Um Horizonte Maior escrita por André Tornado


Capítulo 34
Experiências valiosas, experiências inesquecíveis


Notas iniciais do capítulo

“Para lhe dizer que nada disso importava agora, que não devia ter vergonha; enfim, para lhe dizer tudo o que sentia. Não conseguiu, no entanto, exprimir-se verbalmente.”
In O Regresso de Jedi, KAHN, James, Publicações Europa-América



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Luke apertou os lábios para não emitir nenhum gemido que o denunciasse. O grupo estava aparentemente comprometido, ele estava com uma dor excruciante no crânio e Mathyas não desmobilizava. Não se deixava enrolar com as explicações cáusticas de Dameron que insistia em manter o disfarce de deathtrooper, repetindo a mesma frase robótica:

— Senhor, estará equivocado. Temos ordens para escoltar o prisioneiro JD-45899 para Coruscant em cumprimento da ordem de Sua Excelência, o Imperador, para que seja julgado no palácio, num tribunal especial. E, de seguida, executado no cumprimento imediato da sentença.

O general Jan Dodonna, de mãos postas à frente, aguardava pelo desenrolar da situação com uma tranquilidade impressionante. Já estava condenado, deveria pensar. Morrer ali numa troca de tiros entre soldados desavindos ou morrer na presença de Palpatine ser-lhe-ia indiferente.

O calor era insuportável dentro do elmo e da armadura, agravado pelo nervosismo da situação. Leia estava tão hirta que parecia ter desmaiado dentro do fato blindado, mantendo-se de pé devido à rigidez do material negro. À sua frente, Han aguardava impaciente, movendo a perna direita em curtos espasmos. Luke tentou controlar a sua respiração. O ar faltava-lhe, estava à beira de um embaraçoso colapso.

Os oito stormtroopers apontavam-lhes os canos negros das suas espingardas laser E-11, sem vacilarem o ponto de mira.

O sorriso de Mathyas era asqueroso.

Dameron repetiu a lengalenga:

— Senhor, estará equivocado. Temos ordens para escoltar o prisioneiro JD-45899 para Coruscant…

Um gesto seco e Dameron calou-se. Mathyas, então, avançou. Deixou a proteção conferida pelo flanco do pelotão – se a cena degenerasse num tiroteio bastaria mergulhar e acobertar-se entre os stormtroopers— e posicionou-se, destemido, ante os quatro deathtroopers estáticos que acompanhavam um prisioneiro passivo.

Apertou as mãos atrás das costas, dobrou o pescoço, olhou para a biqueira das botas empoeiradas que levantou, como se fosse imperioso inspecioná-las naquele preciso momento. O sorriso deu lugar a uma risada irónica.

— Vamos terminar com esta mascarada? Acho que já se divertiram bastante…

E ao endireitar o pescoço, o seu rosto exibia uma raiva que o deformava numa carantonha medonha, a cicatriz parecia ter-se avivado e pulsava com o sangue que lhe enchia as veias e que lhe irrigava o cérebro. Levantou uma mão de dedos crispados.

Luke tombou com um grito, agarrando-se ao capacete.

Han voltou-se para o amigo, surpreendido com a reação inesperada. Leia ajoelhou-se, apertou-lhe um ombro e sacudiu-o. Dameron aguentou-se na sua posição, resmungando uma maldição. Jan Dodonna mostrou os primeiros sinais de desconfiança, crispou a fronte e empalideceu.

— Foi de uma grande ousadia terem vindo a Kirit-Valut, mas a vossa presença já era esperada… rebeldes!

— O que se está a passar aqui? – perguntou Dodonna.

Mathyas ignorou-o descaradamente. Inclinou a cabeça para a esquerda, continuando com o braço levantado, os dedos paralisados naquela garra esquisita.

— Ou julgavam que não ficaríamos a saber do traidor que vos tem ajudado e da vossa tentativa ridícula de salvar um notório oficial da Aliança? São tão previsíveis! A armadilha foi preparada e vocês morderam o engodo… como reles animais que são!

— O que tens? – perguntou Leia apreensiva.

— É ele…

O sofrimento era mais intenso do que aquele que tinha experimentado em Remir. Luke não conseguia entender por que motivo se sentia tão afetado e debilitado quando estava na presença de Mathyas. Apesar de ter falado num registo baixo, a pergunta da princesa foi escutada pelo renegado. Explicou num rosnado:

— Sim, sou eu.

Luke olhou-o descrente, atarantado. Num primeiro raciocínio descartou essa afirmação como falsa. Mathyas queria infundir-lhes medo, atacá-los nos seus supostos pontos fracos, provocar discórdias, desunir o grupo e assim conseguir dominá-los. No entanto, a resposta física era indesmentível e ele não era capaz de arranjar outra explicação para as suas dores de cabeça que fosse simples, direta e irrefutável. Mathyas atacava-o com um poder invisível. Este percebeu-lhe a dúvida e o seu orgulho maligno toldou-lhe o olhar.

— Oh, sim! Sei servir-me da Força. Consigo manipular a Força.

Fechou a mão e Luke urrou de dor, enrolando o corpo, como se pudesse criar assim uma carapaça que o protegesse dos ataques do outro. Leia levantou-se e exigiu:

— Para com isso. Imediatamente! Não ganhas nada ao estares a torturá-lo. Já nos apanhaste.

— Eu não quero apanhar-vos. Só o quero a ele… Vocês são para o Império!

— Ele… não é ninguém! – exclamou Leia. Numa atitude protetora, postou-se, de pernas afastadas, entre Luke e aquele homem enlouquecido.

— Não concordo. Ele é aquele que eu procuro desde Remir. Só ele se deixaria afetar desta maneira pela Força.

Abriu o punho, o braço balançou mole ao longo do corpo. Gotas de suor nasciam-lhe na testa encarnada. Luke arquejou, livre do garrote mental que Mathyas lhe fazia. Era semelhante a um ferro em brasa penetrando-lhe a caixa craniana, para depois esgravatar o seu interior entre ardores e ferroadas. A inexperiência de Mathyas, contudo, constituía uma vantagem. O esforço de o estar a magoar tinha sido imenso, drenara-lhe as energias e ele tinha abrandado o ataque. Estava destreinado e o uso que fazia da Força era medíocre. Luke apoiou-se nas pernas bambas, fez do blaster SE-14r uma bengala para manter-se em pé.

— Isto é uma completa perda de tempo! – atirou Han exasperado. – Por que temos de estar aqui a ouvir todas estas tretas… sobre a Força?!

— Estou a conhecer-te, jovem – murmurou Jan Dodonna.

Mathyas tornou a ignorar o general, que o fixava com interesse. A horrível cicatriz deformava-lhe as feições ao ponto de ninguém estar a reconhecer naquele homem ansioso, suado e perigoso o tenente Mathyas que tinha um problema de albinismo, irmão gémeo de outro tenente, também chamado Mathyas, os dois que, supostamente, tinham morrido em Ostyu ao serviço da Aliança. Luke decidiu não revelar essa informação, não iria salvá-los. Os stormtroopers mantinham a ameaça das suas armas.

— Tretas?! – indignou-se Mathyas com uma alegria azeda. – Não ficaste convencido com o que fiz ao teu amigo? Eu uso a Força e sou capaz de matar com ela. Este poder… – Olhou embrutecido para as mãos, como se as contemplasse pela primeira vez. – Este poder, ganhei-o quando estive quase a morrer por causa da explosão do detonador térmico. Entrou em mim com o fogo que me queimou o corpo e a cara. Fiquei demasiado sensível, disse-me o cirurgião… No início pensei que era uma maldição, depois percebi que podia controlar coisas com o pensamento, que podia infligir dor aos meus inimigos se apenas o desejasse.

— A Força não pode ser usada para o mal – disse Luke. A frase soou-lhe estranha dita na voz sintetizada pelo capacete.

— Eu uso a Força como me apetecer! – vociferou Mathyas. – Não existem limites!

O outro estava cansado e desorientado, arfava. Não era capaz de repetir o ataque nos próximos minutos. A dor de cabeça persistia, era agora, porém, uma pequena enxaqueca que Luke podia suportar sem ficar incapacitado. Tinham de agir imediatamente, raciocinou depressa. Mas como escapar dos oito stormtroopers e do furioso ex-tenente rebelde com o mínimo de danos possível?

Mathyas espetou um dedo na direção dele, cuspiu as palavras, inflando-se de emoção e de raiva:

— És meu, agora… Não te vou deixar escapar, Luke Skywalker.

Leia assegurou irritada:

— Ele não é ninguém!

À menção do seu nome, Luke viu as costas de Dodonna tensionarem. O pescoço, rígido, imobilizou-se e ficou tal qual um androide desligado, inerte e estático. O general percebia, por fim, que aquele era um salvamento e que estava a correr terrivelmente mal.

— Devias escutar o homem – disse Dameron, condescendente.

— O quê? – indignou-se Han. – Devia escutar… aquelas tretas sobre a Força? Também tu acreditas nessas patranhas?

— Não são patranhas!

O grito de Dameron surpreendeu Mathyas que baixou o braço. O rosto congestionou-se, iria berrar para que se calassem, mas Han interrompeu-lhe o intento:

— Oh, não sabia que acreditavas em histórias para crianças.

A discussão era caricata devido à sintetização de voz que os capacetes proporcionavam. Ainda não os tinham retirado, mantinham a mascarada até ao derradeiro instante, só a terminariam quando fossem obrigados, persistindo na teimosia de crer que existia, algures, uma saída para aquela enrascada.

— Estás a esticar-te… Sempre te detestei!

— Ah, agora aproveitas para revelar os teus verdadeiros sentimentos… O que é isto? Alguma sessão de terapia? Não me apetece!

— Quero lá saber o que te apetece ou não. Vais pagar por todas as que me armaste!

— Tenta! Podes tentar… Escolheste uma ocasião magnífica para fazê-lo. Tens coragem?

— Mais do que tu julgas!

Aquilo não fazia sentido. Han Solo e Raf Dameron não tinham nenhum diferendo pendente. Aliás, era raro cruzarem-se e sempre que se encontravam cumprimentavam-se educadamente e partilhavam informações sobre sistemas de propulsão e outros segredos de mecânica. Luke segurou no seu blaster, erguendo-o um pouco do chão. Já não precisava daquele apoio, as suas pernas tinham recuperado a firmeza. Deu um toque discreto em Leia que também estava atenta, desconfiando da atitude exagerada dos dois companheiros.

Dameron tinha um raciocínio rápido, dirigido para a dissimulação e para a sobrevivência. O teatro tinha sido combinado previamente entre os dois. Era arriscado, era mortalmente perigoso. Um dos stormtroopers vacilou e a sua espingarda laser E-11 tremeu. Luke percebeu-lhes as dúvidas, a ligeira alteração no batimento cardíaco dos oito soldados imperiais. Infelizmente, Mathyas também.

Han encostou a testa do seu capacete à de Raf.

— Estou à espera!

Dameron empurrou Solo.

— Luta como um homem. Luta comigo, desgraçado! Olha-me nos olhos e luta comigo.

Mathyas separou os dois com um safanão.

— Parem com isso! O que julgam que estão a fazer, idiotas? Sou eu quem manda aqui e ordeno-vos que parem!

Num gesto rápido e destemido, Dameron rodou o corpo, empunhou o blaster e lançou uma inesperada rajada de fogo contra os oito soldados.

Aconteceu uma troca de tiros. O fumo cegou-os e cortou-lhes a respiração.

Luke puxou por Leia primeiro, forçando-a a ficar de cócoras, empurrando-a contra a parede, onde os tubos de exaustão teriam de servir como barreira contra os raios laser que cruzavam o corredor. Puxou de seguida por Dodonna e também o empurrou para que se juntasse a Leia. Levantou o seu blaster, colocou o dedo sobre o gatilho, mas não disparou. Teve de se encolher atrás de outro conjunto de tubos de exaustão, senão seria atingido.

Viu Dameron na parede oposta, em refúgio semelhante. Apontava o blaster e premia o gatilho, apenas com um braço. A outra mão pressionava a anca.

Viu Han agarrando o ex-tenente, passando-lhe um braço em redor do pescoço. Este levantava uma mão a ordenar que os stormtroopers cessassem os disparos e os soldados foram obedecendo aos poucos. Um raio laser rebentou por cima de Leia, sem atingi-la.

— Pensavas que não te tinha reconhecido, Mathyas… Dois?

— Han Solo – sorriu o ex-tenente, demente, mirando o capacete negro como se visse através deste o rosto sorridente e implacável do corelliano.

— Vais morrer. Últimas palavras?

— Nunca irei morrer… Sabias? Sou uno com a Força.

Luke pediu ao amigo:

— Não o faças! Levamo-lo connosco. Será uma garantia para que os stormtroopers não nos sigam!

— Ouve… o miúdo – disse Dameron.

A voz era estranha, rouca. Luke observou-o pelo canto do olho. Continuava com a mão na anca, a pressioná-la, a perna contraía-se.

— Ouviste? Há quem goste de ti – observou Han sarcástico. – Diz aos stormtroopers para irem embora e talvez consigas ir contar mais este desastre ao Imperador.

— Não te vais safar… Dois star destroyers chegarão dentro de alguns minutos a Kirt-Valut, enviados por Coruscant. Enviados por Palpatine. A Hurricane e a Stinger. Julgas que o Imperador não sabia que viriam buscar o general? – Mathyas soava estrangulado, o braço do corelliano pressionava-se contra a sua garganta. – Este pelotão de stormtroopers é só um aperitivo do banquete principal. Tenho indicações do lorde negro para capturar o Skywalker…

— Vamos tentar? Eu não me importo de tentar.

— És louco!

— Somos os dois, amigo!

Contrariado, Mathyas obedeceu e acenou. Os soldados saíram às arrecuas. Os da retaguarda carregavam com três camaradas que tinham sido abatidos. Estariam feridos ou mortos.

Logo que os stormtroopers deixaram de estar à vista, Luke, Han, Raf, Leia e Dodonna retomaram a caminhada, agora mais apressados, com Mathyas como refém, a ser arrastado pelo corelliano que o mantinha preso no braço e com o seu blaster apontado à cabeça. As botas do ex-tenente chiavam ao raspar no chão polido quando ele se deixava arrastar, como um peso-morto, para dificultar o rapto. Mas a irritação de Han dava-lhe uma energia redobrava e provavelmente nem se apercebia das dificuldades causadas pelo homem que carregava consigo.

Entraram para o sistema secundário de corredores usado pela manutenção, correram um pouco mais. Dameron ia deixando-se ficar para trás, coxeava cada vez mais acentuadamente e desatou a ofegar. Luke acercou-se dele.

— O que se passa?

— Estou… ferido. Nada de grave. Consigo continuar – respondeu Dameron numa voz sofrida.

— Foste atingido?

— Mais do que uma vez… Estava à frente. A armadura protege-nos de disparos, mas não de todos. Imaginei que assim fosse. Estes tipos são tropas de elite, certo? Devem ter alguns truques esquisitos. Só assim me decidi a fazer aquela loucura com o capitão Solo, inventar uma discussão para que a cena resultasse num tiroteio. O stormtrooper que fazia de mim um alvo tinha boa pontaria e conhecia, de certeza, os pontos fracos da armadura do rival deathtrooper. Aqui, nesta ligação. – Dameron apontou para a junção do peitoral com a parte inferior da couraça anatómica, que unia o quadril ao tórax, acima do cinto. – O tiro entrou aqui.

— Eu ajudo-te.

— Protege o Dodonna, Skywalker. Já disse que consigo continuar.

Entraram no turboelevador indicado pelo plano. Uma decisão arriscada, uma vez que o Império teria conhecimento deste, pois o traidor fora descoberto como indicara Mathyas, mas o tempo era precioso para eles e iriam comprometer-se mais se resolvessem procurar por outro turboelevador que os conduzisse de regresso à pista onde a nave esperava-os. Por outro lado, podia ser mentira. Mathyas encontrara-se com eles porque negociara diretamente com o traidor, sem o denunciar, pois era evidente que perseguia objetivos pessoais relacionados com uma vingança igualmente egoísta, ao desejar tanto capturar Luke Skywalker. Soubera dos despachos de Palpatine porque o traidor lhe contara. A realidade era que teriam de deixar Kirit-Valut o mais rapidamente possível e seguirem para a estação Vastin antes da próxima patrulha remota imperial ao asteroide.

O turboelevador era um compartimento espaçoso que lhes permitiu realizar a penúltima etapa da missão, livrarem-se do disfarce de deathtrooper, despindo-se da armadura e retirando finalmente os capacetes que lhes deformava a fala. Luke retirou o seu e dirigiu-se para Dameron, ajudando-o nessa tarefa que ele fazia com esgares e gestos lentos, só com uma mão, a outra pressionava o ferimento. Não lhe perguntou se precisava de ajuda, ele iria negá-la, orgulhoso e sorridente, simplesmente ajudava-o. Dameron respirou fundo, aliviado, quando se livrou do capacete. Os cabelos encaracolados e suados colavam-se na testa.

O general permanecia calado, não queria seguramente dizer nada na presença de Mathyas que os pudesse comprometer mais do que já estavam. Eram um grupo de rebeldes que auxiliavam um prisioneiro a escapar e essa informação bastava. De certeza que a patrulha de stormtroopers já devia estar a emitir um alarme sobre os fugitivos e em breve teriam outras patrulhas em sua perseguição, dois star destroyers no espaço a cortar os vetores de saída do sistema.

Leia sacudiu a cabeça quando a soltou do capacete negro, soprou. Trocou um olhar com Dodonna e fez um sorriso discreto. Despiam as armaduras pretas com gestos curtos e rápidos, descartando-se das diversas peças que caíam com estrondo no chão. O corelliano tinha encostado Mathyas à parede e vigiava-o enquanto se descartava do seu fato metálico, mas o ex-tenente apresentava-se apático e resignado, longe da agitação que o caracterizara momentos antes. Um contraste estranho e suspeito. Luke continuou a auxiliar Dameron que se contorcia com dores. Verificou-lhe o ferimento do flanco. Era uma fenda feia, escura e que não parava de sangrar.

A luz desapareceu no interior do turboelevador e este parou, de repente. Acendeu-se uma lâmpada vermelha. Uma sirene estridente reverberou, longínqua e escutaram uma declaração curta que foi sendo repetida entre as modulações do aviso sonoro. A sua fuga estava a ser reportada oficialmente.

— Piso? – perguntou Leia.

— Estamos no quinto – informou Han.

— Força a porta. Podemos sair aqui e apanhar umas escadas junto a um átrio usado pelos viajantes. Teremos de correr, mas nesta fase não temos mais nada a perder e não acredito que ninguém se vai espantar connosco. Podemos ser turistas que estão atrasados para o seu voo. Consegues acompanhar-nos?

Dameron assentiu.

O corelliano disparou um tiro contra o painel e a porta do turboelevador abriu-se. Depois puxou pelo braço do refém e os seis percorreram o corredor até alcançar o átrio indicado pela princesa. Antes de entrarem nesse recinto apinhado de gente, uma multidão eclética de humanos, alienígenas, soldados e androides, desviaram-se para a direita e começaram a subir uma escada em espiral, que acompanhava um grosso pilar decorativo desse átrio, onde se esculpiam motivos vegetais oriundos do sistema, plantas e flores monumentais.

Já avistavam a pista do espaçoporto e uma nesga da Millenium Falcon ao chegararem o patamar cimeiro onde terminava a escadaria. Um corrupio de encomendas acondicionadas em caixas e carros de apoio percorriam os trilhos desenhados em linhas coloridas da pista. Androides vigiavam esse movimento incessante de carregamentos e de descarregamentos. A sirene e a declaração verbalizada que explicava o alerta persistiam, informando as forças que policiavam o local de que deveriam localizar seis rebeldes. Quando puderam escutar com clareza o que os altifalantes revelavam, Mathyas soltou uma gargalhada azeda, abandonando o seu torpor inusitado. Consideravam-no ironicamente como fazendo parte do grupo.

Desceram para a pista, saltando por cima dos degraus largos que faziam parte do acesso a um armazém lateral. Correram mais um pouco, colados à parede desse edifício auxiliar.

Um brilho intenso baralhou Luke. Percebeu, tarde demais, que tinha sido um disparo quando viu o general Jan Dodonna cair para cima de Leia, atingido pelas costas que fumegavam no sítio do impacto. Olhou por cima do ombro, preparando-se para ripostar, julgando que se tratavam de stormtroopers que os tinham alcançado. Viu a cabeça de Dameron descrever um arco e fagulhas a serem expelidas do seu peito.

Um bramido hediondo, gutural, frustrado e Mathyas ajoelhou-se. Luke apontou-lhe o blaster à têmpora mas um segundo tiro seria desnecessário porque o renegado tinha acabado de ser atingido mortalmente por Han Solo. Segurava nos dedos frouxos uma pequena pistola laser que usara para disparar os dois tiros que tinham derrubado Dodonna e Dameron, que sacara da parte de trás do cinto onde a escondia. Uma falha censurável e inominável, não o terem revistado. Julgaram que não estaria armado, que se apoiava exclusivamente nas armas da patrulha dos oito soldados. Um erro que pagavam caro, uma distração triste e humilhante.

Dodonna punha-se de pé, ajudado por Leia que clamou por eles. Depois seguiu, amparando o general, em linha reta para a Falcon, sem se importar se chamava a atenção. A meta estava próxima demais para que ela se preocupasse, naquela fase, em ocultar a ilegalidade dos seus atos.

O corpo de Mathyas oscilava, ele sorria enlouquecido. Murmurou:

— A Força…

— Não és um digno utilizador da Força, Mathyas – criticou Luke, chocado. A moinha que lhe afetava a testa diluía-se à medida que a vida se esvaía do ex-tenente. – Tenho pena de ti.

— Traiçoeiro maldito! – berrou Han transtornado.

O rosto de Mathyas ficou cinzento, o sorriso petrificou-se como numa máscara trágica e morreu, tombando para trás em cima das pernas, numa posição quebrada e torcida.

Luke juntou-se ao companheiro ferido, levantou a cabeça de Raf Dameron.

— Levanta-te.

— Não…

— Faz mais um esforço, por favor. Estamos muito perto da nave.

— Não posso… Luke…

— Eu ajudo-te. Apoia-te em mim. Iremos juntos.

— Leva o general. Só podem levar um ferido… Levem-no a ele. Foi o general que viemos salvar.

— A Leia está a levá-lo. – Voltou-se para o corelliano. – Han, protege a Leia!

— E tu, miúdo?

— Eu vou com o Raf.

— Não… – repetiu Dameron.

— Não te vou deixar para trás.

— Vais sim… Vais sim e eu não te vou censurar. Acredita.

Os olhos de Dameron ficaram húmidos. Grumos de sangue escuro assomavam-se-lhe aos lábios. Ele gaguejou, agonizante:

— Posso pedir-te… Posso pedir-te uma coisa?

Luke acenou com a cabeça. Han não se afastou. Levantou o blaster, em posição de tiro. Cobria todos os ângulos, protegendo a corrida de Leia e de Dodonna, antecipando a chegada dos stormtroopers. Conseguia escutar o matraquear deles a aproximar-se.

Dameron disse:

— Diz ao meu irmão que não fique triste por eu ter… ficado em Kirit-Valut. Diz ao Kes Dameron que não guarde rancor. Estamos em guerra, os soldados morrem. Ele deve continuar a acreditar na liberdade. Um dia… seremos livres. E ele que não seja estúpido e que case de uma vez com a Shara Bey… Ela é tão bonita e também o ama. Ela disse-me que ama o Kes, o meu irmão… quando eu lhe roubei um beijo. Eu também a amo tanto. Tão bonita, a minha futura cunhada. Eles que casem e que tenham um fedelho juntos, para que o nome Dameron não morra comigo… ou com ele. Sabe-se lá o que pode acontecer com o bravo sargento Kes Dameron que luta pela Aliança… Porque estamos em guerra… Porque os soldados… morrem.

— Falarei com o teu irmão, Raf – prometeu Luke. – E dir-lhe-ei o que me acabaste de dizer.

Dameron nem sequer fechou os olhos. Ficaram estáticos e vítreos, voltados para cima. Apiedado, impressionado, Luke pousou os dedos nas pálpebras e fechou-as, apagando aquele olhar vazio.

A morte era sua companheira a partir do dia em que se decidira a deixar Tatooine e juntar-se à Aliança, mas houve algo de diferente no desaparecimento de Raf Dameron. Uma dor pequena e compacta, uma pedra redonda que ele tivesse engolido e que se alojara num canto do estômago, que não o magoava mas que assinalava a sua presença somente por causa do peso. Começava a engolir muitas pedras semelhantes àquela. Os tecidos haveriam de envolver o corpo estranho e depois a impressão convertia-se em parte orgânica dele próprio, parte do estômago que servia de depósito.

O grito aflito de Han despertou-o.

— Miúdo, já não podes fazer mais nada por ele! Vamos embora!

Disparos laser surgiram na pista. Os stormtroopers tinham chegado.

Han puxou Luke pela gola do casaco, começaram a correr.

No cimo da rampa da nave, Chewbacca rosnava. Munido da sua besta laser artesanal, levantou-a e lançou uma saraivada de raios para cobrir a fuga de Han e de Luke. A rampa subiu assim que o primeiro colocou um pé sobre esta, Luke voltou-se para trás e descarregou o cartucho de munições da sua blaster, descartando-se da arma atirando-a para o chão antes do encerramento da rampa. O antigo contrabandista desatou a vociferar indicações, para que todos ocupassem os seus lugares, iriam descolar de imediato, antes que lhes fosse aplicado um feixe trator que impedisse a Falcon de sair do espaçoporto e, por consequência, do sistema. Os stormtroopers continuavam a atirar contra eles, faíscas saltavam da carcaça do cargueiro.

Bail Xandher travou Luke com um braço.

— Onde está o Dameron?

— Não… Não se safou. Lamento muito.

— Menino Luke, está bem? – indagou Threepio alarmado.

Artoo estava com o androide protocolar. A unidade R2 de Dameron apitava inconsolada junto a Artoo.

— Sim, estou bem. Onde estão a Leia e o general? – perguntou a Threepio.

— Foram para a enfermaria.

— Conseguimos as armas?

— A entrega da encomenda correu sem qualquer percalço.

Os motores ligados rugiam, a nave trepidava.

Luke dirigiu-se para o recanto da nave onde existia uma maca e toda a aparelhagem necessária para prestar cuidados médicos simples. Leia inclinava-se sobre Jan Dodonna que se deitava na maca, exangue. Cobria-o com um cobertor. Os instrumentos apitavam sinalizando que estavam operacionais para se dar início às primeiras ações de suporte de vida, que permitiriam estabilizar o doente e definir os tratamentos mais adequados. Luke aproximou-se inquieto. Havia pouco a fazer, leu nas indicações do monitor.

O general declarou agradecido:

— Minha querida… muito obrigado por teres vindo por mim.

— Não o deixaria. Nunca – respondeu a princesa.

A mão fria, mas incrivelmente suave, do velho general pousou no rosto afogueado de Leia. Os lábios tremeram ao pronunciar as palavras:

— A tua mãe… ficaria tão orgulhosa de ti. Se te pudesse ver agora. Tão forte que tu és!

Ela observava-o, segurando na dobra do cobertor junto ao pescoço dele. Aconchegou-o. Queria começar os tratamentos, mas a mão dele no seu rosto impedia-a. Dizia-lhe que o esforço seria inglório. Era desolador comprovar que a salvação era impossível. Afastou o pessimismo, mas Dodonna invocara uma lembrança e ela teria de, cordialmente, responder-lhe.

— A rainha Breha de Alderaan – murmurou Leia emocionada, ao recordar-se da beleza bucólica do pequeno planeta destruído cobardemente pela Estrela da Morte, da rainha bela a vogar pelos jardins com um livro holográfico nas mãos. Ao recordar-se de todos os fins que já tinha presenciado. E naquele instante presenciava outro fim.

A nave elevava-se a sacolejar, levitando instável sobre a pista. Os escudos defletores foram acionados para desviar os disparos dos stormtroopers que invadiam o espaçoporto e tentavam travá-los. Na cabina de pilotagem, sentavam-se Han e Chewbacca, manobrando os comandos do painel de instrumentos e de navegação com aquela mestria inigualável que tantas vezes tinham usado para escaparem no limite do impossível de inimigos e de negócios que tinham terminado em violência e perigo mortal.

O corelliano falava agitado com o seu copiloto:

— Os star destroyers já chegaram? Ótimo! Vamos fazer algumas acrobacias e mostrar-lhes como se deve pilotar uma nave… Sim, Chewie, eu sei o que estou a fazer! Teremos caças TIE? Excelente! Excelente! O Luke e o Xandher irão para os canhões! Está tudo previsto… Vamos sair daqui e até vai ser demasiado fácil!

Os olhos da princesa marejavam-se com lágrimas inconvenientes. Não queria chorar para não causar um desgosto desnecessário ao general que estava de partida. Ele tinha as suas próprias aflições, as suas próprias dores derivadas da sua morte iminente.

— Não, não… A rainha Breha, não, minha querida – corrigiu o general, frágil e moribundo. – A tua mãe verdadeira. És tão parecida… com ela.

Dodonna olhou para Luke Skywalker e depois sucumbiu. Fechou os olhos e vazou os seus pulmões de ar, a derradeira expiração. Leia encostou a testa ao peito do velho general e soluçou. Luke abraçou-lhe os ombros, deitou a cabeça nas costas da princesa. Queria dar-lhe conforto, calor, não suportava vê-la triste e abatida, porque ela era uma mulher forte, a mulher mais forte e destemida que tinha conhecido. Ela era a sua inspiração, a sua deusa e os seres inspiradores e divinos não se deixavam abater com a melancolia e com o desastre.

Desabado sobre o banco dos passageiros, junto à mesa de jogo, Bail Xandher estava metido com os seus pensamentos. De braços cruzados, de vez em quando levava os dedos à testa, limpava os olhos, escamoteando o gesto porque não queria confessar que chorava o companheiro perdido, Raf Dameron.

Threepio sentou-se ao lado de Xandher, contemplou-o em silêncio e não teceu qualquer comentário, percebendo o seu luto. Artoo entrou em modo de poupança de energia, o seu olho vermelho e azul diminui a intensidade luminosa e quedou-se ao lado do androide dourado. A unidade R2 de Dameron, pura e simplesmente, tinha-se desligado para assinalar a melancolia de ter sido repentinamente privado do seu piloto. Não iria acender-se mais, em protesto, numa espécie de desgosto eletrónico. A sua memória teria de ser apagada, o sistema reiniciado, para voltar a ser um astromec totalmente operacional. Iria esquecer-se de Raf Dameron, ligar-se a outro X-Wing, a outro piloto, ser outra unidade R2.

Aconteceu tudo o que Han previra. Piruetas impossíveis para se evadirem das gigantescas naves imperiais, alguns tiros que destruíram os TIE que tinham sido enviados para os atrasar e assim, deter. Adrenalina, berros, euforia.

A Millenium Falcon entrou no hiperespaço.

Saíam de Kirit-Valut, estavam salvos. A missão não cumprira totalmente os seus objetivos, mas tinham conseguido fugir outra vez do Império Galáctico, tinham conseguido resgatar o general rebelde Jan Dodonna, um dos pensadores da estratégia que elevara as ambições da Rebelião até à crença da vitória total, estratégia brilhante que começara com o roubo dos planos da assombrosa estação espacial e que terminara com a magnífica destruição dessa potente arma, a Estrela da Morte. Levavam o seu corpo para um funeral digno e esse herói da Aliança nunca mais seria esquecido.

Nem tão pouco o sacrifício, o génio e a coragem de Raf Dameron.


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Notas finais do capítulo

Um capítulo de encerramentos e de fins.
Mathyas, Dodonna, Raf Dameron.
Mas a rebelião continua e os heróis caídos, os inimigos tombados, dão novo alento aos combatentes.
E durante todas estas experiências, Luke Skywalker cresce e torna-se num homem...

Próximo e ÚLTIMO capítulo:
Momentos de concentração.