Ele quer dançar escrita por Cínthia Zagatto


Capítulo 6
Capítulo 5




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Caíque não entendia por que a mãe segurava sua mão como se fosse uma criança e estivesse indo para o primeiro dia de aula. Já tinha doze anos desde novembro e não estava assustado em entrar naquela escola de artes. De longe, ela não era o que mais queria para ocupar duas de suas manhãs, quando poderia estar dormindo ou aprendendo algo que realmente gostasse, mas nada devia ser pior do que a sua classe. Ao menos, ali, ninguém saberia de toda aquela história que começara por causa de uma prova de dança tão pouco importante.

Não que pudesse dizer que havia sido pouco importante para ele, pelo contrário. Ela havia lhe mostrado inúmeras coisas das quais agora gostava e que faziam com que conseguisse suportar o pesadelo que vivia todas as tardes: aprender coreografias, decorar as letras das músicas que quase nunca entendia e descobrir novos filmes. Tinha certeza de que sabia mais sobre filmes, principalmente os que envolviam musicais, do que qualquer outro aluno de sua sala. O azar era deles.

A dona da escola de artes os recebeu em seu escritório. Era uma mulher alta, de seus trinta e poucos anos, tatuada até o pescoço. Ela tinha o cabelo preto preso em um rabo de cavalo, e isso deixava à mostra algumas mexas laranjas quase que fosforescentes. Caíque achou o máximo. Nunca tinha visto ninguém daquele jeito, não pessoalmente. Talvez o pai houvesse mudado de canal, alguma vez, chamando alguém assim de doente. Até então, ele havia acreditado que tinha mesmo alguma coisa errada com aquelas pessoas, mas a moça à sua frente parecia completamente normal para ele. Só era muito bonita.

— Vocês disseram que ainda não sabem o que ele quer estudar? — ela perguntou após alguns minutos de conversa com seus pais. — Por que vocês não deixam ele ver as aulas de hoje comigo?

O pai discordou da ideia. Disse que era muito simples escolher entre guitarra, baixo ou bateria, mas foi convencido de que poderiam dar uma volta pela escola. Caíque e a mãe caminhavam com eles, um pouco mais atrás, com um longo panfleto contendo a tabela de datas, horários, turmas e níveis. Ele não era o melhor leitor da sala. Sempre demorava para colocar as letras juntas, mas a primeira coisa que viu foi que eles tinham aulas de teatro aos sábados. Só que não era para a idade dele. Mesmo se fosse, duvidava de que os pais o deixassem se inscrever.

— Aqui. — A mãe apontou para um quadro pintado de verde-claro na tabela. Aulas de guitarra, segunda e quarta-feira. — O que você acha?

Uma droga, ele segurou para não dizer. No lugar disso, balançou a cabeça para concordar e parou na frente da terceira sala que a mulher lhes mostrava. Já haviam conhecido o auditório em que as apresentações semestrais ocorriam e uma sala com quatro baterias, onde aconteciam as aulas. Mas, quando Caíque espiou pela fresta aberta na porta, pequena para que desse visão a eles sem incomodar a aula que acontecia lá dentro, seu queixo foi ao chão.

Havia meninas de collant preto, coques perfeitos e sapatilhas. Algumas dançavam em círculo, erguidas na ponta dos pés. Outras estavam jogadas no chão, esticando-se em movimentos que ele nem mesmo imaginava serem humanamente possíveis. A coordenadora fechou a porta, mas ele havia esquecido uma parte do fôlego lá dentro. Quis pedir para que ela abrisse novamente, assim quem sabe o recuperasse, mas tudo o que poderia fazer era respirar fundo enquanto caminhavam para outro lugar.

Não conhecia aquela dança. Ou ao menos aquela não era a ideia que tinha do balé. Achava que eram meninas de roupa rosa-calcinha erguendo os braços acima da cabeça, não as pernas. E ele não podia estar tão doido assim; havia um menino com elas.

Insistiu para os pais que ainda não havia decidido qual instrumento gostaria de aprender, mas foram ao setor de matrículas quando a dona da escola contou a eles que todos os cursos tinham um valor fixo. Assim, o pai decidiu quitar a primeira parcela ali mesmo. Caíque achou que fosse para não lhe dar a chance de desistir, mas essa era a última coisa que faria agora.

Teve apenas alguns minutos em casa para trocar a roupa da manhã pelo uniforme da escola. Trancou-se no banheiro e se olhou no espelho por alguns minutos. Empurrou a franja para trás, mas não soube como fixá-la no topete que tanto havia gostado de usar para a prova de dança. Colocou a mão nas costas e embolou um pouco da camiseta entre os dedos, até que ela ficasse colada em seu abdômen. Era azul-marinho, mas imaginou como seria se fosse preta como um collant. Soltou-a e se afastou da pia para não correr o risco de bater a cabeça. Inclinou-se na direção dos pés, tentando tocá-los. Os dedos não passavam da canela. Então a mãe gritou para que fosse almoçar.

Levou a tabela de horários para a escola, naquela tarde, e passou uma longa aula de ciências com a cara enfiada nela. Fez questão de se sentar entre as garotas, certo de que estaria seguro ali, sem que ninguém arrancasse seu papel e perguntasse o que estava fazendo. No fim do primeiro período, antes do recreio, já estava com as aulas que queria circuladas. Bateria e guitarra para iniciantes. Chacoalhou-a na frente da cara do pai quando se reuniram para o jantar.

— Eu posso fazer guitarra e bateria? Eu posso? — perguntou esganiçado, colocando a tabela aberta sobre a mesa e apontando as turmas que havia escolhido. — Olha, dá tempo. Tem guitarra segunda e quarta no primeiro horário e bateria terça e quinta no segundo. Dá tempo de almoçar e ir pra escola. Eu quero tanto!

Ouviu os pais rirem com seus gritos. Eles se olharam algumas vezes, até que a mãe finalmente respondeu:

— Seus irmãos fazem judô e natação. Eu acho que é justo.

Ele ergueu a tabela acima da cabeça e pulou algumas vezes em comemoração. Sabia que aquela resposta o livrava de qualquer decisão do pai. No dia seguinte, a mãe o deixou na frente da escola com um cheque preenchido com o valor da mensalidade do segundo curso e partiu com os irmãos dentro de seus quimonos para a aula da manhã.

Caíque correu porta adentro e pediu para falar com a dona da escola. Entregou o cheque diretamente para ela e tirou o calendário dobrado do bolso.

— Eu decidi. Eu quero fazer canto nessa turma e balé nessa aqui.

— Você já fez aula de canto antes?

— Não. Eu sei que não é o nível iniciante, mas aqui diz que é pra minha idade.

A mulher, que se chamava Olívia, começou a explicar o que ele já imaginava que escutaria. Não era por causa da idade, e sim porque ele perderia toda a base do curso.

— Eu prometo me esforçar. Eu posso ficar mais um pouco depois das aulas e pedir pra alguém me ensinar o que eu não souber.

— Por que você não faz o iniciante logo antes da aula de balé?

Caíque já estava segurando o choro com a sequência de nãos que havia escutado. De nariz vermelho e olhos úmidos, ele baixou o rosto para a tabela, mas já a havia decorado a ponto de saber que não tinha outra alternativa. Então arriscou a única opção que restava, apesar de ela poder gerar um não ainda pior e seus pais ficarem sabendo disso. Mas Olívia era diferente. Ele sabia que sim só de olhar para ela e murmurou:

— Porque não tem aula de guitarra nesse horário.


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