Um Horizonte Maior escrita por André Tornado


Capítulo 3
A noite das estrelas


Notas iniciais do capítulo

“- Desculpe, capitão – disse Leia, com as faces agora afogueadas de raiva. – Ser amparada nos seus braços não basta para me excitar.”
In O Império Contra-Ataca, GLUT, Donald F., Publicações Europa-América



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O ar da noite era frio, mas suportável e surpreendentemente agradável por comparação ao ambiente abafado e elétrico que se vivia no Salão de Audiências do Templo de Massassi. A humidade da floresta, que se desprendia da imensa folhagem das árvores e que pairava subtilmente na atmosfera, nunca chegando a formar-se em neblina, ajudava a essa sensação refrescante.

Luke Skywalker fez uma inspiração profunda, de olhos semicerrados e ao ter oxigenado os pulmões sentiu-se menos tonto, mais agarrado à terra. O sangue aquecia nas suas veias, misturado com o rum corelliano. Dois copos tinham sido suficientes para o deixarem naquele estado de excitação e não pensava beber mais por aquela noite, nem sequer cerveja jawa. Considerava que tinha feito os brindes que lhe eram exigidos, que tinha comemorado o que era suposto comemorar, que tinha acompanhado quem tinha requisitado a sua companhia. Não sentia a necessidade de ir para além do seu estado atual, de exagerar a sua euforia.

Acalorado, despiu o casaco amarelo. Atirou-o por cima do ombro, prendendo-o pela gola com dois dedos, ficando a peça de vestuário a bater-lhe nas costas. Enfiou a mão direita no bolso das calças e começou a cirandar por ali, sem um destino certo. A fita roçava-se levemente na nuca à medida que caminhava por causa do peso da medalha. 

Havia quem, como ele, tinha vindo procurar a frescura noturna da quarta lua de Yavin e passeava-se pelos arredores do templo. Pequenos grupos de colegas de ofício, amigos que partilhavam a bebedeira em risadas, alguns casais escondidos entre as árvores a dar largas aos seus sentimentos. Naquela noite era tudo permitido ao pessoal da Base Um.

No terraço, uma estrutura envolvida em plantas trepadeiras que se projetava do templo como uma prateleira comprida que rodeava todo o edifício, ao qual se podia aceder através de umas portas altas localizadas próximo do palco do Salão de Audiências, a princesa conversava com o contrabandista. Luke conseguia distinguir-lhes as silhuetas na perfeição e identificá-los sem sombra de dúvida, em qualquer circunstância. Mas naquele caso não precisava de apelar aos seus sentidos para realizar o exercício pois os dois estavam bem visíveis para os passeantes mais abaixo, por causa da iluminação que tinha sido colocada no terraço. Para além de Leia e de Han havia mais gente nessa plataforma construída com a mesma pedra vetusta do templo. O general Willard passeava-se de braço dado com duas senhoras, outros comandantes apreciavam o céu noturno e prolongavam as conversas que haviam iniciado no interior. Mas Luke não pôde deixar de se sentir incomodado por vê-los numa pose que sugeria cumplicidade e porque ele não estava lá com eles.

Se ele fosse honesto, teria de confessar que estava com ciúmes. E também teria de considerar que Han fora maldoso ao ter ido falar com Leia sem o avisar dessa intenção. Mas eram todos amigos, pensou zangado com a sua própria mesquinhez, e não se estava a passar nada de mais íntimo entre a princesa e o contrabandista. Nem se podia passar sem causar escândalo, pois os dois não estavam sozinhos, havia mais gente com eles, pessoas importantes, o Alto Comando da base rebelde, e nem tinham procurado um canto mais escuro do terraço para o encontro. Estavam bem à vista de todos. Não havia qualquer problema se ele se lhes juntasse. Luke parou de andar sem desfitar Han e Leia no terraço. Pareciam divertidos, ela estava feliz. Ficaria mais feliz se o visse. Rodou sobre os calcanhares para regressar ao templo, subir os degraus até ao palco, procurar as portas altas, ir também para o terraço...

— Olá.

Luke assustou-se. Em dois movimentos muito rápidos tirou a mão direita do bolso e levou-a ao punho da pistola laser M-57 que usava num coldre preso à coxa. Não chegou a sacar da arma ao verificar que era uma mulher. Abriu os dedos, libertando-se da sensação alarmante da descarga de adrenalina.

— Olá... – devolveu.

— Estás aqui.

Reconheceu-a quando ela mexeu a cabeça ligeiramente para a esquerda. Fez balançar os seus caracóis castanhos e o seu rosto iluminou-se com a luz esparsa que saía do edifício para a floresta. Era uma das mulheres que o tinham estado a observar, a mais franzina do grupo. Aquela que tinha um gancho brilhante a prender-lhe o cabelo por cima da orelha direita, reparou ele. Tinha uma forma estranha, provavelmente seria um símbolo com um significado especial. Distraiu-se com o gancho por breves segundos, mas não o podia usar eternamente como desculpa. Ela mirava-o na expetativa. E ele teria de quebrar aquele silêncio incomodativo.

— Como te chamas? Desculpa perguntar-te... mas creio que não fomos devidamente apresentados.

Mordeu a língua. Soara demasiado formal. O convívio com Threepio estava a fazer-lhe mal. Nunca falara naquelas maneiras tão polidas, nem nunca fora um rapaz mal-educado, convinha acrescentar. Recebera uma educação rígida do seu tio Owen e da sua tia Beru, que não o deixavam ser rude ou brusco com ninguém. Podia ser natural de Tatooine, mas a reputação do planeta não tinha necessariamente que se estender aos seus habitantes, dizia-lhe a tia com uma meiguice irritada sempre que ele fazia alguma asneira.

Ela tinha um sorriso discreto, a roçar o tímido.

— Chamo-me Nyra.

— Eu sou o Luke.

— Eu sei.

— Eh... Sabes?

— Toda a gente sabe quem é o Luke Skywalker.

Os olhos dela, grandes e expressivos, emoldurados por pestanas enroladas, olharam por breves instantes para a medalha. Ele percebeu. Continuava a ser ingénuo ao julgar que era mais um piloto recentemente recrutado pela Aliança. A festa que os envolvia era prova de que tinha conquistado uma certa fama entre os rebeldes... O seu nome já devia estar a ser ecoado pelos vários cantos da galáxia onde haveria simpatizantes da Rebelião.

Não gostava do protagonismo, porém. Olhou para o fumo que ela usava no braço magro, que nela era quase elegante, uma pulseira preta que combinava com o uniforme, sem mangas, composto por um colete de botões apertado por um cinto largo e umas calças cinzentas justas, enfiadas numas botas engraxadas escuras.

— Também estás a usar uma faixa de luto. Quem perdeste na Batalha?

— O meu noivo. Era piloto de um Y-Wing. Mas não quero falar disso, se não te importares. Hoje sinto-me menos triste.

— Compreendo. Desculpa...

— Não precisas de te desculpar. Não fizeste nada de mal... Foi bom teres perguntado. – Contudo, ela começou a desabafar: – Ninguém me perguntou nada sobre o meu luto. Simplesmente assumem que morreu alguém na Batalha, que a homenagem que fazemos com as faixas é geral, um símbolo de respeito por todos os mortos. Poucos sabiam que eu e o Karl estávamos noivos... Prometemos casar-nos depois do ataque à Estrela da Morte. – Deixou escapar um suspiro fatigado. – Sabíamos que iriam acontecer festejos para comemorar a vitória, seria um importante feito militar para a Aliança. Já tínhamos tudo preparado. Eu falaria com o general Dodonna, ele com o Vander, o líder da Esquadra Dourada, para pedirmos autorização para o casamento. Ele tinha-me oferecido um anel que eu usaria nesse dia... Neste dia. Nesta festa.

— Sinto muito pelo teu noivo.

— Obrigada, Luke.

Para mudar de conversa que o deixou amargurado, lembrava-se das explosões dos caças, os despenhamentos sobre a superfície metálica da estação espacial, um deles teria sido o Karl, o noivo da Nyra, olhou para o templo e disse:

— Está muito calor lá dentro. Aqui fora dá para respirar um pouco.

— É verdade. Está muito calor. As festas costumam ser assim, acho eu... Não tenho ido a muitas festas.

— Nem eu. Onde estão as tuas amigas? – Ele arrependeu-se imediatamente de ter feito a pergunta.

— Não sei. Acho que ficaram lá dentro.

— Também trabalham com o general Dodonna?

— Não. Elas trabalham com o Del Goren, na área das comunicações. Operam os computadores. Área técnica, muito inteligentes, qualquer uma delas. A mais velha é especialista em códigos secretos imperiais. São todas irmãs. – E o sorriso dela ficou menos discreto.

Como Luke não fez qualquer observação ao que estava a revelar num tom de confidência indecente, ela acrescentou aquele dado que seria indispensável para encontrar as morenas:

— São as irmãs Shmura.

Luke susteve a respiração. Não soube o que dizer a seguir para continuar aquela conversa que estava a enveredar por trilhos estranhos. Talvez devesse falar com Threepio e requerer a sua mediação para ser formalmente apresentado às irmãs, agora que já sabia o nome delas. Mas com que desculpa? Não se estava a ver a precisar, nos tempos mais imediatos, de códigos secretos imperiais ou qualquer esclarecimento técnico por parte do pessoal das comunicações. Usualmente era o Artoo que se encarregava desses processos rotineiros.

— Não são gémeas, se estás a pensar nisso...

— Não estava – esclareceu ele confuso.

— A Jenna é a mais velha, a que sabe dos códigos. A irmã do meio é a Kenna e a mais nova é a Lenna. Gosto dos nomes delas... Foram bem imaginados. Os pais das irmãs morreram quando eram muito pequenas, contaram-me. Um ataque do Império. Ficaram órfãs e foram criadas por um grupo de mercenários, onde aprenderam a trabalhar em comunicações. Queria ter conhecido os pais das irmãs Shmura para lhes dizer que foram estupendos ao dar aqueles nomes às filhas. Muito bem imaginados!

— Sim, sim...

— Achas que, se nascesse uma quarta menina, ela iria chamar-se Menna?

— Talvez.

Nyra foi-se aproximando, enquanto revelava todas aquelas informações perfeitamente descartáveis.

— Elas... acham-te bonito.

— Eh... Obrigado.

Reparei que elas estavam a querer devorar-me com os olhos. Devem julgar-me bonito, sim, pensou Luke incomodado. Não achava piada nenhuma estar a falar sobre outras mulheres com uma mulher. Já era suficientemente embaraçoso fazê-lo com Han Solo, que era bastante mais experiente do que ele nessa questão. Na Estação Toschen havia moças da sua idade, mas nunca nenhuma se tinha aproximado o suficiente para que ele vencesse a sua timidez.

— Elas têm levado a noite toda a dizer que tu és bonito. Eu também te acho bonito... Não o digo por influência das irmãs... Não. É mesmo a minha opinião.

— Obrigado, Nyra. Tu... Tu também és muito bonita.

Arregalou os olhos ao sentir a boca dela na dele. Não estava à espera do beijo, embora mentisse se tivesse sido apanhado totalmente desprevenido. Estava bem ciente das movimentações de Nyra a querer encurralá-lo, da contemplação insistente do quarteto de mulheres do qual as irmãs Shmura e aquela que o beijava faziam parte. Embora lhe tivesse parecido a mais recatada das quatro, a sua postura encolhida escondia a avidez de se encontrar a sós com ele. Muito provavelmente para ter um ascendente sobre as irmãs. Compreendia agora que ela o devia ter seguido até à floresta.

Os lábios da Nyra eram macios, quentes, doces. Sabiam a álcool, mas não era a aspereza de uma bebida como o rum ou o whisky. Ela tinha andado a beber algum tipo de licor. Ela abriu ligeiramente a boca e foi então que ele se afastou, envergonhado por ter beijado a noiva de Karl, um piloto de Y-Wing que tinha morrido recentemente.

Nyra apercebeu-se da distância dele e voltou-lhe costas, os ombros encolheram-se quando crispou as mãos no peito. Também devia ter sentido a mesma vergonha, uma espécie de remorso, a lembrança a atraiçoá-la. Talvez tivesse imaginado que estava ali com Karl.

— Desculpa. Não penses mal de mim... Não costumo ser desta maneira tão... atrevida.

— É uma noite especial – replicou Luke tentando soar compreensivo, mas pronunciou as palavras à pressa, quase num atropelo. Tentava ainda recuperar o fôlego, acalmar o coração. Vislumbrou um casal aos beijos atrás de uma árvore. – Eu não vou pensar mal de ti. Não te preocupes... Deves estar a sentir-te sozinha.

— Não sou eu quem queres beijar... nesta noite especial.

A brusquidão daquela resposta fê-lo estremecer. Ela continuava de costas.

— O quê?

— Não vou conseguir nunca competir com uma princesa... Mas posso tentar. Não me podes censurar por querer tentar. Se não tentarmos, nunca saberemos, não é? Espero que continues a divertir-te, mas também me pareceu que te sentias sozinho. De qualquer modo, ficámos um bocadinho menos sozinhos, tu e eu. Obrigada por este momento.

Desatou a correr na direção do templo.

Luke engoliu em seco. De repente, apeteceu-lhe um terceiro copo de rum corelliano. Como sabia a Nyra do seu encantamento por Leia?

***

— Não acredito nisso! – exclamou Leia Organa.

— Estou a contar a verdade, Alteza – disse Han Solo com um sorriso sedutor. – Palavra de contrabandista.

— Isso é fantástico!

A gargalhada da princesa de Alderaan vibrou no ar fresco da noite. Encostava-se ao parapeito do terraço e a negrura da floresta enquadrava-a como uma figura vaporosa porque estava vestida de branco. Deixava a impressão de que brilharia com uma luz própria se fossem apagados os holofotes que iluminavam a plataforma.

Ela fez um resumo divertido da história que o contrabandista de Corellia lhe tinha acabado de contar:

— Lutaste contra um par de gundarks numa arena de um dos mundos da Orla Exterior, do qual já te esqueceste o nome, para distrair um senhor da guerra que esperava um carregamento de armas furtadas a um armazém imperial que tu nunca chegaste a assaltar, porque estavas a fugir de alguém a quem tinhas enganado numa partida de sabacc.

— Correto!

— Dois gundarks são trinta e duas garras, capitão.

— Eu contei-as quando os tive frente a frente, com apenas uma lança de aço de duplo gume como arma entre mim e essas bestas.

— Onde estava o Chewbacca?

— Como te revelei no meu impressionante relato, estava prisioneiro numa das celas da arena. Se eu falhasse, entrava ele a seguir.

— Isso é... absolutamente fantástico! Presumo que a lança de aço de duplo gume tenha servido perfeitamente para dar conta de dois gundarks, trinta e duas garras.

— Se não tivesse servido, não estaríamos agora em Yavin a ter esta conversa, Alteza.

— Oh, posso imaginar uma infinidade de eventos que possam ter ocorrido nessa arena para possibilitar que estejamos a ter esta conversa, capitão! A verdade depende muito de quem está a relatar os eventos do passado e depende mais ainda da posição do relator no final da contenda. Usualmente, os vitoriosos têm a tendência para embelezar o seu relato com aspetos heroicos que não fizeram parte do acontecimento real. A fantasia é preferível à realidade.

— Alteza, não tenho qualquer vantagem em mentir-te... Já nos conhecemos razoavelmente bem para não utilizar esse tipo de expediente numa tentativa dissimulada de sedução.

— Agora fiquei desiludida. Esperava mesmo que me estivesses a tentar seduzir.

E fingiu ter ficado desapontada. Foi a vez de Han gargalhar.

— Quando eu te quiser seduzir, Alteza, só te vais aperceber que aconteceu quando estiveres nos meus braços.

— Não creio que me vais conseguir surpreender com os teus dotes, capitão. Não sou uma mulher fácil.

— Já me apercebi disso. És mais difícil de dominar do que um par de gundarks!

— Espero que seja, pelo menos, mais bonita que um par de gundarks.

— Definitivamente.

Leia afastou-se do parapeito e escolheu um dos bancos de pedra que se distribuíam pelo terraço onde se sentou, de frente para a floresta escura e sussurrante. Levantou os olhos para o céu, tão escuro quanto a floresta. Han assentou uma bota sobre o banco, tendo o cuidado para não pisar o vestido alvo da princesa que tinha uma saia larga e uma comprida capa, ficando de pé. Também olhou para o céu.

— É uma pena que a luz da festa não nos deixe ver as estrelas.

— Sim, uma pena – concordou o contrabandista.

— Então, mataste os gundarks com uma improvável lança de aço de duplo gume, conquistaste a tua liberdade pela bravura, divertiste o senhor da guerra, libertaste o Chewie, recuperaste a tua pistola laser DL-44 e abandonaste aquele mundo esquecido na Millenium Falcon. Sempre foste um herói, capitão Solo.

— Nunca me senti um herói até ter recebido esta medalha.

A princesa estava mais séria. Volveu a sua atenção, momentaneamente, para o ornamento que o contrabandista tinha ao peito.

— Foi inteiramente merecida... Han, queria agradecer-te pessoalmente por teres regressado e por teres atuado na batalha, naquele momento decisivo. Se não fosses tu, não estaríamos esta noite a tentar ver as estrelas por entre a claridade da celebração desta grande vitória da Aliança.

— Já me agradeceste quando me condecoraste com a medalha, Alteza. Tu e toda a Aliança Rebelde. Vamos pensar no futuro, está bem?

— Sempre prático, capitão. Concordo, temos de pensar no futuro. Mas não esta noite... Esta noite quero apenas viver a festa. Se pensarmos no futuro... – Hesitou. Dobrou um pouco o pescoço, como se estivesse a examinar qualquer coisa nas mãos que tinha sobre o regaço. – Se pensarmos no futuro, vamos ter de começar a fazer planos de evacuação.

— Acho, Alteza, que estás a precisar que te conte outra aventura das minhas. O teu sorriso desapareceu.

Ela não se alegrou com aquela observação espirituosa. Nem sequer reagiu ao tom brincalhão, que nunca esmorecera, do contrabandista. Dir-se-ia presa na tristeza que invocara com a contemplação frustrada das estrelas. Pousou uma mão na de Han, que este tinha sobre a perna direita fletida.

— Devolveste os créditos que te foram concedidos pelo meu resgate da Estrela da Morte. Muito obrigada. Soube-o há pouco, pelo general Dodonna. Não o sabia... Pensei que tivesses ficado com o dinheiro. Foi-te dado, é teu por direito.

Han também se sentou no banco, mas de costas para a floresta, para ficar de frente para Leia. O calor da mão dela começara a incomodá-lo e ele não queria desfazer a magia que se tinha criado entre eles, naquela noite. Estavam a conversar havia bastante tempo e ainda não tinham discutido, nem se insultado. Uma proeza assinalável! Não desejava ultrapassar uma linha proibida que desatasse o mau feitio da princesa. Também queria continuar a viver a festa.

— Julgo que a Aliança vai precisar mais desses créditos do que eu – explicou. – Perderam-se bons pilotos, a Rebelião, se quiser continuar a lutar contra o Império, vai ter de fazer novos recrutamentos. Mais recrutas, mais naves, mais armas... Mais aliados também serão necessários. Mais dinheiro.

Leia sorriu.

— Mas tu também estás a precisar desse dinheiro. Não tinhas de pagar uma dívida antiga?

— A minha dívida ao Jabba, o Hutt— suspirou ele. – Também já sabes disso?

— Também.

— Estou com a Aliança, agora. O Jabba vai ter de esperar...

— Isso não é perigoso? Também me contaram que esse Jabba é um bandido temperamental que não esquece uma afronta. Não poderás regressar a uma arena para lutares outra vez com um par de gundarks se não liquidares o que lhe deves?

— Os gundarks morreriam logo em Tatooine, o planeta onde está o palácio do Jabba. Mais provavelmente lutaria com um rancor... Não te preocupes.

— Não me preocupo se me dizes para não o fazer. Na realidade, tenho as minhas próprias preocupações.

— Mas não esta noite.

— Não, capitão Solo. Seguramente que não, esta noite.

Caiu o silêncio.

O barulho dos festejos veio até ali de súbito, entenderam-no como um intruso no espaço que tinham criado em seu redor, que era só deles. Festivo e alegre também, mas só deles. A culpa era do silêncio que se tinha instalado e que os fechara e apartara, uma porta blindada que se erguera ali invisível. Havia que quebrá-lo. Se fosse com uma gargalhada, melhor. Han preparou-se para fazer rir a princesa.

— Gosto do teu cabelo.

Leia olhou-o siderada.

— O que queres dizer com isso?!

Han acrescentou, com um sorriso torto:

— Gosto das tranças.

— O quê?

— Nunca tinha conhecido uma mulher que arranjasse o cabelo como tu. É algum costume de Alderaan?

O prémio veio e a festa entre a princesa e o contrabandista foi retomada, aquela deliciosa festa particular. Leia riu-se alto. Apalpou a trança que se enrolava no alto da sua cabeça, puxou a trança maior que descia pelas suas costas e colocou-a sobre o ombro.

— Sim, capitão Solo. É um costume da realeza de Alderaan. Mas acredito que todos os membros de qualquer casa real desta galáxia tenham penteados intrincados reservados para os seus membros femininos.

— Como és evidentemente uma mulher de ação, nunca consideraste cortar o cabelo para te ser mais fácil arranjá-lo?

— Não, nunca teria o cabelo curto, como usa a conselheira Mon Mothma. Sou demasiado vaidosa!

— Ah, um pecado.

— Sou cheia de pecados.

— Que sorte, Alteza! Eu também...

— Estás novamente a tentar seduzir-me?

— Ainda não estás nos meus braços, pois não, Alteza? Então é porque não estou a tentar seduzir-te.

— Estou mais aliviada! Embora continue desiludida pela tua falta de ousadia...

Ficaram no terraço durante o resto da noite, trocando histórias, piadas, provocações e risadas. Esforçaram-se por não tornar a conversa séria, nem voltaram a puxar o assunto da guerra, da Batalha de Yavin, da Aliança e do Império. Eventualmente, ele foi buscar dois copos com rum corelliano e trocaram brindes disparatados, a competir para ver quem propunha o tema mais absurdo. Nem se aperceberam de que Luke Skywalker não se lhes tinha juntado.


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Notas finais do capítulo

Em jeito de homenagem e porque ainda vamos muito a tempo, este capítulo é dedicado a Carrie Fisher, cujo aniversário ocorreu no dia 21 de outubro. Aliás, no dia da sua união com a Força, muito consternado, escolhi uma passagem deste capítulo para homenageá-la.

Já perceberam que gosto muito da noite e das estrelas - não há história minha que não lhes faça referência. Acreditem que só reparei nesse detalhe quando publiquei este capítulo.

Temos Luke a ser assediado por uma mulher, a Nyra, e fixem bem o nome, pois ela vai aparecer mais vezes. Gostaram das irmãs Shmura?
Temos Han e Leia a entenderen-se, apesar de todas as diferenças. Uma primeira aproximação entre a princesa e o contrabandista.

No capítulo da próxima semana teremos a introdução de um personagem especial e muito aguardado...

Próximo capítulo:
Curiosidade.