Ele quer dançar escrita por Cínthia Zagatto


Capítulo 5
Capítulo 4




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— É verdade. Eu vi — Melissa dizia na sala da coordenadora. Caíque estava sentado em um banco, com a cabeça tombada para trás, enquanto Nicole segurava um pano para conter o sangramento em seu nariz. — Foi assim mesmo que aconteceu. Danilo veio andando atrás dele, chamando ele de bichinha! Caíque disse que era melhor ele ir embora, então, senão ia beijar ele, e aí o Danilo deu um soco nele. O Caíque não fez nada!

— Obrigada, Melissa. Você e a Nicole podem ir agora.

Caíque ergueu o rosto e segurou o pano para que ele não caísse do nariz quando a amiga soltasse. Muita coisa havia mudado nos últimos seis meses, desde que ele fora obrigado a andar com as meninas. Os garotos que antes eram seus amigos começaram a fazer gestos obscenos e a usar palavras ofensivas sempre que se aproximava. Por alguns meses, ele acreditara que aquilo passaria com o afastamento durante as férias de verão, mas o sétimo ano só havia feito com que tudo começasse ainda pior.

Sozinho na maior parte do tempo, passara a pensar em coisas que antes não pareciam tão importantes. Havia mostrado para Nicole e Melissa que elas não precisavam ter dois grupos separados; afinal, as duas adoravam ouvir música e ver filmes, e isso era um sinal de que seria muito melhor se fossem amigas. Nem todas as meninas concordavam, mas a maioria delas havia aceitado a nova formação sem muitos problemas. Ele percebia que algumas ainda lhe torciam o nariz, mas não sabia se era porque havia se intrometido demais ou por causa daqueles apelidos que rodavam pela sala.

— Mas ele tá machucado. A gente quer ficar com ele.

— Os pais do Caíque estão vindo, meninas. Vocês não precisam se preocupar. — A coordenadora andou até a porta e esperou que elas saíssem.

Caíque trocou um último olhar com as duas. Não saberia julgar se era o nervosismo ou o verão que trazia gotas de suor à sua testa, mas as enxugou sem dizer nada. Imaginou que tentar falar poderia fazer o nariz doer ainda mais. As amigas se foram, e a coordenadora fechou a porta. Ele engoliu em seco e soube que estava encrencado. Só não entendia por quê.

Esperou em silêncio até que os pais chegassem, sem coragem de perguntar por que sentia que seria ele quem levaria uma advertência, não o menino que lhe socara o nariz. Depois precisou sair da sala para que a coordenadora tivesse uma conversa particular com seus pais. Ela os havia feito sair do trabalho no meio da tarde para irem até lá, mas não parecia ser por isso que seu pai passou reto por ele, após a reunião, e a mãe o ergueu do banco com um puxão no braço para arrastá-lo até o carro.

Não houve discussão durante o caminho. Os pais nem mesmo ficaram curiosos sobre o motivo da briga ou se ele precisava de um remédio para dor. Nunca havia apanhado antes, e com certeza precisava. Só não o ganhou. Ainda estava no carro quando os pais marcharam para dentro de casa, então se arrastou até o quarto e decidiu que era melhor ficar lá até que fosse chamado.

Colocou-se de castigo durante todo o fim da tarde e o início da noite, observando as estrelas coladas no teto, que começavam a brilhar aos poucos conforme o quarto ia ficando escuro. Nem mesmo seu computador novo, que ganhara de presente tanto de Natal quanto de aniversário e ainda estava aprendendo a usar, lhe chamou a atenção.

O jantar começou com toda a família silenciosa. Os irmãos mais velhos mexiam em seus novos videogames portáteis, e Caíque achava melhor não tentar puxar conversa. Não saberia o que dizer. Um pedido de desculpas por ter brigado na escola, talvez? Mas eles precisavam entender que não havia sido culpa dele.

— Por que disse aquilo pro menino?

Caíque não precisava ser muito inteligente para saber que a pergunta do pai era para ele, mas a inteligência faltou quando precisou procurar uma resposta. Engoliu um pedaço de carne como se ela fosse parar no meio do esôfago e ergueu a cabeça para indicar que estava dando atenção. Viu também que os irmãos, que pareciam não saber do ocorrido, tinham os olhares curiosos sobre ele.

— Hã? — arriscou para ganhar mais tempo.

— O garoto que te bateu. Por que disse aquilo pra ele?

Era como aquele jogo que brincava com os antigos amigos sempre que tinham qualquer objeto redondo disponível, alguns anos atrás. Até eles se tornarem grandes idiotas. Ba-ta-ta quente quente quente quente quente quente. As respostas mais óbvias jogavam o problema umas para as outras, mas o problema mesmo viria se alguma delas estivesse com ele nas mãos quando queimasse.

Primeiro, Caíque não queria que os meninos o chamassem daquelas coisas. Já fazia muito tempo que ficava escutando em silêncio e se afastando, mas agora eles haviam começado a persegui-lo para obrigá-lo a escutar por mais tempo. Segundo, ele queria acreditar que Danilo não era como os outros. Ele nunca havia sido. No fundo, queria que Danilo tivesse escutado aquilo e pensado que talvez pudesse mesmo ser mais legal se se beijassem do que se ficasse o xingando. Sabia que Danilo também nunca havia beijado ninguém.

— Ele tava me irritando. Eu queria que ele ficasse assustado e fosse embora.

Caíque já olhava de novo para o prato, mas ainda enxergava que seus pais e irmãos trocavam olhares. Então o pai voltou a falar:

— Se os seus amigos da escola estão te irritando, você precisa fazer amigos em outro lugar.

— Eu tenho amigos na escola. — Ele ergueu as sobrancelhas ao imaginar que aquela era a questão. — A Melissa, a Nicole, as meninas todas são minhas amigas. São só os meninos que não.

— Eu disse amigos, Caíque. Você não pode só ter amigas. Eu conversei com a sua mãe. Você anda cantando bastante e colecionando musicais. Você não quer fazer aula de música?

De repente, aquela bronca que ele não sabia por que estava levando não se parecia mais com uma bronca. Talvez fosse pena por causa do nariz machucado, mas estava ganhando um presente. Sentiu os olhos crescerem no rosto. Nunca havia pensado que aquela seria uma opção.

— Aula de música? De verdade?

Era incrível! Ele aprenderia não só a dançar, como fazia trancado no quarto. Aprenderia também a cantar, enquanto dançava, e poderia fazer amigos que também gostassem disso em vez de chamarem de coisa de garotinha. Não sabia por que as pessoas achavam que todos aqueles homens dos filmes eram garotinhas.

— Sim, você gosta? Você pode aprender a tocar violão ou bateria. — O pai finalmente sorriu enquanto olhava dele para a mãe, depois novamente para ele.

— Eu quero fazer aula de guitarra também! — A intromissão do gêmeo mais novo foi ignorada por um gesto de mão da mãe para que ficasse fora da conversa.

Caíque estufou o peito na intenção de perguntar se podia fazer aula de canto. Quando a dúvida estava prestes a explodir animada pela sala de jantar, o pai continuou:

— Você vai fazer novos amigos. Além disso, as meninas adoram um músico.

Seus ouvidos foram tomados pela conversa eufórica dos irmãos mais velhos. Caíque os ouvia conversar sobre como poderiam aprender a tocar sozinhos, sem que os pais precisassem pagar aulas para eles também. Foi quando entendeu que aquilo não era um presente, mas a punição para o assunto do qual imaginava ter se livrado. Não era por causa do nariz, nem porque não fora o responsável pela briga; era por causa dos apelidos e do que havia dito para Danilo mais cedo. Assentiu em silêncio e colocou mais um pedaço de carne na boca, assim não precisaria responder.

— Então vamos — continuou a mãe. — Vamos procurar uma escola de música pra você decidir o que quer aprender.


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