Um Horizonte Maior escrita por André Tornado


Capítulo 35
Momentos de concentração


Notas iniciais do capítulo

“Luke, tal como faziam os seus companheiros da Aliança Rebelde, andava a dar umas voltas de exploração pelas regiões desérticas de Hoth, a colher elementos a respeito da sua nova pátria.”
In O Império Contra-Ataca, GLUT, Donald F., Publicações Europa-América



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Gelo e neve.

Fora a sua escolha, fora a sua decisão.

Não participara diretamente na votação que elegera aquele mundo congelado para refúgio da Aliança, mas sabia que tinha influenciado de alguma forma quem esteve presente nas reuniões decisivas que decidiriam onde se iria estabelecer a próxima base secreta dos rebeldes. Por isso entendia aquela resolução como sua, também.

Estava arrependido?

O vento era inesperadamente frio, pequenas agulhas finas que perfuravam o tecido grosso do agasalho pelos interstícios do tecido e que chegavam à pele, provocando uma sensação desagradável. O ar não podia ser aspirado diretamente e por isso era imperativo, para não causar lesões no aparelho respiratório, doenças debilitantes ou cansaço evitável, usar sobre o nariz e a boca uma proteção que se pregava ao capacete acolchoado no interior e que lhe protegia a cabeça, evitando que o calor se dispersasse por essa parte anatómica exposta aos elementos. As extremidades, nomeadamente os dedos dos pés e das mãos, estavam congelados mesmo protegidos por luvas de dupla camada, por botas reforçadas na biqueira e revestidas de pelo quente de uma espécie animal.

O mundo perdido e desolado, um planeta pequeno e desconhecido, chamava-se Hoth e situava-se nos confins dos territórios da Orla Exterior. Era um refúgio ideal para construir uma base secreta, longe dos longos tentáculos e da constante vigilância do Império Galáctico.

Estava arrependido? Não, não estava.

Não estava arrependido de nada, nenhuma ação ou desejo, desde que abandonara Tatooine. Se faria diferente? Algumas coisas provavelmente sim, para evitar que amigos, companheiros e aliados tivessem morrido no decorrer daqueles dias intensos, porque gostaria que eles continuassem a experimentar as vitórias da Rebelião.

Gelo e neve.

Ali fora erguida a Base Echo da Aliança para a Restauração da República.

No início, foram enviados os exploradores e os geógrafos que fizeram uma avaliação inicial do planeta, mapeando os melhores lugares que podiam ser utilizados para erguer ou escavar uma estrutura suficientemente ampla para albergar todos os rebeldes que ali se iriam refugiar.

Depois, seguiram-se os engenheiros que desenharam os planos para o novo quartel-general, reaproveitando antigas grutas e corredores escavados no gelo, definindo um perímetro que incluía edifícios de serviços, de apoio, como camaratas e messes, um hangar suficientemente espaçoso para albergar todas as naves que acompanhariam o contingente de pessoal, militar e civil, planeando a existência de reatores que iriam produzir um escudo energético que fecharia a base numa redoma invisível de proteção, imune a ataques com raios laser, prevendo a colocação de variado armamento que constituiria uma defesa antiaérea. A opção pela ocupação de um sítio subterrâneo devia-se ao facto de se conseguir conservar melhor o calor que emanava do núcleo do planeta. De outro modo o desconforto seria tanto que poderia haver a possibilidade de os mais sensíveis, humanos ou alienígenas, morrerem congelados durante o sono, já que as temperaturas nos períodos noturnos diminuíam drasticamente.

Por fim, foram enviados os construtores e os técnicos especializados, acompanhados de androides e de maquinaria pesada, que prepararam as primeiras acomodações. A base não estava totalmente terminada e já começavam as mudanças, apetrechando-se a sala de comunicações, completando salas de reuniões e postos de vigilância ininterrupta. Os membros do Alto Comando liderados pelo general Carlist Rieekan, para dar o exemplo, tinham sido os primeiros a chegar e a instalarem-se na base ainda em construção, com deficiências e pouco confortável. Tinham suportado frio, falta de mantimentos, dificuldades operacionais, tinham sido capazes de identificar o que era preciso corrigir, o que precisava mudar.

O terreno cobria-se de camadas de neve de consistência diversificada, mais dura quando era antiga e o gelo a tinha solidificado em enormes pedregulhos brancos, mais fofa quando tinha acabado de cair após uma tempestade repentina que provocava uma súbita descida nas temperaturas.

Malgrado ser um mundo gelado e vazio, coberto por uma brancura vazia que se estendia por muitas milhas em redor – quando os dias estavam claros, especialmente de manhã, era possível ver até muito longe à vista desarmada – existia alguma fauna que tiveram de considerar para não serem totalmente surpreendidos e que foi logo identificada nas expedições iniciais.

Não existiam animais pequenos, estes não teriam a estrutura adequada para sobreviver num ambiente tão hostil. Havia, contudo, duas espécies que foram tidas em consideração e devidamente catalogadas, uma porque seria de alguma utilidade, outra porque se convertia num perigo mortal se fosse ignorada.

A primeira espécie eram os tauntauns, lagartos peludos que se locomoviam assentes nas suas patas traseiras. Eram animais nervosos e desconfiados, que corriam velozes sobre o gelo, mas também eram dóceis quando permitiam que se aproximassem deles e podiam ser domesticados com facilidade uma vez capturados. Como os speeders apresentavam avarias diversas, derivadas do frio intenso de Hoth, um grupo de rebeldes começou a dedicar-se a apanhar tauntauns, habituá-los a serem montados e a construir as selas apropriadas para o efeito, fazendo desses animais um meio de transporte rápido, económico e perfeito para o terreno gelado de Hoth. Os tauntauns tinham um odor desagradável, derivado das camadas de gordura que os protegiam do frio, muita gente afastava-se do redil onde eram mantidos e os rebeldes que tratavam deles eram frequentemente alvo de piadas relacionadas com higiene. Os tauntauns não podiam sair à noite, pois não suportavam as drásticas temperaturas negativas do planeta, mas de resto o balanço era muito positivo, pois estavam a ser úteis para realizar patrulhas e outros trabalhos no exterior que se destinavam a assegurar a segurança do perímetro. Procedia-se à instalação sistemática de sinalizadores que detetavam movimentos imprevistos e não programados. Em suma invasores que poderiam denunciar a presença da Aliança naquele bloco de gelo.

A segunda espécie designava-se por wampa e era um carnívoro de grande porte, coberto por uma extensa camada de pelo branco que o mantinha protegido do frio de Hoth. Caçava tauntauns para se alimentar, que pendurava no teto das cavernas onde habitava em comunidades formadas por machos, fêmeas e respetivas crias. Mas se as suas presas naturais se tornassem escassas, não hesitariam em atacar e matar humanos ou outros alienígenas, não eram esquisitos com a sua dieta. Dizia-se que parte das cavernas que tinham sido usadas para edificar a Base Echo eram antigas tocas de wampa e havia uma vigilância constante para evitar que essas criaturas penetrassem no perímetro. Antes de qualquer missão desenvolvida no exterior, a área era cuidadosamente varrida para despistar a presença de wampas. Por vezes, havia notícias de ataques, mas qualquer investida, se detetada a tempo, era facilmente contrariada por um tiro laser certeiro.

Montado sobre o seu tauntaun, Luke Skywalker perscrutava a distância, não para detetar movimentos suspeitos ou estranhezas no relevo suave das planícies nevadas, mas para refletir no caminho particular que percorria, de tudo o que lhe tinha acontecido desde a destruição da Estrela da Morte até à chegada a Hoth, a inclusão nessa imensa família que crescia, que diminuía, que se metamorfoseava, chamada Aliança. Incorporado no fato térmico que o protegia da aragem gelada, o intercomunicador crepitava com a troca de mensagens que os outros patrulheiros faziam entre si, reportando que tudo estava calmo.

Sim, tudo estava maravilhosamente calmo. Bonito. Puro.

O lagarto grunhiu, movimentando o seu longo pescoço.

— Sim, menina… Já vamos – disse ele, acariciando o longo pescoço do tauntaun, a voz abafada pelo tecido que lhe cobria os lábios feridos do cieiro.

A sua vida tinha mudado dramaticamente desde que se cruzara com uma estranha mensagem que fora gravada em segredo numa unidade R2 adquirida pelo seu tio para se ligar aos sistemas que faziam uma quinta de humidade funcionar. Nessa mensagem estava uma mulher linda, e que continuava a ser a mulher mais bela que ele tinha conhecido, que pedia ajuda a um antigo mestre Jedi – mas isso ele só descobriria mais tarde, que o eremita que assombrava os rochedos do Mar das Dunas era um antigo guardião da paz e da República. Obi-Wan Kenobi.

— Ben…

A garganta moveu-se, dolorida, quando Luke engoliu em seco.

Lembrou-se da última vez que tinham falado. Estavam na Estrela da Morte. O antigo Jedi preparava-se para deixá-lo naquela pequena sala de comunicações para ir desligar um dos sete reatores que ativava o feixe trator que mantinha a Millenium Falcon aprisionada na pista da estação espacial. Contava regressar, claro. Ele contava que o velho regressasse. Ben olhara-o com bonomia, dissera-lhe que o destino colocava-os em caminhos diferentes. Despedira-se, afirmando que a Força iria estar sempre com ele.

A verdade, límpida como os pingentes de gelo a derreter no portão de entrada na Base Echo, no início da manhã quando ficava mais quente, era e estava a ser aquela. Caminhos diferentes. O de Ben tinha sido a morte, às mãos de Darth Vader. O dele encontrava-se, naquele instante, em Hoth.

A aceitação doía, mas era essencial para que se dedicasse ao futuro.

No passado existiam sombras.

No tempo que se construía, que ele ajudava a edificar, tinha os seus amigos. Leia, Han e Chewbacca, os androides Threepio e Artoo.

Qualquer morte, porém, magoava.

Lembrou-se da princesa deprimida por causa do desaparecimento do general Jan Dodonna, da sua indolência e tristeza nas cerimónias fúnebres, nas homenagens que se seguiram e que exigiram a sua presença. Do espectro que ela optou por se transformar, quando nada a animava ou estimulava, quando desempenhava o seu trabalho de forma automática, tantas vezes auxiliada por Threepio que cobria as suas distrações e corrigia os seus enganos. Han aproximara-se de Leia nesse período. Visitava-a amiúde, contava-lhe histórias sobre os seus tempos de contrabandista, a maioria seria inventada mas o propósito era fazê-la esquecer-se da perda e recuperar-lhe primeiro o sorriso, depois o riso. Ela confessara a Luke que se sentia lisonjeada pela atenção de Han. Eventualmente, conseguiu recuperar, não por causa de qualquer conto mais emocionante de Han Solo, mas porque reencontrou a sua essência no trabalho enquanto dirigente rebelde. Ela continuava a ser tratada por princesa e todos viam nela uma pessoa de sangue real e, portanto, muito respeitável.

Lembrou-se da morte de M’mba, a indígena de Ostyu que caiu numa enfermidade nostálgica que nenhum médico, cirurgião ou amigo conseguiu curar. Deixou-se, simplesmente, abater com a tristeza de se ver longe do seu planeta natal, pelo qual suspirava a todas as horas, a todos os dias, naquela apatia que muitos julgavam natural na sua postura emaciada e transparente. Luke encontrara-a e tentara conversar com ela, mas não conseguira arrancar uma palavra de M’mba, nem sequer uma prece murmurada aos deuses. Ela apanhara-lhe a mão, apertara de maneira frouxa, os seus olhos eram dois globos cinzentos. Negara com a cabeça e ele percebera que M’mba lhe pedia que a deixasse partir.

Lembrou-se, curiosamente, da morte de Jeiz Becka, que tinha sido barbaramente assassinado por um caçador de recompensas, assim lhe tinha revelado a estranha notícia que lhe fora parar às mãos, depois de ter sido traído por Nezarthis que se aliara ao irmão de Becka.

Lembrou-se das irmãs Shmura sobreviventes, a Kenna e a Lenna, que nunca mais tinham mencionado a irmã heroína da Rebelião, Jenna Shmura, desaparecida em Dantooine. Não estavam em Hoth, tinham integrado outro grupo rebelde que se sumira noutro sistema remoto da galáxia, mas pensava nelas quase todos os dias. Se porventura o tinham perdoado, se nunca se chegaram a importar verdadeiramente como Lenna lhe tinha sugerido, ele não sabia.

Lembrou-se de Nyra, que veio colada à lembrança das irmãs Shmura. Ela nunca se tinha casado com Dak Ralter após o fim da missão a Remir, a primeira da Esquadra Rogue. Também não estava em Hoth, na Base Echo, tinha deixado de fazer parte do pessoal do general Willard e encontrava-se em parte incerta, noutro grupo rebelde diferente daquele contingente que habitava o mundo gelado. Também pensava nela quase todos os dias, naquele amor doentio que lhe votava, uma obsessão embaraçosa e fútil. Nyra e Dak discutiram depois do regresso de Remir. Ele não apanhara o início da conversa, mas de certeza que ele lhe estaria a falar do casamento e ela deveria estar a argumentar que era demasiado cedo para que tomassem esse passo decisivo. Ele não gostara da recusa dela, ou melhor não a compreendera. A Nyra manteve-se irredutível. Dak desiludira-se, amargurara, ficara de coração partido. Foi Zev Senesca que consolou o jovem piloto, numa tarde de copos, de brindes desconexos, de arrependimentos e de confissões de bêbados.

Os dois, Ralter e Senesca, haveriam de morrer na batalha de Hoth que iria acontecer dali a alguns meses, quando o Império descobrisse a localização da Base Echo. Mas essa visão fugaz do futuro não fazia parte das reflexões de Luke Skywalker naquele instante. E se o fez, foi tão efémera como um floco de neve a derreter sob os primeiros raios de sol.

O tauntaun tinha-se acalmado e Luke também se acalmou. Desprendeu-se de memórias menos felizes, de saudades impossíveis e de penas alheias. Ele tinha um caminho, dissera-lhe Ben Kenobi, ele iria percorrer esse caminho confiante e completo, apoiado na Força que nunca, nunca o iria abandonar. Uma certeza interessante.

Havia muito a fazer na Base Echo. A criação, estabelecimento e apetrechamento do novo quartel-general em Hoth era ainda recente e tudo constituía uma novidade, um desafio, uma oportunidade. Ele andava ocupado, apreciava ser solicitado para acudir a diferentes questões e ser chamado para resolver problemas. Era comandante da Esquadra Rogue, participava nas patrulhas diárias que vigiavam os limites da base, planeava treinos e outros exercícios, terrestres e aéreos, para manter ocupada a tropa ali destacada, intervinha ativamente em tarefas relacionadas com a manutenção, principalmente das naves que tinham ao seu serviço.

Os Airspeeder T-47 foram enviados para Hoth, para reforçarem os caças da Esquadra Rogue. Os X-Wing ainda constituíam os caças principais dessa esquadra, devido às suas características ímpares, sendo a nave preferida de Luke Skywalker, de Wedge Antilles e da maioria dos pilotos rebeldes, mas o general Rieekan queria ver os T-47 em ação. As novas naves de assalto deveriam ficar completamente operacionais, a sua utilização rentabilizada e encontrarem-se em estado de prontidão para serem usadas em cenários de combate real.

Os primeiros testes de voo foram um desastre. O clima extremo de Hoth era incompatível com as naves que começaram a apresentar diversos problemas de mecânica. Os motores deixavam de funcionar devido às temperaturas demasiado baixas, a sua manobrabilidade, já de si reduzida, ficara comprometida, a maioria dos T-47 nem sequer chegava a abandonar o hangar, com as células de combustível congeladas. O revés espevitou Luke, em vez de o desmoralizar e o seu entusiasmo acabou por contagiar os outros. Fez Artoo conferenciar com outras unidades R2 para apresentarem um diagnóstico prévio da situação. Trabalharam num único Airspeeder que serviria de protótipo para os restantes, identificando caso a caso as situações problemáticas. Primeiro os motores, depois os depósitos, a seguir a artilharia incluída na nave, dois canhões laser e um arpão com cabo, por fim a consola da cabina.

Os cálculos não eram animadores, a escassez de material e de peças específicas eram um dos maiores impedimentos. O frio constante atrasava qualquer ação que se realizava mais devagar, mas os trabalhos prosseguiram no protótipo sem serem interrompidos, orientados por Luke, que dirigiu toda a operação. Muitas vezes tinha ficado a trabalhar durante as noites, sem dormir, para concluir a lista de verificação que compilara para aquele dia. O avanço no projeto pressupunha a conclusão daquela tarefa, que se interligava com as tarefas desenhadas para Antilles, ou para Janson, no dia seguinte. Gelado, a tremer, com as unhas dos dedos das mãos azuis, era encontrado a dormitar encostado a Artoo, normalmente por Chewbacca, junto ao Airspeeder desmanchado, carcaça esventrada, motores e outras partes internas desmontadas e expostas. O wookie não o despertava, abraçava-se a ele, rosnando brandamente, fazendo dos seus enormes braços peludos uma espécie de cobertor que o acalentava um pouco antes de despertar. Quando abria os olhos, normalmente Luke punha-se de pé com um pulo, explicava que só tinha feito uma pequena pausa para descansar e ordenava que Artoo retomasse o que estava a fazer. O astromec já tinha desistido de protestar que o descanso durara mais do que uns poucos minutos-padrão.

Aos poucos, cada etapa da transformação do Airspeeder foi sendo concluída. Começaram por adaptar os motores ao frio, reforçando a cobertura dos reatores, fazendo testes de potência somente à noite para verificar o comportamento dos reatores quando a temperatura atingia picos negativos. Resolveram revestir os depósitos com o mesmo tecido acolchoado e impermeável dos casacos dos fardamentos do pessoal, isolando-o com uma camada de fibra metálica para impedir a combustão quando o combustível fosse utilizado pelo sistema de ignição, assegurando desse modo que as células não ficavam expostas ao gelo que as tornava inutilizáveis. Protegeram as armas incorporadas na nave, usando material flexível e resistente ao frio, oleando as interseções com um fluido que conseguiram adquirir, através de contrabando, a um outro sistema que lidava habitualmente com temperaturas muito baixas, nos mundos da colónia. Fora Han que conseguira o fornecimento, negociando com um antigo parceiro de negócios. Finalmente, desmontaram, peça por peça, a consola, verificaram todos os comandos, fios, cabos e circuitos, protegendo os materiais mais vulneráveis, reforçando os materiais mais resistentes.

Numa manhã soalheira e atípica, o T-47 foi testado no planeta de gelo com sucesso. O curto voo fora considerado satisfatório e os trabalhos para adaptar as restantes naves foram iniciados. Luke criara várias equipas que ficariam encarregadas de um número restrito de naves, apoiadas por androides astromec. Dera formação aos líderes de projeto que ficariam responsáveis pela adaptação dos Airspeeders que estavam adstritos à sua equipa, mas continuou a supervisionar, enquanto comandante da Esquadra Rogue, os trabalhos globais.

As naves que ficavam concluídas era rebatizadas de Snowspeeders. Os testes de voo sucediam-se, em dias limpos, noutros em que as tempestades eram violentas. Luke preenchia os relatórios de situação e de avaliação do comportamento de cada nave, programando as alterações que deveriam ser realizadas, conferia todos os detalhes com Artoo.

Assim como ele, Leia também andava ocupada e mal tinham tempo para conversar. Quando se cruzavam nos corredores gelados, ela parava para cumprimentá-lo e para perguntar-lhe se estava tudo bem com ele. Teria certamente escutado os rumores de que ele não se alimentava ou dormia como devia de ser, atolado em trabalho no hangar da Base Echo. Eles nunca se cruzavam com um mero aceno ou um sorriso esforçado. Havia sempre uma qualquer troca de palavras, um toque físico como darem as mãos ou um beijo no rosto. Ele gostava de vê-la. Nunca lho dizia, achava a confissão demasiado arrojada e de qualquer modo deslocada, mas era bom, depois do encontro, ter o coração a bater alegre, aquecido. Qualquer desculpa era excelente para se aquecerem naquele lugar frio. Era muito bom saber que Leia se preocupava com ele. E ele preocupava-se com ela, que trabalhava tanto quanto ele, enfiada no centro de operações, em reuniões intermináveis, cuidando de comunicações, de fornecimentos, de conferências, de decisões políticas. A princesa e o general Rieekan tornaram-se mais próximos, ela era a conselheira principal dele.

Metidos nos seus afazeres, que implicavam reparações exaustivas e eternas na Millenium Falcon, o cargueiro corelliano ressentira-se grandemente do frio, Han e Chewbacca estavam igualmente atarefados. Viam-se porque se encontravam no hangar, Luke acenava ao amigo e ao wookie que vinha aquecê-lo nas noites de vigília, falavam sobre os progressos dos trabalhos nos caças, pois Han queria conhecer os resultados para experimentá-los na Falcon e pouco mais. Nunca mais tinham tido uma conversa mais descansada, séria, não tinham partilhado das preocupações que advinham das notícias de que havia cada vez mais caçadores de recompensas à procura do ex-contrabandista que ainda não se tinha resolvido a pagar ao notório bandido de Tatooine, Jabba, o Hutt.

Era um assunto que intrigava Luke. Era certo que Han tinha devolvido o dinheiro da recompensa pelo salvamento da princesa de Alderaan quando se tinha juntado à Aliança. Era certo que o valor que Ben Kenobi lhe tinha pago pela viagem não era suficiente para liquidar a dívida. Mas era incompreensível, pelo menos da maneira de Luke ver as coisas, por que motivo Han Solo ainda não pagara a dívida que fazia dele um dos homens mais procurados da galáxia.

O incidente em Ord Mantell, embora isolado, era um sinal de que Han era um homem marcado para sempre se não pagasse ao Jabba. Não seria fácil viver com um prémio milionário a pender sobre a própria cabeça, como uma espada aguçada movida por pura cupidez, mas Han agia como se não se importasse demasiado com esse sortilégio do destino. Era só bazófia, descobrira Luke quando, pouco antes da Batalha de Hoth, soubera que Han iria abandonar a Aliança para poder ir resolver essa pendência. A verdade era que Han se preocupava com o assunto, que tentava imaginar uma solução, que via naqueles dias em que trabalhava na Falcon num hangar refrigerado, num mundo frio, uns momentos de pausa de todas as suas atribulações derivadas de um passado que teimava em assombrá-lo, persegui-lo e condicioná-lo. E o corelliano não admitia que nada, nem ninguém, o assombrasse, perseguisse ou condicionasse.

Hoth não era um lugar fácil. Todos se portavam no limite das suas forças e das suas convicções, exigindo tudo o que era possível o corpo dar, espremendo a alma, modificando as prioridades e as atitudes. Até nos androides se notava essa cambiante ténue. Threepio tinha-se queixado, uma vez, a Chewie que a sua vida tornara-se aborrecida e monótona em Hoth, Leia comentara o facto com Luke num daqueles rápidos encontros no corredor. A nota fora mencionada em tom jocoso, mas Luke ficara a pensar se o aborrecimento e a monotonia do autómato não se deveriam à ausência de Artoo, que ele monopolizava por causa da transformação dos caças em Snowspeeders. Nunca era possível agradar ao androide protocolar, infelizmente. No início isolara-se porque achara o frio terrível e inumano, resmungava como um velho e tornara-se amargo. Por fim, clamava pela companhia do amigo androide porque era insuportável aguentar aquele degredo gelado sem ninguém para partilhar experiências. Threepio tinha os dias preenchidos junto à princesa na sala de operações, mas quando se recolhia para um banho de óleo que o arrepiava, buscava por consolação. Sem Artoo, lamentava-se. Era estranho ver o androide transtornado.

No entanto, Hoth transtornava qualquer um.

Era um lar, agora. Era a casa da Aliança para a Restauração da República.

Secreta e transitória.

Luke apeou-se do tauntaun. O lagarto agitou-se e soltou um grunhido, preso pelas rédeas que Luke segurava, amarradas aos arreios. O animal não se afastou e quedou-se ao lado do seu montador, bufando e agitando o longo pescoço, como se os chifres lhe pesassem demasiado.

Por detrás dos óculos que protegiam dos brilhos intensos do sol a refletir-se na neve, Luke estreitou os olhos. Observava Hoth com minúcia, com desprendimento, com emoção.

Havia ali nada, mas havia ali tudo. Queria que fosse mesmo uma casa.

Podia ser um fim, podia ser um início, podia ser o meio da viagem.

A alvura infinda, a desolação branca que o acolhia com desconfiança e com desdém, brincando com os seus antagonismos que desafiavam qualquer lógica e qualquer criatura, que lhe espicaçam o espírito e as sensações benignas que vinham até si através da Força. Ele não confiava no lugar, tanto ou mais que o lugar não confiava em nenhuma criatura e não se deixou macular pelas impressões de vazio que a paisagem lhe proporcionava. A solidão, a complacência, o beijo frio.

Ali viveria outra etapa da sua vida, completando os seus anos com mais aquela experiência. Depois do calor do deserto, depois da placidez da floresta, a aridez implacável da neve.

Luke retirou o tecido protetor que lhe tapava a parte inferior da face, respirou a atmosfera gelada.

Ali contemplava o futuro da sua luta, da sua ambição pessoal, do caminho que tinha escolhido. Tão interminável como qualquer avidez, desejo ou loucura. Tão concreto e definidor como o sentimento de existir.

Ali havia, para o bem e para o mal, um horizonte maior.


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Notas finais do capítulo

E seguindo a "tradição" desta história, o próximo capítulo... será com o Império Galáctico e com Vader! É mesmo, porque depois deste final teremos "O Império Contra-Ataca" e deixo-vos com a narração que abre esse filme (tradução minha) que me parece apropriada como desfecho e introdução às novas aventuras de Luke Skywalker e seus amigos...


É um período negro para a Rebelião. Embora a Estrela da Morte tenha sido destruída, tropas Imperiais expulsaram as forças rebeldes da sua base escondida e perseguiram-nas através da galáxia.

Depois de escapar da temível frota estelar Imperial, um grupo de lutadores da liberdade liderados por Luke Skywalker estabeleceram uma nova base secreta no longínquo mundo gelado, Hoth.

O senhor do Mal, Darth Vader, obcecado em encontrar o jovem Skywalker, despachou milhares de sondas controladas remotamente pelos recantos profundos do espaço…


Muito obrigado pela leitura, pelos comentários, por todo o carinho que me dispensaram, pelo apoio que deram a esta história e a este escritor.
Até à próxima!