Chove lá fora.

Não de verdade, com gotas de água empapando camisas, empoçando o chão ou entupindo canos. Não é isso. Isso seria bom, porque acabaria. Esse é o fim do que existe no mundo das coisas, afinal: acabar.

Mas no mundo das ideias, esse mundo que, como que por anátema, Marlon tanto visita, as coisas são diferentes. São duras, pétreas.

— Não se preocupa com eles – Davi diz.

Mas que tipo conspícuo de ser Marlon seria se não pensasse nos pais, em algum lugar lá fora, em estado de euforia... “Euforia” é mesmo a palavra certa? “Euforia” emana algo bom, mas não foi algo bom que eles disseram para Marlon no dia anterior.

Sendo sincero, não foi algo bom que eles o disseram em momento algum. Como poderiam, com um filho tão diferente deles? Eles são como uma galinha. Marlon, como um pato...

Ou talvez um pavão.

Um pavão combina mais com ele, com esses cílios grandes e a camiseta estampada com o arco-íris. Não que a camisa seja dele. É de Davi.

Essa não é a primeira coisa que eles trocam, afinal.

Não é esse o problema?

— Você pode ficar aqui o tempo que precisar – Davi continua, arrefecido. Arrefecido do tipo bom, como um copo de leite com biscoitos antes de dormir.

A ingenuidade desse pensamento faz Marlon sorrir.

— Você é incrível, sabia?

Davi sorri. Marlon se pega o admirando assim. Ele tem orelhas pontudas e olhos pequenos. Meio magricela também, mas Marlon não liga, porque ambos são.

— Já me disseram isso antes.

Foi Marlon quem disse.

Também é Marlon quem envolve o rosto de Davi com as mãos e os torna tão próximos a ponto de eles alcançarem algo além de proximidade física.

Além de mera cumplicidade.

Marlon desconhece a palavra certa.

Mas não é isso o amor?