Um Horizonte Maior escrita por André Tornado


Capítulo 31
A amizade e a união


Notas iniciais do capítulo

“Fora um mergulho numa não existência de que Luke e os outros amigos o tinham salvo, arriscando as próprias vidas pela simples razão da amizade que existia entre eles, nada mais.”
In O Regresso de Jedi, KAHN, James, Publicações Europa-América



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/744867/chapter/31

O olho esquerdo fechava-se num hematoma arroxeado devido ao inchaço, a boca palpitante sabia-lhe a sangue, os músculos estavam cansados. Descobriu-se sentado, mas numa posição desconfortável. Mexeu-se de um lado para o outro, a tentar descobrir que postura adotar para se sentir menos dorido.

Amarrado a um poste de madeira, talhado a partir de uma daquelas árvores despidas da mata que circundava a colónia, mãos atadas atrás desse poste com um cabo metálico, um único pilar que sustentava aquela cabana que servia de cárcere, Luke Skywalker respirou fundo, irritado com a sua prisão. Não estava sozinho e percebeu isso quando os dedos tocaram em alguém, que se amarrava ao poste como ele, com as mãos imobilizadas por outro cabo metálico, na mesma posição pouco natural que lhe tolhia os movimentos e cansava-o.

— Luke, já acordaste?

Estivera inconsciente. Sacudiu a cabeça pesada. Lembrava-se de ter adormecido antes de cair, lembrava-se das lágrimas da mulher. Cuspiu para o chão para se livrar do sabor metálico que se entranhava entre os dentes.

— Sim, Dak – respondeu, reconhecendo o outro prisioneiro. Só podia ser o desgraçado piloto rebelde que partilhava, sem necessidade nenhuma, a sua sorte. Temeu pelo amigo. Se o destino dele estava bem definido, ser entregue a Vader pelo Mathyas traidor, o de Dak era incerto. Mas se ainda não o tinham eliminado, provavelmente iria ser usado noutro fim degradante e injusto. Preocupou-se e perguntou: – Como estás?

— Eu estou bem. Não me bateram… A tua cara… Parece aquela papa nojenta que nos deram para comer. Assim não vais conseguir encantar nenhuma menina.

— Não teve graça.

— Nunca consegui ser engraçado.

— Acho que tentaste, quando me conheceste naquele planeta não cartografado.

— No quartel-general do Becka? Esse maldito está vivo…

— Como sabes disso? O Mathyas não o confirmou.

— O Becka não morre assim tão facilmente.

— O Vader deve andar atrás dele, o Becka não nos vai incomodar mais – disse Luke mexendo os braços para tentar libertar os pulsos que o cabo metálico feria. – Não conseguiu apanhar-me e o Vader não perdoa falhas.

— Deves ter um prémio pela tua cabeça superior ao do Han Solo.

— Essa já foi mais engraçada. Achas que o Império vai pagar por mim? Não… Vai querer apanhar-me sem gastar um crédito. Ei, consegues chegar ao cabo que me está a prender as mãos? Poderias tentar desatar-me e depois eu tentava desatar-te a ti.

— Poupa as tuas energias. Já tentei. Não consegui.

— Não queres tentar outra vez? – insistiu Luke impaciente.

— Não. Quanto mais te mexeres, mais o cabo te corta a pele.

— Então queres desistir?

— Não! – exclamou Dak indignado. – Deve haver outra maneira de sairmos daqui.

— Então diz-me qual pode ser… Estamos atados a um poste, na cabana de uma colónia habitada por ex-escravos que não têm assim tanta liberdade, nem sequer armas ou veículos à sua disposição, nas mãos de um antigo tenente rebelde que, depois de ter queimado os miolos, baralhou as suas prioridades e que colabora com o Império num negócio misterioso que envolve armazéns de armamento, que se rodeia de mercenários e que explodiu com as nossas naves, destruindo o meu androide, que quer entregar-me a Darth Vader e muito provavelmente torturar-te para que reveles segredos da Aliança.

— Sinto muito pelo Artoo.

— O quê?

Dak fez uma pausa e repetiu:

— O Artoo… Sinto muito.

Luke baixou a cabeça, parando de se mexer.

— Oh… Sim, o Artoo… Também eu lamento tê-lo perdido. Estava habituado à sua companhia.

— Vais arranjar outra unidade R2. Assim como eu.

— Se quiser continuar a voar com um X-Wing… sim, terei de arranjar outro androide. Nem sei como contar o que aconteceu a Threepio.

— O androide protocolar?

— São amigos, Threepio e Artoo. – Sorriu com essa afirmação. Não era exagerada. Os androides eram máquinas funcionais, construídos com objetivos definidos, programados para interagir com pessoas a todos os níveis e assim talvez conseguissem captar, aqueles com circuitos mais sensíveis e apurados, os trejeitos humanos, copiá-los, imitá-los e reproduzi-los. Serem, de facto, amigos e mostrarem uma cooperação mais estreita do que aquela derivada do protocolo que lhes tinha sido inserido no processador central.

— Não vai ser fácil…

Luke recuperou da sua curta tristeza e exigiu:

— Dá-me ideias, Dak! Não podemos ficar aqui sentados.

— E o teu sabre de luz?

— Também mo tiraram, com a pistola laser.

— Talvez se nos conseguíssemos levantar…

A cabana não parecia uma construção sólida, como qualquer outro edifício daquela colónia, à exceção do armazém e dos muros que delimitavam o espaço. Luke olhou para o cimo do poste, enfiado no telhado amassado com palha e terra. Se o conseguissem abanar, talvez caísse. Depois bastava que se arrastassem ao longo do poste, rapidamente, antes de alguém dar o alarme pois a queda deveria fazer barulho.

— Sim, tenta levantar-te Dak! – concordou Luke fazendo força com as pernas, empurrando-se contra o poste.

Escutou-se um rangido que o animou. Uma cãibra paralisou-o, mas Luke insistiu e projetou o corpo para a esquerda para obrigar o poste a vergar-se. Dak compreendeu o que ele pretendia e também começou a puxar, a sacudir-se, a fazer força com as pernas para levantar-se, apoiando as costas no poste para subir, a exercer a pressão necessária que o deslocaria a nesga suficiente que o retiraria do encaixe.

Nisto, Luke ciciou, a pedir silêncio. Dak estacou, meio erguido, o peso sustido pelas pernas fletidas. O poste voltou a ranger. Avisou alarmado:

— Vem aí alguém! Senta-te!

Dak obedeceu.

— Não podem ficar a saber que estamos a tentar escapar… Finge que te sentes mal. Eu vou fingir que ainda estou meio inconsciente.

Tinham acabado de pender as cabeças, fabricando a sua desorientação e apatia, quando alguém entrou na cabana, não pela porta de entrada mas por uma das cortinas que dava acesso aos corredores intercomunicantes daquele complexo de casas primevas. Luke espreitou o vulto que se acercava nervoso, estranhando o visitante, pois se fosse um dos acólitos de Mathyas não usaria um caminho secreto, nem tão pouco seria tão cauteloso. Reparou no rapaz, um outro diferente daquele que lhes tinha servido a comida, vestindo os mesmos andrajos, exibindo a mesma timidez.

O rapaz puxou-lhe pela aba do casaco. Luke gemeu, como se estivesse a despertar.

— Por favor, senhor… Eu sei que estás acordado – sussurrou o rapaz. – Tenho estado a ver-vos a tentar derrubar o poste.

Dak acabou com o seu fingimento, endireitando as costas, soltando um profundo suspiro de desalento. Luke manteve-se cabisbaixo, simulando tonturas, desnorte e dores. Balbuciou:

— O que queres daqui?

— Quero… Tenho isto que é teu. Uma prova de que vou ajudar-vos.

O punho do sabre de luz apareceu junto à sua perna e Luke franziu uma sobrancelha, mas não encarou o rapaz. A dor de cabeça voltava, traiçoeira, querendo aninhar-se no seu cérebro e deixá-lo debilitado. O Mathyas andava por perto.

— Como é que nos vais ajudar? – perguntou Dak com alguma brusquidão.

O rapaz encolheu-se, apertando as pernas ossudas, formando uma espécie de casulo com o corpo dobrado, a testa quase colada às rótulas. Recuou até à cortina, rastejando sentado, como se se quisesse escapar do perigo que ele próprio conduzia até ali.

— Trouxe alguém…

— Um dos homens daquele doido chamado Mathyas. O Senhor Branco… Não é assim como o conhecem? O vosso libertador?

Luke levantou os olhos, por fim.

— Dak, quero ouvir o que ele tem para nos dizer.

— Ele vai denunciar-nos, assim que ganhar a nossa confiança.

— Não temos nada a perder.

— Mais um miserável que vai querer cair nas boas graças do Senhor Branco para ganhar outra dose de comida. Sei como as coisas funcionam em sítios como este. Tudo se compra, tudo se vende por um valor muito baixo. Manda-o embora daqui e vamos continuar com o nosso plano. Até que ele chegue a alguém e diga que estamos a tentar escapar, já o poste terá caído.

— Cala-te e deixa-me ser eu a falar agora – ordenou Luke, autoritário. Voltou-se para o rapaz. – Onde está essa ajuda?

Sem se desenrolar daquela posição, o rapaz esticou um dedo trémulo na direção da cortina. Luke indagou, desconfiado:

— É o ancião que nos ajudou no início?

O rapaz negou debilmente.

— Quem é?

— Ele vem aí…

Aguardaram alguns segundos-padrão que demoraram uma eternidade. Luke cobriu o punho do sabre de luz com a sua coxa, para escondê-lo e para protegê-lo. Era uma prova da cumplicidade do rapaz num possível esquema de fuga de dois prisioneiros. Se fossem surpreendidos por alguém, não queria comprometer o rapaz. Desconfiava de que o ancião e a mulher teriam sido castigados. Queria fazer a pergunta, para saber do seu paradeiro, de como se encontravam. Entretanto a cortina moveu-se e ele calou-se, ficando rígido e quieto.

Um homem corpulento apareceu, velado por um manto puído, semelhante aos que eram usados pelos habitantes da colónia. Vinha dobrado e forçou a saída, raspando um ombro na parede, pois os corredores não tinham sido construídos para alguém mais largo do que os pobres esqueletos que viviam naquelas cabanas. Mexeu numa bolsa que trazia a tiracolo, abrindo-a e enfiando nesta uma mão pequena e grossa.

— Quem és tu? – perguntou Luke, desconfiado do gesto.

— Um amigo.

Atrás dele, Dak mexia-se inquieto. Desejava falar, mas respeitava a ordem do seu comandante. Na mão do homem surgiu um alicate que ele usou para cortar os cabos metálicos que manietavam Dak, primeiro.

Luke esfregou os pulsos magoados, com marcas finas e vermelhas, onde o cabo cortara logo que se soltou. As pernas contraíam-se com espasmos que se tornavam mais intensos e dolorosos, mas não destapou o sabre de luz.

— Obrigado – agradeceu.

— Ainda não terminou. Esta é a parte fácil.

Um olhar rápido de Luke deu a Dak a permissão para falar.

— Por que estás a ajudar-nos?

O homem puxou o capuz do manto para trás e mostrou o seu rosto cheio, onde se desenhava um sorriso ténue que não lhe chegava aos olhos. Estava tenso, mas determinado. Aquela ajuda não seria gratuita. Como Dak tinha afirmado, tudo naquele sítio de indigentes se comprava e se vendia. Não parecia um ex-escravo, Luke tentou obter todas as informações possíveis.

— Como te chamas?

— Senesca. Zev Senesca. Digo-vos o meu nome, porque já sei o teu.

— Sou Luke Skywalker – confirmou Luke, em tom provocatório. – Precisamos de saber mais sobre ti antes que eu te diga como se chama o meu amigo.

— Compreendo. Não me incomoda não saber o nome dele, já sei que são pilotos rebeldes.

— Contudo, sabes quem eu sou. Sabes o que somos.

— O Senhor Branco anda a festejar a tua captura com muito rum corelliano no largo comunitário da cabana. Espanta-me que não tenham ouvido os festejos aqui. Quando fizer a comunicação ao governador de Remir vai estar tão bêbado que duvide que acreditem nele. Bem, o que importa é que quando o Império souber que o Senhor Branco tem na sua posse o piloto rebelde que destruiu a Estrela da Morte, vocês já não estejam aqui. O que me dizem?

— E tu sozinho vais conseguir tirar-nos da colónia, contra todos os homens do Senhor Branco, contra todos os colonos que de certeza vão impedir a nossa fuga para não serem, mais tarde, punidos… – desdenhou Dak.

— Não vou fazê-lo sozinho.

— Tens outros cúmplices? – perguntou Luke, espreitando o rapaz que parecia uma estátua de tão quieto.

O homem sorriu de forma enigmática.

— Terei, amigo. Terei.

— Como sabemos que podemos confiar em ti?

O homem voltou-se para Dak.

— Como disseste, para fugirem têm de passar pelos homens do Senhor Branco e pelos colonos que receiam uma punição. E ainda pelos remzy que conseguem ser bastante agressivos com as suas lanças. Só vão conseguir sair daqui com a minha ajuda. Agora vou responder-te, brevemente pois não temos muito tempo, porque estou a ajudar-vos. A galáxia está em guerra. Existem aqueles que admiram Luke Skywalker por aquilo que ele representa, de verdade, e não por causa do que poderá significar em número de créditos. Aqueles que acreditam na liberdade e na justiça. – Rematou com um sorriso. – Tenho um coração rebelde.

Se o objetivo era criar alguma espécie de ligação entre eles, por meio de uma identificação dos propósitos que supostamente os uniriam, tornando-os cúmplices na oposição que moviam ao Império, tal não foi atingido. Dak não se convencera e Luke não se importara. Palavras seriam sempre palavras, precisavam de ações concretas naquele caso.

Os dois pilotos colocaram-se de pé, Luke agarrou no sabre de luz, disfarçou o gesto para escondê-lo do homem, aproveitando que este olhava para a porta da cabana pela qual se acedia ao exterior. Um simples instinto de precaução, não porque escutara algum ruído suspeito. O rapaz não se mexera, enrolado no seu canto, qual animal assustado pronto para fugir se a situação descambasse.

— Onde estão as nossas armas? – perguntou Dak. – Se não estivermos armados, como poderemos sair daqui?

— Vocês têm uma arma – indicou o homem, admirado.

Luke susteve a respiração.

— Estás a brincar! Que arma?! Onde estão as nossas pistolas laser? – perguntou Dak, irritado, avançando um passo.

O homem não se intimidou, mas Luke, para evitar qualquer mal-entendido por causa do nervosismo do companheiro, levantou um braço para impedir Dak de estreitar mais o espaço entre ele e o outro.

— Não consegui recuperar as pistolas, essas já foram guardadas pelo Senhor Branco que as tomou para si, definindo castigos para quem ousar tocar nestas. Mas recuperei o sabre de luz. Os remzy não sabem o que é, estava descartado como lixo. Brutos ignorantes! Se o tivessem ligado, saberiam que é tão mortal quanto uma pistola laser. Felizmente para vocês, não encontraram o botão que acionaria a lâmina luminosa. Recuperei-o, ninguém se importou que o tivesse retirado da lixeira. Outros estavam a apoderar-se dos outros aparelhos que tinham convosco. Era um intercomunicador e um detetor de movimento portátil, certo? Já estragados, circuitos desfeitos com um soco ou uma patada, mas as peças poderão servir, quem sabe, nesta colónia onde não entra nenhuma tecnologia.

— E tu sabes o que é um sabre de luz… – observou Luke, tenso.

— É teu, Skywalker? Sim, sei o que é um sabre de luz. Conheci um Jedi em tempos. Um velho que escapou da purga inicial movida por Palpatine, mas que acabou capturado, torturado e assassinado por Darth Vader. – Observou-o demoradamente, com um ar contrito. – Desculpa não ter trazido nada para aliviar o teu olho, deve estar a doer-te. O rapaz também não mencionou que estavas ferido.

Luke olhou para o lado, incomodado com a atenção do homem. O que lhe doía era a cabeça, numa moinha imprecisa que o informava de que Mathyas andava por perto, suficientemente longe, contudo, para não os surpreender soltos e naquele debate arriscado e proibido, dentro da cabana. O tempo urgia porque o rum corelliano podia estar a terminar.

— Estou bem. Qual é o teu plano?

O homem explicou:

— Bem… Primeiro, precisam de sair daqui. Da colónia, depois do planeta. E só o conseguirão com uma nave, obviamente. Para leste existe uma pista de aterragem clandestina, não assinalada nos mapas do Império, que o Senhor Branco costuma usar quando faz negócios às escondidas do oficial imperial que é seu aliado. Não é um sítio bem frequentado, mas encontra-se relativamente perto e é a vossa melhor hipótese, para uma fuga rápida. Claro que terão de fazer uso das vossas capacidades e do sabre de luz. Uma vez no espaço, vocês decidem qual o vosso destino. Sei que estão estacionados na lua deserta…

— Como sabes disso?! – admirou-se Dak.

— O vosso androide contou-me.

A resposta foi surreal. Uma dissonância no discurso coerente do homem. Tudo começou a fazer sentido, um maravilhoso e esperançoso sentido. Zev Senesca tinha aparecido ali para salvá-los porque fora  contactado e convencido para o fazer, vendo nesse momento de traição a sua oportunidade para se escapar daquele mundo sórdido onde o seu coração de rebelde definhava. Luke exclamou:

— Androide? Encontraste… encontraste o Artoo?

— Sim, ele sobreviveu à explosão que destruiu os vossos caças.

Aliviado, Luke rasgou um sorriso que lhe repuxou o inchaço do olho.

— Vinha para a colónia. Por sorte, intercetei-o no meio do caminho. Reconheci-o como um astromec, uma unidade R2 auxiliar de pilotagem de um caça monolugar. Percebi que poderia estar ligado à Aliança. Ouvi notícias estranhas de que têm acontecidos ataques rebeldes a Remir Uno. A lata atrevida atacou-me! Disparou-me um choque elétrico que me paralisou a perna esquerda e depois quis fugir. Consegui que voltasse para trás dizendo que os pilotos, vocês, tinham sido feitos prisioneiros e que eu poderia ajudar. Ele foi mais desconfiado do que tu – apontou para Dak –, mas percebeu rapidamente a situação delicada e concordou em aceitar a minha ajuda.

Nisto, o rapaz animou-se, afastou a cortina com um safanão e rastejou pela abertura, sumindo-se no corredor como um animal assustado. Dak perguntou:

— O que lhe deu?

O homem empurrou-os contra a parede, acobertando-os com o seu corpo maciço. Dividiu o olhar entre a cortina que ainda abanava e a porta da cabana fechada.

— Ele deve ter pressentido alguém. Os nativos de Silexa têm o sentido da audição muito apurado.

Luke sacou do sabre de luz que escondia no bolso interior do casaco.

— Continua com o teu plano, amigo— pediu Dak entre dentes. Ao estar desarmado sentia-se desprotegido e muito vulnerável.

— Haverá um ataque. O androide contactou a vossa base na lua, um tal de Antilles respondeu. Irão fugir durante a confusão que vai acontecer. Eu estarei à vossa espera na mata, com o androide e um veículo terrestre que já tenho preparado. Lembrem-se, devemos seguir para leste, por isso contornem o muro à esquerda do portão. Na primeira esquina, atirem-se ao declive. No fundo da ravina estarei lá.

Passos pesados rondavam a cabana. Um dos mercenários de Mathyas. Sustiveram a respiração. A dor de cabeça de Luke aumentou.

— Tu vais connosco – sussurrou ele.

O homem piscou-lhe o olho. Respondeu no mesmo tom baixo:

— Claro que vou. Depois de ajudar a vossa fuga, sou um homem morto. Finalmente, vou juntar-me à Aliança. Tenho esperado muitos anos por este momento… E agora vai acontecer. Não se vão arrepender de me terem recrutado. Sou um piloto, como vocês e estou disposto a combater na linha da frente.

— És natural de Remir?

— Não, amigo. Nasci na estação Kestic.

— Nunca ouvi falar.

— Ninguém ouviu falar, amigo. Situava-se nas franjas do sistema de Bestine e era um local de comércio livre, sem ligações a qualquer guilda e, mais importante, ao Império. No início da guerra civil alguns comerciantes começaram a traficar armas para a Rebelião o que lhes valeu uma sentença de morte. Eu consegui escapar num dos últimos transportes que saiu da estação, antes de um star destroyer a ter transformado em lixo espacial e matado os seus últimos habitantes.

— Uma história triste – disse Dak átono.

— Todas as histórias dos rebeldes são tristes – retorquiu o homem, crispando uma sobrancelha.

Sem dizer mais, dobrou-se e desapareceu no corredor por onde tinha vindo, por detrás da cortina que ficou a adejar após a sua passagem. Restou um silêncio pesado, de conspirações e de compromissos.

Dak respirou fundo, sem saber onde colocar as mãos, abrindo e fechando os dedos. Precisava de arranjar uma arma. Acalmou-se, raciocinando que poderia encontrar uma assim que atacasse alguém. Preferia um dos mercenários do Senhor Branco, pois então teria a certeza de que arranjaria uma pistola laser, mas se fosse um remzy conseguiria uma lança que seria igualmente útil.

Luke entreabriu a porta da cabana que não era automática, constituía-se por uma folha metálica reaproveitada de algum veículo transformado em sucata, coberta por fibras entrançadas que lhe davam um aspeto rústico e vegetal, que condizia com o aspeto geral da habitação. Espreitou com cautela. Os sons dos festejos que aconteciam no largo comunitário, ténues e longínquos, flutuaram até aos seus ouvidos atentos que não descortinaram outros barulhos suspeitos. Os passos pesados tinham-se sumido algures.

— Tudo calmo – murmurou…

Encostou a porta, mantendo-a na mão esquerda, enquanto na direita segurava o punho do sabre de luz. Estava a mentir, pois não sentia essa calmaria que apregoara. Não queria alarmar Dak, contudo. As pontadas no crânio palpitavam irregulares. Mathyas estava ansioso e agitado, acossado com um qualquer pressentimento. Foi esquisito conseguir uma ligação tão nítida com os sentimentos do antigo tenente. Luke concentrou-se. Debaixo da armadura que ornamentava o Senhor Branco, existia uma mágoa profunda pela perda do irmão gémeo. Assustou-se com essa revelação, pois um homem desesperado não tinha nada a perder.

— Acreditaste naquilo que o Senesca disse?

A voz de Dak quebrou a sua ligação mental. Abanou a cabeça para desanuviar os pensamentos, pestanejou para clarear a visão que se desfocara.

— Acreditei. Por que razão continuas tão cético?

Dak encolheu os ombros, enfiando as mãos vazias nos bolsos do casaco, abrindo-lhe as abas para acentuar a sua descrença.

— Sou naturalmente desconfiado…

— Ele trouxe o meu sabre de luz, falou em Artoo e no Wedge, sabe que estamos estacionados na lua deserta e mencionou os ataques rebeldes às minas de Remir. Nada de muito detalhado, mas acertou em todos os pontos. É demasiada informação para ser inventada.

— Um espião bem colocado podia ter-lhe passado essa informação.

— Ele quer ser recrutado pela Aliança – disse Luke. – Arriscou-se para vir até aqui, libertou-nos e definiu um plano para sairmos da colónia. Ninguém mais, para além dele, está envolvido.

— Teatro?

— Esteve com o Artoo.

— O Artoo foi aquilo que te convenceu?

— O Artoo devia ter explodido com os nossos X-Wing.

Um solavanco empurrou a porta e Luke, que a agarrava, foi projetado para trás com esse movimento brusco, arrastando Dak consigo. Caíram os dois de costas.

— Malditos! Conseguiram escapar-se!

O grito rouco emitiu um alarme urgente nos sentidos de Luke Skywalker que se levantou de imediato, com o sabre de luz preso nas duas mãos. Pelo único olho são entreviu um dos mercenários de Mathyas, muito provavelmente o dono dos passos pesados que tinham escutado antes e que rondaria a cabana, a mando do seu chefe para ver como estariam os prisioneiros. Com ele estavam dois remzy e as suas lanças.

— Fica atrás de mim! – indicou a Dak que se punha de pé

O mercenário gargalhou insano. Carregava uma arma e devia julgar que os tinha subjugado, por causa do cano negro que inexoravelmente lhes apontava. Luke ligou o sabre de luz. Os remzy roncaram assustados e recuaram, as suas silhuetas diluíram-se na escuridão da noite.

A lâmina azul varreu o espaço e a primeira coisa que atingiu foi o cano negro, que se separou em dois numa explosão de faíscas. O mercenário gritou de perplexidade, Dak também pois estaria a cobiçar aquela arma para si. O movimento descendente foi complementado por um movimento contrário, para cima, e a lâmina azul tornou a varrer o espaço, desta feita para atingir o peitoral couraçado do mercenário, que protegia o torso dessa forma, abrindo-lhe um rasgão que logo cauterizou. Luke fez tenção de repetir o primeiro movimento, para baixo, mas o mercenário, mais avisado da perigosidade daquilo que lhe parecia um bastão inflamado, saltou às arrecuas e escapou do segundo golpe.

Luke aproveitou a retirada do oponente para levantar o sabre sobre a cabeça, segurando-o firmemente com ambas as mãos. O mercenário, largo de ombros e de estatura ameaçadora, um autêntico brutamontes que se servia do físico e não da inteligência, embateu contra a porta e como era mais pequeno do que essa abertura, desfez os umbrais e a trave cimeira, abrindo um buraco na cabana com o seu corpo. Em desequilíbrio, caiu e Luke aproveitou para pular sobre ele e desatar a correr, em busca de um refúgio que pudesse ocultá-los quando fosse dado o alerta de que tinham escapado.

Chamou pelo companheiro, girando o pescoço para a direita, desligando o sabre de luz que, nas trevas noturnas, haveria de denunciar a presença deles. Dak surgiu a correr ao seu lado.

— Preciso de uma arma! – exigiu elétrico.

— Eu sei. Apanhas a próxima.

A colónia animou-se com a típica agitação de um momento extraordinário. Os habitantes assustados saíam para a rua, abandonando as suas cabanas, perguntando-se o que é que estava a acontecer, os remzy corriam erráticos grunhindo e brandindo as lanças, os festejos no largo comunitário silenciaram-se. O Senhor Branco iria aparecer em breve, escudado pelos mercenários que não hesitariam em abrir fogo contra tudo o que se mexesse.

Um rosnado surgiu próximo deles. Luke desviou-se e viu um dos remzy a ser abalroado por Dak, que se atirou com todo o seu peso para cima da feia criatura. Desferiu-lhe um soco com toda a sua força na testa e arrancou-lhe a lança.

— A seguir é uma pistola laser. Com isto tenho a certeza de que vou conseguir desarmar um dos homens do Mathyas.

Embrenharam-se por uma ruela formada pelas traseiras de um aglomerado de cabanas, que exalava um odor pestilento. Na sua correria pisaram coisas moles que deduziram ser lixo orgânico, mas não pararam para investigar e, depois de virarem à direita, encolheram-se num beco escuro. Tentaram moderar a sua respiração acelerada, por um lado para não denunciarem o esconderijo, por outro para evitarem o cheiro nauseabundo que lhes ofendia as narinas e lhes provocava vómitos.

Escutavam os remzy a fuçar nos recantos à sua procura. Dak segredou a Luke que deveriam encontrar outro sítio pois ali não tinham possibilidade de fugir se fossem detetados, ficariam encurralados. Luke respondeu-lhe que lutariam, com o sabre de luz e com a lança. Dak censurou-lhe a audácia. Teriam de ser práticos ou podiam colocar em causa o esforço de Senesca, a incursão dos X-Wing.

Por fim, Luke concordou que o lugar era péssimo, principalmente por causa do cheiro. Nem queria imaginar o que se colara às botas. Caminharam agachados e a fazer o mínimo de ruído possível pela ruela que ziguezagueava naquele terreno enlameado e fedorento.

Um disparo rasou o cabelo de Luke. Abaixou-se e puxou por Dak que aterrou de joelhos no lixo pastoso. Praguejou alto enojado, Luke mandou que se silenciasse, mas era tarde demais. O atacante encontrou-os pelo barulho que fizeram. Uma chuva de raios laser desceu sobre eles, que tiveram que se encostar a uma cabana, para se protegerem. Dak perguntou irónico:

— E como saímos desta, sem uma arma como deve de ser?

— O meu sabre de luz é uma arma como deve de ser— contestou Luke.

As paredes frágeis da cabana não iriam aguentar muito mais. Desfaziam-se em bocados terrosos, em fibras vegetais que se incendiavam e que se apagavam assim que tocavam o solo húmido de porcaria, buracos eram esgravatados esboroando a fina barreira protetora.

Para trás não podiam seguir, pois estava o beco onde se tinham escondido. Para diante estava um dos mercenários de Mathyas, a descarregar as suas munições sobre eles, ininterruptamente, selvaticamente.

Luke fechou os olhos. Era uma loucura, mas se não o fizesse corria o risco de ficar ferido por um dos tiros, ou de Dak ser atingido. Fugir com um ferimento era desagradável e iria atrasá-los. Então, fê-lo. Não quis pensar nas consequências, nem imaginou o que pudesse correr mal. Ligou o sabre de luz e avançou, com a lâmina na vertical, movendo-a com rigidez para aparar os raios laser. Exigia-se precisão, não tinha margem para falhar.

De olhos fechados, avançava, um pé depois do outro, sentindo os traços luminosos que queimavam o ar e que ele intercetava na sua espada azul fluorescente. Era como a bordo da Millenium Falcon quando treinara vendado, a aparar os dardos disparados pela esfera flutuante que Ben Kenobi ativara para ensiná-lo a servir-se da Força.

O vulto do mercenário surgiu no mundo escuro onde ele se movia, os contornos iluminados e chamejantes, semelhante a um eclipse. Levantou o sabre de luz e golpeou. O vulto desapareceu, os tiros cessaram, as vibrações desvaneceram-se. Abriu os olhos e percebeu que tinha conseguido abater o atacante. Dak abraçou-o pelos ombros.

— Nunca vi uma coisa assim! Foste… Tu foste… O que raio fizeste?

Tinha prendido a respiração enquanto avançava, apoiado na Força, com o seu sabre de luz. Expirou dolorosamente, os pulmões ardiam-lhe da longa apneia involuntária. Meneou a cabeça zonza, tentou explicar mas não conseguia falar. Fez um som gutural, pigarreou para clarear a garganta. A experiência fora uma extensão dos seus treinos mancos que fazia em solitário, apoiado na lembrança do escasso ensinamento proporcionado pelo Jedi Kenobi.

Nos céus índigo um zumbido crescia. Luke e Dak olharam para cima.

— Wedge… – murmurou o primeiro.

O companheiro puxou-o pela manga do casaco.

— Vamos, vamos. O ataque aéreo vai começar e devemos sair da colónia.

As primeiras explosões foram longínquas, quase tímidas. Um anúncio de que os estragos seriam mínimos se não houvesse retaliação. Luke torceu-se com o regresso pujante da cefaleia, gemeu. Dak descartou a lança e arrancou a pistola laser das mãos do atacante morto.

O Senhor Branco assenhorava-se do perímetro, berrava ordens e posicionava os seus homens para conter o ataque aéreo iminente. O renegado estava tão próximo deles que conseguiam ouvir os seus rugidos e as suas maldições, estava tão próximo que afetava Luke de um modo brutal. Se ele conhecesse o efeito que tinha no jovem piloto que ele tanto desejava entregar a Darth Vader, ter-se-ia servido desse estranho poder para dominá-lo com mais contundência.

Os dois X-Wing que lideravam a formação despejaram os seus raios laser, disparados dos quatro canhões das asas traseiras que estavam abertas na sua posição característica. Subiram para dar lugar ao par seguinte. O alvo eram os muros, estavam propositadamente a evitar as cabanas para não provocarem vítimas desnecessárias.

Os gritos dos colonos e os urros dos remzy eram caóticos. O pandemónio instalou-se e não havia lugar suficientemente seguro para se abrigarem do fogo que chovia do céu. Alguns prostravam-se na terra e lançavam os braços ao alto, implorando que o Império os perdoasse, pois imaginavam erradamente que se tratava de um assalto imperial por uma qualquer falta de que eles não se recordavam.

O Senhor Branco bradava pelos seus homens, raivoso e exigente.

Num dos cantos da colónia, sobre uma plataforma que se unia ao muro, surgiu um potente canhão antiaéreo. O artilheiro sentou-se na cadeira e começou a operar a consola que fazia o cano subir devagar para apontá-lo aos caças.

Dak corria puxando por Luke. Mantinha a pistola em posição de tiro, dedo sobre o gatilho, mas evitava disparar para que não se percebesse que eram eles, os prisioneiros em fuga. Abrigavam-se na confusão para escaparem sem que ninguém desse por isso, entre os grupos de colonos assustados e os remzy tresmalhados.

Os tiros laser dos X-Wing explodiam e criavam bolsas de luz na escuridão tumultuada. E nesses fugazes instantes iluminados, via-se a multidão em correria louca, colonos misturados com os remzy, os mercenários a posicionarem-se estrategicamente para dominar o sítio, o Senhor Branco a esbracejar na atitude de maestro que traria a harmonia à desordem.

Houve uma criatura, porém, que se apercebeu de que Dak e Luke não buscavam abrigo numa das cabanas, como todos os outros o faziam em tropel vertiginoso, aos berros, olhos esbugalhados, protegendo os indefesos. Apercebeu-se também que se dirigiam ao portão e, pormenor fundamental, um deles empunhava uma pistola laser.

A criatura agiu. Verificou que os dois fugitivos disfarçavam o seu objetivo usando um caminho enviesado, correndo paralelos ao muro e que, quando estivessem mais perto, haveriam de fazer a curva que os levaria até à saída. Fazendo uma previsão dos seus passos, adiantou-se-lhes e conseguiu intersectá-los, rasteirando, com os dois pés juntos, o elemento mais fraco da dupla, aquele que estava ferido na cara e não tinha uma pistola laser.

Luke tropeçou e caiu, arrastando Dak consigo, ficando sobre este. Teve o sangue-frio para raciocinar que tinha sido atacado e rebolou para o lado esquerdo. Fê-lo a tempo de evitar a lança do remzy que se espetou na terra. Ligou o sabre de luz e de um golpe decepou uma perna à criatura. Ao mesmo tempo, Dak também se voltava e premia o gatilho, estoirando com a cabeça da mesma criatura, que tombou morta e dura no chão.

Os brilhos da lâmina e do tiro chamaram a atenção.

O Senhor Branco descobriu-os. Levantou uma mão e berrou:

— Apanhem-nos!

O canhão antiaéreo disparava contra os caças que se evadiam dos seus raios, num bailado rápido e gracioso. O zumbido da sua passagem a baixa altitude era música para os ouvidos de Dak e de Luke, um insulto para Mathyas e os seus homens.

Os dois rebeldes levantaram-se, cobrindo os últimos metros da sua evasão com uma barragem de tiros laser que Dak disparou, voltando a arma para trás, sem fazer mira. Luke atirou um ombro contra a porta mais pequena e abriu-a, fazendo-a saltar dos gonzos. Escorregou, Dak apanhou-o pelo casaco e foram na direção indicada por Senesca. Para a esquerda, até à esquina.

A colónia fervilhava ainda. Barafunda, gritos, urros, explosões e faíscas.

Na tal esquina atiraram-se pelo declive e começaram a rebolar por este abaixo. Dak rasgou as calças e fez um corte na perna, mas nada de preocupante. Luke só esfarrapou as roupas e agradeceu a sua sorte, pois já lhe bastava a cara magoada e a cabeça a estalar dorida. À medida que a raiva e a frustração de Mathyas cresciam, ele sentia-as em forma de pulsações no crânio, envolvendo-o numa teia que se estreitava.

Encontraram Zev Senesca no fim do declive, acompanhado de Artoo, no sítio combinado. Entraram no transportador que Senesca ligou de imediato e que arrancou em grande velocidade. O androide estava acoplado ao pequeno computador do veículo e enviou a ordem para a esquadra cessar o ataque, pois a mercadoria tinha sido recolhida. Luke pousou a mão na cúpula do androide.

— Estou tão contente por te rever, companheiro! – disse-lhe.

Artoo apitou, Luke sorriu-lhe.

Dak voltava-se para a retaguarda, pistola em riste, apontando para as sombras da mata que deixavam para trás, os muros da colónia a se distanciarem no horizonte. Luke recostou-se no seu assento, rendeu-se ao seu cansaço. Prendeu o sabre de luz no cinto. Estava esgotado, desorientado, adoentado. Apalpou o olho tumescido. Estava também horrível, tão feio como um remzy.

Os X-Wing fizeram uma última passagem. O líder da formação deu ordem para debandarem e cada um seguiu numa direção diferente, os caças espalhando-se no céu escuro para depois apontarem ao espaço e sumirem.

O transportador chegou à pista de aterragem clandestina. Havia uma única nave estacionada, um cargueiro antigo. O lugar estava silencioso, apesar de se ver luz a sair de um contentor. Senesca parou o transportador e pediu-lhes que descessem. Ajudou a retirar Artoo, o androide era pesado e pareceu-lhe que nem Luke, nem Dak, tinham forças suficientes para carregar com este.

— E agora? – perguntou Dak, enfiando a pistola no cinto.

Ninguém os tinha seguido, por enquanto.

— Agora, vamos comprar uma passagem naquele cargueiro.

— Isso não será arriscado? – indagou Luke. Artoo concordou com um silvo.

— Daqui a nada teremos o Senhor Branco aqui, ele sabe para onde nos dirigimos. Nas redondezas não existe outro lugar para fugir de Remir Duo a não ser esta pista. Aproveitem-na! Ou estaremos perdidos. A punição por ajudar prisioneiros e contrariar o Império é a morte. Sem julgamento, amigos. Ajoelham, expõem a nuca, um tiro certeiro e a sentença é cumprida.

— Tens créditos? Não estás a contar connosco, pois não? – disse Dak zangado. Continuava a não confiar totalmente no homem.

— Dak, acalma-te – pediu Luke conciliador. – O que pensas fazer agora, Zev?

— Conheço o tipo das transmissões. Já lhe fiz uns favores. Ele vai apresentar-nos ao piloto do cargueiro. Depois compro-lhe a passagem, fiz algumas economias nestes anos que passei aqui.

Dak revirou os olhos, descrente. Era um plano falível, com mais buracos do que aquele que lhes tinha permitido evadirem-se da colónia. Ao menos durante a fuga tiveram cobertura aérea dos X-Wing.

As dores de cabeça diminuíam e Luke sentia-se melhor. Como Senesca informara, não tinham muito tempo e, para dizer a verdade, não estava com vontade de deixar tudo nas mãos de um tipo qualquer que ele desconhecia e que podia traí-los, vendendo a informação para o Mathyas e conseguindo ganhar o dobro com aquele negócio.

Para não levantar suspeitas, deixou Senesca conduzir as apresentações no início. Conheceram o tal tipo das transmissões que tinha um aspeto deplorável e mesquinho. Aceitou dinheiro só para que se fossem encontrar com o piloto e não o faria se não lhe depositassem o pagamento na mão estendida.

No contentor existia um anexo que servia bebidas e refeições ligeiras. O piloto embebedava-se dobrado sobre uma mesa suja. Era outro que causou uma primeira péssima impressão. Fez-se de importante e de difícil, negou várias vezes o transporte dos passageiros, queria que Senesca subisse o preço, alegava que traficava cereais e não pessoas, acrescentava num falso pesar de que não se podia afastar da rota para Remir Uno, a única autorizada pelo governador. Senesca suava e olhava de soslaio para Dak Ralter, que observava a cena decadente de braços cruzados, porque era evidente que Senesca não possuía todos esses créditos e precisava de um empréstimo da Rebelião.

Mathyas estava quase a chegar. Uma imagem fugidia alertou Luke para esse facto. Vinha furibundo, transtornado, pronto para os matar a todos – já não se importava com as exigências de Vader, com a recompensa milionária do Império.

A partir daí, Luke comandou a situação. Encarou o piloto e disse-lhe simplesmente:

— Vais levar-nos até à lua deserta do sistema de Remir.

E o piloto, de olhar embaciado, repetiu:

— Vou levar-vos até à lua deserta do sistema de Remir.

E transportou-os no seu cargueiro que servia para o comércio clandestino de cereais que envolvia os senhores do crime de Remir Duo, liderados por Mathyas, sem pedir pagamento ou qualquer extra pelo inconveniente, não delapidando as poupanças de Zev Senesca. Durante a viagem ninguém abriu a boca para comentar o que quer que fosse. A nave pousou na lua, foram recebidos por Wes Janson que assobiou quando viu a cara amassada de Luke. O piloto despediu-se, o olhar não tinha desanuviado e a sua postura era rígida, igual à de um autómato. Senesca foi levado por Janson que lhe deu as boas-vindas e que lhe agradeceu pelo que tinha feito. Antes, comunicou a Luke e a Dak que esperavam um transportador da Aliança para levá-los para a Home One, que a sua participação na missão tinha terminado. Antilles assumiria a liderança. De qualquer forma faltavam poucos raides para conclui-la com sucesso. Luke protestou, alegando que ele estava em condições de prosseguir como comandante da esquadra, lembrou-se da enfermidade de Antilles sem a denunciar, mas Janson fez-lhe um sinal discreto por causa de Senesca, que não deveria escutar as suas discussões. Luke calou-se quando Dak lhe apertou o braço.

O cargueiro levantou voo e abandonou a lua.

— Como foi que fizeste aquilo?

Luke encolheu os ombros e respondeu relutante:

— Não sei.

Contudo, ele sabia-o. Vira Ben Kenobi fazer o mesmo com os stormtroopers em Mos Eisley. Chamava-se truque mental e era manobrado através da Força. O velho eremita convencera os soldados de que podiam seguir sem inspecionar o speeder que carregava os androides procurados. Ele fizera igual. Explicar como o fizera era mais complicado e por isso não estava totalmente a mentir.

— Deixaste o Senesca impressionado.

— Ele já estava impressionado connosco. Apenas lhe salvei os créditos.

Artoo apitou. Luke deu-se conta de que o astromec compreendia o truque mental, os seus efeitos e que esse segredo seria partilhado entre eles. Luke deu-lhe uma palmada amigável na cúpula, aceitando-o como cúmplice.

— Livraste-nos a pele. Obrigado.

— De nada, Dak. Na colónia também nos salvaste algumas vezes. Também te agradeço. Foi uma noite… agitada.

Dak piscou-lhe o olho.

— Tudo começou quando o meu X-Wing foi atingido e se despenhou. Acho que sou eu que estou em dívida contigo.

— Talvez. Não estou a fazer essa contabilidade.

O sorriso de Luke foi débil. Continuava cansado, mas as dores de cabeça tinham cessado completamente, o que era um alívio. Perguntou-se se o Mathyas imaginaria que eles estavam estacionados ali. Seria difícil encontrá-los e se houvesse algum sinal de que a missão estava comprometida, pela revelação da sua base, seria abortada de imediato e os caças regressariam a D’Qar.

Por outro lado, o piloto do cargueiro de cereais não iria conseguir revelar nada, pois desde o momento que Luke lhe aplicara o truque, criara também um obstáculo mental que lhe provocaria amnésia. Apenas se lembraria de ter sido contactado por Senesca e por dois pilotos rebeldes em fuga, com um androide R2, sem conseguir completar o que tinha sucedido depois. Por aquilo que ele sabia tinham-se ido embora.

Para concluir, a sua partida de Remir acalmaria a sanha perseguidora de Mathyas que se apontava exclusivamente a ele e era bem possível que não procurasse descobrir o paradeiro dos X-Wing que tinham atacado a colónia.

Estava tudo bem.

Olhou para as estrelas trémulas. A Força acompanhava-o e suspirou, feliz.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Mais um capítulo gigante - mil perdões!
Mas havia muita coisa para contar...

O Luke conseguiu salvar-se, com o Dak e a ajuda dos seus amigos. Incluindo um amigo mais do que especial chamado Artoo.
Apareceu Zev Senesca - alguém sabe quem é este personagem?

Muita adrenalina conforme prometido, muito Star Wars!

Próximo capítulo:
O aprendiz e o mestre.