Ele quer dançar escrita por Cínthia Zagatto


Capítulo 8
Capítulo 7




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Caíque estreitou os olhos e prendeu um gemido no pulmão. Segurou o ar, coisa que já havia sido avisado para não fazer, e focou os olhos na ponta dos pés. Forçou os joelhos contra o chão e se esticou o máximo que podia, com os dedos das mãos quase lá. Então ergueu as costas, respirando fundo numa sequência desgovernada de vezes e enxugando o suor que escorria pela testa.

Olhou ao redor. As meninas de sua turma estavam todas abaixadas, algumas segurando os próprios calcanhares, com o rosto afundado nas coxas, e outras com os punhos apoiados sobre os dedos dos pés. Ergueu os olhos até encontrar os da professora. Ela lhe deu um sorriso e indicou seus pés novamente. Ele assentiu e respirou fundo, colocando a língua para fora ao se concentrar e se esforçar tudo de novo.

O som das palmas que sinalizavam o fim do alongamento final fez todas se erguerem. Ele foi o último a sair do chão, com as pernas doendo de um jeito que o fazia mal conseguir parar de pé. Era sua quinta aula, apenas a terceira semana de treino, e começava a pensar que era também uma péssima ideia. Caíque era o único de calças jeans e tênis, sem uma mochila ou roupas para trocar. Viu quando as meninas foram até suas bolsas, mas pegou apenas seu casaco jogado em outro canto da sala, amarrou-o na cintura e se despediu com um aceno.

Sentou-se na recepção para esperar que o pai estacionasse ali na frente, mas costumava ser o último a ir embora. Ele saía tarde do trabalho e passava para buscá-lo apenas a tempo de ir almoçar. Por causa disso, às vezes, precisava perder metade do almoço em família para tomar banho e colocar seu uniforme da escola, com a desculpa de que as aulas de bateria o faziam suar demais.

— Caíque. — O chamado o fez erguer o rosto e enxergar a dona da escola com a cabeça para fora de sua sala. — Vem aqui um minuto?

Ele se levantou com a respiração entrecortada e pressionou uma mão contra a outra enquanto andava até ela. A mulher nunca mais havia falado com ele desde que concordara em manter segredo sobre as aulas que queria ter e o deixara acompanhar a turma mais avançada de canto. E isso era péssimo, porque alguém mais conhecia o segredo dele, e ele sabia que não era mais um segredo quando duas pessoas sabiam de algo. Ela poderia colocar tudo a perder a qualquer momento.

— Oi, tia Olívia.

— Caíque, você não pode dançar balé de calças jeans. Vai se machucar ou rasgar uma delas, e a gente não vai saber explicar pros seus pais. — Ela se virou de costas na cadeira giratória, e Caíque sentiu a saliva descer pegajosa pela garganta. Fechou a porta e se aproximou em silêncio, sentando-se em frente a ela, do outro lado da mesa.

— Eu sei — respondeu com um murmúrio. — Mas eu já vou conseguir o dinheiro pra comprar o uniforme, eu prometo. Os meus tios vão vir ver a gente no fim de semana, e eles ainda não me deram o dinheiro do meu aniversário.

Olívia sorria quando voltou a cadeira de frente para ele. Empurrou por cima da mesa uma sacola preta, com o logo da escola estampado em branco, e bateu a mão sobre ela, com os dedos afundando em um bolo de coisas fofas lá dentro.

— Pode guardar o seu dinheiro, Caíque. E toma conta disso, tá bom?

Ele arregalou os olhos e demorou até se inclinar e pegar a sacola, como se tivesse medo de se decepcionar ao checar o conteúdo que ela guardava. Alargou o fecho enrugado e olhou o interior. Era uma roupa preta e um par de sapatilhas da mesma cor. Puxou o kit para fora, com os olhos ainda maiores ao encarar novamente a dona da escola. Ela apenas ria ao observá-lo.

Caíque abriu o macacão e o olhou por inteiro. Tinha as mangas regatas e pernas compridas. Colocou-o na frente do corpo para checar se serviria nele, depois pegou as sapatilhas na mão pela primeira vez. As suas sapatilhas. Foi quando deixou tudo sobre a cadeira e correu para contornar a mesa e abraçar Olívia pelo pescoço. Ela acariciou suas costas.

— Obrigado, tia Olívia. Eu vou tomar conta.

Voltou correndo até a frente da mesa e olhou tudo por mais um instante. Precisava dar um jeito de levar aquilo para casa sem ser questionado. Desamarrou o agasalho da cintura e prendeu o macacão como um cinto no meio da barriga, dando um nó bem dado com as pontas para que não desamarrasse. Depois prendeu as sapatilhas nele, assim tudo sumiria quando se arriscasse a vestir o agasalho naquele calorão e fechasse o zíper. Esticou de volta a sacola para Olívia e, quando olhou bem para ela à espera de que ela a pegasse, porque faria volume demais para levar embora, teve a impressão de que ela estava chorando.

A mulher pegou a sacola e se levantou da cadeira, contornou a mesa e o abraçou pelos ombros. Fazia muito tempo que ninguém o abraçava assim. Caíque não entendeu por que merecia isso, mas apertou os braços ao redor da cintura dela e deitou o rosto de lado em seu peito. Era um dos garotos mais altos de sua classe, mas ela também devia ter sido uma das garotas mais altas da classe dela.

— Você vai ser muito feliz aqui. Eu juro pra você que vai — ela sussurrou com o rosto afundado em seu cabelo. E ele acreditava nela. Assentiu e se afastou quando ouviu uma batida à porta.

— Com licença, Olívia. Caíque, seu pai chegou.

Ele ergueu o rosto para olhar Olívia mais uma vez e agora teve certeza de que ela estava chorando. Quis perguntar o que estava acontecendo, mas não dava tempo de fazer isso antes que o pai tivesse um chilique dentro do carro. Esticou-se até que ela entendesse que queria beijá-la na bochecha e o ajudasse a alcançar, depois cruzou os braços na frente da barriga e seguiu devagar até o carro, com cuidado para que nada despencasse no meio do caminho.

— Uau. — O pai ergueu as sobrancelhas assim que entrou. Isso fez Caíque se lembrar de que estava mais suado do que nunca e passar a mão pela testa. — Eu acho que nós vamos comprar seu primeiro desodorante logo, logo.

Caíque demorou um pouco e ergueu o braço para cheirar a axila. Não viu nada demais no que sentiu, mas escutou o pai dar risada.

— É só suor — respondeu com a voz baixa para tentar convencê-lo de que não tinha nada de errado. — Cansa muito.

O pai balançou a cabeça. Parecia concordar.

— Você devia trazer uma toalha. Talvez tomar banho aqui pra não perder o almoço. Eles não têm um vestiário? Não tem um monte de turma de dança?

Caíque estava pronto para assentir e dizer que sim, que era uma ótima ideia e que todas as meninas tomavam banho lá antes de ir embora. Então olhou para baixo, apertando mais os braços ao redor do bolo de roupas que mantinha sob o agasalho.

— Eu não sei, mas posso perguntar pra tia Olívia da próxima vez.


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