BTS's Doctor Crush escrita por Cellis


Capítulo 29
Sócios vitalícios


Notas iniciais do capítulo

QUEM VEM LÁ? É a autora que disse que logo voltaria, porém se enrolou toda na própria vida e só reapareceu depois de semanas?
Pois é, eu mesma.
Primeiramente, peço mil desculpas pelo atraso. Não foi algo que eu pude evitar mas, mesmo assim, eu ralei bastante para conseguir finalizar esse capítulo (o último, nãããããão), então realmente espero que gostem.

Boa leitura.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/746483/chapter/29

Eu me lembro de, há não muito tempo atrás, reclamar sobre o modo como o tempo estava passando rápido demais para mim, atropelando meus planos e antecipando despedidas. Atualmente, tudo o que consigo pensar é: maldita seja a minha boca grande.

Já havia se passado dois meses desde o primeiro show da turnê do Bangtan. Sessenta e um dias. Mil quatrocentos e sessenta e quatro horas. Essa era a exata quantia de tempo a qual eu não via os meninos, pelo menos não fisicamente. No começo, as coisas eram mais fáceis e nada parecia ter mudado muito — nós trocávamos mensagens quase que diariamente e fazíamos chamadas de vídeo com certa frequência, e nem mesmo o fuso horário conseguia nos atrapalhar, já que a diferença ainda não era tão gritante. Na verdade, eu nem ao menos cheguei a sentir saudades de Yoongi nas primeiras semanas, já que ele sempre conseguia dar um jeitinho de nos comunicarmos, arrumando tempo para mim de só os céus sabem onde.

E então, passou-se o primeiro mês. Ao mesmo tempo em que as nossas conversas foram perdendo toda aquela frequência árdua, chegou o dia da inauguração do restaurante. Assim como eu esperava, fora um dos dias mais felizes de toda a minha vida. O restaurante havia ficado exatamente como eu sempre imaginara e, com a ajudinha e os contatos de Jung Soo, faltaram mesas e sobraram clientes em pé e dispostos a esperar logo no primeiro dia. A partir daquele momento, minha vida tomou, mais uma vez, um rumo completamente diferente e novo para mim — apesar de ter conseguido reunir um quadro de funcionários bem amplo e dedicado, eu ainda tinha de ralar como um cão de rua para sobreviver. Foram inúmeras as queimaduras à beira do fogão, os imprevistos e até mesmo alguns clientes insatisfeitos... mas nada daquilo realmente me importava, pois, no final do dia, eu fechava as portas do meu restaurante e ia para casa com um sorriso que mal cabia no meu rosto. Eu estava, finalmente, realizando o sonho da minha vida, e nenhum cliente mal humorado ou prato quebrado poderia abalar a felicidade que eu estava sentindo.

Contudo, uma coisa me faria uma hipócrita se eu não admitisse: faltava-me tempo. Quando eu não estava trabalhando no restaurante, ficava em casa cuidando das finanças e planejamentos relacionados ao mesmo; ou seja, toda a minha vida passou a girar entorno do meu mais novo negócio, que cada vez mais ganhava fama pela cidade e clientes novos. Quando os meninos começaram a maratona de shows pela Europa, o nosso pequeno trem da comunicação começou a descarrilar de vez — principalmente em relação a Yoongi. Com horários extremamente diferentes e com ambos consumidos pelo cansaço, nós chegamos a passar mais de uma semana sem ter ou ouvir notícias um do outro. Claro que nós dois entediamos a situação na qual nos encontrávamos e tentávamos não nos abalarmos pela mesma, mas, ainda assim, era imensamente difícil. Por isso, ideias e pensamentos não muito incentivadores começaram a rondar a minha mente e a assombrar-me durante a madrugada, consumindo algumas das minhas preciosas horas de sono.

Era inevitável. Eu sempre fui uma pessoa extremamente segura e bem resolvida e, ainda por cima, tinha toda a confiança do mundo em Yoongi; mas a distância e a saudade começaram a pesar demais para serem carregadas somente por mim. Claro, eu tinha plena certeza de que ainda nos amávamos e de que nada poderia mudar isso, mas comecei, sem ao menos me dar conta disso, a ser internamente devorada por aquela situação. Em meados do segundo mês, foram várias as vezes em que eu me peguei com o ouvido grudado no meu celular, esperando que Yoongi me atendesse para que eu pudesse lhe contar alguma novidade ou notícia boa — e, por fim, tudo que eu recebia como resposta era uma voz feminina, programada para anunciar o fim de uma chamada que nunca chegou a começar.

Mas eu jamais culpei Yoongi por isso. Mesmo se quisesse fazê-lo, eu não poderia. Ele estava ocupado com o trabalho que tanto adorava fazer, exatamente o mesmo motivo que havia me feito ficar em Seul. Como, amando-o como eu amava e entendendo perfeitamente a sua situação, eu poderia chatear-me com ele? Por isso, quando Yoongi me ligava às três da manhã, sem se dar conta da diferença de fuso horário, eu lavava o meu rosto sonolento e o atendia com toda a saudade e carinho guardados dentro de mim. Nós passávamos horas e mais horas atualizando um ao outro sobre nossas vidas e, quando eu fitava o relógio, já estava na hora de ir trabalhar de novo.

E, exatamente por causa disso, eu comecei a me atrapalhar um pouco no meio da minha própria vida. Às vezes, vencida pelo cansaço e pelo sono, eu acabava cochilando nos momentos e lugares mais improváveis (piores até mesmo do que o sofá do Bangtan, acreditem).

Como era o caso nesse exato momento.

— Sun Hee. — eu ouvia uma voz conhecia me chamando, mas meus olhos estavam pesados demais para serem abertos repentinamente. — Sun Hee-ah, acorde! Você está babando.

Dando-me por vencida, eu achei melhor despertar e tentar entender em qual situação me encontrava. Ainda meio desnorteada, eu abri meus olhos e me deparei com uma caneca de café, além da superfície dura sob o lado direito do meu rosto. Quando uma Jung Soo de cenho franzido entrou em meu campo de visão, eu finalmente me dei conta de que havia pego no sono sobre a bancada da cozinha, mesmo depois de beber meia caneca de café preto e sem açúcar.

— Bom dia, flor do dia. — ela disse, passando geléia em um par de torradas. — Está confortável?

— Que horas são? — indaguei com a voz rouca, ignorando sua pergunta e erguendo meu tronco em busca de algum relógio. Pelos céus, a minha coluna tinha envelhecido vinte anos em dois meses.

— Acalme-se, ainda é cedo. — respondeu, oferecendo-me uma torrada. Como eu amava geléia de morando e sentia meu estômago se revirar de fome, eu não pensei duas vezes antes de aceitar. — Yoongi ligou no meio da noite de novo, não foi?

Dei de ombros, enfiando um bom pedaço de torrada na boca. Há alguns dias, Jung Soo vinha se revoltando com a minha situação, sempre me dizendo que eu precisava cuidar de mim mesma primeiro, ou acabaria adoecendo. Sinceramente, eu sabia que ela estava apenas se preocupando comigo e tentando me ajudar, mas, ainda assim, eu preferia que minha amiga não prestasse tanta atenção em mim.

Um pouco bipolar, talvez. E egoísta também, eu sei.

— Sabe, no começo, nós sempre acreditamos que estamos no controle da situação. E então, de repente, nós percebemos o quão descontrolados realmente nos tornamos. — Jung Soo disse casualmente. Em seguida, fitou-me e aderiu um tom doce. — Eu só não quero que isso aconteça com você, Sun Hee.

Ela não estava errada, na verdade. Quando decidi ficar, eu sabia que as coisas não seriam fáceis, mas tinha certeza de que conseguiria aguentar tudo sozinha com maestria, como sempre fiz. Porém, eu estava falhando. Resumidamente, eu me sentia como um copo de água a uma gota de transbordar — e eu sabia que isso aconteceria a qualquer momento. Não era só a falta que Yoongi fazia no meu dia a dia, muito menos apenas a rotina pesada e agitada no restaurante... era todo o conjunto. Nesse momento, eu estava dividida em três partes: a que se sentia extremamente feliz por ter chego tão longe, onde a maioria das pessoas duvidava que eu chegaria, a que se sentia frustrada e cansada e, por fim, a que tinha raiva da segunda. Eu não deveria me chatear e sentia que não tinha o direito de fazê-lo, o que me deixava revoltada comigo mesma.

Aigoo... eu me sentia tão cansada, que estava parando de pensar coisa com coisa. 

— Obrigada por se preocupar comigo, Jung Soo-ah. — eu disse, por fim. Notando a sinceridade em minha voz, minha amiga sorriu. — Prometo que vou me cuidar melhor.

— Acho bom. — retrucou, arrancando-me uma risada fraca. — Agora vamos, deixe-me passar alguma maquiagem nessas suas olheiras.

Rindo, eu não tive ao menos tempo de respondê-la. Jung Soo puxou-me pela mão e, talvez por ter levantado tão bruscamente, minhas vistas escureceram e eu senti a cozinha ao meu redor distorcer-se e girar.

— Sun Hee? — escutei Jung Soo me chamar, porém já não conseguia ver mais nada. — Você está bem?

Eu não a respondi, pois não tinha forças para fazê-lo. A última coisa que me lembro é de buscar apoio na bancada da cozinha, para não cair direto no chão quando minhas pernas fraquejaram e eu perdi a consciência.

Eu não fazia ideia de quanto tempo havia ficado fora do ar, mas, mesmo assim, sentia que era bastante.

Quando finalmente voltei à realidade, tive de fazer um pouco de esforço para abrir minhas pesadas pálpebras. Sentindo meu corpo fraco e levemente dolorido, além de um pequeno incômodo na mão direita, eu me assustei quando me deparei com um quarto enjoativamente branco.

— Até que enfim! — eu ouvi Jung Soo exclamar, porém ainda não havia descoberto de onde. — Você nunca mais ouse me dar um susto desses, Kim Sun Hee.

Com o raciocínio irritantemente lento, eu demorei para entender o que estava acontecendo. Quando finalmente fitei Jung Soo, parada ao meu lado, indaguei, percebendo que estava em um quarto de hospital:

— Eu desmaiei?

Exatamente. — respondeu, com uma sobrancelha acusadoramente erguida. Em seguida, respirou fundo e pareceu se acalmar um pouco. — Como você está?

— Bem, eu acho. — disse, ainda confusa. — Por que eu desmaiei? Quanto tempo fiquei assim?

— Vai com calma, curiosa. Você acabou de acordar. — apesar do tom descontraído, eu podia sentir a preocupação em sua voz. — Você desmaiou de exaustão. O médico disse que o seu corpo estava quase implorando por algum descanso, Sun Hee.

— E por quanto tempo eu descansei? — indaguei, ignorando seu olhar repreensivo.

Jung Soo respirou fundo, provavelmente tendo de se preparar para responder a minha pergunta, o que me deixava duas vezes mais inquieta e nervosa.

— Três horas. — falou, por fim.

— O que?!

Surpresa por ter ficado tanto tempo desacordada e provavelmente atrasada, eu já estava tentando me levantar, quando fui impedida por Jung Soo e por aquele incomodo em minha mão. Quando finalmente encontrei a fonte daquele desconforto, que mais parecia uma picada sobre a minha mão, encontrei-me ligada a uma bolsa de soro.

— Você não vai a lugar nenhum, Sun Hee. — disse Jung Soo. Depois de uma breve guerra, eu me dei por parcialmente vencida e resolvi apenas me sentar. — Até você terminar a segunda bolsa de soro, vai ficar exatamente onde está.

— Segunda? — perguntei, assustada.

Ye. — confirmou. — Você é a primeira nutricionista, ainda dona de um restaurante, que eu vejo desnutrida e desidratada desse modo.

Respirei fundo, lentamente absorvendo a culpa por ter feito o que fiz com o meu corpo. Mais calma e aceitando minha atual realidade, eu me perguntei mentalmente quanta bagagem eu vinha acumulando sozinha para ter chego a esse ponto.

A resposta? Muita.

— Tem mais uma coisa. Eu não queria dizer nada agora, mas me sentiria mal se não o fizesse. — depois de alguns segundos em silêncio, Jung Soo obteve minha atenção com sua fala. — O Yoongi ligou.

Naquele momento, ao invés do mundo ao meu redor girar como havia feito antes, o mesmo pareceu parar de girar por um breve momento.

— Quando? — foi tudo o que consegui perguntar, já deduzindo o que viria a seguir.

— Quando nós estávamos dentro da ambulância,  a caminho do hospital. — respondeu, quase num sussurro. — O seu telefone havia caído do seu bolso no chão da ambulância e, quando ele tocou, eu o encontrei caído sob o banco e atendi sem pensar.

— Você não contou nada para ele, não é? — indaguei esperançosa, mesmo sabendo que não deveria estar.

— Eu estava chorando e ainda tinha o barulho da sirene, Sun Hee. — explicou-se rapidamente, declarando-se culpada. — Ele ficou muito nervoso e preocupado, e eu acabei falando...

Por um momento, eu me senti no direito de me desesperar. Eu não poderia me irritar com Jung Soo ou julgá-la pelo o que fez, afinal, a culpa de tudo que havia acontecido era pura e exclusivamente minha — mas isso não me impedia de me preocupar com o que Yoongi estaria pensando naquele momento. Conhecendo-o bem, eu temia que ele já estivesse num vôo de volta para a Coréia, apressando o piloto para chegar até mim o quanto antes.

— Onde está o meu celular? — perguntei, olhando ao meu redor em busca do mesmo.

Jung Soo não precisou me responder. Encontrei o aparelho sobre uma mesinha ao lado da cama onde eu estava, e rapidamente o alcancei. O contato de Yoongi era o primeiro da lista de chamadas, e tudo que eu pude fazer por alguns segundos foi torcer para que ele atendesse.

Sun Hee! — atendeu ofegante, logo no segundo toque. — Como você está?

Mais uma vez, foi inevitável não me sentir culpada. Por minha causa, Yoongi havia passado as últimas três horas preocupado, provavelmente não conseguindo focar em seu trabalho, o que uma das coisas que mais o frustrava em sua vida.

— Agora eu estou bem. — respondi, determinada a não mentir para ele. Se eu o fizesse, só pioraria a situação. — Logo mais poderei ir para casa.

Do outro lado da linha, Yoongi suspirou, nitidamente aliviado.

Mas o que aconteceu?

— Eu... estava sobrecarregada. — aish... eu levaria uma bronca por isso dentro dos próximos segundos. — Estava trabalhando demais no restaurante e não dormia direito, então...

Desculpe. — Yoongi me interrompeu, surpreendendo-me. — Eu tinha noção de que aí já era tarde da noite, mas mesmo assim insistia em ligar. Eu só queria ouvir a sua voz, mas deveria ter pensando em você primeiro.

Yoongi soava extremamente chateado e arrependido, o que fez surgir em meu interior uma inútil e repentina vontade de chorar. Não só por ele, mas por tudo. Eu estava acumulando tantas coisas, que tinha conseguido afetar até mesmo as pessoas ao meu redor (que, no caso, encontravam-se também do outro lado do planeta). Porém, derramar lágrimas naquele momento não ajudaria em nada; pelo contrário, me desidrataria ainda mais, do ponto de vista clínico. Por isso, engoli em seco e respirei fundo.

— Não é culpa sua, Yoongi. — disse, ternamente. — Eu fui descuidada com a minha saúde. Mas prometo que, de em agora em diante, tomarei todo o cuidado do mundo e não ficarei mais doente.

Uma longa pausa deu-se entre nós. Eu já estava começando a  ficar inquieta por causa daquela repentina tensão quando Yoongi finalmente demonstrou alguma presença, pigarreando.

Não é só isso, Sun Hee. — disse, quase sussurrando. Ele parecia cansado e fazendo aquilo contra sua real vontade, o que provocou um involuntário aperto no meu coração. — Eu... não posso continuar fazendo isso com você.

Mesmo que ele não pudesse me ver naquele momento, eu instantaneamente franzi o cenho. No fundo, eu não queria entender ou me dar conta do que ele estava falando, mas isso não impediu a crescente ansiedade dentro de mim de se manifestar.

Isso o que? — indaguei cuidadosa.

Mais uma pausa. Eu não podia vê-lo, mas com certeza podia senti-lo. Mesmo que milhares quilômetros nos separassem naquele momento, a carga emocional que eu podia sentir do outro lado da linha seria igualmente intensa se ele estivesse ali, bem ao meu lado, olhando nos meus olhos tristemente.

Prendendo-a a mim. — respondeu, por fim. — Eu sei que talvez você não esteja me entendendo muito bem agora, mas eu a conheço melhor do que você imagina, Sun Hee. Nesse momento, você precisa de espaço para si própria, não de alguém que lhe atrapalhe a viver a sua vida.

— E quem diabos lhe disse que você atrapalha a minha vida? — retruquei, incapaz de esconder a minha indignação e minha mágoa por conta de suas palavras.

Por favor, não me odeie. — pediu, ignorando a minha pergunta. Yoongi soava calmo e maduro, o que fazia crescer em mim um misto de sensações que eu ainda não havia experimentado em minha vida. — Tudo o que eu estou pedindo é um pouco de tempo. Prometo que, quando eu voltar, nós conversaremos melhor.

Eu não fazia ideia do que responder. Em silêncio, com um texto revoltado preso em minha garganta e um par de lágrimas escorrendo em minhas bochechas, eu não conseguia entender o porquê de Yoongi estar fazendo aquilo. Tudo bem, eu havia realmente invertido a ordem de importância de algumas coisas na minha vida nos últimos tempos, me descuidado e sobrecarregado, mas em que parte aquilo poderia ser culpa de Yoongi? Ele demorava um pouco para ligar e, quando o fazia, geralmente era tarde da noite, isso eu tinha de admitir; mas nada disso justificava sua decisão. Eu estava, sim, extremamente chateada com ele naquele momento e, com o ego machucado, me recusei a tentar entender o seu ponto de vista.

— Você tem certeza disso? — indaguei, entre os dentes.

Eu não queria agir assim. Pelos céus, mais uma vez nós nos encontrávamos em uma situação que poderia ser simplesmente resolvida com uma conversa, mas, mesmo assim, eu estava deixando meu orgulho falar mais alto. Por que tinha que ser assim?

Respirei fundo. Eu estava tão cansada. Mesmo assim, eu estava disposta a me esforçar o pouco que fosse.

— Nós vamos conversar quando você voltar, certo? — emendei, repentinamente mais amuada e menos irritada. Eu queria dizer mais, queria questioná-lo, até gritar se fosse preciso... mas me sentia inutilmente debilitada para fazer qualquer um deles.

Eu prometo que vamos. — respondeu, com um tom que mesclava doçura e mágoa.

— Eu não consigo entendê-lo, Yoongi. — desabafei, nitidamente segurando meu choro infantil e sem nexo.

Mas vai. Eu prometo.

Mais nada foi dito. Depois de longos e intermináveis segundos de silêncio, eu tomei a iniciativa de encerrar a ligação. Domada por um misto de confusão, mágoa, cansaço e mais uma dúzia de sentimentos os quais eu não entendia, eu enfiei meu celular debaixo do travesseiro e me deitei. Na verdade, eu sentia que podia compreender Yoongi; só não conseguia fazê-lo naquele momento.

Eu poderia ter dito mais. Tentado mais, talvez. Mas, ao invés disso, mergulhei a cabeça no travesseiro, que tinha o cheiro característico de hospital, e torci para que tudo aquilo não passasse de um sonho ruim quando eu acordasse.

 

***

 

Depois de mil quatrocentas e sessenta e quatro horas de tentativas, eu havia falhado. Tinha perdido o contato com Yoongi de vez pelo próximo mês (depois de muito custo, eu havia aceitado o tempo que ele me pedira), descuidado do meu próprio corpo e, de bônus, perdido meio dia de trabalho — tudo bem, o trabalho nesse momento era o menos importante da minha lista, mas não custava nada lembrar-me das consequências da minha teimosia.

Contudo, eu estava estranhamente calma.

Dando uma segunda olhada na minha situação, eu sentia que seria um pouco dramático da minha parte enfiar-me sob meus cobertores e desistir, como estava internamente desejando. Por isso, assim que recebi alta do hospital e tive certeza de que estava bem, eu convenci Jung Soo a me dar uma carona até o restaurante; sob a restrita condição de que iria apenas abri-lo e não colocaria um dedo sequer na cozinha. Na verdade, seria uma boa distração para mim e me ajudaria a ganhar um pouco de disposição, duas coisas das quais eu estava precisando naquele momento.

Bem, aceitar uma situação não significava exatamente estar calma, então desconsiderem a minha afirmação de um pouco mais acima.

— Tem certeza de que está tudo bem você ficar aqui sozinha? — questionou Jung Soo pela enésima vez, estacionando de frente para o restaurante.

— Tenho, Jung Soo. — respondi, mais uma vez. —Eu já me sinto melhor e, além disso, daqui a pouco os funcionários do turno da noite estarão chegando. Não se preocupe, está tudo bem.

Minha amiga me fitou durante um par de segundos, nitidamente lutando contra a vontade de trancar as portas do carro e levar-me à força para casa.

— Não faça nenhum esforço. — ordenou, por fim.

Eu não consegui segurar uma risada. Concordei prontamente com a cabeça e, em seguida, saltei do veículo. Por algum motivo, quando pus meus pés na larga calçada de cimento, eu me senti estranhamente acolhida. Claro, o restaurante era como um lar para mim, mas era a primeira vez que meu coração se aquecia daquele modo ao abrir a porta da frente; era como se algo familiar estivesse esperando por mim lá dentro.

Quando finalmente alcancei os interruptores da luz do salão, surpreendentemente percebi que não era apenas uma sensação, mas sim um pressentimento. Depois de quase saltar de susto ao deparar-me com Yoongi sentado pacientemente na mesa central do salão, fitando-me com uma expressão um tanto neutra, eu precisei de vários segundos para processar toda aquela cena. Ele não estava do outro lado do mundo, nem a milhares de quilômetros de distância de mim — ele estava ali.  Levantou-se e finalmente exibiu aquele sorriso pequeno que eu tanto amava, como se fizesse questão de deixar claro para a minha consciência que aquilo não era um sonho ou uma ilusão.

Pelos céus, eu sentia como se não nos víssemos há séculos. Cada pequena célula do meu corpo implorava para correr para os seus braços, como se eu necessitasse sentir o seu calor e o seu aroma cítrico, mas eu estava simplesmente chocada demais para me mover.

— Fico feliz em poder ver que está realmente bem. — disse, ainda distante. Naquele momento, eu percebi que havia sentido falta até mesmo de sua voz.

— Você... não deveria estar...

— No Brasil. Sim, deveria. — respondeu, rindo do modo como eu mal conseguia formular uma frase. — Mas o nosso show precisou ser adiado e, por isso, nós ganhamos uma semana de folga.

— Você veio até aqui só porque eu passei mal? — indaguei, incapaz de conter a minha curiosidade ou de conseguir raciocinar direito.

Mais uma vez, ele riu, como se estivesse lidando com uma criança ingênua.

— Na verdade, quando eu liguei para você, havia acabado de chegar no aeroporto. Queria saber onde estava para fazer uma surpresa.

Com a respiração descompassada, eu consegui pelo menos expressar um sorriso sem jeito. Aquela situação parecia tão surreal para mim, que eu inconscientemente estava agindo como se fossemos dois estranhos, inclusive mantendo uma distância considerável entre nossos corpos.

— Bem, eu estou surpresa. — respondi. — Mas... e toda aquela conversa sobre precisar de espaço pelo telefone?

— Foi uma pequena punição. — disse, coçando a nuca. — Sabe, por não ter se cuidado e ter acumulado tanta coisa para si mesma. Mas eu disse que você entenderia em breve e, bem, aqui estou eu para lhe explicar.

— Foi isso? — indaguei imediatamente, me perguntando mentalmente o que diabos Yoongi tinha na cabeça.

— Eu também surtei um pouco na hora, eu admito. — respondeu, sem graça. — Fiquei com medo que descobrisse o que eu estava aprontando, também um dos motivos pelo qual precisei me conter para não correr até o hospital para vê-la.

Tudo bem, aquilo sim era muito para processar de uma única vez. Respirei fundo e puxei a cadeira mais próxima, sentindo uma súbita e estranhar necessidade de me sentar.

— O que foi? Você não está se sentindo bem? — Yoongi repentinamente aproximou-se, preocupado.

Agachado ao meu lado, sua aproximação causou em mim uma série de arrepios. Diabos, eu amava aquele homem, mas havia tanto para ser esclarecido naquele momento, que isso tornava o nosso reencontro um tanto peculiar.

— Eu estou bem, não se preocupe. Mas... — pausei, fitando-o. — Eu ainda não consigo entender o que lhe fez passar quase trinta horas dentro de um avião, parando no meio de uma turnê mundial apenas para vir até aqui e me fazer uma surpresa bem diferente.

Eu esperava que Yoongi fosse me encarar como uma ingrata ou até mesmo maluca, contudo, havia compreensão e felicidade em seu olhar, o que tornou aquela situação um pouco menos estranha.

— Bem, tecnicamente, é porque eu te amo como um louco e estava literalmente quase morrendo de saudades. Todavia, eu tenho que admitir que tenho um motivo por trás disso.  — Yoongi dizia aquelas palavra tão naturalmente, que até mesmo conseguia fazer com que elas soassem menos impactantes do que eram. — É tudo culpa do Namjoon que, no meio da França, resolveu nos dizer como era importante ter um plano B.

Sem entender absolutamente nada, eu franzi o cenho fortemente, esperando que ele continuasse a história. Para a minha sorte, ele o fez prontamente.

— Nós levamos uma vida relativamente boa, Sun Hee, porém não muito instável. E foi justamente baseado nesse fato, que o economista Namjoon nos aconselhou a fazer coisas como investir o nosso dinheiro. Algo como aplicar uma boa quantia em um negócio estável, para que, caso alguma coisa aconteça no futuro, nós tenhamos pelo menos como nos sustentar. — pausou, sacudindo a cabeça. — Eu sei que para você essa conversa pode não fazer muito sentido, mas, mesmo assim, ainda foi algo que me deixou pensativo durante um bom tempo.

Em um ponto específico, Yoongi estava repleto de razão: eu não estava entendendo muita coisa. Tudo bem, como de costume, Namjoon havia tentado colocar algum juízo na cabeça dos meninos — mas, por algum motivo, isso resultou em Yoongi parado aos meus pés falando várias coisas sem sentindo para mim.

— Então, eu percebi que poderia perfeitamente fazer o que ele havia dito. — do bolso do blazer preto que usava, Yoongi tirou alguns papéis, grampeados e dobrados em três partes. — Sun Hee, eu sei como você ama esse restaurante e isso me faz querer participar desse momento da sua vida, mesmo estando tão longe. Por isso, eu lhe peço que escute bem a minha proposta e não se ofenda com ela, certo?

Dez vezes mais confusa, eu hesitantemente afirmei com um balançar de cabeça, indicando que ele poderia prosseguir. Pigarreando, Yoongi ajoelhou-se de vez ao meu lado e, parecendo nervoso, estendeu-me as folhas que segurava.

— Kim Sun Hee, você me aceita como seu sócio vitalício? —perguntou, sério.

Há algum tempo eu já não falava mais nada, porém, naquele momento, eu havia ficado muda de vez. Pegando o papel que Yoongi me oferecia e desdobrando-o, eu pude perceber que era um contrato. Ele estava realmente falando sério. Eu lhe pagaria apenas metade do valor do restaurante e, depois disso, seríamos sócios por tempo indeterminado; pelo menos era isso que dizia nas últimas linhas da primeira folha.

Sem que eu percebesse, uma pequena lágrima brotou no meu olho esquerdo. Nós, definitivamente, não éramos um casal convencional. Depois de dois longos meses viajando pelo mundo, Yoongi havia finalmente encontrado uma brecha para passar mais de um dia dentro de um avião, apenas para me ver. Ainda, ao chegar aqui, resolveu inventar uma mentira maluca para que eu não descobrisse que ele esperava por mim e, de bônus, veio com uma proposta completamente inesperado — porém com um sentindo que ia muito além das palavras escritas naquelas folhas. Yoongi estava, na verdade, tentando pedir-me para ficar ao seu lado para o resto da sua vida, participando de cada momento, conquista e derrota da minha. Aquele era, tecnicamente, o seu jeito de me pedir em casamento.

E não havia mais de uma resposta possível para aquele pedido.

— Você sabe que poderia ter me perguntado isso por telefone, não é? — indaguei, já com a voz emocionada e bobamente feliz.

— Eu sei. — respondeu, rindo. — Mas você sabe como eu tenho tendência a exagerar nas coisas e...

Eu não permiti que ele terminasse sua fala. Como nós estávamos praticamente na mesma altura, eu me inclinei um pouco para frente, finalmente selando nossos lábios e nos reencontrando decentemente. Aigoo... como eu havia sentido saudade de cada pequeno detalhe e gosto daquele beijo. Calmo e intenso, doce e profundo, gentil e desesperado. Uma grande e deliciosa mistura de diversos sentimentos, a qual eu pretendia sentir para sempre. Depois de alguns minutos, eu delicadamente nos separei, disposta a fitar cada detalhe do seu rosto. Ao me deparar com a sua expressão um tanto pega de surpresa, foi inevitável não sorrir.

Naquele momento, eu era, de longe e sem sombra de dúvidas, a mulher mais feliz de toda a humanidade. E isso graças ao homem parado bem ali, na minha frente.

— Min Yoongi, eu lhe aceito como sócio. — afirmei. — Porém, apenas com a condição de que seja realmente um cargo vitalício.

Ao ouvir a minha resposta, o pequeno sorriso de Yoongi alargou-se em proporções inimagináveis. Ele concordou prontamente com a cabeça.

— Eu prometo que será. — disse, ternamente.

E foi assim que tudo aconteceu. Um certo dia, a pacata e diferente nutricionista Kim Sun Hee foi enganada, tentou pedir um aumento de salário e acabou ganhando o melhor emprego do mundo. Assim, ela conheceu o ranzinza e extremo Min Yoongi e, apesar dos dois terem vários pontos divergentes entre si, eles acabaram se apaixonando como a chegada da primavera — gradativamente florida, trazendo consigo ares novos. Eles se amaram, brigaram, se reconciliaram e sempre estiveram lá para apoiar um ao outro, além de receber todo o apoio do restante da família Bangtan. Eles seguiram os seus sonhos e, no fim das contas, perceberam que estarem juntos sempre fora parte dos seus planos, mesmo que nem sempre soubessem disso.

Então, eu e Yoongi seguimos como sócios vitalícios.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Bem, senta que lá vem história.
Esse não era o final que eu havia planejado (na verdade, está bem longe dele), por tanto eu me sinto um pouco insegura em relação a ele. Eu aguardarei os comentários de vocês para que possam opinar mas, mesmo assim, já posso lhes garantir uma coisa: HAVERÁ UM EPÍLOGO. Não sei quando, provavelmente não muito em breve, mas eu prometo de dedinho que trarei mais um finalzinho para essa história. Por isso, as opiniões de vocês são exxxxxtremamente importantes nesse momento.
Nos veremos pela última vez em breve, queridos. Espero que tenham gostado do final, e que apreciem o epílogo que virá. Muito obrigada por todo carinho e incentivo, de verdade ♥ Vocês foram simplesmente os melhores do mundo.

Até ♥



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "BTS's Doctor Crush" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.