuca e forçando o corpo contra o meu, especialmente o volume de suas calças contra o meu traseiro. 

Ah, Wade, não esperava menos de você.

No entanto, a ação trouxe um gosto amargo à minha boca, ao passo que eu fechava as mãos no topo da cabine para que me equilibrar ao passo que ele fazia o que bem quisesse com meu corpo. Eu havia feito algo semelhante com o corpo de Dean contra o seu trailer. Mas era eu a deixá-lo de costas e, tremendo de nervosismo, era eu que abaixava as calças e o penetrava por trás.

Dean, seu grande filho da puta. 

Girei o corpo de forma atrapalhada devido à bebida, sorrindo de canto ao negar com a cabeça. O maluco não tinha camisinha, e se eu havia aprendido algo de útil com Dean é que nunca devo foder sem camisinha, mesmo e especialmente bêbado.

Puxei seu rosto e o beijei com gana, deixando claro, sem precisar de palavra alguma, que aquilo só aconteceria com a “mão amiga”.

No entanto, como esperado, a sensação deprimente me atingiu com força enquanto eu erguia e abotoava as calças e Wade deixava a gabine para sair antes que eu para não levantar suspeitas.  

Eu tinha certeza que a mancha em minha bermuda jeans era esperma alheio e, com profundo asco, esfreguei-a com um pouco de água da pia com o que restava de equilíbrio. 

Que nojo. 

O nojo maior era de mim mesmo, como sempre. E não tinha a ver com o segredinho sujo, e nem com o fato de eu haver estado com um cara, era além disto. Eu sentia como se, toda vez que eu me enfiava em uma cabine de banheiro com um cara, desde o Dean, eu perdesse algo de mim. Era como se eu saísse do meu corpo, dando a sensação de vazio, e precisasse me reencontrar. 

E, mais uma vez, ao encarar o espelho, eu me dava conta de que isto ocorria. A sensação queimava e formigava dentro de mim, como um aviso. 

Saí, bambo, do local, esforçando-me para não me bater em nada devido a embriaguez.

Eu só queria voltar para os meus amigos e fingir que tudo estava perfeitamente bem, mas quando enxerguei a Mary Jane, não consegui dar um passo na direção deles. Fingir que está tudo bem é uma coisa, ir lá e fingir mais uma ceninha com a MJ era demais para mim. Ainda mais depois de ter me deixado relaxar da postura mentirosa no banheiro com Wade.

Era engraçado. Eu mentia para todos e fingia ser alguém que não sou, mas quando eu estava com um cara, podendo ser eu mesmo, eu sentia como se perdesse parte de mim no meio do processo. 

Confuso, mas o que não é? 

Me peguei saindo da boate, certo de que não voltaria, e caminhei meio sem rumo no meio da madrugada. 

Eu sempre gostei de caminhar quando me sinto perdido, porque no meio do processo de pensamentos e sentimentos, eu sempre consigo me reencontrar. Não que eu goste de quem eu encontro. Mas se eu só tenho a mim mesmo, o que me restaria se eu me perdesse de vez?

Lambi os lábios, sentindo a boca seca, antes de entrar em um ônibus e jogar uns trocos para o funcionário. Desci na parada que já estava acostumando e subi a rua com lentidão. 

Assim que cheguei em frente à casa singela, pulei o muro baixo e, em silêncio, percorri pelo gramado do pátio até a lateral da casa pequena. Chequei a janela: fechada, é claro. Bati uma vez, e outra, e outra. Esperei por uns instantes, já que ouvi algum cachorro latir no silêncio da noite ao notar minha presença na vizinhança, até que ele parasse. Bati mais uma vez, e outra, e outra.

Quando a janela abriu, quase colidiu com a minha cara.

— Alex? — chamou, com a voz rouca pelo sono, sem conseguir disfarçar a surpresa. — Tá maluco?

Abri um sorriso largo ao encarar as orbes verdes que já aprendi a amar, e os cabelos bagunçados como se estivesse recém saído de um furacão. 

— Sou — afirmei, com um sorriso de canto. — Agora me dá licença que eu quero entrar — informei, empurrando-o delicadamente para o lado.

Caleb piscou, ainda um tanto lento, e me deu espaço.

Com dificuldade, pulei para dentro de seu quarto, e como a cama é grudada na parede em que está a janela, caí direto nela, onde ele estava ajoelhado. Resmunguei, lento, ouvindo-o pedir silêncio antes de puxar a janela até que estivesse entreaberta para não fechá-la por completo.

Um silêncio recaiu sobre o quarto, assim que estiquei as pernas na cama com as costas na parede e a cabeça na janela. Caleb havia feito o mesmo, ao meu lado e eu podia sentir seus olhos em mim. O quarto estava escuro, apenas com uma luz fraca que vinha debaixo da porta e da janela entreaberta atrás de nós, provavelmente dos postes de luz.

Sorri com o fato, sentindo-me estranho.

Como eu havia parado ali?

Certo, eu estou bêbado. Mas não tão bêbado, não é? 

— Alex, você tá bêbado? — questionou, ainda com voz de sono, mas parecendo um pouco mais atento. 

— Você não deixa nada passar, não é mesmo, Caleb? — brinquei, olhando-o de canto de olho. — Aliás, por que a demora pra me atender?

— Tenho o sono pesado, eu acho — murmurou ele, e quase pude vê-lo dar de ombros. — E eu estava com fone de ouvido — falou, apontando meio vago para a mesinha ao lado de sua cama, onde havia posto o celular e os fones.

— Certo — murmurei, coçando os olhos.

— O que você tá fazendo aqui? — questionou, mais uma vez.

Suspirei. 

— Não sei. 

— São quatro horas da manhã — insistiu ele, ao pegar o celular e checar as horas. — Onde você tava? 

— Com a galera — falei, lutando para manter os olhos abertos.

Bastou enxergar Caleb e estar ali em seu quarto, rodeado de seu cheiro e suas coisas, que eu consegui relaxar a ponto de me dar sono. 

— Você tá bem?

Pisquei, ajeitando-me na cama para não escorregar e acabar, por acidente, apoiando meu rosto nela e caindo no sono. 

Se eu estou bem?

Olhei para as minhas mãos, que antes estavam envoltas no corpo de um cara que acabei de conhecer, e que antes disto estavam no rosto da Mary Jane, e antes disto seguravam copos com bebida alcoólica. Tudo tão rápido, tão sem importância, tão esquecível.

E ainda assim tudo havia grudado na minha mente.  

— Bem — repeti, feito um idiota.

Caleb suspirou, levantando e saindo do quarto. Eu estava tão aéreo - e o pior é que nada tinha a ver com a bebida -, que sequer pensei a respeito de seu sumiço antes dele voltar. 

O garoto esguio retornou equilibrando pacotes de bolacha, um pote e duas garrafas de água. Fechou a porta com o pé, sentou ao meu lado mais uma vez e jogou as coisas entre nós dois. Estendeu uma das garrafinhas para mim.

— Bebe — pediu, estendendo-a para mim. Como meus olhos já estavam acostumados com a falta de luz, peguei a garrafa com facilidade. — Will diz que a água ajuda.

Girei o rosto para ele, sorrindo com leveza.

Caleb é um amor.

— Obrigado — falei, bagunçando seus cabelos em um gesto rápido antes de abrir a garrafa e beber um pouco da água.

Caleb abriu o pote que havia trazido, onde havia um pedaço de bolo que ele havia feito, pegou uma parte e a outra estendeu para mim.

Estávamos os dois comendo em silêncio, em seu quarto escuro, quatro e pouco da manhã. O ar estava um tanto frio para a minha camisa, mas não reclamei. Relanceei Caleb, que usava um pijama comprido e fino de Star Wars, que boiava em seu corpo de um jeito gracioso. Todo ele era gracioso. Sempre.

— A festa não tava legal? — perguntou, em algum momento, estendendo o pacote de bolachas para mim, depois de havermos acabado com o bolo. 

— Tava — murmurei, sem muita importância —, mas eu não quis ficar mais tempo com a MJ — contei, parcialmente honesto.

— Por quê? — perguntou, curioso.

Sorri, dando de ombros.

Porque eu não gosto de garotas.

Eu não odeio a Mary Jane, e nem tenho repulsa dela. Nunca fomos além de beijos, e ela beija bem, então não tenho reclamação alguma. Não é porque eu sou gay que vou ter nojinho de garota. Beijos são todos iguais, apesar de eu particularmente não curtir os peitos dela colados em mim no meio do processo.

Mas eu não gosto dela.

— Posso fazer uma pergunta?

Uma vigésima pergunta, Caleb?, pensei comigo mesmo, achando graça.

Encarei-o, até um tanto surpreso com os questionamentos e o interesse, já que sempre sou eu a fazê-los, porque Caleb é muito na dele. Ah, certo, relembrei a mim mesmo, eu apareci em sua casa às quatro da manhã. Até mesmo Caleb teria questionamentos para isto.

— Quantas quiser, nenê — falei, com os olhos nos dele e um sorriso de canto.

Ele ignorou meu tom divertido.

— Por que tá com ela? — pondera, mudando de curso, ao brincar que um fio do pijama. Arqueei as sobrancelhas. — Pensei que gostasse de garotos.

Pensou corretamente, Caleb. Mais correto que isto, impossível.

Desviei o olhar, soltando um riso sem graça. Era uma boa pergunta, no fim das contas. Eu mesmo me perguntava isto todo santo dia que me encontrava envolto pelos braços magricelas da coreana.

— É mais complicado que isto — limitei-me a dizer, volvendo a sentir aquele mesmo gosto amargo na boca.

— Tem a ver com seu pai? — tornou a perguntar, fazendo-me perder o pouco do sorriso que eu portava.

— Não — respondi, um pouco mais grave que gostaria, mas Caleb parecia determinado a sacar informações de mim. Talvez fosse porque eu ainda estava parcialmente embriagado.

Nota mental: questionar as intenções de Caleb amanhã, quando eu estiver sóbrio. 

— Então você é bi? — insistiu, e eu podia apostar que os olhos estavam esbugalhados, grudados em mim. Confirmei que estava certo, com um sorriso, quando girei o rosto para ele.

Sem quebrar a conexão visual, arqueei uma das sobrancelhas com diversão: — Você é? — retruquei. 

Analisei-o com atenção, observando-o desviar o olhar e se remexer na cama, desconfortável. Permaneceu em silêncio, no que pensei ser uma divagação. 

Sorri ainda mais.

Quando conheci Caleb, no ano anterior, a primeira coisa que me chamou a atenção - e que fisgou minha curiosidade - foram seus grandes olhos verdes. Eram como ímans, puxando toda a minha atenção para eles, quase como um buraco negro.

Eu só havia visto olhos grandes e encantadores daquela forma uma vez, e não mais os volveria a ver. Então eu não consegui deixar de pensar nele. Só que tudo em Caleb é interessante, e eu fui descobrindo isto aos poucos ao observá-lo, então uma vez com a atenção nele, eu sempre estava com a atenção nele.

Pisquei, encarando seu perfil.

Talvez agora Caleb entendesse que eu falava a verdade ao dizer que isto é complicado. 

— Nunca beijei ninguém, então como posso saber? — murmurou, quebrando o silêncio do quarto.

Arqueei as sobrancelhas, surpreso pela resposta tardia - tão surpreso que tive que tomar alguns segundos antes de responder.

Eu havia ficado chocado quando Caleb me deu um exemplo lindo de humanidade ao fingir que nunca havia visto meu beijo com Jillian, e ao dizer que não se importava com o fato.

Quero dizer, as pessoas sequer têm uma noção do quão raro e precioso é isto? 

Então é claro que eu fiquei ponderando de onde vinha aquilo. Primeiro, pensei que fosse porque ele também faz parte da comunidade, porque eu sei que Caleb não é hétero de jeito nenhum. Segundo, pensei que isto não era o suficiente, porque mesmo estando certo, Caleb ainda não admitiu para si mesmo que ele não é hétero. Eu conheço todo esse esquema, afinal. 

Então de onde vinha toda aquela ausência de preconceito? 

O motivo dele, com treze anos de idade, para me dar uma resposta tão simples e tão desprovida de preconceito, era o seu irmão. E, claro, o próprio Caleb que é um anjo. 

Eu conhecia pessoas da comunidade. Havia Dean - o primeiro -, outros amigos de Mallow Coast, Jillian do colégio e outros rolos que tive por aí. E ainda assim, ainda assim, foi chocante descobrir que o irmão do Caleb tem um namorado e toda sua família sabe e o apoia, incluindo o Caleb. 

Eu me senti tão perdido, tão vazio e tão cheio ao mesmo tempo, que eu não sabia como me portar diante dele e do namorado. Eu sei que é horrível dizer, mas sim, eles eram atrações de um circo para mim, porque eu nunca havia presenciado nada assim. Eu nunca achei que fosse saber o que é um jantar em família com um casal homossexual. Era um absurdo de tão bom, mas tão, tão, tão doloroso. 

Eu jamais teria aquilo, e por um segundo, odiei Caleb e seu irmão por terem a chance de possuir. Odiei aquela família linda porque eu queria tanto fazer parte de algo assim e nunca o faria, e me odiei por invejar tanto a família Jones.

— Não é preciso beijar pra saber, Caleb — optei por responder, depois de repensar e ignorar as piadas e provocações que eu inicialmente faria.

— Então gosta dela? — retornou ao assunto, depois de mais um minuto em silêncio.

Suspirei, sorrindo. — Por que quer tanto saber? — provoquei, olhando-o de canto.

Caleb se demora um tempo em silêncio, se irritando gradativamente com o que parecia ser seus próprios pensamentos. Suspira e joga o pacote de bolacha na cama, já pela metade, de maneira irritada.

E eu soube que era comigo.

— Desculpa — peço, levando uma das mãos ao seu braço, sentindo um tanto de remorso. — Eu sei que não parece e que eu não tive a chance de dizer, mas eu tô mesmo grato por você não ter contado nada a ninguém — murmurei, sincero.

— Não é da minha conta — retrucou ao perder a irritação, em um tom manso, mas sério. 

— Não — concordei, com um sorriso carinhoso —, mas significa muito pra mim, então eu preciso agradecer. — Caleb se remexe mais uma vez, desconfortável. Aproveito a deixa e acrescento, em um tom brincalhão: — Já que você não me deixou abrir a boca naquele dia.

Caleb engoliu em seco, desviando o olhar mais uma vez, mas eu não insisti depois disto. Peguei uma bolacha, na esperança de que o ato despreocupado o fizesse sentir à vontade novamente.

— Eu não te deixei falar naquele dia — recomeçou Caleb, me deixando surpreso mais uma vez pelas suas tentativas de conversa —, mas se você quiser falar agora, eu posso escutar.

Reprimi um sorriso novamente. Eu sabia que era decisão certa vir até aqui, mesmo antes de saber.

Virei de frente para ele, desencostando-me da parede. Caleb fez o mesmo, sentando como um índio, enquanto eu estava de qualquer jeito. Observei-o por um instante.

— E o que você acha que eu devo dizer? — perguntei, sondando-o.

Caleb dá de ombros.

— Eu não sei — diz ele, de forma fofa. — Você gosta de garotos, e tudo bem, não tem nada que você precise falar.

Pensei em provocá-lo com alguma piada, mas desisti. Ele estava sendo tão bom comigo, treze anos ou não, e eu nunca tinha essa oportunidade com ninguém. 

Abri e fechei a boca algumas vezes, ponderando se devia.

Se não com ele, com quem mais você vai falar sobre isto, seu imbecil?

— Eu... Não é que eu goste de garotos — falei, mas soou a maior mentira do universo, até para mim. Péssimo começo. 

— Gosta só de um garoto então? — Ouvi-o perguntar, curioso. — Do Jillian?

— Não! — exclamei, alto demais pelo jeito. Pigarreei, coçando o pescoço. — Eu não gosto do Jiliian — acrescentei, em tom mais baixo, desviando o olhar para a porta cerrada. — Não é como se eu não gostasse também — falei, deixando-o confuso. — É só que... Jillian foi só um rolo — expliquei, sem graça, com rapidez. — Eu tenho outra pessoa, Jillian foi só um...

— Você tem outra pessoa? — interrompe u Caleb, alargando tanto os olhos que mesmo na escassez de luz, pude ver mais de sua esclera. — Você tem um namorado? — sussurrou, a voz vacilando.

Engoli em seco, desviando o olhar.

— Não — falei, franzindo o cenho. — Quero dizer, sim — atrapalhei-me, nervoso. — Mais ou menos. Ele não é... Não é meu namorado — murmurei, estranhando a palavra na minha boca. — É só um cara da minha cidade que... — Suspirei, brincando com a coberta de sua cama. — Ele é desapegado, disse que ficaria com outras pessoas e disse que eu devia também, então... 

 Caleb ficou em silêncio por mais segundos do que imaginei. Nem quis encará-lo, odiando me sentir sem jeito com tudo isto.  

— Jillian não foi o único? — perguntou, em um murmúrio.

Mordi os lábios, negando com a cabeça.

— Na verdade, ele foi o terceiro depois do Dean — contei, me sentindo um idiota.

— Terceiro garoto ou terceira pessoa?

Nossa, Caleb, não me pergunta isto, pelo amor...

— Espera. Dean? Dean, da ligação? — perguntou, ligando as pontas. Eu já havia atendido o telefone na frente deles algumas vezes.

— Mas ele é meu amigo também — falei, sequer sabendo por que eu estava na defensiva. — Ele é mais meu amigo do que... — Suspirei, erguendo os ombros. — Enfim.

— Ele tem a sua idade?

Foquei os olhos nos dele.

— Não, ele tem vinte — revelei, vendo-o arquear as sobrancelhas perfeitamente arredondadas com surpresa. Quase vinte e um, quis acrescentar, mas achei que seria pior. 

— Ah — deixou escapar, e em seguinte, ficou em completo silêncio.

Eu tanto falei do Wade, mas a verdade é que eu já tive um "Wade" na minha vida. Uma versão um pouco mais nova dele, mas tive. Quando eu conheci Dean, em uma fase sombria que parece nunca haver acabado, eu tinha catorze anos, e ele já tinha dezoito. 

Dean foi o meu primeiro beijo com um garoto, e minha primeira vez também. Dean foi o meu primeiro tudo, pra ser honesto, apesar da gente nunca haver namorado.

— Não estamos juntos — esclareci, um tanto frustrado. — Mas quando eu fizer dezoito, eu vou dar o fora desta cidade — falei, com certo rancor dos meus pais. — Ele disse que estaria lá quando isto acontecer. 

Quando eu descobri que teria que vir para Hybridfield com a família, eu fiquei puto da cara. Primeiro, porque a culpa da transferência do meu pai era minha, e eu havia dado um tiro no meu próprio pé com esta história. Segundo, porque recém estávamos bem, eu e Dean, e eu teria que ser praticamente arrancado dos braços dele para vir para cá.

Ok, eu estou exagerando, porque se meus pais soubessem que eu estava nos braços de um cara, eu já teria sido capado

Eu juntei minhas coisas para fugir de casa, estava frustrado com tudo e principalmente com o Dean, que parecia não entender a gravidade da situação, sempre naquela calmaria toda. Mas meu pai — ah, meu pai! — é um cara assustador quando quer ser. Me esbarrou na porta e ameaçou me bater e, sob os gritos chorosos da minha mãe, fraquejei e subi para o meu quarto, chorando até dormir. 

Sorri de canto, amargurado, pensando que aquele não havia sido o meu melhor momento.

Depois de uma conversa séria com o Dean, decidi que esperaria a maioridade, e quando eu desse o fora daquela casa de uma vez por todas - coisa que planejo há tanto tempo que nem sei que idade eu tinha quando tive a ideia -, eu voltaria para ficar com ele. 

— Era para ele que você tanto ligava? — tornou a questionar Caleb, chamando meus olhos para ele. 

— Sim — respondi, inspirando fundo. — Ele prometeu que me ligaria toda semana pra saber das novidades...

— E ele não cumpriu? — questionou, manso, quando eu me demorei em pensamentos. 

Pisquei, ajeitando-me na cama. — No início, sim — murmurei, forçando um sorriso mas perdendo-o em seguida. — Mas depois as ligações diminuíram até parar, por fim.

Suspirei pesadamente, chateado só de lembrar.

— E o que isto quer dizer? — perguntou ele, virando um pouco mais o corpo na minha direção.

De novo: boa pergunta, Caleb.

Dean não respondia as minhas mensagens, não atendia minhas ligações, me ignorou completamente e só voltou uns dias atrás para pedir desculpas e dizer que andava ocupado. Ocupado, minha bunda. 

— Quer dizer que eu tô aqui e ele tá lá — murmurei, sentindo os olhos desfocarem. — E a gente só vai ficar junto quando estiver em um mesmo lugar.

Isto queria dizer que eu não estava na lista de importâncias dele no momento e eu não podia reclamar, porque eu sou apenas um garoto que está no colegial em outra cidade. E o imbecil aqui achou que a gente pudesse continuar junto, mesmo ficando com outras pessoas, mesmo longe. Só que esta coisa de relacionamento à distância não funciona. 

Mas Dean que me espere, porque quando eu virar o homem ao qual fui destinado a ser, eu vou juntar as minhas coisas e voltar para Mallow Coast, apenas para fazê-lo se apaixonar por mim como eu sou por ele. 

Sei que parece idiota, mas o Dean foi a primeira pessoa que me amou do jeito que eu sou. 

Também vou sentir sua falta, moreno — havia dito ele, sentado na cama de seu trailer, com um beck na mão —, mas se você tem que ir, vai. Vive sua vida, bonitão, faz da vida dos seus pais um verdadeiro inferno, se quiser — brincou, piscando os olhos azuis, fazendo-me sorrir. — E então, talvez um dia a gente se esbarre por aí. 

Dean tinha um jeito afeminado de ser, longos cabelos lisos e castanhos, e era um tanto mais alto do eu. Morava em um trailer, onde tinha toda a sua vida, e onde passei uns dos melhores momentos da minha.

Quem sabe? — ponderou ele, despreocupado. — Talvez eu seja o amor da sua vida — falou, piscando um dos olhos. — E você, o meu.

Dean sempre dizia que ele não pertence a ninguém e ninguém pertence a ele. Eu sabia que ele pegava geral, apesar dele me pôr sob proteção e de eu sempre ser sua prioridade até mesmo acima dos seus amigos, mas isto é porque eu era mais novo e ele queria me proteger.  

Eu concordei com o Dean antes de vir, mas pensava que eu jamais teria sequer vontade ou coragem de ficar com outras pessoas. Sempre odiei que ele transasse com outros caras, especialmente porque eram mais velhos e experientes do que eu, e nunca entendi o que ele via de tão divertido em passar o rodo na cidade. 

Isto é, até me deparar com o Caleb. 

Relanceei-o brevemente, vendo que ele digeria as informações, volvendo a sentar de lado, apoiado na parede. 

Caleb é fascinante. 

Meu encantamento por ele me fez entender que era possível gostar muito de uma pessoa, e ainda assim querer mergulhar em outra. Dean tinha razão. 

Eu não gostaria que pensassem que eu não me sinto um idiota sujo por provocar, e observar, e flertar com um garoto de doze - treze anos de idade, porque eu me sinto. Um garoto que claramente é ingênuo no assunto, apesar de tão esperto em outros, e que não me surpreendeu nem um pouco agora há pouco ao dizer que nunca beijou ninguém. 

Eu me sinto um babaca por tudo isto, mas é de ficar registrado que eu jamais me passaria com o Caleb, especialmente Caleb. Dentre todas pessoas, não ele. Jamais ele. 

Eu cheguei aqui na cidade bufando, chateado e frustrado, pensando em como eu ia sobreviver nesta nova casa, com esta mesma família ridícula, e longe do Dean enquanto ele transa com vários. Com a ajuda do meu primo, isto foi mudando aos poucos, até que eu aceitasse logo que este é meu destino e é melhor que eu aproveite até poder fazer o que quiser com a minha vida.

E o Caleb, mesmo sem saber, me impulsionou nesta nova aventura do desapego. Embora, apesar da minha atração por ele ter iniciado isto, eu me aventurasse com qualquer um que não fosse ele. 

Eu até teria ignorado sua idade e me feito de um filho da puta completo ao corromper o garoto por inteiro, não fosse o fato de eu haver me apegado a ele. Na real, me apegado a todos os pestinhas, inclusive ao Mason. Não que eles precisem saber disto, mas eles são a melhor parte desta cidade inteira, os três patetinhas e minha turma do colégio, que resultou não ser nada mal.

— Caleb? — chamei, vendo-o sair do transe e focar os olhos em mim. — Está chateado comigo?

Ele negou, mordendo os lábios.

— Não — murmurou, olhando para os pés esticados à sua frente. — Por que eu estaria?

— Não sei — retruquei, analisando-o com atenção. — Por eu ter compartilhado demais?

— Não tem problema, Alex — murmurou ele, dando de ombros.

Estreitei os olhos, analisando-o com mais atenção.

Tudo bem que eu vivo provocando o Caleb, mas não é como se eu fosse avançar no garoto. Eu quase o fiz, uma única vez, mas nunca mais vai se repetir. Eu recém havia começado a me aventurar, e tinha merda na cabeça - obviamente! -, pela ideia estúpida de tentar tirar o bv de um dos melhores amigos do meu primo atrás do ginásio do colégio. 

Em minha defesa, eu ainda não o conhecia tão bem, e foi ali o estalo de não cruzar esta linha, porque Caleb merece muito melhor que isto. E eu me importava o suficiente para querer o melhor para ele. 

Só que eu gosto da atenção, e dos olhos verdes e inocentes em mim, e eu amo aquela curiosidade que parece exalar dele. Caleb também gosta, caso contrário, não teria as reações que tem quando eu, por exemplo, beijo seu pescoço no meio de um delito onde estamos todos enfiados em um armário escuro e apertado. 

Ok, eu admito, foram duas tentativas idiotas de avanço quando, aparentemente, meu cérebro virou gelatina. Babaca. Mas não vai voltar a acontecer!

Caleb está se descobrindo, e eu não tenho problema nenhum em ajudá-lo no processo. E se para isto eu tenho que flertar com ele e deixá-lo desconfortável, que seja. 

— Não tá com ciúmes, tá? — brinquei, batendo o ombro no dele, jeitoso.

Caleb girou o rosto na minha direção quase em um vulto, com as sobrancelhas unidas em uma faceta desgostosa. — Claro que não, idiota!

— Não me ofende — pedi, colocando a mão no peito, mas me deixei gargalhar quando ele revirou os olhos.

Shhh — pediu, levando um dos dedos aos lábios. — Estão todos dormindo.

— Eu não vou ir embora — falei, na defensiva, ao encará-lo com desafio. 

Caleb franziu o cenho, confuso. — Eu não disse pra você ir embora.

— Sim, mas eu estava começando a sentir que iria — falei, apontando o dedo acusatório para ele. 

Caleb revirou os olhos mais uma vez, mas riu junto de mim.

Inclinei o corpo para pegar os fones de ouvido dele, junto do celular. Dei uma olhadas nas músicas que tocavam, me surpreendendo que ele conseguisse dormir com tanto barulho nos ouvidos. Eu amo música, com todo o meu coração, mas há momento para se escutar rock n’ roll, e não é quando você está dormindo. 

— Você consegue dormir com isto? — perguntei, levando um dos fones ao ouvido com curiosidade. 

Caleb deu de ombros. — Tô acostumado.

— Por quê? — questionei, analisando-o com atenção e percebendo que já podia fazê-lo de maneira mais nítida.

Estava clareando o dia?

— Por que o quê?

Ri, encarando-o como se pudesse ler sua alma. 

— Vamos, Caleb — pedi, largando o celular e os fones onde estavam e voltando a sentar do lado dele. — Revele alguma coisa pra mim.

— Sobre o quê?

— Sobre você, nenê — falei, girando o corpo para deitar com a cabeça em seu colo.

Caleb me encarou com incredulidade, sem saber o que fazer com as mãos, mas eu apenas ri, ajeitando meu corpo deitado e esticando as pernas até que os pés estivessem para fora da cama. 

— Eu quero saber como é que você consegue dormir com tanto barulho nos ouvidos — pedi, percebendo que ele é ainda mais bonitinho visto de baixo.

Ele desviou o olhar, parecendo pensativo.

— Eu tenho o sono pesado — disse, simplesmente. — Eu demoro muito pra acordar. Ao menos, é o que Will diz — acrescentou rapidamente, descendo os olhos para mim. 

Will.

Eles são tão parecidos. Talvez pelo irmão ser mais alto, ele aparentava ser mais magro também. Tinha o rosto mais fino, cabelos mais claros e... Bom, é isto. De resto, eles são muito iguais. A mãe do Caleb também era muito parecida com os dois. Mas talvez por ter os cabelos escuros, eu a achava mais parecida com o Caleb. 

E o pai? 

— Caleb, vou te fazer uma pergunta que talvez soe indelicada — adiantei, vendo-o franzir o cenho. — Seu pai morreu?

Caleb frisou os lábios, desviou o olhar e trincou a mandíbula.

Nota mental: não faça perguntas indelicadas, otário. 

— Não sei — respondeu, antes que eu pedisse desculpas. — Espero que sim.

Arqueei as sobrancelhas, e por mais terrível que isto soe, fiquei animado de ouvir aquilo. Não animado, do tipo: "que bom que você teve um pai tão ruim que espera que ele esteja morto". Está mais para: "que bom que eu não sou o único que odeia o pai". Mais ainda: "Caleb, você tem um lado sombrio!" 

Não que isto seja bom - pobre Caleb! -, mas eu gosto de saber que eu não sou o único perturbado do rolê. 

— Você o conheceu? — perguntei, pensando que talvez ele fosse um daqueles caras que engravida a mulher e a deixa sozinha para criar o filho. Eu conheço um destes. 

— Sim, mas eu tinha seis anos quando ele foi embora, então não lembro de muita coisa — revelou, me deixando ainda mais curioso. 

Abandonou a família para construir outra com uma amante? 

Não seria tão incomum. Homem hétero é tudo igual.

— Fugiu com a amante? — verbalizei, curioso. 

Caleb suspirou, fazendo uma careta ao me encarar do tipo: sério que você está me perguntando isto?

Desculpa, Caleb, mas apesar de te adorar com todo meu coração, eu quero muito ouvir esta história. 

— Não — falou, piscando algumas vezes, incomodado. — Ele era um bêbado, Alex — resmungou, estalando a língua. — A amante dele era a bebida. Ele sumia às vezes, dormindo pelos bares, e pelo o que eu sei, um dia ele saiu e não voltou mais.

Será que estava mesmo morto?, pensei comigo mesmo.

— Ele foi sem levar nada e não voltou? — questionei, confuso ao passo que pensava a respeito. — Reportaram o desaparecimento dele?

— Não, seu idiota! — resmungou, me dando um tapa no braço.

Ouch! — reclamei, esfregando o braço.

— Ele não desapareceu. Ele pegou as coisas dele e foi embora — explicou, mas não parecia estar tão seguro devido a incerteza em sua voz. 

— Sem nenhuma explicação? — forcei, arqueando uma das sobrancelhas.

Caleb abriu e fechou a boca algumas vezes, ao passo que os olhos desfocaram e ele entrou em um transe pensativo. 

Ok, talvez eu não devesse ter aberto esta porta. 

— Eu não sei — murmurou, por fim, brincando sem perceber com a minha camiseta. — Mamãe não fala sobre isto, e nem o Will.

— Eu entendo — falei, percebendo que eu havia forçado a barra. — Talvez sua mãe tenha expulsado o cara — falei, digerindo as informações.

Só que o Caleb não pareceu me ouvir, e se eu tivesse dúvidas sobre seu lado sombrio, eu já não mais as tinha ao observar o semblante perdido e transtornado que ele possuía naquele instante.

Os ombros dele caíram, e ele suspirou, quando digeriu minhas palavras, negando com a cabeça. — Não — susssurrou, com o olhar perdido. — Não, mamãe tinha medo dele.

É, eu entendo sua mãe. 

É com muito carinho que guardo a lembrança do meu pai jogando meu primeiro violão pela janela porque minhas notas estavam ruins, eu era um brigão no colégio e ele não aguentava mais o “barulho que você chama de música!”. 

— Você também tinha medo? — perguntei, secretamente querendo ouvir que sim, porque eu não teria sido o único garoto de treze anos com medo do pai. 

Caleb não quis responder, no entanto. Soltei o ar pelo nariz, cutucando-o na barriga e vendo-o se encolher, estreitando o olhar. 

— Vamos, Caleb — repeti, ansioso. — Você já sabe sobre Jillian e os outros garotos, e já sabe sobre o Dean — provoquei, rezando para não ser o único vulnerável ali. — São dois dos meus maiores segredos e que você pode usar contra mim.

Caleb permaneceu sério, os olhos baixados para os meus.

— Eu não tinha medo — murmurou, indecifrável, me pegando desprevenido. — Will nunca me deixou ter medo. 

Ele tinha um irmão que o protegia. 

Engoli em seco, sentindo aquela pontada de dor, como se tivesse sido esfaqueado bem no peito. Trinquei a mandíbula e, assim que ele desviou o olhar, eu pude fechar meus olhos e respirar fundo para não chorar.

Will nunca me deixou ter medo.

Nunca me deixou ter medo.

Nunca.

Engoli em seco mais algumas vezes, piscando para afastar as lágrimas e olhando para o outro lado do quarto para que ele não as visse caso tornasse a me encarar. Abri as mãos trêmulas aos poucos, sequer havia percebido que as havia cerrado com força. 

Eu preciso de um cigarro. 

— Quando ele ficava "mau" — continuou, e entendi ser um termo de criança —, Will me levava para o quarto dele, ou para o meu, ou para o jardim.

Inspirei e expirei fundo algumas vezes, em silêncio, antes de conseguir voltar o olhar para um nostálgico Caleb. 

— A gente cozinhava, desenhava, escutava música. — Ele sorriu minimamente com a lembrança, apontando para as paredes e o teto pintados. — Foi assim que a gente pintou meu quarto, pouco a pouco. 

Tentei ignorar o nódulo da minha boca antes de abri-la para dizer: — Ele parece ser um bom irmão.

Caleb assentiu, distraído.

— Eu sempre lembro de estar com os fones de ouvido — sussurrou, quase como um segredo, ao focar brevemente os olhos em mim. — E, quando trocava de uma música para a outra, no fundo, eu podia ouvir os gritos — contou, encarando a porta como se voltasse no tempo e pudesse temê-la novamente. — Era bem rápido, mas eu sempre ouvia. E então uma música nova recomeçava. 

Isto trouxe um aperto no meu peito, e me senti mais sóbrio do que nunca ao fazer uma pequena lista do quanto eu sou um merda

Perturbei o sono do garoto ao acordá-lo de madrugada: check. Tomei de seu precioso tempo ao encher seus ouvidos sobre o melodrama da minha vida gay: check. Forcei-o a compartilhar coisas pessoais porque não queria ser o único vulnerável: check. Ignorei que isto o fazia mal, por estar animado com seu lado sombrio e forcei a barra até que ele relembrasse péssimas memórias: check. 

Ah, Alex, você também nunca me surpreende. 

— Sinto muito — pedi, suspirando, com ódio de mim. — Eu sou um idiota, não devia ter puxado o assunto. 

Caleb piscou, saindo do transe ao inspirar fundo. — Não, tudo bem — murmurou ele, com um sorriso fraco. — Agora você também tem algo contra mim.

Sorri largamente, erguendo uma das mãos para acariciar seu rosto em um gesto rápido. — Não, eu nunca teria nada contra você — falei, com carinho.

Com gosto, vi as bochechas enrubesceram e as sobrancelhas unirem-se em desagrado. É como se ele tivesse ódio de ter vergonha, o que o deixava mais bonitinho ainda. 

— Tá, agora me faz um cafuné gostoso para eu dormir — pedi, me ajeitando em seu colo e fechando os olhos. 

Ouvi o riso e me deixei sorrir também, mas abri um dos olhos para espiar a cara de cínico do Caleb quando percebi a ausência de cafuné. Abri-os completamente, magoado. 

— Ah, Caleb, por favor? — pedi, fazendo beiço e olhos pidões.

Caleb rolou os olhos na órbita, impaciente, antes de se ajeitar com dificuldade - devido a minha cabeça em suas pernas - e levar uma das mãos aos meus cabelos. De forma tímida, começou a mexer neles com gentileza.

Ahhhhh! — Fechei os olhos, com um sorriso, agradado. — Caleb, eu te amo! 

A mão parou por um instante, mas quando eu franzi o cenho, ainda de olhos fechados, ele recomeçou. Sorri por tempo indeterminado, porque fazia séculos que não me sentia tão em paz.

Pelo visto, Caleb usou de seu quarto como um porto seguro quando era criança e tinha um bêbado em casa. E agora eu entendia completamente a magia daquele quartinho pequeno, quando ele aceitou mais um bêbado em casa e o deixou à vontade até que a embriaguez amenizasse quase por completo. 

Ou talvez toda a magia viesse do próprio Caleb? 

Eu não sei em que momento adormeci, mas eu sei que demorei vários minutos depois do carinho em meus cabelos haver cessado, para acordar. Abri os olhos, com dificuldade, porque dei de cara com a claridade da janela semi-aberta no meu rosto. 

Em seguida, enxerguei Caleb adormecido com a cabeça apoiada nela, a luz deixando visível as sardas escuras de seu nariz.

Socorro, universo, não me deixa apertá-lo!

Levantei e, com cuidado, empurrei o corpo dele para o lado da cabeceira da cama, sustentando-o com a outra mão. Caleb resmungou, mas continuou dormindo.

Nota mental: seu sono pesado não é lenda.

Não consegui ajeitá-lo direito na cama, com receio de acordá-lo, mas pelo menos sua cabeça estava perfeitamente descansada no travesseiro. Observei-o com carinho, por tempo demais antes de tirar as garrafas vazias, o pote e os pacotes da cama. Puxei a coberta e o cobri com cuidado. 

Desviei o olhar do Caleb para a janela, da janela para o Caleb.

Ah, foda-se. 

Deitei do seu lado, na ponta livre do travesseiro, virado de frente para o garoto adormecido. A respiração estava pesada, a boca entreaberta e os cabelos emaranhados.

Sorri abertamente, de frente para ele, e o observei até dormir.

Caleb, sem sequer perceber, havia me tirado de uma bad poderosa - que, em termos normais, teria feito com que eu perambulasse pela cidade e fumasse um maço inteiro de cigarros com rancor -, me ajudado a me reencontrar e feito com que eu me sentisse seguro. E isto é profundamente precioso, porque é particularmente raro.

Mas eu estava enganado se pensei que Caleb fosse extraordinário o suficiente para me livrar dos meus demônios. 

Assim que mergulhei em um sono que parecia tranquilo, ele resultou me sugar para mais um dos meus temíveis pesadelos. Senti os olhos, mesmo fechados, marejarem, o coração maltratar minhas costelas e os pulmões arderem.

Mas nada disso doía mais do que meu coração. 

Enxerguei-a em um vestido branco no meio de um oceano, preparada para mais uma rodada de tortura e dor, em meio à um céu negro. Minha tortura e minha dor.

Lamuriei alto em sonho, na esperança de que isto me fizesse despertar, mas a culpa não perdoava. Se não na realidade, no meu sono eu sofreria pelo que eu fiz. 

E, ao passo que ela me encarava com os olhos azuis entristecidos, ao flutuar na minha direção, mais e mais perto, mais e mais próxima para arrancar meu coração do peito novamente, eu proferi em um sussurro pedinte para que me livrasse da dor, ao menos desta vez. 

Ah, Agatha... De novo, não. 

Mas meu pedido covarde não foi atendido. 


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Notas finais do capítulo

DIVIDAM SUAS TEORIAS COM A MINHA PESSOA.

Algumas coisas a dizer:
1) Acho que agr fica claro o motivo do Alex ficar obcecado com seu cel.
2) Espero que também tenham percebido que apesar de mais velho, ele só tem 16 anos, ele é um adolescente. E tinha só 14 quando se envolveu com o Dean, então sim, ele é um tanto ingênuo no quesito “amor”. Do que mais vocês chamam, além de ingenuidade, planejar voltar com um cara mais velho que pega todo mundo e viver uma história de amor, depois de anos sem se ver?
3) BTW, o que acharam desta história com o Dean? Esperavam? Não? Pensavam que Alex ainda era virgem? AHAHAHAHAH.

IMPORTANTE:
Gente, um guri de 16 com um cara de aprox 23 anos é errado sim, ainda mais que a intenção ali era só pegação. Bem como um guri de 14 com um de 18,19 é pedofilia (aqui no Brasil), mesmo que não seja considerado em alguns países. Tudo bem que há casos e casos, mas Dean claramente não tinha a intenção de namorar ou de amar o guri de 14 anos que o Alex era, e o Wade simplesmente o viu, soube que era de menor, e mesmo assim quis transar com ele, com tanta gente que poderia. Dean e Wade SUCK!

MAIS IMPORTANTE AINDA:
Eu sei que nossos personagens principais têm 3 anos de diferença também, e não vou dizer que Caleb vai esperar os 18 pra se pegar com o Alex (TAMBÉM NÃO DISSE O CONTRÁRIO TÁ?), só que é por isto que se chama ficção. Eu tenho uma fic (Lucca) que a diferença de idade é de 13 fuckin anos, sem falar na diferença mental, e um é menor de idade! Na vida real, É CLARO QUE SERIA PEDOFILIA E ABUSO DE MENOR. Só que a gente escreve sobre um amor puro, e bonito, e sem segundas intenções, sem maldade. Infelizmente, não é assim que acontece. Não vou dizer 100% dos casos, porque quem sou eu pra saber?, mas a MAIORIA de situações assim envolvem abuso, estupro e pura maldade. O mesmo com incesto. Eu não vejo NADA de errado com o incesto em si, mas se tu for analisar os casos reais, a MAIORIA também vem acompanhada de crimes, o que é inaceitável para se romantizar em histórias. É importante que a gente saiba discernir este tipo de coisas, e eu ainda tô em processo de conscientização, porque se esse tipo de fic que eu escrevo para em mãos erradas, é quase um incentivo pra pedófilos e pessoas com mentes distorcidas. E eu acho que o mínimo que eu tenho que fazer é deixar esse tipo de textão pra vocês porque sim, eu devo explicação pra esse tipo de coisa distorcida nas minhas histórias.

Dito isto, se há menores de idade nesta fic, pelamor da Deusa do Mate, NÃO FAÇAM O QUE O ALEX FAZ. Não bebam, não fumem, não se droguem, não transem quando tão novos, não deixem que caras (e mulheres - é sempre bom ressaltar, porque a maioria dos casos de abuso são de homens, mas mulheres não estão excluídas da lista não, gente) mais velhos ENCOSTEM em vocês. É isto. 2bj.

EDIT: gente, eu terminei aqui e fui escutar a música, porque bastou escrever "você me faz tão bem" que vem a música na cabeça né? Todo mundo conhece. Daí eu ouvi e fiquei chocada que escrevi cenas que remetem à letra da música sem eu ter planejado. Talvez tenha sido inconsciente, já que conheço a letra, mas mesmo assim: #chocada.

Quando eu me perco é quando eu te encontro (...) Quando eu te tenho eu me sinto tão bem (...) E quando eu durmo no seu colo, Você me faz sentir de novo o que eu já não sentia mais (...) Você me faz tão bem ♥

Amem, odeiem, mas me digam o que acharam! *O*
Att: 06/2021.