A verdade sobre Eles escrita por Jhulliaty


Capítulo 15
Capítulo 14 — Rabbit no País do Gato Risonho


Notas iniciais do capítulo

Se for pensar muito nisso, você enlouquece.
Acho que preciso beber um pouco...



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Tudo girava rápido enquanto a mulher de branco tentava abrir seus olhos.

Era tão difícil respirar. O ar pesava centenas de quilos e a ânsia em seu estômago não parava de insistir que ela colocasse tudo para fora, mesmo que não houvesse muito.

O Mundo era um pequeno parque de diversões em meio a dezenas de coelhos rodopiando e zombando da cara dela com um ventilador, fazendo ela se sentir a azarada do País.

Forçou sua mente a se acalmar, sentindo o vento soprando enquanto normalizava seu coração. O desespero parando de fluir, a forçando abrir seus olhos.

Quando finalmente enxergou, tudo o que viu era o vermelho embaçado.

O mesmo vermelho da Morte, que sabia seu nome.

Rabbit.

Rabbit por suas orelhas de coelho que acabava prendendo para baixo, então se misturavam com seus cabelos.

Rabbit, por adorar vermelho e framboesa.

Rabbit, por ter olhos rubis, pele clara e cabelos rosa.

Rabbit, aquela que teve a irmã morta por uma machadada de seu pai, mesmo que a presa fosse para ter sido ela.

Puxou a cabeça para perto do peito, piscando diversas vezes mais antes de o Mundo fazer sentido em sua mente.

— Está acordada? Eu não tenho o dia todo, e você sabe, aquela endiabrada da Morte deve estar atrás de você nesse exato segundo.

Os olhos vermelhos da coelha atingiram o dourado do olhar do ser que a carregava no colo, e Rabbit quase zombou dele.

Quase, se não tivesse notado as asas vermelhas lotadas de penas em suas costas a tempo.

Em bíblias dizem que se alguém descer por você, sua alma está condenada à eterna benção.

Os textos dizem que eles lhe trarão graça.

Uma bênção que Rabbit não esperava obter.

— Você é... um Anjo?

Um sorriso galanteador e quase louco apareceu em meio a pele negra do ser, os dentes brancos mostrando presas enquanto uma calma, inesperada e bem-vinda atingia o corpo de Rabbit. A adrenalina se esvaiu quase instantaneamente e um efeito de deja vu lhe atingiu.

Ela o conhecia?

— Claro que sou! Seu Anjo da Guarda, aliás. Depois de tantos anos, prazer, Rabbit, me chamo Jax.

A mente de Rabbit raciocinou a palavra. Um Anjo sem um nome realmente angelical, terminado em “el”. Já existiram antes, mas eles eram de tão baixo escalão.

Não é como um Anjo da Guarda fosse de um escalão muito alto também.

— Jax. — disse, em um tom mais pensativo do que afirmativo.

O cabelo meio encaracolado e vermelho vivo do Anjo voava com o mesmo farfalhar de suas asas, indo para a frente e para trás.

— Sim, Jax. Eu não deveria aparecer, mas não tive escolha. O que você tem na cabeça, garota? Ninguém se mexe quando a Morte está por perto, é a regra básica da vida, sua idiota.

Raiva pura inflamou no corpo cansado e semiparalisado de Rabbit, que ganhou forças para poder retrucar com aquele ser mal-educado.

Anjo ou não, os anos que aturava os outros sem retrucar haviam passado.

— E o que eu deveria supostamente fazer, seu espertalhão?! Não é como se todo dia eu abrisse a porta e “Oh, bom dia, Dona Morte, gostaria de um chá?”! — Jax abriu a boca para a responder, raiva sendo transmitida no amarelo de seus olhos, mas... Em vez disso, ele sorriu, e logo começou a rir. — O que é tão engraçado?!

Levou alguns segundos a mais para ele se aguentar e controlar a risada, a transformando em um sorriso.

— Gostei de você, acho que vou pegar você pra mim. — Rabbit abriu a boca para reclamar da frase “para mim”, mas ele a cortou. — Onde é sua igreja?

Com a boca ainda aberta por não poder ter respondido, Rabbit, aos poucos, foi a fechando, soltando a respiração enquanto sentia o vento passando pelas suas orelhas agora soltas, altas.

Seus olhos alcançaram o céu, vendo as nuvens acima passarem por ela.

Certo, eles estavam... voando.

Voltou a abaixar a cabeça, olhando nos olhos amarelos, parecidos com Girassóis.

Era razoável para um Anjo voar, certo? Mas era tão estranho estar aceitando esse fato tão calmamente.

Era estranho o fato dele saber que ela possuía uma igreja, ou saber onde ir.

Ele a salvou da Morte, ou um ser louco que se chamava assim. Uma bestial que se chamava de Morte.

Algo nos olhos dele a traziam calma.

— É uma hora daqui, de carro, ou algo assim — Rabbit realmente não sabia onde estava para falar uma localização exata —, mas você voa, não vai ter problemas.

Ele bufou, o ar quente atingindo o tecido acima da barriga dela.

— Ótimo, uma hora voando em terra humana com asas gigantes vermelhas, melhor jeito de não aparecer.

O rosto de Rabbit atingiu uma seriedade quase esnobe, enquanto ela se jogava no colo do demônio.

— Você acha que isso é show porque não viu os jornais locais com as gigantescas matérias sobre aquele Anjo que desceu e ficou parado da Rússia, no meio da estrada.

Jax riu, tanto do tom de Rabbit, quanto lembrando a confusão na Rússia por conta de uma pedra que chamaram de Anjo. Ajustou suas asas para pousar em algum lugar que a coelha de branco não conseguia enxergar, mesmo que sentisse o vento puxando seu cabelo para cima.

— Aquilo foi um desaforo, me senti com vergonha alheia perante a toda bagunça que aquele Anjo fez. — Jax colocou os pés no chão, pousando em um local isolado, com somente o vazio e o frio ali. — Cuidado onde pisa.

Quando colocou seus pés no chão, Rabbit se sentiu perdida.

Olhando de um lado para o outro, não conseguia identificar sequer uma passagem ou a arquitetura do local.

Estava perdida com seu Anjo.

Juntou alguns pequenos pontos.

Estava no meio de dois prédios enormes, com algumas pessoas passando, mas simplesmente não se importando com o que acontecia naquele pequeno buraco.

Respirou fundo, precisavam seguir.

— Você quer ir comigo à minha igreja, mas, para o quê?

— Você é ingênua ou o quê? — Respirou fundo, acalmando a mente para responder adequadamente. — Assim como aquele Anjo que você viu no jornal, estou aqui para uma missão. A Terra está em perigo, precisamos deter aquele Terrasque ou tudo acabará. Uma das formas de fazer isso é. — Foi cortado pela garota, que estava mais branca que o normal.

— É conseguindo as armas demoníacas.

— Isso! Pera, o quê? Como você sabe?

— Eu... particularmente? Lembro de ter lido algo assim na biblioteca da Igreja do meu pai, depois de ser adotada, mas eu era muito nova para entender... Me fale mais.

— Por que uma humana como você, bom, quase humana, tem uma informação dessas?

— Já disse! Pelo livr-

— Ok, ok, chata demais. Vou te falar mais. As Armas demoníacas são equipamentos criados diretamente de um ser que já foi vivo. — Jax se sentou, notando que aquela história seria meio longa para ele. — Seus pecados e sentimentos eram tão obscuros e horríveis, que, quando foram mortos, porque seres poderosos assim não morrem naturalmente, foram impedidos de entrar no Inferno, ou ir pro Limbo, e foram obrigados a virarem armas para serem usados por qualquer ser que eles escolhessem.

A coelha parou um segundo, nitidamente mastigando aquela ideia.

— Você fala embolado. Basicamente, seres extremamente poderosos que viraram armas e escolhem pessoas que os acham, então, ninguém.

— Menina esperta. — Pausou a fala para coçar o nariz. — Só é possível achar eles através de dezenas de pistas ou se você for um cara muito louco que adora explorar lugares impossíveis de entrar.

— Então, elas nunca foram achadas.

— Foram, uma vez, mas foi proposital.

— Proposital?

— A arma queria ser achada. Era a Inveja, ela queria ser achada na época da Peste Negra, um pouco antes, pelo sentimento de ódio dela por uma reencarnação, inclusive, foi ela que começou a Peste Negra, mas fazer o que.

— Espera, espera, uma arma começou a peste negra?

— É a vida.

— Eu vou demorar um tempo para absorver algo assim.

— Você pode absorver enquanto estamos indo para a sua igreja?

As palavras fugiram da boca da coelha, que só soube concordar.

— Ah, é claro, como faremos?

— Alô? É um carro? Poderia nos buscar nessa rua e nos levar até aquela outra rua?

— Você realmente acha que as coisas são baratas e rápidas assim.

No segundo de silêncio que se seguiu, Rabbit suspirou, arrumando o cabelo para ficar da melhor forma possível, mesmo que aquilo fosse, quase, impossível em seu estado.

Seu vestido branco estava com uma mancha escura por ela ter se arrastado no chão e seus sapatos vermelhos estavam com lama, além de todo ralado. Seu cabelo rosa claro estava totalmente despenteado e suas orelhas completamente amostras, além de seu xale vermelho transparente ter sumido a muito tempo atrás.

E pensar que ele havia sido tão caro.

Outro suspiro saiu de sua boca enquanto ela rezava para Deus a ajudar naquele momento.

— Os humanos não gostam de asas, né?

A coelha não havia notado que ele havia se deitado no asfalto frio sujo.

— Ei, levanta dai.

— Nhá, to de boas, Anjos não ficam doentes. Mas me responde, estou certo, não?

Rabbit piscou algumas vezes antes de abaixar os ombros, se rendendo, o cabelo escorrendo por ele.

— Não é que não gostamos, adoraríamos ter, mas não é comum vermos alguém de asas. — Suas próximas palavras foram sussurradas. — Mesmo assim, eu não estou apavorada.

— Oi? Não te ouvi.

— Nada. Você tem como esconder?

— Até tenho, mas dói tanto.

— Bom, é melhor você esconder enquanto eu ligo para um taxi, ou teremos problemas.

Pequenas birras e choramingos saíram da boca do Anjo, mas a coelha não se importou com aquilo enquanto apertava o brinco rosa que dava a volta por toda a orelha de coelho.

Era engraçado como eles odiavam bestiais e, ainda assim, ganhavam dinheiro fazendo coisas para eles, mas mais caras.

O aparelho brilhou, ligando depois de poucos segundos, aparecendo uma tela à frente dos olhos de Rabbit.

— Pronto, estou conectada. Vou levar só um segundo para... — Aquele Anjo estava puxando as duas asas para fora, fazendo algumas penas vermelhas mais frágeis serem levadas pela correnteza para longe dele. — Você precisa de alguma ajuda?

— Não, não, eu to bem, só vai doer mesmo, mas eu to bem.

— Certo...

Seus olhos se moveram de volta para a tela, vendo se conseguia chamar algum carro para os buscar.

O barulho de ossos se deslocando de local, quebrando, enquanto músculos entravam uns nos outros, como se apertasse carne atingiu seus ouvidos, não tendo concentração que salvasse a imagem que lhe veio à cabeça.

Dos pés à cabeça o corpo da mulher arrepiou e quando virou, Jax não possuía mais asas, somente duas cicatrizes onde elas estavam.

Parado, respirando fundo e acelerado, ele parecia congelado.

Igual a ela.

— Puta que pariu, essa merda doeu pra um caralho. — Assim que proferiu a fala, saindo do choque, caiu de joelhos, apertando o lado da cicatriz como seus braços conseguiam. Havia sangue nas suas mãos e costas, parecendo ter lágrimas em sua voz também.

Rabbit não sabia como, nem se aquilo que imaginara fora realmente o que aconteceu, mas seu corpo tremia como se não tivesse outra coisa em seu mundo fora aquele som de estalos de ossos.

— O que... o que, em santos, você fez?! — A coelha se jogou aos pés do Anjo vermelho. A tentação de tocar lhe preenchia o corpo, a fazendo estender as mãos até ele, mas sua mente sabia que aquilo seria uma péssima ideia. — Se era para fazer isso, era melhor você ter me falado e não fazer!

Uma risada desacreditada saiu da boca de Jax enquanto ele tirava a mão das costas, a deixando cair ao lado dele.

Mesmo que estivesse, teoricamente, cicatrizada, ainda escorria sangue das beiradas, como se fosse uma enorme ferida aberta, mas tampada com um tecido.

— Você não ia acreditar em mim a menos que visse.

— Deixe de ser teimoso! — Um soco dela no ombro do Anjo não era nada para ele, mas a voz triste dela o surpreendeu. — Você pode falar, sabia?! Você tem boca, e palavras em você... Eu mal te conheço, não, eu não te conheço, mas pelo amor de Deus, você não pode fazer isso!

Ele não sabia reagir.

De onde ele vinha, não havia conversa, em raras exceções havia palavras.

Mas aquilo, aquela reação? Ele não esperava.

O Anjo se virou aos poucos, encarando ela.

Havia lágrimas no canto de seus olhos por conta da dor, e a falta de camisa fazia o vento bater diretamente no machucado.

Mas, era só isso, um machucado em um ser que não morreria, apesar da dor e do sangue.

E ainda assim, mesmo que ela soubesse disso, estava com uma voz tão triste.

Levantou um de seus braços, mesmo que, para ele, estivesse pesando quilos, e o apoiou no ombro da garota.

Um sorriso de canto e atrevido se seguiu, enquanto Rabbit respirava fundo pela boca.

Naquele momento, ele se perguntou o que ela havia passado durante sua vida, afinal, ele não achava que aquela personalidade de alguns momentos atrás era falsa.

Mas essa também não era.

O vento soprou leve, levando o cabelo dos dois pelo beco. Corações mantidos, mentes quebradas, peças faltando.

Rabbit respirou fundo uma última vez, fechando os olhos.

— Certo, perdoe-me por isso. Estou ligando para um carro.

E se levantou, o fazendo cair sentado por completo.

— Ah, que bonitinha, está preocupada com sua imagem perante aos outros.

— Não — Rabbit se virou, uma expressão nervosa em seu rosto — estamos falando mais disso, me ouviu? Nunca mais.

A boca do Anjo se fechou rápido, pela brincadeira. Se sentou direito no chão enquanto via aquela bestial usar um aparelho que ele não entendia.

Bom, agora ele havia confirmado a teoria de que, não importa o quão bruto seja a pessoa, ou o quão horrível seja sua mente, se um ser usar magia nele, seu coração humano irá se derreter e se preocupar com aquele ser.

Ele não sabia se aquilo funcionava em psicopatas ou sociopatas, mas de uma coisa ele havia tido certeza quando viu a garota saindo do aparelho e voltando para ele.

Seres mágicos eram abomináveis. 


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Notas finais do capítulo

No fim, isso não devia mesmo ter acontecido.
Ele não parece ser o que fala.

Obrigada por lerem, e eu sempre demoro, né?
Se deus quiser, eu começo a postar mais rápido '



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