Você Do Passado - Hiatus escrita por Eu-Pamy


Capítulo 1
Quando a porta se abre.


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura!



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A vida é um presente e o passado a introdução. O tempo transforma o mundo segundo por segundo e tudo que acontece agora já faz parte da História. 

 

Capítulo 1 – Quando a porta se abre. 

Alice estava atrasada.

Consciente do horário que seu ônibus passaria, se apressou com suas bolsas e livros, mantendo a calma para não tropeçar; caso ela perdesse aquele ônibus teria que esperar o próximo pelo menos mais vinte minutos em pé em meio a buracos e um trânsito infinito que se estendia pela avenida.

A noite já cobria a cidade, lembrando-a do quão perigoso seria uma mulher ficar em um ponto de ônibus sem companhia. Ouvira durante o almoço, um grupo de estudantes conversarem sobre a amiga que fora assaltada três dias atrás naquele bairro enquanto voltava para casa, mas aquilo não surpreendeu Alice, era comum na verdade este tipo de relato. Era São Paulo, afinal.

As aulas daquele semestre estavam apenas começando, aquela sendo a primeira semana de aula e, embora normalmente fosse a mais tranquila, Alice estava tendo problemas com a organização de seu escritório depois que um cano do banheiro quebrou durante a noite e acarretou em um enorme vazamento de água. 

Ela levou quase a manhã inteira para secar o piso alagado e tentar salvar alguns documentos que foram atingidos pela água. E ela própria teve que fazer tudo sozinha porque a universidade dispensou metade da equipe de limpeza por falta de orçamento, mas sua chefe não se importava com isso e até acusou Alice de ser molenga e estar sempre procurando desculpas, como se o cano estourado fizesse parte de um plano da funcionária para não trabalhar. O que seria burrice, porque ela teve que trabalhar muito mais naquele dia por causa disso e gastar três vezes mais energia para manter seu trabalho em dia se não quisesse se juntar a lista de “cortes da universidade por falta de orçamento”.

 Como em todas as noites, a cidade estava abarrotada de pessoas nas calçadas, elegantes ou não e de todas as idades. Na avenida carros disputavam espaço levando motoristas com expressões enfurecidas ou entediadas para seus incontáveis destinos. O trânsito se formava depois de alguns faróis e ia crescendo conforme os minutos passavam.

Era o horário de pico noturno, quando a maior parte das empresas e escolas fechavam e alunos, pais e funcionários voltavam para casa, ou melhor, tentavam voltar, porque com aquele trânsito aquilo parecia mais uma missão impossível.

O cheiro de borracha queimada e fumaça empesteavam o ar e os mais pequenos e diversos sons se uniam como se fossem uma única voz, como se fosse impossível dizer onde começava o barulho das buzinas e terminava o som dos passos, dos pneus e das pessoas ao telefone ou conversando entre si.

Entre a escuridão da noite e a luz dos faróis, das lojas e postes, tudo estava conectado como um quadro, cada detalhe tornando São Paulo o que é realmente.   

Por sorte  ou nem tanto, já que sorte mesmo é trabalhar perto de casa  Alice voltaria de ônibus e naquela avenida os ônibus tinham a própria pista, então isso apressaria sua volta alguns preciosos minutos, entretanto, ela não teria escolha a não ser se amassar entre dezenas de pessoas desconhecidas e praticamente ficar todo o trajeto de mais de quarenta minuto sem respirar e se esforçando para não cair e acabar se machucando.

Uma das exigências do seu departamento era o uso de salto médio por parte das funcionárias e, como esperado, Alice estava usando os dela naquele momento enquanto tentava caminhar o mais rápido possível sem esbarrar em ninguém. Ela estaria correndo com certeza, mas por mais de uma razão aquilo não era cabível. Então com toda habilidade que tinha desviou de pedestres, atravessou ruas e um cruzamento, tentou não perder tempo com nada e com muita sorte chegou no ponto no exato momento que seu ônibus estava se aproximando.

Algumas pessoas entraram na frente de Alice, duas senhoras, um homem e uma criança, e Alice se apressou para não ficar para trás.

O motorista do ônibus, um senhor de pele amendoada e olhos gentis, já era seu conhecido e ambos trocaram um sorriso.

Ela suspirou ofegante vendo que obviamente todos os lugares já estavam ocupados e muitas pessoas estavam em pé nos corredores. Segurou suas bolsas, ela carregava três normalmente, com mais firmeza contra o corpo e foi em direção a catraca enquanto procurava seu bilhete único.

Era um ônibus sem cobrador e Alice reparou que o ônibus demorou a voltar para a avenida já que uma das senhoras que passou em sua frente estava pagando em dinheiro para o motorista.

O imenso organismo de ferro voltou a mover-se com um grande solavanco que quase jogou Alice no colo de um estranho, ela se desculpou e o rapaz a olhou condescendente.

Alice era uma jovem de trinta e dois anos, embora ninguém dissesse isso ao conhecê-la inicialmente, sobretudo por causa de sua aparência.

Normalmente vestia roupas formais, preferindo calças lisas e de cores frias, e blusas claras com terninhos.

O cabelo castanho mel vivia preso em um rabo de cavalo alto que deixava o rosto de feições delicadas a mostra. Não gostava muito de maquiagem, mas usava sobretudo por causa do trabalho, embora sempre muito discreta.

Tinha a pele clara e sem manchas, em um tom um pouco rosado que a incomodava, e os olhos grandes, negros com um brilho profundo e longos cílios o adornando, transformando seu olhar em algo incomum e exótico.

Seus outros traços também eram muito atraentes: um nariz fino e reto, e a boca pequena e levemente vermelho, com lábios carnudos e molhados que chamavam muita atenção. Não era muito alta, mas ainda mais alta que a maioria, sendo a mulher mais alta da família com 1,75 de altura.

Comportava-se sempre de maneira fina e madura, olhando a todos com gentileza, mas quando falava mostrava uma certa fragilidade, principalmente por causa de sua timidez, e a expressão tornava-se meiga, o que talvez fosse a causa de muitos confundirem a sua idade.

Com suas três bolsas rodeando o corpo, Alice se dirigiu para o mais fundo do ônibus segurando-se com cuidado para não passar por mais nenhum constrangimento. O salto a incomodava a cada pisada e os olhares que a lançavam também, um ou dois homens pareciam achá-la com cara de televisão e ficaram encarando-a por tempo demais.

Acabou que um deles desistiu de ser inconveniente após alguns minutos, mas o mais jovem continuou com o olhar congelado em Alice até o final, e foram quase cinquenta minutos até chegar o ponto dela.

 A maior parte das pessoas desceram naquele ponto, pois era próximo ao metrô, mas Alice ficou aliviada vendo que seu mais novo fã não foi um deles.

Seguiu para a rampa do metrô e caminhou até as catracas, passou seu bilhete e foi para a escada rolante.

Teria que passar por mais cinco estações até finalmente chegar a casa do melhor amigo.

E ela estava atrasada.

Quase meia hora atrasada!

Sabia que Gil já a estaria esperando e imaginando coisa com o seu atraso, não que ele fosse mostrar isso, mas Alice sabia que no fundo ele se importava e temia que ela não fosse aparecer.

 Gil...

Alice suspirou enquanto entrava no vagão do metrô.

Com o seu atraso, chegou ao metrô quando as coisas já estavam um pouco melhores e foi mais fácil conseguir lugar, ainda assim ficou em pé e cercada por muitas pessoas.

Estava calor e um cheiro de perfume e suor insuportáveis, e para ajudar o vagão não tinha ar-condicionado.

Levou mais vinte minutos, a cabeça de Alice quase estourando de dor, até que finalmente ela chegou na sua estação.

Aliviada, se espremeu para conseguir sair e foi em direção as escadas rolantes.

Levou mais dez minutos até que descesse a rampa de saída e mais quinze caminhando até a casa de Gil que graças a Deus não ficava tão longe da estação.

Gil morava em um pequeno condomínio de cinco andares e seu apartamento ficava no quarto andar.

Alice chegou ao portão ofegante, o lugar ficava em uma rua elevada e íngreme e os saltos não ajudavam na subida.

Ela sorriu para o porteiro e esperou que ele liberasse sua passagem. Como sempre acontecia, Carlos, o nome do senhorzinho da portaria, ficou contente ao vê-la e começou logo a tagarelar quando a jovem se aproximou do seu balcão. Alice sorriu e concordou com o quer que fosse que Carlos dizia, tentando respondê-lo sem parecer muito cansada.

— O elevar está quebrado, senhorita. – Carlos falou quando Alice se despediu e seguiu para o único elevador do condomínio.

Alice não quis acreditar nos seus ouvidos. Sério?

— Sério? – Ela não conseguiu controlar toda a sua decepção, voltou para o balcão onde Carlos ficava. – Será que esse frízer está funcionando? – Ela apontou com o queixo para o pequeno compartimento atrás do velho – Se eu vou subir de escada vou precisar beber água antes. – Carlos sorriu saindo de sua cadeira, foi até o compartimento e pegou uma garrafa de água, estava lacrada e trincando de gelo.

 — Eu sempre tenho água gelada, senhorita. É o que me salva nesses dias de calor! – Falou entregando a garrafinha com água.

Alice aceitou com gratidão, retirou a tampa e deu um longo gole. O líquido desceu por sua garganta e todo seu corpo que estava quente e suado retesou com a mudança de temperatura, mas Alice não se incomodou e logo dava outro gole generoso.

Aquela água pareceu-lhe enviada pelos céus!

— Quanto é que te devo, Carlos? – Alice perguntou o preço, já começando a abrir um bolso a procura da carteira, mas Carlos interrompeu-a.

— Não há necessidades, senhorita! Essa água é de uso da portaria – e diminuindo o tom de voz completou: – é mais barato para eles me pagarem pelo uso de um frízer do tempo da primeira guerra do que um bom ar-condicionado! Não precisa pagar.

Alice riu do jeito do velho.

— Tem certeza?

— Absoluta. É mais barato para eles te pagarem pela água gelada que pelo conserto do elevador, entende? É assim que o mundo é, senhorita.

— Tem razão, Carlos. Obrigado.

Alice se dirigiu para as escadas e começou a subir, então percebeu o que estava fazendo e parou, olhou para os pés com uma ruga de irritação na testa.

Aqueles malditos saltos... Não dá mais!

Então possuída por uma ira tremenda, sentou-se em um dos degraus e livrou-se da tortura daquele objeto infernal. O alívio foi tamanho que Alice não conseguiu controlar o som prazeroso que saiu pelos seus lábios. Liberdade, finalmente.

Tomou mais um gole da água e voltou a subir as escadas, os pés ainda estavam dormentes, mas andar não parecia mais uma penitência. 

Chegou ao terceiro andar sem grandes dificuldades, a água talvez tivesse dado mais energia ou as pernas estavam realmente se esforçando para chegar logo a casa de Gil. Ainda assim, os últimos trinta degraus foram os mais terríveis e Alice subiu mais devagar, se concentrando para não parar e ficar o restante da noite ali, sentada em degraus sujos, exausta.

A barriga doía pela fome, a cabeça pelo cansaço, também o joelho e até mesmo a coluna que dificilmente dava sinais de esgotamento, tinha pontos sensíveis que a incomodavam.

Lembrou-se então das horas que passou agachada catando água com metade de uma garrafa pet cortada e jogando o liquido em um balde, depois secando o piso com pano. Aquilo certamente tinha cobrado um preço do seu corpo.

Eu. Preciso. Chegar. Logo.

Uma mulher e uma criança desciam as escadas e a criança olhou cheia de curiosidades para Alice em seu estado de extremo cansaço quase se apoiando nas paredes a cada degrau, andando descalça e ofegante.

Alice a cumprimentou com seu melhor sorriso, reconhecendo a mulher como sendo a vizinha de Gil e a criança o sobrinho dela.

Era uma boa pessoa, vivia no condomínio há mais tempo que Gil, e Alice lembrava-se de algumas vezes ter recebido ajuda daquela mulher sem qualquer tipo de recusa. Infelizmente não recordava o nome daquelas pessoas e a senhora também parecia apressada e voltou a descer depois de retribuir o cumprimento.

Então a jovem também voltou a subir, as bolsas pesando toneladas, e depois de alguns degraus, chegou.

Caminhou até a porta de Gil, pegou a chave de dentro da lateral de uma das bolsas e abriu a tranca.


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Notas finais do capítulo

Alice é muito importante para a história, gosto muito dela. Mas vale lembrar que essa é uma fic Yaoi, e esse será o foco da história.

Beijos.



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