Quando pensar na realidade assusta.

Algumas semanas tinham se passado desde aquele dia em que, pela primeira vez, Namjoon sorriu quando Taehyung tocou no assunto Zohar, algo que o pegou de surpresa. Esperava que Namjoon brigasse ou falasse qualquer coisa que o obrigasse a parar de pensar nela, já que não estava conseguindo controlar muito bem seus pensamentos naquele dia, e ao invés de uma cara feia e uma bronca recebeu um sorriso. Aquilo tinha sido estranho. Muito estranho. E por uma fração de segundos, ali embaixo do palco, Taehyung pensou no que poderia ter acontecido para Namjoon ter tido aquela reação.

A resposta para esse questionamento Taehyung jamais soube. Quando subiram no palco naquele primeiro dia de show na América Latira de repente todos os pensamentos e preocupações desapareceram e tudo o que ele conseguia pensar era no que estava acontecendo ali em cima do palco.

Tudo estava acontecendo perfeitamente, dentro dos conformes, e todos estavam satisfeitos com tudo o que estava acontecendo até ali. Nenhum incidente com os garotos, nenhum problema técnico, nada. Até que de repente Jungkook começou a passar mal. De certa forma todos estavam acostumados com o desgaste físico que um show causava. Acontecia sempre e quando JK começou a dar sinais de mal estar eles esperavam que ele se recuperasse rápido. Mas aquilo não aconteceu. O intervalo do show, minutos em que eles tinham para trocar de roupa, retocar a maquiagem e descansar um pouco, acabou durando mais que o normal, e Jungkook parecia não melhorar. Toda uma equipe estava em volta dele, ajudando-o, e enquanto isso a sensação de inutilidade foi sentida por todos, por não poderem fazer nada além de apenas olhar e esperar que se sentisse bem novamente.  Tinham um show para terminar.

Taehyung ficou com aquela imagem na cabeça durante alguns dias, por mais que JK já estivesse completamente recuperado. E os shows que se seguiram forçaram todos a prestarem um pouco mais de atenção ao cansaço que sentiam. Não se sabia quando alguém poderia passar mal daquela forma. Ou pior.

Quando voltaram para a Coreia, no início de abril, o grupo concentrou todos os esforços nos ensaios. Um comeback estava previsto para Setembro e até lá tinham músicas e um MV para gravar, além é claro, de todos os outros compromissos que lotavam a agenda e os deixavam com pouco tempo de sobra. Tudo tinha que ser feito rápido. Tinham muito para fazer e pouco tempo para tal, pois já no dia vinte e dois voltariam a fazer a tour pelos países asiáticos.

—Eu ainda acho que a gente pode trocar esse movimento. Por que ao invés de dar esse passo pra lá...

—Eu acho que está bom assim, não deveríamos mexer...

—Tá’, mas deixa eu terminar. A gente podia dar um giro nessa parte.

—Acho que não.  E se a gente fizesse isso...

Taehyung observou as alterações que estavam sendo propostas na coreografia que já tinham ensaiado um milhão de vezes naquele dia e decidiu apenas observar. Quem estava sugerindo cada alteração não era importante. O foco era tornar aquela coreografia a melhor possível de modo que ninguém esbarrasse em ninguém na troca de lugares, o que já tinha acontecido algumas vezes. Sua respiração ainda estava acelerada devido aos movimentos repetidos sem descanso e seus cabelos estavam grudando na testa devido ao suor.

Por um momento ele se permitiu se sentar no chão enquanto observava as sugestões, mas logo se levantou, sugerindo uma troca de lugar com Yoongi. Alguns gostaram, outros acharam que não ficaria bom. Seria melhor se apenas o movimento fosse outro.

Taehyung observou a discussão voltar, ao passo que o coreógrafo os ajudava. Deu uma olhada no relógio e viu que já passava da meia noite. Estava com fome, já que ainda não tinha comido nada, e para enganar o estômago foi pegar uma garrafinha de água. Estava a ponto de terminar de beber o resto de água que tinha dentro dela quando Jin se aproximou, também pegando uma garrafinha.

—Tô’ com fome.- ele disse.

—Eu também.- Taehyung respondeu, fechando a garrafinha e a colocando no chão.

Em seguida se olhou no espelho à sua frente, espelho tal que cobria toda a extensão da parede, e passou a mão nos cabelos, jogando-os para trás.

—Vou fingir um desmaio. Quem sabe assim a gente sai daqui ainda hoje.

Taehyung olhou para seu hyung e sorriu.

—Tô’ dentro.

Mas o plano foi frustrado por mais uma série de longas horas de ensaio.

Quando finalmente puderam fazer uma pausa para comer alguma coisa que pelo menos os mantivesse de pé, todos se dirigiram a outra sala com mesas e cadeiras, e sentaram-se em volta de uma dessas mesas para darem um tempo de descanso para as pernas.

—Essa coreografia tá’ passando do tempo de ficar pronta. Temos que decidir de uma vez o que fazer para não ficar perdendo tempo...

Taehyung nem se deu o trabalho de ver quem estava falando, já que toda sua atenção estava voltada para a comida à sua frente.

—Come isso aqui. Tá’ muito bom.- alguém colocou um pedaço de carne em cima do seu arroz.

Ele olhou para frente e viu que Jin estava sentado à sua frente. Sorriu, agradecendo, e comeu. Realmente estava muito bom e teria pedido mais um pedaço se Jin não tivesse comido tudo. Iria sugerir uma troca, mas era tarde demais.

Ele riu com seu próprio pensamento e quando alguém perguntou o motivo do riso, só balançou a cabeça dizendo que não era nada. Pelo que viu, ao prestar atenção, a conversa era séria.

Todos já tinham terminado de comer e agora a conversa era sobre a agenda novamente. Estavam comentando sobre o que fariam no dia seguinte e que horas teriam que acordar quando alguém sentado logo atrás de Taehyung fez um comentário que chamou a atenção de todos.

Taehyung se virou para trás para ver o que tinha acontecido e sua atenção, assim como a de todos, foi dirigida para uma TV, onde um jornal da madrugada mostrava reportagens sobre alguma coisa. Por um momento se fez silêncio na sala e apenas o repórter falou, anunciando um ataque químico que tinha acontecido em algum lugar do mundo naquele dia que tinha se passado, quatro de abril. E quando o nome Síria saltou na tela da TV, seguido de toda a situação que se seguiu diante daquele ataque, Taehyung sentiu como que um soco atingir seu estômago ao ver aquelas cenas.

Imediatamente ele tirou os olhos da TV e olhou para o chão, sentindo uma sensação estranha. Lembrou-se de Zohar, de sua história fugindo da guerra. E quando voltou a olhar para a TV e viu algumas cenas dos bombardeios que aconteciam lá, dos moradores machucados chorando por parentes perdidos e então as cenas das pessoas agonizando por causa do gás utilizado naquele ataque, sentiu uma tristeza apertar o peito ao passo que seus olhos insistiam em produzir lágrimas.

Sem dar aviso a ninguém ele se levantou e saiu rapidamente da sala. Andou a passos rápidos pelos corredores do prédio da empresa, pensando no porque as pessoas em pleno século XXI faziam aquelas barbaridades, e entrou em uma sala de treino qualquer que estava vazia. Nem se deu ao trabalho de acender as luzes, já que não queria ver seu reflexo no espelho. Apenas fechou a porta e sentou em um canto, apoiando as costas nas paredes e deixando suas pernas esticadas no chão.

—Ela também passou por aquilo?- ele perguntou para o nada, não temendo ser ouvido por ninguém.

Por um momento sua mente não pensou em nada. Ficou em branco, sem conseguir de fato se concentrar em alguma coisa. Mas aos poucos começou a pensar em Zohar e imaginou o que ela poderia ter passado enquanto estava na Síria. Pelo que tinha entendido ela tinha perdido o pai e o irmão na guerra. Sua mente imediatamente trouxe de volta as cenas que viu na TV, onde pessoas andavam de um lado para outro desesperadas pelo ataque e a perda dos entes queridos. Não conseguia acreditar que ela também tinha passado por um momento de terror como aquele.

Por um momento sentiu-se dominado por um sentimento angustiante. Não conseguia imaginar ela passando por aquela situação. Parecia mentira. Não conseguia acreditar. E antes de permitir que as lágrimas que se acumulavam em seus olhos rolassem pelo seu rosto, viu a porta ser aberta e a luz ser acesa. Ele fechou os olhos e tapou o rosto com a mão para que o visitante não visse seu estado.

Quando abriu os olhos viu que era Namjoon que estava ali, com uma cara que dizia que tinha procurado por ele em todo canto.

—Aí está você.- ele disse, fechando a porta e sentando-se no chão também.

Taehyung não respondeu nada e nem se importou que Namjoon visse que seu rosto estava um pouco úmido. Podia usar a desculpa do suor, caso perguntasse, embora soubesse que ele não acreditaria. Ficaram em silêncio por alguns minutos até que finalmente Namjoon suspirou profundamente e colocou a mão na perna dele, apertando-a de leve. Do mesmo jeito que tinha feito quando estavam embaixo do palco no show do Chile. Sabia o que aquele gesto significava. Em silêncio Namjoon tentou dizer que estava tudo bem, mas Taehyung sabia que não estava. E sabia também que não estaria até conseguir ouvir a voz dela outra vez.