Ele quer dançar escrita por Cínthia Zagatto


Capítulo 9
Capítulo 8




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As manhãs de terça e quinta eram sempre maravilhosas e haviam melhorado ainda mais desde que Caíque ganhara o direito de levar uma mochila com roupas e produtos de banho para a escola de artes. Não precisava fazer malabarismos para esconder o macacão e a sapatilha, seguir com as desculpas para suar tanto durante as aulas de bateria, nem perder metade do almoço para se arrumar para o colégio. Quando o pai passava para buscá-lo, sempre atrasado, ele já estava de uniforme, pronto para comer a comida que dona Lourdes fazia – porque sua mãe odiava cozinhar e trabalhava fora a manhã toda –, pegar a mochila e passar a tarde no pequeno inferno que era sua sala de aula.

Caíque podia lidar com o inferno depois de passar horas incríveis na escola de artes. Apenas sexta-feira era o dia que parecia o mais triste de todos, com sua única manhã completamente livre, mas ele tentava se lembrar de que era apenas o último dia antes do final de semana. Logo teria almoços com a avó, longas tardes de música e a sessão ursos de gelatina com Melissa. Tudo se desenrolara bem pelas primeiras semanas depois da grande ideia que seu pai lhe dera de tomar banho após a suposta aula de bateria. Isso até o dia em que ele não pôde buscá-lo, e Caíque viu o carro da mãe estacionado lá na frente.

Abraçado na mochila, com um sentimento ruim de que algo daria errado, ele se sentou no banco de trás. Os irmãos ocupavam o assento à sua direita e o do passageiro ao lado do motorista.

— Caíque! — eles gritaram ao mesmo tempo e balançaram as mãos na frente do nariz. A mãe sempre dizia que isso era coisa de gêmeos, mas já fazia um tempo que ele desconfiava de que os dois haviam apenas batido muito forte a cabeça uma na do outro quando dividiam o berço.

Desta vez, no entanto, não tardou a entender que a implicância não tinha apenas o intuito de implicar. Quando a mãe colocou o rosto entre os bancos e olhou diretamente para ele, Caíque engoliu forte e esperou para descobrir o que estava acontecendo.

— Tem um bicho morto na sua mochila, ou é você? O que tá carregando aí dentro?

— Roupas — respondeu com o pouco de voz que conseguiu juntar; o pulmão fechado atrapalhava o processo da fala.

— E você tomou banho direito? — A voz estridente da mãe fez com que ele balançasse a cabeça em um sentido afirmativo bem enfático. — Coloque isso tudo pra lavar assim que chegar em casa.

Caíque assentiu outra vez, em silêncio, e esperou que ela saísse com o carro para voltar a abraçar a mochila. Sabia que seu macacão não estava cheirando bem já fazia algumas aulas, mas o pai nunca havia reclamado disso. Agora precisava encontrar alguma coisa que estivesse cheirando muito mal para colocar para lavar no lugar dele, mas não sabia como poderia usá-lo novamente sem que as meninas começassem a sentir nojo, sem que levasse uma bronca da professora ou, pior, sem que os pais começassem a desconfiar de alguma coisa.

Correu escadas acima sob os gritos da mãe para que colocasse a roupa para lavar. Entrou no quarto e pegou a camiseta que havia usado para ir até a aula da manhã. Esfregou-a bastante no suor do macacão, antes de enfiá-lo debaixo da cama. Depois levou a camiseta e o restante da roupa da manhã até a área de serviço, onde deixou com dona Lourdes, que estava tirando um bolo de roupas da máquina enquanto ficava de olho nas panelas em cima do fogão e preparava um balde com produto de limpeza para passar no chão da cozinha após o almoço, como sempre. Para ele, ela era como a Mulher-Maravilha. Tinha certeza de que costumava vê-la com três ou cinco braços quando era mais novo e passava as manhãs em casa, sem fazer nada, apenas assistindo a desenhos enquanto a via limpar cada canto das paredes.

A boa notícia era que ela vinha limpando seu quarto todas as manhãs, desde que começara a passar a maior parte delas fora. Assim, ela não seria a primeira a entrar nele, sentir o cheiro rançoso e encontrar o macacão escondido. Com um pouco de sorte, a mãe estaria ocupada demais naquele dia para voltar para casa mais cedo e decidir entrar em seu quarto por motivo nenhum. Confiando nisso, foi para a escola pensando no uniforme de dança. Imaginava que assim estaria cuidando dele para que ele ficasse protegido dos intrusos que poderiam colocar tudo a perder.

Retornou às seis da tarde, deixou Melissa na casa dela e foi direto para seu quarto. Trancou a porta e ligou o computador. Abriu o site de pesquisas que vinha sendo importante em suas buscas por novos musicais, filmes e peças de teatro, além das trilhas sonoras completas para ouvir quando quisesse, mas, desta vez, digitou uma coisa mais urgente: como lavar collant, depois de muitas tentativas falhas e de pesquisar como se escrevia collant.

Caíque abriu uma por uma de todas as primeiras páginas que apareceram sobre o assunto. Havia produtos que ele não fazia ideia do que eram e instruções sobre máquinas de lavar roupa que ele não poderia usar. Por fim, encontrou um vídeo que demorou muito tempo para carregar, mas cuja miniatura indicava que salvaria sua vida. Lá estava o passo a passo de como esfregar uma camiseta. Assistiu no volume mais baixo nos fones de ouvido antes de fechar a página e fazer uma lista mental com todas as coisas de que precisaria: um balde, sabonete e amaciante.

Despejou todo o conteúdo de seu maior balde de Lego sobre a cama e o substituiu pelo macacão. Tirou a roupa ao entrar no box com ele e deixou que o balde enchesse de água pela metade, depois jogou um punhado do seu sabonete líquido para misturar. O frasco dizia pele macia, por isso o escolheu entre os outros na tentativa de não precisar usar o amaciante. Não saberia que desculpa utilizar se alguém o encontrasse mexendo nos produtos de limpeza.

Socou o macacão dentro da água até que tudo estivesse cheio de espuma. Seus dedos já estavam enrugados quando imaginou que estava bom. Tirou o macacão de lá de dentro e o cheirou bem, então jogou um pouco mais de sabonete direto sobre o tecido e começou a esfregá-lo sobre o tapete do box. Ele tinha bolinhas para não o deixar escorregar enquanto tomava banho, e elas deveriam servir como aquelas ondinhas do tanque de lavar. Fez isso até ter certeza de que estava cheiroso e ligou o chuveiro novamente.

Esfregou enquanto a água caía e lavava o sabão. Muita espuma escorria pelo ralo. Ergueu o macacão e esfregou um pouco mais, sem a ajuda do tapete. Continuava a sair muita espuma. Caíque estava exausto, com os braços fracos e dormentes, mas não conseguia se livrar do sabonete. Jogou o conteúdo do balde ralo abaixo, como se assim conseguisse tirar do caminho um pouco mais da espuma acumulada. Mas lá estava o macacão, ainda cheio dela, quando terminou de lavar o balde.

Ficou de joelhos e esfregou, esfregou e esfregou. Àquela altura, o cabelo molhado já grudava em sua testa e lhe dava uma sensação de sufoco. O banheiro cheio de fumaça quente e úmida também não o ajudava a respirar. Quis esfregar o rosto quando os olhos arderam do choro que teimou em cair. Não sabia o que fazer e não podia sair dali e pedir ajuda, dizer que tinha dado errado. Iriam pegá-lo. Chorou mais forte e usou um grunhido para juntar mais força e esfregar o tecido contra o tapete.

Tinha a sensação de que seus dedos estavam grossos. A ponta deles estava esbranquiçada, como se a pele pudesse esfarelar e se soltar a qualquer momento. Não teve coragem de colocá-los no rosto, apenas enxugou as lágrimas dos olhos com os antebraços molhados. Quando voltou a enxergar direito, viu que a quantidade de espuma havia diminuído. Segurou um ofego surpreso e arregalou os olhos. Isso lhe deu ânimo para esfregar com mais pressa. Parou apenas quando teve certeza de que a água que escorria do macacão estava limpa e ficou alguns minutos ali, ajoelhado, com a cabeça tombada para a frente e respirando devagar para afastar o cansaço.

Pendurou o macacão no registro e mal teve forças para terminar seu banho, mas a mãe dizia que cabelo lavado sem xampu cheirava a cachorro molhado. Ele nunca havia cheirado um cachorro molhado, mas não devia ser algo bom. Lavou-se do jeito que pôde, depois foi torcer o collant. E esse era outro trabalho mais complicado do que o vídeo fazia parecer.

Pendurou-o no box e posicionou o balde sob ele para não encharcar o chão. Precisava estar seco na manhã seguinte, antes de sair para a aula de canto, ou dona Lourdes o veria pendurado. Por isso retornou ao banheiro diversas vezes durante a noite: antes e depois do jantar, enquanto ouvia música e logo antes de dormir. Espremeu mais e mais o macacão enquanto as mãos recuperavam novamente a firmeza dos movimentos, mas teve a impressão de que os braços tremiam quando se deitou para dormir. E nunca caiu no sono tão rápido.

Na terça-feira, quando vestiu o collant limpo pela primeira vez, teve a impressão de que o tecido estava duro e algo estava errado. O cheiro do sabonete era esquisito e forte, como se tivesse grudado na roupa, e a professora veio perguntar se estava tudo bem, no fim da aula, quando o nariz de Caíque já estava vermelho de tanto espirrar. Ela esperou que todas as meninas saíssem e o chamou em um canto da sala.

— Você tá tendo problemas com o seu collant? As meninas estão dizendo que você anda incomodado.

Mas nenhuma delas estava interessada no bem-estar dele. Caíque entendeu o recado como as meninas estão incomodadas, dizendo que não querem chegar perto de você. Ficou bastante tempo em silêncio, com os olhos no chão. Queria dizer que ainda não havia aprendido a lavá-lo direito, mas isso os levaria ao assunto de que sua mãe não sabia que estava fazendo balé.

— Caíque, se não conversar comigo, eu vou precisar falar sobre isso com a Olívia.

Ele ergueu a cabeça, com a esperança recobrada, e não pensou duas vezes antes de assentir.

— Eu posso falar com ela?

A professora pareceu surpresa com o pedido, mas se levantou com toda a tranquilidade com que vinha tentando conversar e o guiou até a sala da dona da escola. Ele ainda vestia o uniforme perfumado demais. Thalita o deixou lá dentro após antecipar o assunto. Olívia também não esperou que ela explicasse com detalhes. Agradeceu-lhe por tê-lo levado até ali e, quando ela se foi, agachou na frente dele, que já estava sentado em uma das cadeiras.

— Caíque, se você precisa de ajuda pra lavar o collant, você pode deixar comigo depois das aulas.

E ele pensou se não havia algo de errado com aquela sala. Porque parecia que, toda vez que entrava nela, alguém começava a chorar. Desta vez, foi ele.


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