Ele estava prestes a partir e percebi que um pedaço do meu coração estava indo com ele.

Zohar saiu pela porta da cozinha e encontrou Taehyung na varanda, perto da escada, olhando para o céu.

—Cheguei, Oppa.- ela anunciou, aproximando-se dele.

Ele abriu um largo sorriso ao ouvi-la chamar de Oppa e desceu as escadas.

—Aonde vamos?

—Ontem eu achei uma coisa legal.- ele respondeu parando para esperar por ela.

Na noite anterior, quando foi dar uma olhada em volta da casa enquanto Suzan conversava com Zohar, tinha visto uma árvore quase no fim do terreno. Como estava um pouco escuro não quis ir até lá, mas já que queria aproveitar os últimos minutos que lhe restavam com ela, achou que agora lá seria um bom lugar.

Ao terminarem de dar a volta pela lateral da casa e chegarem atrás da mesma, se encontraram com Suzan. Ela estava pendurando alguns lençóis no varal e ao vê-los ela sorriu e olhou de um para o outro, voltando a se concentrar em sua tarefa e tratando de terminá-la o mais rápido possível.

—Lá.- Taehyung apontou para uma árvore vinte metros adiante deles, onde tinha um balanço pendurado em um dos seus galhos.

Ela sorriu quando viu aquilo. Olhou para Taehyung com o sorriso estampado no rosto e caminhou rapidamente até lá enquanto o lampejo de uma lembrança da infância surgiu à sua mente. Uma das lembranças boas que tinha com seu pai, mas que com o tempo acabou sendo naturalmente esquecida.

Quando Zohar alcançou o balanço ela olhou para trás para falar com Taehyung, porém viu que ele não estava ali. Achou estranho, já que pensou que ele estava vindo logo atrás, mas preferiu esperar. Não demorou muito e o viu aparecendo pela lateral da casa com a cabeça baixa e as mãos dentro dos bolsos da calça. Caminhava distraidamente, olhando para o chão, mas quando levantou o rosto e viu que Zohar olhava para ele, ele sorriu e caminhou rapidamente até ela.

—Aconteceu alguma coisa?- ela perguntou preocupada.

Ele sorriu e balançou a cabeça negativamente.

—Fui falar com a Suzan.- respondeu, sinalizando para que ela se sentasse no balanço para que ele a embalasse.

Tempos depois Taehyung estava sentado na grama de pernas cruzadas e com as costas encostadas no tronco da árvore enquanto Zohar continuava no balanço. Ele olhou para grama onde estava sentado por uma fração de segundos e riu.

—Pulga.- ele disse voltando a olhar para ela.

E ela, que estava atenta esperando uma resposta para sua pergunta relâmpago, não pode deixar de rir.

—Pulga?!

—Foi a primeira coisa que me veio à cabeça.- ele deu de ombros, dando um sorriso de lado.

—Ok. Sua vez agora.- ela disse.

Ele olhou para o céu mais uma vez para pensar e acabou percebendo como o tempo tinha passado a julgar pela posição do sol. Quanto tempo ainda tinha?

—Um lugar?- ele se pronunciou, voltando a olhar para ela e encontrando-a olhando pra ele.

—Aqui.- respondeu. —Minha vez: um brinquedo?

—Sabão.

—Sabão?!- ela riu de novo.

—Nunca brincou?

—Uso sabão pra lavar roupa.

—Num escorregador. Com água e sabão. Dá pra lavar a roupa com a roupa ainda no corpo se você escorregar...- ele explicou, fazendo um movimento com a mão como se estivesse descendo uma ladeira.

—O que?

Taehyung riu e se levantou. Aproximou-se dela e tirou o celular do bolso para procurar um vídeo na internet, mas antes que o vídeo começasse a rodar Suzan apareceu e foi na direção deles carregando alguma coisa nas mãos que Taehyung identificou como sendo dois copos de suco assim que ela parou na frente deles.

—Limonada para vocês.- disse ela esticando o braço na direção deles.

E enquanto eles experimentavam e agradeciam, ela deu alguns passos para trás, para deixá-los sozinhos mais uma vez, e olhou no relógio.

—O táxi já deve estar chegando.- ela anunciou. —Dez minutos, no máximo, e ele chega, ok?

Taehyung agradeceu a informação e assim que ela se afastou ele foi confrontado com a cara de surpresa que Zohar lhe lançou.

—Já?

E o jeito que ela olhou para ele e o tom de ansiedade com que ela falou aquilo o fez sentir um aperto no peito.

—Já são nove horas...- disse com voz de lamento.

Ele viu as sobrancelhas dela se franzirem levemente e os olhos dela ganharem um brilho intenso por causa das lágrimas que se acumularam, lágrimas tais que ela tentou ao máximo controlar para não escorrer pelo rosto.

De repente o choque de realidade o atingiu ao perceber que ao dar as costas para aquele lugar ele nunca mais iria vê-la. Nunca mais iria poder se sentar à sombra de uma árvore, como estava fazendo ali, e rir com ela como estavam fazendo, brincando com um simples jogo de perguntas e respostas. Também não imaginava que ela fosse reagir daquela forma. Ela estava a ponto de derramar lágrimas pela partida dele e isso o fez pensar o quanto aquilo que tinha acontecido importava pra ela.

Céus! A vida dela seria um inferno se ela tivesse se casado com aquele cara, e ele ajudou ela a escapar daquilo. Ele jamais poderia mensurar o quanto aquela atitude tinha sido significativa pra Zohar, nem o quanto sua irresponsabilidade e rebeldia pode mudar o rumo da vida dela.

 Ele sentiu seu nariz arder e percebeu que seus olhos também estavam se enchendo de lágrimas. Isso o pegou de surpresa. Não imaginou que iria se emocionar quando fosse se despedir dela. Não tinha parado para pensar sobre o quanto, na verdade, ela era importante pra ele, nem que não poderia mais ver o sorriso dela, a cor de seus olhos, nem ouvir sua voz ou segurar suas mãos, e que isso o faria sentir falta dela depois.

Pensar nisso o fez sentir um aperto no coração ainda maior. Ela era especial para ele de uma maneira que ele não entendia. Como ele poderia nunca mais saber nada sobre ela? Não é como se ela fosse simplesmente qualquer pessoa que ele ajudou.

—Não vá...- ela disse um sussurro, fazendo biquinho com os lábios.

Zohar olhou para as próprias mãos sobre as pernas enquanto as lágrimas escorriam pelo seu rosto e pingavam sobre seu colo. Ver aquilo fez o coração de Taehyung doer. Ele se agachou na frente dela e segurou suas mãos. Ela olhou para ele e viu, como todas as vezes que olhava para ele, aquele olhar que dizia que tudo ia ficar bem, o que a fez sentir ainda mais vontade de chorar. Não iria ficar tudo bem. Ele não estaria ali.

Ela abaixou o rosto e tentou ao máximo não cair no choro enquanto olhava mais uma vez para as mãos dele segurando as suas. As apertou com força não querendo largá-las, mas então Suzan apareceu na janela da parte de trás da casa que dava para onde eles estavam e acenou, chamando por eles.

—O táxi chegou. Foi mais rápido do que o previsto.

E ao ouvir aquilo Taehyung sentiu como que um soco atingir seu estômago. Não conseguia acreditar que já estava indo embora. Queria dizer para ela fazer uma rede social para ele entrar em contato com ela, mas ele não poderia fazer isso sem a supervisão de seus Hyungs. Queria deixar seu número de telefone com ela, mas sabia que se descobrissem que mantinha contato com ela, depois de tudo o que aprontou, muito provavelmente teria seu celular confiscado.

Ele abaixou a cabeça e soltou um longo suspiro, dizendo para si mesmo para ser forte e acabar com aquilo de uma vez antes que a tristeza os consumisse, e se levantou sem soltar uma das mãos dela.

—Preciso...- ele engoliu em seco e apertou a mandíbula, sem olhar para ela. —Preciso ir.

Ele por fim olhou para ela e inspirou profundamente. Ela secou as lágrimas do rosto com a mão livre e balançou a cabeça afirmativamente, forçando um sorriso.

Logo se encaminharam para a frente da casa onde o táxi esperava. Taehyung colocou as mãos nos bolsos para saber se o que tinha trazido estava ali e foi até Suzan, que estava parada na escada olhando pra ele. Ela desceu o degrau e passou um braço em volta dele, num abraço sem jeito, enquanto segurava uma pequena caixinha de papel.

—Um presentinho para viagem.- disse ela entregando-o.

Ele agradeceu a gentileza e pegou o presente sem se dar o trabalho de abri-lo. Em seguida foi até Zohar, onde ficou parado na frente dela sem dizer nada nos poucos segundos em que se olharam, como se apenas a troca de olhares fosse suficiente para se despedir dela sem precisar pronunciar uma palavra. Por fim, quebrando todo o protocolo cultural ele deu um passo na direção dela e passou os braços em volta do seu corpo, num abraço apertado.

Mais uma vez ele pode sentir o calor do corpo dela, enquanto ela também o envolvia em um abraço, e não a largou até achar que tinha transmitido toda a afeição e carinho que sentia com ela por meio daquele ato. Quando se separam Taehyung percebeu ao olhar mais uma vez nos olhos dela que ela parecia nervosa com alguma coisa. Ela fez um movimento com ambas as mãos, mas rapidamente abaixou os braços e olhou de relance para Suzan que estava na escada olhando para eles. Olhou para Taehyung mais uma vez repetindo o mesmo movimento, mas novamente abaixou os braços ao olhar na direção do carro e ver o motorista esperando. Outra vez ela olhou para Taehyung e puxou o ar pela boca, como se estivesse tomando folego para fazer alguma coisa. E então decidiu, mesmo que um pouco sem graça, e levantou os braços na altura da sua cabeça e começou a desenrolar o hijab.

Taehyung olhou com surpresa ao ver que ela estava não só desenrolando o véu, mas tirando-o de sua cabeça e revelando seus cabelos soltos.

—Eu quero que você fique com isso...

Disse ela segurando o véu com ambas as mãos e esticando os braços na direção dele.

Ele intercalou o olhar entre o véu e Zohar e sentiu um desejo ainda maior de abraça-la. Ele pegou o véu da mão dela, emocionando-se com aquela atitude, que ele sabia que não era comum, e deu um sorriso terno enquanto a olhava nos olhos.

—Eu nunca vou te esquecer.- ele disse com firmeza na voz, querendo garantir que aquilo jamais aconteceria, por mais que nunca mais voltassem a se encontrar.

Zohar abaixou a cabeça mais uma vez, tentando esconder as lágrimas que voltavam a escorrer pelo seu rosto, mas ele segurou a caixinha e o véu em uma das mãos e com a outra ergueu o queixo dela para que ela olhasse pra ele.

Ele olhou dentro dos olhos dela mais uma vez, tentando memorizar exatamente o seu olhar, e depositou um beijo em sua testa para então dar mais um abraço, dessa vez menos demorado. Por fim acenou para Suzan, que acenou de volta, e olhou para Zohar uma última vez, sibilando um adeus, antes de entrar no carro.

Quando o carro deu partida e se aproximou do portão, Taehyung tentou conter a vontade de olhar para trás, mas acabou cedendo e virando-se no banco para olhar através do vidro traseiro do carro. A última vez que a viu ela estava abraçada à Suzan, chorando.

Pouco antes de chegar ao aeroporto Taehyung recebeu uma ligação de Sejin. Indo direto ao ponto, seu manager disse para ele que estaria esperando do lado de fora da porta de entrada do aeroporto, e ao chegar lá Taehyung o viu escorado na parede, de braços cruzados.

Taehyung olhou a movimentação de pessoas antes de sair do carro e após pagar a corrida foi até seu Hyung fazendo um cumprimento com a parte superior do corpo inclinada para frente, demorando alguns segundos mais para se erguer, com isso pedindo desculpas pelo que tinha feito. Em todo o processo Sejin não falou nada e nem respondeu ao cumprimento que Taehyung lhe deu. Apenas o olhou de alto a baixo, analisando-o, e se desencostou da parede, entregando uma máscara e a bagagem de mão que lhe pertencia.

Sejin então entrou no aeroporto e Taehyung caminhou ficando dois passos atrás dele, pensando no que ainda viria pela frente e no que teria que fazer para compensar todo o transtorno. De repente Sejin se virou para ele e o encarou. Como Taehyung não esperava aquele movimento, parou de repente, ficando a um passo do seu manager, e arregalou os olhos.

—Eu ainda não consigo acreditar no que você fez. Você tem noção do que foi isso?

Taehyung engoliu em seco antes de responder.

—Uma... afirmação de incredulidade?- deu um sorriso torto.

Sejin o fulminou com os olhos.

—Você está muito encrencado. O que foi isso agora?

—Uma sentença de morte.- ele abaixou os olhos.

—Chegou perto.

Sejin encarou Taehyung por um momento e balançou a cabeça. Passou a mão no cabelo, inspirou profundamente e foi até o lado de Taehyung. Passou o braço em volta do seu dongsaeng e o apertou contra si.

—É bom que ninguém saiba o que aconteceu. Você entendeu?

—Sim. Nem ela nem ninguém sabem quem eu sou.

—Número de telefone?

—Não dei. Ela não tem telefone.

—Ótimo.- deu um tapinha no ombro. —E o que é isso aí?

Taehyung olhou o véu envolvendo a caixinha que Suzan lhe deu. Ele entregou a caixinha para Sejin e guardou o véu na mala.

—O que tem aqui?

—Não sei. Não abri ainda.

Sejin abriu e olhou. Encontrou balas, chicletes e bombons, além de um papelzinho dobrado. Ele olhou para Taehyung rapidamente e vendo que ele ainda estava mexendo na bagagem, pegou o papel e o abriu. Havia uma sequencia de números e uma mensagem escrita em inglês.

“Ligue quando quiser. E lembre-se: Heróis são sempre bem vindos. -Suzan.”

Sejin lançou mais um olhar rápido para Taehyung e guardou o papel no bolso da calça.

—Você nem vai gostar do que tem aqui.

—Por que?

Taehyung se levantou e olhou o que tinha dentro da caixa, abrindo o sorriso ao ver o que era.

Sejin riu da felicidade dele, não entendendo como aquela criança tinha conseguido fazer aquilo que tinha feito, e ao se encaminharem para o balcão de atendimento, passou na frente de uma lixeira e jogou o papel fora.