A verdade sobre Eles escrita por Jhulliaty


Capítulo 12
Capítulo 11- Ao bater, como coração


Notas iniciais do capítulo

Um dia, estaremos juntas acima de tudo isso.



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E batia, como uma marcha imperial.

Ali, naquela guerra sem fim que não distinguia a morte com um inseto comum, em seu coração só batia desespero.

Onde, quando, o quê?

Guerra.

Uma espada passou voando pelo seu pescoço, abrindo espaço entre seu cabelo loiro, o fazendo voar.

Guerra, em sua forma mais horrível possível.

Olhou para baixo, seu corpo com armadura completa, forjada do metal e do couro.

Apertou as mãos com força, e para a sua surpresa, em sua mão esquerda havia uma bandeira branca e dourada.

“Pelo Rei!” gritaram. “Pelo povo” retrucaram.

Um homem caiu morto no meio do campo de batalha.

Virou, os cabelos longos dourados lentamente se tornando algo quase inexistente.

Havia uma espada caída mais atrás, branca, dourada e azul. Apertou o mastro da bandeira quando viu outro homem caindo e se virou, andando até a espada.

— Em nome de Deus — sussurrou, a espada brilhou como em uma salvação —, os soldados irão lutar — Pegou o cabo da espada e a ergueu, os homens a olharam, ainda lhe debochando — e Deus — gritou, em plenos pulmões — lhes dará a nossa vitória!

A espada brilhou perante ao descer do sol. O símbolo de cruz a abençoava e as vozes em sua cabeça a acalmavam.

Deus a protegeria.

Avançou para a linha de frente, levantando a bandeira o mais alto que conseguia.

Deus iria proteger todos eles!

Puxou o ar frio com toda a força que conseguia e o soltou com calma quando o vento gelado soprou até ela.

Mesmo que estivesse no meio de um pôr do sol, o vento estava como se fosse nevar, uma nevasca forte com uma reza antiga...

Mesmo quando a espada atravessou o peito do inimigo, o sangue que caiu não foi quente, foi o gelo puro sendo colocado na pele.

Caiu de joelhos, sentindo a bandeira e seu corpo irem com o vento, com a neve, com o frio, com...

Uma cantiga antiga não entendível aos ouvidos.

Um homem de cabelos brancos manchados de sangue, se aproximou a ela.

Havia... a neve nele.

E de repente, ela estava respirando novamente em uma sala branca.

Erdia piscou, uma, duas, três vezes e puxou o ar.

— Erdia... — A garota precisava de mais ar do que conseguia puxar. — Erdia!

Arfou, sendo acolhida pelo calor do cobertor e a visão do ser gigante na sua frente.

Um homem de cabelos brancos longos e uma capa, uma visão que sumiu para além da neve.

 

Ar saiu da boca de Kalaziel antes dela notar que o havia prendido.

Tinha rezado tanto que sua boca se encontrava seca.

O Deus do Sol, o Deus do Outono, até mesmo para a Deusa da Morte ela rezou, mas manteve a maior reza possível para Sinjor, a Deusa do Inverno.

Somente ela para proteger do frio da morte.

— Kalaziel...? Onde estou? — Erdia estava tonta, definitivamente estava tonta e fraca, sua cabeça girava como se o espaço ali fosse uma leve ilusão.

— Erdia! — Kalaziel respirou fundo, o alívio sendo transmitido a cada bater de coração. — No hospital, te trouxe depois de acordar, mas... aparentemente a heroína foi você por estar de volta. — Havia um sorriso gentil ali, onde nunca antes havia passado o vislumbre da felicidade. Era algo que... Erdia realmente não esperava.

Ainda estava sonhando? Talvez delirando para ver algo daquele nível.

Um choque de realidade bateu forte, junto de uma dor no peito repentina e a estabilidade da sala, quando lembrou de Kalaziel totalmente furada e ela correndo como louca para procurar qualquer coisa que tirasse aquelas balas.

Mas... olhando agora, não havia alguma cicatriz sequer, e ela não parecia alguém que havia tomado tiros recentemente...

Tinha sido um sonho? Outro, no caso.

— Kalaziel, você... — O sorriso da Anjo sumiu na hora, e a incerteza da pergunta em Erdia apareceu. Elas já... haviam sido algo, né? Naquele sonho, aquele homem, ela... sentia que o conhecia — não havia levado dezenas de tiros? Eu... Eu me lembro de tirar as balas...

— Sim, eu levei os tiros, muitos, mas você já estava... — Deu para notar uma tensão no rosto da Anjo. Os olhos marrons mostravam a morte em sua forma de folha seca. — caída. Depois de um tempo, acabei caindo também, entretanto... — O olhar desconfiado transpareceu a próxima pergunta — como sabe que levei tiros?

O resto do vento gelado, ou a sensação de algo muito ruim, fez a espinha de Erdia tremer.

Deuses.

 Não, não chame eles.

— Eu vi você caída, com dezenas de balas pelo seu corpo! — A sala voltou a girar, sua pressão parecia ter caído... — Eu tirei as balas do seu corpo, eu... — Sua boca ficou seca. Nenhuma palavra saía nem entrava e Erdia levou alguns segundos para umedecê-la de novo. Era algo como uma punição de Deus? Não poder falar aquilo. — Por que estou em um quarto de repouso? Eu só não... Não havia quebrado o braço?

Kalaziel meio que se jogou na cadeira, saindo completamente de sua personalidade.

Ela parecia cansada, mesmo que Anjos não dormissem, pelo o que ela havia dito, mas ela parecia no sentido quase literal de quebrada.

Até mesmo suas asas estavam apoiadas no chão, mais longas do que deveriam realmente parecer.

Se alguém entrasse...

Aliás, como sabia que as asas de um Anjo deveriam ser mais curtas?

— Vários pedaços de vidro entraram pelo seu corpo, além de farpas de madeira, pregos e algumas outras coisas que começaram a infeccionar os ferimentos — Erdia respirou fundo. Kalaziel tinha dinheiro, e o quarto sendo particular... Era hospital particular. —, e seu braço ficou bem ruim, tiveram que fazer algum milagre que eu não entendi como funcionava, mas funcionou, porém você vai ter que ficar alguns meses sem mexê-lo. — A Anjo virou o rosto. Lá fora, a neve caía como o presságio de que tudo chega ao fim, era... tão estranho algo assim. — Quanto aos tiros, não me lembro de alguém tirando as “balas”, ou como vocês chamam

— ... Como? — Um choque bateu e ricocheteou dentro de Erdia. — Você está me dizendo que não lembra de nada?

— Eu só me lembro de ter levado diversos tiros e adormecer perto de você, achando que estava morta pela quantidade de sangue ao seu redor. Apesar do meu longo sonho, quando acordei você ainda estava caída e eu lhe trouxe para o hospital mais próximo, fora isso, não possuo nenhuma outra lembrança de algum momento entre esse meio tempo.

Então, tudo aquilo foi um sonho, certo?

Tudo o que havia passado, deveria ter sido um estranho sonho de sua cabeça.

Isso explicaria a confusão e as vozes e a loucura e... tudo, mas...

Erdia apertou o lençol com o braço direito, que estava no soro e abaixou a cabeça, engolindo todo o Mundo que despencou em si.

Se foi real, ela se desesperou e no final foi controlada por uma Santa.

Se não foi real, ela sempre foi controlada pela Santa Joana D’arc que estava ali, sempre esteve. Sentia na alma que era ela, em cada centímetro de seu corpo e em cada milímetro de seu sangue tomando soro.

Ela estava ali, e isso era quase um filme de terror, porque não poderia fugir do monstro.

Kalaziel abriu a boca, como se fosse falar algo, e então, a fechou.

Era melhor que não.

— Eu irei sair por um minuto, se precisar de algo, estarei do lado de fora.

A Anjo arrumou a capa, cobrindo completamente suas asas e se levantou, dando somente alguns passos antes de voltar e pegar a espada que estava debaixo da cama.

— Ahm... Kalaziel — A Anjo levantou a cabeça e ajeitou o corpo, colocando a espada no meio de suas asas e já andando para a porta — pode trazer água para mim?

Ela... iria conseguir, de alguma forma, se manter ali.

— Me desculpe, mas aquela mulher que cuidou de você falou que era proibido você comer e beber por um tempo.

Mulher que cuidou dela? Ela queria dizer a cirurgiã...?

Antes de sequer terminar seu pensamento, os olhos marrons da outra já haviam sumido para além da porta.

           

Kalaziel trancou a porta pelo lado de fora e se encostou nela por dois segundos.

Deus. Deuses. Humanos são mais complicados do que Deuses.

Se levantou e arrumou a coluna.

Tinha que se manter reta, tinha que se manter pronta para a luta. O Terrasque logo deveria dar os primeiros sinais de surgimento, e ela não possuía nem sua própria espada ainda.

Se encolheu um pouco quando o vento quente passou pelas suas asas.

Era tão bom ter calor por um momento. Poder se acalmar e respirar, sem ter a certeza do amanhã.

Uma brisa quente que se misturou com o vento gelado que era a magia da Deusa do Inverno, Sinjor.

Uma brisa quente e acolhedora como um abraço da Morte.

Quente, como a morte.

Como a Morte.

Era sensibilidade de seres angelicais notarem a presença de Deus e de seres mais poderosos entre eles.

Era sensibilidade de Kalaziel saber diferenciar os diversos Deuses espalhados pelo Mundo.

— Parece que o chamado que tive não era só do homem que me devia, hein? — O sussurro veio ao pé da orelha da Anjo enquanto a Morte sorria, quase a abraçando.

Kalaziel congelou, enquanto sentia suas asas ficaram arrepiadas.

A Morte veio vê-la.

Veio ver a Erdia porque ela havia chamado.

— Morte! — O grito transcendeu o volume desejado e os olhos da Anjo eram uma tempestade de folhas. — Você não colocará um dedo nela!

— Respeito. — A lâmina foi sentida no pescoço de Kalaziel antes de sequer ver a aparência da Morte. — Estamos em um hospital.

Quente, parado.

O tempo ao redor de Kalaziel se tornou uma cúpula com uma única luz, que era vermelha.

A Morte.

Era um brilho tão frágil. Uma mulher com orelhas de gato em um cabelo chanel extremamente bagunçado, dois rabos longos, pretos com a ponta branca e um casaco vermelho que ia até a panturrilha.

A Morte era uma gata portando a arma mais mortal do Mundo.

— O que você quer?! Tenho nada para você!

— Você não tem mesmo respeito, não mudou nada. — A gata chegou perto, com passos atrevidos e brincando com sua foice, a girando na mão — Tenho uma proposta, uma amizade.

 “Não mudou nada”? Ela nunca havia visto o Deus da Morte antes, mesmo que as notícias fossem muitas sobre ele ser um Deus... peculiar.

— O que você quer dizer? Proposta?! — A lâmina de Kalaziel rangeu ao sair da bainha. — Não brinque comigo, Morte!

— Kissani.

A cabeça da Anjo não processou muito bem, e um rosto de dúvida apareceu em seu semblante.

— Sim?

            — Me chamo Kissani — A gata balançou a cabeça negativamente. Ela não era tão lerda antigamente, e era mais brava. —, eu sou a Morte, mas não vim trabalhar, não depois de concluir o dia. — A gata respirou fundo enquanto notava o tempo parado. As Rubis realmente as queriam juntas, ou talvez fosse Álamo. — Preciso de ajuda, Kalaziel. Você é um Anjo, deve conseguir me ajudar, na realidade, acredito que veio à Terra para isso.

— Você... — Kalaziel abaixou a mão, a espada não brilhou como de costume. O tempo havia realmente parado. — Estou ouvindo.

Por que ouviria? Não havia nem motivo, mas... Talvez o mesmo sentimento que fez Erdia a seguir fazia Kalaziel ouvir a Morte.

Ela tinha que ouvir.

— Sabia que me ouviria. — A Morte se apoiou no cabo da arma que fez um som estranho, que fez a própria usuária sair de cima. — Estou cansada, irei me sentar. — A Morte... Kissani, segurou sua foice e a girou. A arma virou um anel preto e vermelho, enquanto a gata segurava o casaco para não sentar em cima. — Onde estava?

— Você não começou.

— Realmente, né? Bom, você já... ouviu falar do Terrasque, Kalaziel?

O ar faltou na Anjo.

Medo. Era aquilo que era sentir medo.

Um Deus preocupado com o Terrasque. Um Deus sabia que o Terrasque logo apareceria.

A Morte transcrevia sua preocupação em seus olhos e em seu respirar.

A Morte preocupada com pessoas morrendo.

A Anjo acalmou sua mente. Era a Morte, tinha que ter algum motivo.

— Estou na Terra por conta dele — Ela resolveu dar um adendo — e de Erdia.

— Ah, isso me facilita muito, então. Bom… — A Morte se deitou naquele lugar que era o hospital e, ao mesmo tempo, muito além dele — Kalaziel, ele nascerá.

Ele. O destruidor de Mundos.

— Sim. Dá para sentir nos ossos algo de ruim próximo, a pergunta real é: Quando?

— Se você sente isso nos seus ossos ocos, imagina eu que tenho eles perfeitos. — O rosto descrente de Kalaziel para a Morte era impagável. Não acreditava que na situação, ela tinha feito uma piada sem graça. Kissani abriu um sorriso que não durou, voltando ao rosto sério. — Temos que pará-lo.

— Eu já estou dando um jeito nisso.

— Não da maneira certa.

— Por quê? — A surpresa transpareceu novamente. Um Anjo fácil de impressionar ou instabilidade? — Desculpe.

Kissani riu. Anjos nem deviam ter sentimentos, e olha aquele monte de músculos na sua frente.

Bom, a própria Morte também não deveria ter, e olha onde estava.

— Você deve ter algum passo estranho ou planejamento bizarro que você fará a seguir dentro dessa sua cabeça, mas o correto não é ele. — A Morte olhou para cima. Seu tempo… ela tinha acabado de acordar de um desmaio e estava ali, conversando sobre o fim do Mundo. — Você sabe da existência dos outros deuses, lhe vi chamando Sinjor. Kalaziel, como sabe deles?

Sendo vigiada e o que mais?

A Morte é cheia de surpresas mesmo.

— Todos deveríamos conhecer, mas sei deles por coincidência. Vi arquivos de Deus com rezas e outros Mundos, o que ele chamou de “Mundo dos Deuses”. — Ela respirou, como se tentasse lembrar, mas o olhar não foi desviado um segundo da Morte. — Mundos dentro desse, onde os Deuses habitam, longe dos olhos dos mortais. Sabendo disso, acabei por ouvir ao chamado da Deusa do Inverno, Sinjor, e ela me pediu dezenas de favores, aos quais realizei. — Como dizer aquilo em palavras? Era como se as folhas secas se misturassem ao verde recém cortado. Os olhos de Kissani e de Kalaziel se misturando em um grande cenário paralisante. — Mas isso não muda a situação do Terrasque, e nem o motivo de você querer minha ajuda.

— Mas muda a minha. — Kissani se levantou de forma brusca, rápida, e se aproximou da Anjo a passos... estranhos, distantes. — Você é um gato muito arisco, Kalaziel — E antes da outra notar, ambas já estavam frente a frente, o rosto quase colado. —, assim não conseguirá consertar nada... — aAgata abriu a boca e segurou com força os braços da Anjo — principalmente a atual... situação.

Kalaziel tentou se mexer, tentou sair, mas somente suas asas se mexiam, e poucos centímetros.

Ela estava presa pela Morte.

Um beijo da Morte resultaria em o quê?

O desespero bateu em seu peito.

— Se afaste de mim! — E um rosnado nervoso foi a resposta.

E como uma ordem, o que restou da Morte foi uma risada.

— Muito bem. — E sussurros no ouvido — Estou sendo chamada para outra morte, entretanto, Kalaziel, nossa conversa não acabou. — Quando o tempo parado começou a se desfazer e o ar voltou a circular, uma sensação de “não finalizado” soprou pelo seu corpo. — Você precisa saber a verdade, antes dela saber.

Quando o tempo se mexeu, o ar faltou em Kalaziel e uma brisa gelada passou por suas asas.

Sinjor havia visto. Talvez ela quisesse dizer algo, talvez...

O tempo girando lhe lembrou de outra coisa.

No outono, na noite de sangue, os Anjos perdem suas forças, ficando dormentes por um dia e uma noite, já ela, virava um humano com um peso extra nas costas.

Podia se mover, podia falar, podia não dormir, mas ainda assim ela não conseguiria viajar.

O dia da Lua de Sangue era o inferno para todos os Anjos e era no meio do outono.

Era no meio do pesadelo, e elas estavam...

Kalaziel engoliu em seco quando entrou no quarto as pressas, logo antes de algum médico que estava entrando na outra sala a ver.

— Kalaziel? — A voz de Erdia fez a Anjo voltar de sua imaginação. — Está... tudo bem?

Não era hora para aquilo, principalmente para o braço quebrado de Erdia, elas tinham que agir rápido.

— Estou bem, somente recebi uma... — A palavra lhe fugiu a cabeça, resolveu trocar a frase. — Uma pessoa não convidada veio lhe ver, e eu não podia permitir.

— Como?! — o rosto de indignação assumiu o semblante de Erdia. Kalaziel não entendeu o motivo daquilo. — Por que não deixou entrar?! Podia ter sido alguém da minha família!

— Se acalme, era a Morte.

— Era... — O coração de Erdia gelou e ela paralisou. A Morte? Como o Deus da Morte? — a Morte? O Deus da Morte?

— Deusa.

— Eu nem sabia que isso existia. Por isso saiu apressada?

A Anjo a cortou, não respondendo a pergunta óbvia da outra.

— Escute, Erdia — Kalaziel se aproximou da garota e sentou-se na cama. —, se a Morte está lhe procurando, quer dizer que seu tempo deveria ter acabado, entretanto, você está aqui e acordada. — A garota concordou com a cabeça. Ela não se sentia perto da morte também — A Morte se chama Kissani, ela quer falar comigo novamente, e eu não posso deixar ela te levar.

— A Morte é um Deus, não? Como... você poderia parar um Deus?

Aquele assunto não era íntimo demais? Elas pareciam estar falando como se estivessem juntas a anos.

— Preciso de um favor, Erdia. — Ela já pediu alguma vez para Joana D’arc alguma coisa? — Preciso que me beije.

Levou um segundo para a cabeça de Erdia juntar as palavras, mas quando juntou, a reação do corpo foi tão instantânea que Kalaziel acabou por sorrir.

Vermelha, da ponta das orelhas até o pescoço. Completamente vermelha de vergonha.

— Não basta você ter me beijado uma vez?! — A voz saiu mais alto do que Erdia esperava, e com isso, o vermelho se tornou pior.

— Erdia — Kalaziel respirou fundo. Estava pronta para explicar. —, quando um Anjo beija um humano, ele faz um contrato que fica marcado no corpo até o fim da vida do humano. É sua passagem para o céu, entretanto... — aquilo iria ficar confuso, sempre ficava — a cada beijo, o contrato é renovado e reforçado, os Anjos ficam mais fortes e o humano ganha novas marcas.

Erdia abaixou a cabeça, lembrando do beijo da última vez.

Talvez por ter sido seu primeiro, ou por ter sido de repente, mas... os lábios de Kalaziel eram bons.

— Então...

— A sua marca, atualmente, não é a minha.

O olhar surpreso de Erdia fez o mar azul se mexer em ondas.

— Não? Mas eu só beijei você.

— Sua marca é a do meu contrato com Joana D’arc.

A garganta de Erdia apertou.

E doeu, no fundo de sua alma, aquela frase doeu.

Nem isso pertencia a ela, nem isso...

Talvez coisas como, ela sempre saber o que fazer, espírito de líder e o conhecimento em medicina básica também não fossem dela.

A saliva desceu rasgando a garganta como uma espada rasgaria seu corpo ao meio.

— Minha marca... a marca no meu corpo, não... é minha?

— Ela é igual a de Joana D’arc, e nenhuma marca é igual a outra, Erdia. Desculpe, mas ela não lhe pertence.

— Então... ela não me pertence...

— Erdia.

— Eu quero ver. — Um espanto transpareceu o rosto da Anjo, que não sabia bem como reagir. — Eu quero ver a marca.

 — Certo, você merece saber. — Kalaziel chegou na frente da outra, que tinha um rosto sério demais para ficar vermelha. — Irei procurar um espelho e lhe mostro, só...

— Kalaziel, o celular que você me deu, tem como fazer isso.

— Possui uma função assim?

— Você não sabe o que comprou, né? — Preocupação atravessou Erdia que arqueou sua sobrancelha. — Eu vou tentar te explicar, já que não posso mexer os braços e você segue, certo?

Kalaziel concordou com a cabeça, mexendo na orelha com o objeto cinza e branco.
            — Por partes, por favor.

— Ahm... certo. Eu também não mexi muito, mas vi uns vídeos então... — A Anjo continuava a mexer no celular, aparentemente não entendo nada do que Erdia falava. — Certo, Kalaziel, aperte o feixe do brinco uma vez, olhe para onde está a marca e depois segure por dois segundos o botão, deve funcionar.

Kalaziel acenou, concordando, enquanto ajudava Erdia a se sentar, apoiando suas costas em suas mãos.

— Irei ter que desatar o laço da parte de cima das suas costas, então, com licença. — Puxou o pequeno nó, tomando cuidado para não pegar em nenhuma das pequenas costuras que estavam costas de Erdia.

Quando a parte de cima abriu, Kalaziel apreciou por um momento a obra de arte ali.

Uma fênix, o pássaro de fogo, brilhando lindamente enquanto carrega uma cruz que lembrava muito de seu passado.

A cruz que levou Joana D’arc para seu ápice, e para seu fim, a tornando um Agnus dei não finalizado.

Kalaziel apertou os dentes e respirou fundo antes de apertar o feixe do brinco.

Uma tela apareceu na frente de seu olho, a assustando, e instintivamente ela apertou as costas de Erdia.

— Kalaziel? Você está bem?

— Sim — Fez como lembrava que Erdia tinha falado, olhando para a linda Fênix antes de segurar o botão, e uma imagem arquivar na parte inferior de sua visão —, não se preocupe comigo. Está feito, o que vem agora?

Soltou as costas de Erdia, a ausência da presença próxima fazendo com que o frio se espreitasse.

— Ahm... Acho que chegando perto? Chegue perto de mim, olhe para o arquivo por alguns segundos e tente passar sua mão do peito para mim.

Tudo aquilo, na cabeça de Kalaziel, não fazia muito sentido, mas até ela aprender a mexer nos novos aprimoramentos humanos, teria que seguir o que Erdia falava.

Fez os movimentos, se espantando quando a imagem ficou maior entre as duas.

Estava relativamente tremida, mas totalmente compreensível.

E Erdia não sabia se ficava maravilhada, triste ou com medo.

Era, ao menos parecia, as costas dela, mas ali estavam coisas que ela nem fazia do que eram.

Não sabia o que aquela cruz deveria significar nem o motivo de estar ali, sendo segurado pela boca do pássaro.

Mas... ela sabia o porquê de uma Fênix.

 —  Erdia? — As palavras da Kalaziel flutuaram ao redor da garota, que por algum motivo, se sentia triste, traída. Por quê? Elas nem eram nada, haviam acabado de se conhecer, ela havia sido sequestrada, e estava... — Erdia. — O aperto forte em sua mão esquerda trouxe ela de volta, sentindo logo depois o entrelaçar de dedos, fazendo seu coração se acelerar. — Por favor, me deixe tentar novamente, fazer tudo novamente, desde nós nos conhecendo até este momento.

Espanto, surpresa e mais uma centena de sentimentos atravessaram a garota, que somente sorriu.

— Acho que já estamos envolvidas demais para eu recusar esse pedido, não acha? Por algum motivo, acredito que já nos conhecíamos a muito tempo, e isso parece sempre voltar, então...

Kalaziel sorriu, engolindo sua felicidade que atingia os olhos, enquanto puxava com cuidado a mão de Erdia para seus lábios.

— Então... — Os olhos de Kalaziel eram um calmante natural, ao menos para ela. Era um sentimento tão estranho. Se sentia flutuando em meio a mel. Sabia que era extremamente errado o que Kalaziel havia feito para ela, mas em nenhum momento a distratou ou a forçou para nada, só tentou explicar a reação a situação. — Vamos tentar novamente.

— Certo.  

— Erdia, você gostaria de salvar o Mundo comigo? Todo caminho, toda a explicação, tudo o que você desejar, eu irei lhe dizer, irei tentar, o máximo possível, para fazer o certo, então, você vem comigo nesse caminho?

Aquilo era, definitivamente, mais estranho do que pedir para ela a beijar.

Era tão estranho e... seu coração havia acelerado, havia ficado tão quente, ela devia estar vermelha novamente, mas... estava feliz.

Abaixou a cabeça, não conseguindo conter o sorriso no rosto.

Então, era aquilo.

— Sim.

Havia nascido para fazer esse Mundo continuar.

— Obrigada.

Kalaziel soltou a mão de Erdia e a usou para levantar o queixo da garota, a beijando profundamente, enquanto acariciava com o polegar sua bochecha.

Ela não estava errada, era um beijo maravilhoso.

Um lindo cenário de outono, com árvores marrons deixando suas folhas caírem na água mais azul do Mundo.

O cheiro de mel invadiu seu pulmão, misturado com um calor que acolheu a garota, a fazendo sentir tudo ao seu redor.

O amor, a dor, aquele calor em seu corpo, o flamejar em suas costas sendo trocado por uma gelada água a banhando.

Era aquilo. Uma flauta tocando a música mais calma do Mundo.

Um humano vendo a alma do mais obscuro ser.

A minha alma, o seu bater.

Quando Kalaziel se afastou, Erdia voltou à realidade, mesmo que a vermelhidão em seu rosto não diminuísse.

Ela provavelmente seria um pássaro banhado em sangue se seguisse Kalaziel, entretanto...

Era isso que desejava.

— Muito obrigada, Erdia.

A garota sorriu.

— Eu não posso perder para a morte ainda, não é? Então, vamos fazer isso juntas.

Kalaziel sorria enquanto ouvia, no fundo de sua mente, a Morte falando que aquilo tinha sido extremamente fofo.

Parece que elas teriam... uma longa viagem.


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Notas finais do capítulo

Erdia.
Hm?
O que é um "vídeo"?



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