O vento era violento do lado de fora, a lareira crepitava e Magnus dormia.

Alec o observava, o rosto desprovido de qualquer maquiagem mantinha uma serenidade tão confortante que mal parecia refletir o que eles haviam sentindo naquele mesmo dia horas mais cedo.

Com Valentine, a Espada, tantos submundanos mortos

Magnus parecia dormir sem aquele peso, Alec porém se via incapaz daquilo.

Tantos corpos, tanto sangue, tantas pessoas mortas no Instituto e um medo esmagador de que Magnus em algum lugar, estivesse em meio a elas.

Morto, frio, sem vida.

Aquele pensamento fez com que um arrepio percorre-se todo seu corpo. Anos, tantos anos, eles teriam tantos anos juntos pela frente e o fato de poder tê-lo quase perdido parecia tão cruel, tão errada, tão injusta.

Levou a mão mansamente ao rosto do namorado e percorreu sem pressa alguma o contorno da bochecha dele o vendo apenas remexer-se por um momento com aquele toque. Alec respirou fundo e sorriu, a pele aquecida pelo cobertor de seda e o calor que vinha da lareira o mantinha assim, caloroso, quente, vivo.

O pensamento de perder Magnus novamente veio a sua mente e o seu estômago se revirou e um estranho incomodo se abateu sobre seu coração. Era horrível pensar que algum dia, que em algum maldito dia ele poderia se ver obrigado a deitar naquela mesma cama, com os mesmos lençóis de seda que exalariam o mesmo aroma de Magnus que ele tanto amava. Mas que porém, em sua mesmice ele já não poderia mais esperar que ele saísse do banheiro trazendo consigo uma nuvem de vapor e um sorriso no rosto por vê-lo lá a sua espera.

Era doloroso.

E nessa linha de raciocínio um outro pensamento igualmente terrível veio. Apenas em circunstâncias extremas e inimagináveis Alec acabaria tendo que se deparar com Magnus morto, mas… E quanto a Magnus?

Os anos passariam, o tempo não pararia e ao menos que Magnus surgi-se com algum feitiço Alec morreria. Fosse cumprindo seu dever como shadowhunter ou apenas pelos anos que viriam e se acomodariam em suas costas sem que ele pudesse evitar.

Um dia ele morreria, e então ele deixaria Magnus ali. Sozinho. E essa era a única coisa que mais doía do que imaginá-lo morto.

Deveria se preocupar tanto com algo que parecia tão distante? Afinal, como um Alto Feiticeiro com tantos anos de vida Magnus saberia lidar sem ele não é? Saberia lidar com a perda de uma pessoa não é mesmo?

Saberia lidar com mais uma perda…

Alec se levantou jogando toda aquela seda para o lado e andou pelo apartamento de chão frio a procura de qualquer coisa que pudesse escrever. Não podia deixar as coisas daquele jeito, não daquela maneira. Poderia nem mesmo acontecer, mas ele tinha que fazer.

Porque um dia, ele morreria. E de alguma forma, ele queria deixar Magnus preparado.

Quando depois de procurar por longos minutos qualquer coisa que pudesse usar, Alec achou, por fim, algumas folhas soltas e uma caneta com a tinta já falha. Aquilo soou para ele como um aviso de que deveria ser breve e objetivo, mas como ser assim quando o que pretendia fazer seria uma carta de despedida para um futuro distante?

Afinal, como ele faria aquilo?

Encarou por longos minutos o papel em branco pensando o que escrever ali. As diversas maneiras de começar sendo que nenhuma parecia ser boa o suficiente para aquela situação. Tocou com a ponta da caneta o papel e as primeiras palavras surgiram quase que imediatamente.

“Se estiver aqui, algo ruim aconteceu comigo.”

Alec riu, aquilo parecia mais uma mensagem que antecedia uma guerra do que uma carta.

“Eu acho que não tenho muito o que dizer, principalmente se considerar o fato de que eu estou aqui enquanto escrevo isso. Só queria te deixar pronto.”

Ele parou por um momento, estava fazendo aquilo do jeito certo?

“Nós dois sabíamos que isso aconteceria, não sei se vai ser muito cedo ou no nosso tempo. Sei apenas que aconteceu, pois como eu disse, você está aqui.”

Coçou o cabelo e respirou fundo. Alec nunca fora bom com as palavras e quando tinha a necessidade de escrevê-las aquilo se mostrava mais verdade do que qualquer coisa.

“Magnus… Aconteceu, simplesmente aconteceu. Não podíamos evitar, não havia nada que pudéssemos fazer. E o que eu quero dizer é que eu não quero que chore ou fique triste por mim. Se eu bem te conheço — e eu acho que realmente conheço — sei que provavelmente estará com uma bebida em mãos dentro desse apartamento sozinho. Eu não quero que faça isso.”

A tinta da caneta falhou e Alec riscou uma das folhas até que ela volta-se a sair.

“Saia com a Izzy, converse com a Clary, beba com Jace ou até mesmo faça qualquer coisa com Simon. Eu apenas não quero que vocês parem por minha causa, não quero que você pare por minha causa. Porque você é incrível demais para parar por causa de um simples shadowhunter.”

O pulso doeu pela escrita quase constante. Parou por um outro momento antes que continuasse com aquilo.

“Mags eu te amo muito, e você sabe disso. E tudo o que eu menos quero e te ver triste por mim, da mesma maneira que você me disse uma vez que detestaria me ver triste por você ou qualquer outra coisa. Eu gostaria de te proteger do mundo, mas além de saber que você não precisa, eu não posso.”

Fechou os olhos e respirou fundo. Percebeu que aquilo estava mexendo com o — naquele momento nem tão controlado — Shadowhunter.

“Eu apenas quero que saiba… Que eu não vou te deixar, nunca. Enquanto você viver eu estarei com você, sou um nephilim e isso deixa tudo mais fácil. Eu serei seu anjo da guarda e o protegerei da melhor maneira que puder. Seja em algo perigoso ou apenas evitando que seu dedo do pé bata na quina da mesa, porque eu sei o quanto você odeia quando isso acontece. Eu só quero que saiba que eu estarei aqui.”

A tinta da caneta voltou a falhar e ele sabia que riscá-la contra o papel não a faria voltar dessa vez. A última frase foi seu último pensamento para aquela tão incomum carta.

“Enquanto você viver, eu sempre, sempre e sempre estarei aqui.”

Por muito pouco aquela última frase não saiu ilegível. Alec olhou para a folha e novamente respirou fundo, rápida e objetiva era a última coisa que aquela carta era, mas quanto mais Alec escrevia mais ele se via obrigado a admitir que aquela não seria a maneira correta. Ele queria fazer aquele momento durar. Porque mesmo que soubesse que estava ali e que Magnus estivesse no cômodo ao lado uma saudade chegou sobre ele e Alexander jurou a si mesmo que varia aquele tempo valer.

Poderia ser um tempo curto para Magnus, mas ele queria que parece-se infinito.

Olhou novamente a carta em mãos e a dobrou antes que seu senso de perfeccionismo o fizesse corrigir qualquer erro ou frase incoerente. Andou de volta ao quarto e deixou entre os cobertores, parecia ser um lugar óbvio, mas se havia algo que Alec tinha certeza que Magnus não faria seria mexer naquela parte do guarda-roupa.

Quando voltou para a cama para deitar-se ao lado de Magnus ele ouviu um resmungo sonolento.

— Onde estava? — As palavras saíram arrastadas como se tivessem preguiça de serem ditas.

— Não estava em lugar nenhum. — Alec o respondeu em voz baixa, deixando que ele se aproxima-se e deita-se a cabeça sobre seu peito.

— Estava sim. Seus pés estão gelados.

Alec riu daquele comentário, era incrível como mesmo estando embebido pelo sono Magnus era capaz de perceber as coisas ao seu redor.

Ele apenas beijou a testa do namorado que já havia fechado seus olhos e se entregava pouco a pouco a seu sono.

— Apenas durma. — Ele sussurrou ao acariciar o cabelo amassados do feiticeiro. — Não precisa se preocupar. Está tudo bem agora.

E mesmo que estivesse tenso, preocupado e com uma carta de despedida pronta para qualquer ocasião sob o cobertor, naquele pequeno momento antes de dormir Alec soube que estava tudo bem.