Ele quer dançar escrita por Cínthia Zagatto


Capítulo 3
Capítulo 2




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A gincana havia se estendido até a manhã daquele sábado, e os Roxos de Raiva descobriram por meio do discurso da diretora ao anunciar os vencedores que eram o primeiro sexto ano, em oito edições da competição, a derrotar as classes do sétimo. Assim iriam de graça para um parque temático durante um dia inteiro junto com o nono ano C, que havia vencido os jogos na categoria entre os nonos e os oitavos.

Todos os meninos da sala iriam comemorar a vitória na casa de Danilo. Era lá que Caíque costumava passar a maior parte de seus sábados, ou com Danilo em sua casa. Algo lhe dizia que isso havia acabado de mudar. Nenhum deles era muito fã de esportes como os outros garotos da classe, mas tinham a música em comum. O pai de Danilo possuía uma imensa coleção de vinis e uma vitrola que os havia ensinado a usar. Seus próprios pais não eram tão legais assim, mas tinham alguns CDs que eles gostavam de escutar também.

No estacionamento da escola, enquanto esperava a avó buscá-lo, já que não tinha idade para ir embora sozinho de ônibus, Caíque viu os pais de quatro alunos fazerem um tipo de comboio para levar toda a ala masculina da turma para a casa de Danilo. Viu também o pai de Danilo o olhar de longe e apontá-lo ali, cercado pelas meninas, mas Danilo chacoalhou a cabeça. Foram embora sem ele. Não tinha sido convidado.

Quando entrou no carro da avó, com um bico nos lábios na tentativa de segurar o choro e os olhos úmidos, não conseguiu esconder o que vinha acontecendo. Afundou o rosto nas mãos enquanto dizia para ela como tudo estava ruim desde a dança com Melissa. Primeiro, achava que passaria logo, mas não tardara a perceber que as provocações continuariam.

Gritou no meio do choro para implorar que ela não dissesse nada aos pais. Da última vez que os meninos implicaram com outro garoto e os pais dele se meteram, no início do ano, as coisas haviam se tornado tão piores que ele se mudara de escola. Agora arrependia-se de ter ajudado um pouco nisso. Se pudesse voltar no tempo, não teria dito algumas coisas.

— Tudo bem — ela concordou depois de passar por várias ruas em silêncio, então desviou-os do caminho de casa. — Disse pros seus pais que ia te levar pro almoço, mas nós vamos comemorar juntos porque ninguém aqui precisa de casa de Danilo nenhum pra isso.

— Não precisa, vó. — Ele enxugou o rosto com os punhos fechados. Virou-se para ela quando escutou um som de reprovação.

— Não estou perguntando se quer, estou dizendo que vou ligar pra sua mãe quando chegarmos na minha casa.

Caíque ficou em silêncio pelo restante do caminho, com a cabeça encostada no vidro. Não tinha vontade de fazer qualquer tipo de festa no apartamento da avó, só queria ficar sozinho e ouvir alguns dos CDs do pai, como faria se tudo ainda fosse como era no último fim de semana. Talvez Danilo ainda voltasse atrás, mas sentia que precisava aprender a fazer as coisas que gostava sem ele a partir de agora.

Vó Dirce embicou no drive thru de um McDonald’s a caminho de casa. Com um riso arteiro escapando, Caíque se arrumou novamente no banco do passageiro. Sem a necessidade de pensar muito, enquanto o único carro em sua frente se movia para a cabine de pagamento após fazer o pedido, informou à avó:

— Seis nuggets, molho caipira e batata pequena. — Não precisava de muito mais do que isso para matar sua fome, que, em uma escala de zero a dez naquele momento, ele considerava estar em onze.

Caíque aspirou profundamente o aroma que vinha do saco de papel quando a avó o colocou em seu colo para que segurasse. Um quarteirão depois, ela desceu na garagem do prédio e subiu de elevador com ele até o térreo. Ofereceu-lhe a mão após pegar o pacote que ele segurava, e Caíque ergueu a cabeça para procurar por uma explicação ao acompanhá-la. Seus lanches iriam esfriar, e ele estava faminto.

— Só vamos buscar uns filmes.

A locadora de vídeos ficava no prédio ao lado, mas fazia tempo que não iam até lá. Na verdade, fazia muito tempo que havia perdido o costume de passar um fim de semana com a avó, mas ainda se lembrava de quando ela ia alugar o que chamava de “um romance” e deixava que ele escolhesse algum filme também, normalmente na seção de desenhos animados.

Foi diferente daquela vez, quando ela o puxou até um canto ao qual nunca haviam ido. Dizia musicais. A avó soltou sua mão para ter ao menos uma delas livre e correr o dedo indicador por uma prateleira até encontrar a letra G. Pegou dois filmes e colocou as caixas em suas mãos antes de empurrá-lo na direção do caixa.

Caíque separou as capas para olhá-las direito. De cabeça baixa, sorriu sozinho ao reconhecer uma delas e depois ler o que dizia a segunda: Grease 2 – Os tempos da brilhantina voltaram. Então entregou para que uma moça registrasse na ficha de sua avó, que era a única pessoa que ainda sustentava aquela locadora. Ao menos era isso o que havia escutado o pai dizer, um tempo atrás. Junto com os filmes, espiou a avó e pegou da gôndola de doces um saco de ursinhos de gelatina, sua comida preferida em todo o mundo. Aguardou uma reação, mas entendeu que o silêncio confirmava que poderia levar.

No fim da tarde, quando os nuggets já estavam em sua barriga havia muito tempo, assistia ao segundo filme no chão da sala da avó. Era completamente diferente da sua, em um apartamento pequeno, de dois quartos miúdos onde cabiam apenas um armário e as camas, uma delas de solteiro. Vó Dirce estava sentada no único sofá de dois lugares, mas ele sempre preferia o chão, onde mantinha as pernas cruzadas, com o saquinho de balas vazio no meio delas enquanto deixava que o último urso, de cor vermelha, derretesse na boca até parecer esfarelar.

A avó insistia que o primeiro filme era muito melhor do que o segundo, mas, quanto mais Caíque assistia, mais dúvidas tinha disso. Ele gostava mais das músicas do primeiro, era verdade. Até havia perguntado à avó se uma delas não era uma música do Sandy & Junior em inglês, que a irmã mais velha de Melissa sempre escutava quando eram menores e ele ia brincar na casa delas. Vó Dirce não saberia responder, mas parecia que era, sim. Ele tinha conseguido cantar algumas frases: mas sei que devo encontrar um jeitinho de falar com meu coração — era tudo o que ele lembrava.

Só não entendia como alguém como a avó, que ele sabia que era tão inteligente, podia gostar mais de Danny do que de Michael. Danny fazia coisas que a Sandy não gostava, e ela até havia tido que trocar de roupa no final do filme para ele se apaixonar de verdade por ela, enquanto Michael – que por si só já era bem mais bonito – tinha tentado fazer coisas para que Stephany gostasse dele desde o começo do filme. Tinha até feito trabalhos da escola para os meninos que zombavam dele a fim de conseguir dinheiro e comprar uma moto só porque ela queria.

Enquanto debatia internamente sobre o gosto esquisito de vó Dirce, tentava pensar também com qual das duas protagonistas ele era mais parecido, mesmo com Michael sendo seu favorito entre os garotos.

— Vó, você se acha mais parecida com a Sandy ou com a Stephany? — perguntou quando o filme acabou, virando o rosto por cima do ombro para enxergá-la.

— Eu acho que era mais parecida com a Sandy na minha época.

— Eu também, mas prefiro o Michael. Acho que o Michael seria ótimo pra Sandy.

A avó ficou em silêncio, levantou-se e foi desligar o DVD.

— Então nós formamos um ótimo par. Eu sou a Sandy e você é o Michael.

Caíque ficou quieto ao que ela recolhia o saquinho vazio e levava para o lixo na cozinha. Olhou para o chão até se sentir menos confuso. Aquilo não era exatamente no que vinha pensando, mas parecia que ela estava certa. Ele deveria se achar parecido com Danny ou Michael, não Sandy ou Stephany. De repente, não se sentiu parecido com nenhum dos quatro.


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