Zohar escrita por AnneFanfic


Capítulo 43
Reveses


Notas iniciais do capítulo

A sumida voltou!


P.S.: sugiro uma olhada rápida no capítulo anterior pra se contextualizar com esse capítulo.

:)



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Sair de uma guerra sem saber se a guerra vai sair de você; eis a mais inquietante dúvida.

 

 

—Yakult?- Zohar se aproximou da mesa em que Sarah estava sentada e parou por alguns segundos ao ver que a amiga bebia o líquido da embalagem transparente de uma só vez.

Ela colocou o prato cuidadosamente sobre a mesa e afastou a cadeira para se sentar. Já tinha experimentado algumas vezes, mas nada a fazia gostar daquilo. Sarah, por sua vez, colocou a embalagem vazia sobre a mesa e olhou para Zohar com um sorriso no rosto.

—Coisa boa!

—Boa? Isso é horrível!- Zohar fez uma careta ao ouvir aquilo, não entendendo o que de bom havia naquele líquido azedo, e pegou os talheres para dar início ao seu almoço.

Já passava da uma hora da tarde e como não tinha comido nada desde o café da manhã, estava sentindo seu estômago começar a doer.

—Zoe, Zoe, Zoe...- Sarah balançou a cabeça, espetou o garfo em uma folha de alface e enfiou na boca. –Você não sabe o que é bom.

Zohar ergueu o olhar para a amiga e ambas ficaram se encarando por um breve momento enquanto mastigavam até que não aguentaram e riram.

—A menina que estava na minha frente ofereceu. Não se recusa Yakult.- Sarah viu Zohar balançar a cabeça e logo emendou outro assunto. –E o Medo? Achei que ele ia almoçar com a gente!- ela passou os olhos pelo restaurante, olhando atentamente para cada mesa, e por fim virou-se para trás e olhou na direção da porta, na última esperança de o ver entrando por ali.

—Mudou o apelido dele? Acho que Shakespeare era melhor- Zohar comentou, divertida. -E eu não me lembro de você ter convidado ele...

—Eu disse que a gente ia almoçar aqui.- Sarah retrucou, voltando-se novamente para Zohar.

—Mas isso não é um convite.

—Para um bom entendedor, meia palavra basta. E ele entendeu.

Zohar encarou a amiga por alguns segundos, balançando a cabeça.

—Nem tudo o que sai da sua boca faz sentido para os outros.- ela riu. -Não era mais fácil perguntar se ele queria comer com a gente?

Sarah olhou para o próprio prato por alguns segundos e soltou um suspiro. E do outro lado da mesa Zohar não sabia se Sarah estava refletindo sobre aquilo ou decidindo o que comer em seguida.

—Mas ele disse “Ah, legal. Eu passo lá”.- ela respondeu dando de ombros, decidindo-se por fim pela cenoura cozida.

Zohar deu de ombros e continuou a comer.

—Se você diz...

Em dado momento, no silêncio momentâneo que surgiu entre elas e tudo o que se ouvia no restaurante era o tilintar dos talheres nos pratos e o ruído das conversas alheias misturadas umas às outras, Zohar olhou para além de Sarah, focando sua visão no céu através da porta. Estava nublado, como todos os dias daquela semana, mas até àquele momento ainda não tinha chovido, o que era bom. Ela estava concentrada em seus próprios pensamentos, ainda relutante com a ideia da mãe de voltar para Londres, quando de repente Sarah arranhou o garfo no prato de vidro ao cortar um pedaço de carne.

—Ai!- Zohar exclamou, encolhendo os ombros e fazendo uma careta com aquele som que pareceu aranhar seus tímpanos.

—Pelo menos a carne não voou pra longe.- Sarah riu, espetando o garfo no pedaço de carne cortada. –Uma vez aconteceu isso. Na primeira vez que saí pra jantar com um boy. Pensa na minha vergonha quando vi que a minha carne tinha ido parar perto do prato dele.- ela gargalhou ao lembrar-se do ocorrido. –Se teve alguma vez na minha vida que eu me senti envergonhada por alguma coisa, foi naquele dia.

—A coisa deve ter sido feia então... Pra você ter ficado com vergonha...

—Ah! Ah! Lá vai você de novo com suas conjecturas sobre mim!- Sarah balançou o garfo na direção de Zohar.

—Abaixa isso!

—Mas nessa situação, o problema maior estava em mim.- Sarah refletiu sobre aquilo por alguns segundos antes de continuar: -Eu era muito tímida.

—Você?- Zohar riu, incrédula.

Desde que vira Sarah pela primeira vez nunca tinha notado sequer um vestígio de timidez nela.

—É sério! Nem eu não me reconheço...- ela sorriu e voltou a comer.

Ouvir aquilo deixou Zohar aturdida. Se nem ela mesma não se reconhecia, então como ela era antes? Simplesmente não conseguia imaginar.

Mas então Sarah largou os talheres, apoiou os cotovelos sobre a mesa e cruzou as mãos embaixo do queixo, direcionando sua atenção à Zohar.

—O que foi?

—Acho que você também deveria mudar um pouco, sabe? Sair da concha...- Sarah respondeu.

—Você não gosta de mim do jeito que eu sou?- Zohar arqueou as sobrancelhas.

—É claro que gosto! O que eu estou querendo dizer é...- ela suspirou, enquanto procurava pelas palavras.

E como as palavras demoraram um pouco a surgir, ela se recostou na cadeira e olhou para o lado, através da janela.

—Sabe?- Sarah voltou a olhar para Zohar, que acabava de comer.

—Não...

Sarah riu.

—Eu realmente acho que você deveria ir pra Londres com sua mãe. Sério.- ela declarou convicta, deixando Zohar curiosa sobre o que ela tinha a dizer. -Vai ser muito bom pra você: ir pra cidade grande, conhecer gente nova, fazer coisas novas... Você vai se descobrir quando estiver lá, vai dar um rumo certo pra sua vida e vai ser muito feliz. Você sabe como é, você morava lá antes de vir pra cá. Só que agora as circunstâncias são outras. Onde moramos é um bom lugar, é calmo e tudo o mais, mas você merece mais do que isso.- ela sorriu com toda aquela descrição que fez sobre o futuro de Zohar em Londres, mas então viu Zohar soltou um suspiro, como se tivesse dúvidas quanto àquilo. –Tá’. O que te incomoda tanto, afinal?

Zohar abriu a boca para responder, mas Sarah emendou.

—Khalil? Tô’ te dizendo, vocês não vão se encontrar.- ela rolou os olhos. -Se duvidar ele nem lembra mais de você...

Zohar encarou Sarah nos olhos e deu um sorriso debochado. Tinha se irritado ligeiramente com o modo como ela rolou os olhos ao mencionar sobre aquela situação hipotética.

—Muito pelo contrário, Sarah. Se tem uma coisa que ele não vai esquecer é a vergonha que eu causei pra ele e pra família dele.

Sarah ficou séria por um minuto, absorvendo as palavras e o tom mais áspero na voz da amiga. Esquecia-se com frequência que ambas não compartilhavam na mesma cultura e criação e que as coisas naquele lado do mundo eram levadas um pouco mais à sério.

—Mas ainda assim, Londres não é um lugar tão pequeno para vocês se verem assim tão ao acaso...- ela deu de ombros, tentando não deixar aquilo ser um empecilho para o futuro de Zohar. –Eu tive uma ideia.- ela levantou o dedo indicador no ar, na esperança de contornar aquela situação. –Eu vou falar com a Lauren, vou perguntar onde a irmã dela mora e tudo o mais, e vou pesquisar sobre o lugar pra termos pelo menos uma ideia de onde vocês vão morar. Assim você fica mais tranquila. O que acha?

Sarah viu a amiga suavizar a expressão e cogitar aquela possibilidade. Sabia que aquilo a deixaria menos ansiosa e mais propensa a dizer sim para a mãe e ir para Londres.

—Que bom que você gostou da minha ideia!- ela deu rápidas tapinhas sobre a mesa, sentindo-se animada com tudo aquilo. –E imagina! Poderíamos ter altas aventuras juntas em Londres!

—Ah, não!- Zohar protestou balançando a cabeça veementemente enquanto ria só de pensar naquilo. –Pode esquecer os altos qualquer coisa que você tá’ imaginando aí.

Sarah gargalhou.

—Nem vem! Você amou atravessar aquela ponte que eu sei!

—Primeira e última vez na vida!

—Só que não.- Sarah bateu palmas mais uma vez, sorridente, convicta de que conseguiria convencer Zohar a fazer qualquer coisa se elas tão somente estivessem mais próximas em Londres.

Ambas riram e comentaram sobre algumas ideias loucas de Sarah sobre o tempo livre que elas passariam juntas, quando Zohar viu o guia da trilha entrar pela porta do restaurante. E assim que ele a viu, abriu o sorriso e se aproximou delas.

—Achei vocês.- ele parou ao lado delas.

—Olha só se não é o Shakespeare.- Sarah saudou, abrindo o sorriso. –E como assim “achou”? Você já sabia que a gente estava aqui.

—Eu sei.- ele sorriu. –É que não pensei que ainda encontraria vocês por aqui.- ele olhou para Zohar. -Já almoçaram?

—É claro!- Sarah riu debochadamente. –Ou você achou que íamos te esperar?

Ele rolou os olhos.

—Você não dá uma trégua, né?

Sarah sorriu, exultante.

—Não teria graça se eu desse.- respondeu, já se levantando. -E então... Que tal um sorvete na praça?- ela propôs, olhando de dele para Zohar.

A proposta foi aceita com empolgação e ao iniciarem a caminhada pela calçada até a praça, Zohar notou algumas nuvens mais escuras se aproximando, o que a faz lembrar da convicção de Sarah ao dizer que não choveria.

—Quem foi que disse que não ia chover?- Zohar questionou, olhando torto para Sarah.

—Eu disse que não ia chover, mas na parte da manhã.- ela se justificou. – Não disse que não ia chover durante o dia inteiro.

—Ah, tá. Sei...

—Não caia nessa, não.- Shakespeare aconselhou, mas Sarah deu um tapa no braço dele.

—Fica quieto.

Zohar riu com aquilo e em dado momento pararam na calçada para esperar o semáforo ficar verde para os pedestres. Era um cruzamento um tanto quanto movimentado, e enquanto esperavam, Sarah suspirou pesadamente.

—Essas são as duas ruas principais da cidade e se encontram aqui nesse cruzamento. Não é lindo?

—Lindo?- Zohar olhou para a amiga sem entender.

—Ela tá’ sendo irônica.- Shakespeare explicou.

—É, eu imagino. Só não entendi o motivo.

Sarah levantou as mãos para cima.

—É simplesmente nada funcional ter que atravessar um cruzamento pra tomar um sorvete depois de almoçar no restaurante.

Zohar riu com o teatro dela.

—Faz sentido.

E assim que o semáforo para pedestres ficou verde, os três atravessaram a rua.

—E eu tenho que concordar.- Shakespeare, que até então caminhava ao lado de Sarah, passou para o outro lado e continuou a caminhada na calçada ao lado de Zohar, ficando entre as duas. –Acho até que vou dar algumas ideias para a dona da sorveteria. Ela iria lucrar muito mais se fosse mais perto do restaurante.

—Você acha? Eu tenho a mais absoluta certeza!- Sarah disse num tom teatral, fazendo caras e bocas, e balançando o indicador no ar para tornar tudo mais dramático. –Se perde muito tempo tendo que atravessar um cruzamento. E é claro que a gente poderia ter vindo de carro, mas de carro não dá pra turistar.

—Turistar? E você está pensando em ir aonde?- Shakespeare perguntou, curioso. –Porque não tem nada para ver aqui...

—Xiii! Fica quieto! Tem uma estrangeira entre nós...- ela deu dois tapinhas no braço dele novamente.

Zohar olhou para os dois, rindo das palhaçadas de Sarah naquela atuação exagerada, e de repente deu-se conta de que aquela era a primeira vez que via Sarah interagindo com um boy, como ela mesma dizia. Ela observou os dois tagarelarem sem parar, e prestou mais atenção principalmente em como Sarah falava e agia com ele.

“Será que é esse o cara que ela vive falando?!”, ela pensou, não conseguindo parar de sorrir e olhar para os dois.

Mas então se lembrou de que durante a trilha Sarah tinha dado algumas indiretas em sua direção a respeito dele. Lembrar-se do ocorrido deixou Zohar confusa e com isso ela prestou ainda mais atenção nos dois, principalmente no comportamento da amiga. Estava tão concentrada nas palhaçadas que ela fazia e na atenção que ela dava pra ele, que nem percebeu que estava se aproximando demais dos portões de uma casa.

—Cuidado!- Shakespeare passou o braço pelo ombro de Zohar e a afastou dos portões, bem na hora em que o cachorro começou a latir ferozmente e a pular de um lado para o outro.

Zohar sentiu o coração pular forte dentro do peito com aquele susto, ainda mais ao ver o tamanho do cachorro. Ela olhou para ele por alguns segundos e colocou a mão no peito.

—Cala a boca!- Sarah gritou para o cachorro, se aproximando do portão e deixando-o ainda mais raivoso.

Os latidos incessantes do cachorro, a gritaria de Sarah e os cachorros vizinhos que logo começaram a latir também fizeram com que uma irritação súbita tomassem conta do humor de Zohar.

—Para de atiçar o cachorro, Sarah!- Zohar criticou com raiva, olhando torto para a amiga.

Ela caminhou à frente deles, tapando os ouvidos com as mãos para abafar o som dos latidos. Quando estava a certa distância dos dois ela tirou as mãos dos ouvidos, parou a caminhada e se virou para trás. Shakespeare e Sarah caminhavam no mesmo ritmo de antes e falavam sobre alguma coisa que ela não conseguia ouvir. Com os pensamentos à mil se misturando com os latidos dos cães ao longo da rua, ela decidiu iniciar a caminhada mais uma vez, mas ao passar na frente de uma casa com janelas grandes e abertas alguma coisa fez com que ela subitamente parasse e ficasse em alerta. Zohar virou-se de costas para a casa e olhou em volta tentando identificar o som de qualquer coisa por baixo dos latidos. Foi quando viu uma garota caminhar pela calçada do outro lado da rua. Não teria olhado para a garota por tanto tempo se não tivesse reparado na estampa da camiseta. Aquilo atraiu totalmente sua atenção e fez se esquecer do resto. Já tinha visto aquele símbolo do colete à prova de balas na internet, ao pesquisar mais pelo BTS, mas era a primeira vez que via alguém pessoalmente com aquela camiseta.

—Isso quer dizer que ela também gosta deles...- considerou consigo mesma, acompanhando a garota com o olhar.

E por um momento sentiu-se numa situação engraçada. Quando se lembrou dos momentos que tinha passado com Taehyung, acabou ficando na dúvida se realmente tinha conhecido aquele Taehyung pessoalmente.

—Isso é tão estranho...- riu sozinha.

—O que é tão estranho?- Sarah apareceu ao lado dela e olhou na mesma direção em que Zohar olhava.

—Olha só!- Sarah apontou na direção da garota.

Zohar, por sua vez, segurou o braço da amiga e o abaixou. Mas já era tarde de mais. A garota do outro lado da rua tirou os olhos do celular e olhou para elas, não entendendo o motivo de estarem olhando em sua direção. Zohar percebeu que Sarah estava a ponto de abrir a boca para falar alguma bobagem e já estava querendo se esconder antes que aquilo acontecesse, quando de súbito o som de um estouro muito alto, sendo seguido por sons de tiros, fez Zohar tapar os ouvidos com força e se agachar no chão imediatamente.

Embora também tivesse levado um susto enorme com aquele som exageradamente alto da TV, Sarah não percebeu que quanto mais os sons de tiros, bombas e outras coisas saiam da janela da casa, mais Zohar se encolhia e tremia. Levou alguns segundos para ela entender o que estava acontecendo e perceber que algo estava errado.

—Zoe!- ela se agachou na frente da amiga e a viu com o olhar perdido em uma expressão de pânico.

Zohar fechou os olhos com força e se encolheu cada vez mais no chão, agarrando os ouvidos com as mãos e os apertando com força. Sentiu como se tudo à sua volta estivesse tremendo e caindo, e logo começou a tossir violentamente, sentindo-se sufocada.

*

Zohar mal conseguia abrir os olhos, pois a poeira que de repente tomou conta do local onde estava entrou em seus olhos, forçando-os a se fecharem novamente. O som de bombas explodindo muito próximo de onde estava fez seu corpo e sua mente entrar em colapso, deixando-a desorientada. Tudo estremecia. Ela tentou a todo o custo abrir os olhos, mas a poeira os machucava. Pouco a pouco foi se sentindo sufocada, e com a respiração se tornando cada vez mais difícil não demorou muito para que uma tosse violenta começasse. Seus pulmões doíam e entendia que naquele momento eles estavam pedindo por ar limpo. Mas como sairia dali?

Ela enrolou o hijab em volta da cabeça de modo a tapar a boca na esperança de que aquilo filtrasse o ar, e puxou o ar para dentro dos pulmões o máximo que pode.

—Pai!- ela gritou com toda a força do desespero, tentando ouvir uma resposta por entre o som de tiros. –Pai!- ela gritou mais uma vez, sentindo o coração pulsar tão forte dentro do peito, que chegava a doer.

Ela se levantou e tentou se equilibrar sobre suas pernas, mas elas não conseguiam sustentar seu peso. A adrenalina de estar no meio daquele inferno tinha roubado todas as suas forças. Mal conseguia caminhar apoiando-se na parede. Então uma nova explosão fez tudo tremer ainda mais. Zohar perdeu o equilibro e caiu sobre alguns escombros. Uma dor lancinante em sua perna a fez esticar a mão e agarrar o local quase que imediatamente, onde sentiu um líquido quente escorrer. Tudo o que ouviu em seguida foi um zumbido agudo em seus ouvidos, muito forte, e então tudo ficou abafado, como se tudo tivesse perdido o som. Zohar tentou mais uma vez abrir os olhos para ver o que tinha acontecido e viu, embora não muito claramente, que tinha machucado a perna. Ver que o sangue escorria do machucado e pingava no chão empeirado e destruído fez com que os últimos resquícios de força que tinha se esvaíssem. Tudo girou e logo tudo escureceu.

Zohar acordou com o esforço de seus pulmões a cada tossida. A sensação de sufocamento era horrível e mesmo com a pouca força que tinha ela tentou se sentar. Sua cabeça doía e ao olhar para o machucado na perna ela entrou em desespero com a quantidade de sangue que estava derramado.

—Pai!- ela gritou vigorosamente. –Pai!

Ela olhou em volta, procurando-o, e ao não obter resposta alguma sentiu o pânico tomar conta dos seus sentidos.

—Pai!- gritou ainda mais, forçando-se ao máximo para se levantar.

Caminhou arrastando a perna através do que tinha sobrado do lugar, sentindo a dor aumentar de intensidade a cada movimento, e viu que um dos cômodos estava totalmente destruído. Ver aquilo fez seu coração quase parar com o terror que sentiu. Logo as lágrimas começaram a escorrer por seu rosto ao passo que do lugar mais profundo do seu coração uma dor violenta começou a surgir e se transformar em choro.

—Não! Por favor, não!

Ela se arrastou até os escombros e começou a empurrar, em vão, os pedaços de concretos amontoados, apavorada com a possibilidade de seu pai estar ali embaixo.

—Pai!- gritou com força, esperando, com toda a força da angústia que sentia, ouvir uma resposta.

Mas a resposta não veio.

Ela caiu sentada no chão e ficou olhando para o amontoado de concreto à sua frente, desesperançosa, enquanto os sons de tiro voltaram a atravessar o ar. Zohar fechou os olhos e agarrou os ouvidos com força. Ao olhar em volta depois de alguns segundos, sentindo-se ainda meio fora de si com tudo o que acontecia, ela resolveu se levantar e sair dali. Ninguém a veria se ainda continuasse ali dentro e precisaria de ajuda para remover os escombros. Não sabia quanto tempo tinha se passado desde que desmaiara, mas esperava que ainda houvesse alguém por perto para ajuda-la.

Ela saiu de onde estava e atravessou um corredor, cujas paredes pareciam prestes a desmoronar. Tentou ao máximo caminhar sem encostar-se nelas, por mais que não se apoiar em nada forçasse ainda mais a perna machucada. Contudo, quando virou à direita e chegou ao que antes era uma sala de estar, sentiu como se um soco tivesse atingido seu peito com toda a força no exato instante em que seus olhos viram seu pai caído no chão, do outro lado da sala. Uma tontura intensa a fez perder o equilíbrio e quase caiu no chão, mas lutou para chegar até ele.

—Pai...- ela chamou depois de tirar o véu do rosto, sentando-se no chão e esticando o braço para ver a pulsação dele.

Sentiu de repente como se uma faca rasgasse seu coração ao meio ao ver que ele não respondia. Ela segurou o braço dele e o sacudiu várias vezes, aumentando a força a cada sacudida esperando que ele abrisse os olhos. Mas ele permaneceu inerte, sem responder. Zohar deixou as mãos caírem ao seu lado, no chão, e ficou olhando fixamente para ele. As lágrimas escorriam pelo seu rosto, deixando um rastro molhado em suas bochechas sujas de poeira, enquanto sua mente atordoada tentava processar aquela informação.

—Não...- ela fechou os olhos e balançou a cabeça negativamente. –Não...

Subitamente o riso brotou dos seus lábios e ela começou a rir em meio às lágrimas. Um riso de escárnio diante de tudo aquilo que estava vivendo.

—Por favor... Por favor...- ela abriu os olhos novamente e voltou a olhar para o rosto do seu pai, sentindo a mais profunda tristeza  e a mais aguda dor que já tinha sentido em seus quinze anos de vida. –Acorda, pai... Você não pode me deixar aqui sozinha...!- ela segurou os braços dele novamente e os sacudiu com força. –Você não pode morrer e me deixar aqui sozinha!

 Ela largou os braços dele e colocou as mãos empoeiradas nos rosto, sentindo o choro rasgar sua garganta em um grito de dor e desespero.

—NÃO!

Zohar chorou por muito tempo. Um choro profundo e forte, como só as crianças choram quando se machucam ou perdem seus pais.

Quando deu por si, Zohar sentiu alguém tocar seu ombro. Ela se virou e se afastou de quem estava ali rapidamente, sentindo o medo pulsar em seu peito. Viu um homem alto, coberto de poeira e com a roupa manchada de sangue segurando uma metralhadora. Ele olhou para Zohar de cima a baixo, percebendo o machucado na perna dela, e em seguida olhou em volta.

—Você está bem?- ele lançou um olhar rápido para ela e em seguida se agachou perto do pai de Zohar. Esticou o braço para verificar a pulsação dele, mas foi empurrado por Zohar, que pulou para cima dele.

—Sai de perto dele! Sai de perto dele!- ela gritou, dando socos no braço dele. –Não toca nele! Sai daqui!

—Ele está morto.- ele se levantou e andou pelo lugar.

Aquelas palavras rasgaram os ouvidos de Zohar. Ela ficou olhando para seu pai deitado no chão e sorriu por entre as lágrimas que voltaram a cair.

—Não.- balançou a cabeça negativamente e quando o homem apareceu ao seu lado novamente ela olhou para ele e sorriu. –Não.

Ela voltou seus olhos para seu pai novamente e foi desmanchando o sorriso do seu rosto pouco a pouco e contraindo as sobrancelhas.

De súbito outra bomba caiu nas redondezas, propagando o estouro pelo ar. Numa resposta automática, Zohar fechou os olhos, agarrou os ouvidos com as mãos e se encolheu próximo ao seu pai, sentindo o pavor tomar conta do seu corpo novamente. Ela ficou algum tempo naquele estado e quando finalmente abriu os olhos e olhou em volta com cautela, viu que o homem tinha desaparecido. Logo ela ouviu sons de tiros disparados por metralhadoras muito perto de onde estava, sendo intercalado com tiros vindos de outra direção. Aquilo a fez agarrar seus ouvidos com ainda mais força. Queria que aquilo acabasse de uma vez por todas.

Ela fechou os olhos, desejando que as paredes que ainda estavam de pé caíssem em cima dela e a fizessem parar de ouvir todos aqueles sons, e então sentiu uma mão segurar seu braço e a levantar do chão com força. Ela abriu os olhos, em pânico, e viu que quem a arrastava dali à força era o homem que até pouco tempo esteve ali.

—Me larga!- Zohar tentou a todo custo se desvencilhar dele. –Me solta! Eu não quero ir! Me solta!- ela gritou, desferindo socos no braço dele na tentativa de convencê-lo a soltá-la.

—Você vai morrer se ficar aqui!- ele gritou, ignorando os protestos dela e arrastando-a por entre os cômodos até encontrar a saída.

—Não!- ela protestou novamente, em lágrimas. –Meu pai está lá! Me solta!- ela tentou cravar seus pés no chão e soltar-se do aperto, mas era em vão. –Eu não posso deixar ele sozinho! Me larga!

—Ele está morto, Zohar!- ele parou de caminhar por um momento e olhou diretamente para ela. –E você vai morrer também se não sair daqui!

Ouvir seu nome saindo da boca dele fez com que ela arregalasse os olhos, em surpresa. E de algum modo ela voltou à realidade que a acercava. Ela olhou em volta, vendo tudo destruído. Não tinha a menor ideia de onde sua mãe estava, sua casa estava destruída e seu pai estava caído no chão a poucos metros de distância. Ela olhou por cima do ombro assim que voltou a ser arrastada para fora dali às pressas e viu, pela última vez, o rosto adormecido de seu pai.


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Notas finais do capítulo

*Coração dilacerado*

—---
Ai gente, esse capítulo é muito triste. T_T Mas eu tenho alguns recados.

Bem, leitoras e leitores. Olá! Eu sumi, eu sei. Depois de um hiato imprevisto, embora parcialmente avisado, estou de volta.
Estou com alguns capítulos prontos e escrevendo mais, mas por enquanto vou postar a cada quinze dias. Durante esse tempo que não postei, reli a fic para ver os furos de roteiro e ligar as pontas agora nesses novos capítulos. Então eles estão em um ponto "crítico"[?], porque ao reler a fic eu lembrei de coisas que eu nem fazia ideia de que tinha escrito. Os leitores novos, que começarem a ler a fic agora, seriam os únicos a perceber. Eu preciso dar um jeito de ligar as pontas soltas e meu cérebro às vezes entra em bloqueio criativo por causa disso.

Nesse tempo de hiato na fic descobri que é proibido postar capítulo de aviso. Eu nem me lembrava disso e recebi uma advertência, além do capítulo excluído pelo Nyah! Eu ia colocar outro capítulo de aviso pra explicar que iria demorar um pouco mais para voltar, mas não pude. Mais algumas advertências e a conta é excluída! *socorro*
Pensando nisso (e em outras coisas mais) eu fiz um instagram pra colocar as coisas relacionadas às fanfics (não só essa), principalmente os avisos imprevistos e algumas dicas sobre essa maravilhosa arte de escrever, etc, etc. Quem quiser seguir, eu sigo de volta. Essa é uma forma de ficarmos mais próximos (quem quiser, é claro).
O instagram pra quem quiser seguir é: @annefanfic
E é isso aí, por enquanto.
Estou ansiosa pra voltar a postar semanalmente, mas não quero acabar sumindo de novo por conta de falta de capítulos causados por bloqueio criativo, principalmente agora que quero escrever capítulos maiores (repararam que esse tem 4.262 palavras? *o*).
Então já deixo avisado aqui: próximo capítulo dia 15 de março.
Beijos e espero que o capítulo não tenha partido demais o coração de vocês. :(
:*



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