Um Horizonte Maior escrita por André Tornado


Capítulo 27
Estou aqui


Notas iniciais do capítulo

“Se ao menos fosse capaz de lhes explicar o que sentia!...”
In O Regresso de Jedi, KAHN, James, Publicações Europa-América



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Fazia algum tempo que não tinha uns momentos para si, sozinho com as suas memórias, com os seus silêncios. Precisava de uma pausa depois dos recentes acontecimentos. Outra fuga precipitada para um refúgio que tinha os seus dias contados, antes de ser denunciado. Escapar na raia do impossível, escapar e sobreviver. Fugas sem fim, fugas para sempre…

Não conseguiu sorrir, ciente das suas escolhas, orgulhoso do caminho que trilhava. Funções e apoquentações tão diferentes da pacatez de uma quinta de humidade orientada pelas estações do ano, pelos humores da natureza, pelos caprichos e pelos azares derivados do clima mais ou menos instável. Não estava soturno, nem exultante. Não lhe apetecia manifestar as suas emoções, mascarar as angústias ou as alegrias. Não estava nada naquele estágio existencial. Não se conseguia classificar nem buscava uma definição. Queria somente… estar. Ser. Respirar. Sentir.

Buscava paz, a tranquilidade simples para o seu espírito que era naturalmente impaciente. Precisava dessa contemplação, dessa calmaria artificial para poder recarregar as baterias, perceber os mistérios, tentar agarrar o intangível, descortinar as respostas elusivas que brotavam na sua mente alvoroçada quando se punha assim. Não era uma necessidade ansiosa, apenas uma vontade de se desligar, como um androide no qual, de vez em quando, era necessário mudar as baterias gastas.

Escolhera um dos múltiplos ginásios da nave Home One para se recolher no seu casulo, dentro dessa casca imaginária que tecia com paciência em seu redor para alcançar o turbilhão das suas inquietações. Esses espaços eram largos e solitários o suficiente para o que ele queria fazer, já que não tinha um pátio exterior, um terraço vazio ou uma clareira como acontecia em Yavin Quatro.

Na realidade, não se punha a fazer nada de concreto. No início ficava de pé, a segurar o punho do sabre de luz com as duas mãos, de olhos fechados, simplesmente a respirar. A perceber cada inspiração e cada expiração. Contava-as até se fartar de estar a colecionar uma estatística inútil. A seguir ligava o sabre de luz, deixava que o zumbido deste o transportasse para um sítio vazio, onde só estavam ele e a lâmina azulada, suspensos entre a brancura que predominava no ginásio. Chegava a experimentar uma espécie de leveza, de desapego. Tudo se relativizava e diminuía diante da imensidão da galáxia, do próprio Universo. Ele era um ponto azul num infinito branco.

A cor era sempre essa, branca. Ao fechar os olhos não obscurecia o que o rodeava, pelo contrário, tudo se transformava numa alvura cegante, de um brilho intenso. Era tudo descorado, chão e céu. Tudo luminoso e puro. Havia luz, muita luz e isso acalmava-o.

Gostaria muito de perceber o que estava ali a desenvolver e porque precisava de o fazer. Estar numa solidão que o fechava do mundo externo e que o carregava para lugares desconhecidos, premonições, para um cenário cheio de cintilações mansas. Se tivesse um mestre para orientá-lo provavelmente este guiá-lo-ia nesses momentos e ensiná-lo-ia a meditar como seria exigido, para que extraísse desse exercício a sabedoria que o faria evoluir numa qualquer experiência que se relacionava com o seu destino, que o ligava ao destino do pai que tinha sido um Jedi.

A palavra demorava-se lânguida na sua boca. Je… di. Um Jedi.

Se Ben estivesse ali… O velho eremita seria esse guia. Um mestre. O seu mestre, tal como tinha sido do seu pai, Anakin Skywalker.

O sabre de luz vibrava devagar nas suas mãos, ele dominava-o apelando à Força. A energia da lâmina azul fluía para o seu sistema nervoso e ele unia-se à espada poderosa dos grandes cavaleiros do passado. Ao pensar no nome do pai, ao pronunciá-lo na sua mente, a demorar-se em cada sílaba com a mesma languidez que dispensava à palavra Jedi, o sabre de luz reagia pujante.

Aquele tinha sido o sabre de luz do seu pai, uma arma elegante para tempos mais civilizados… Ainda se ligava ao anterior Skywalker de uma forma mística e secreta, ainda procurava pela sua alma, pelo seu toque. Reconhecia-o como o herdeiro, estabelecia a ligação, concordava com o novo estatuto, não renegava a posse dele. A nostalgia, todavia, existia A perda e a falta do anterior senhor, a amputação de uma realidade antiga que deveria ser inquebrável, o testemunho que nunca fora apropriadamente transmitido.

E se o seu pai estivesse ali… Também podia ser outro guia. Outro mestre.

Era um sonho bonito. Ben Kenobi e Anakin Skywalker orientando-o nos caminhos da Força. Os sabres de luz ligados. Um ginásio branco e pacífico, onde a luz podia existir sem receio de ser esmagada, absorvida, quebrada, anulada. Sem trevas.

Abriu os olhos, suspirando com as suas desilusões. Apagou o sabre de luz.

Sentou-se no chão, pernas cruzadas. Apoiou a cabeça na mão, enfiou os dedos nos cabelos.

Mais valia deixar-se dessas fantasias. Nunca iriam acontecer, deixavam-no entristecido e agoniado. Lembrava-se que tudo tinha sido destruído por Darth Vader e o ódio crescia. Uma raiva insidiosa que o colocava num perigo inerte e longe da paz que ele encontrava quando tinha os pensamentos lavados de preocupações, quando apenas… sentia. Quando somente pairava no espaço vazio e branco, um ponto azul minúsculo num mar de luz.

Era inexperiente, não conhecia maneira de contornar as suas deficiências, nunca poderia ser treinado pois não existia mais ninguém habilitado para tal, talvez fosse impossível tornar-se, no futuro, num Jedi. Aquele sabre de luz era uma arma igual a outra qualquer, conseguia servir-se da Força se fosse necessário para se desembaraçar de uma situação complexa e era o máximo que lhe estava reservado.

Ou talvez se ele procurasse por um mestre Jedi, no fim da guerra… Haveria de existir algum, algures, escondido num planeta esconso da Orla Exterior, que escapara à purga quando a Velha República tinha sido derrubada, que conseguira iludir a perseguição mortífera que Darth Vader lhes movera, para caçar e eliminar os últimos descendentes dos guardiões da paz e da justiça.

Fez o punho do sabre de luz rolar entre os dedos, passando-o de uma mão para a outra. Continuava alheado, propositadamente vazio. Aos poucos, o seu espírito prático foi regressando. Dava o treino, a reflexão, a viagem ou o que quer que aquilo fosse, por terminados. Definiu objetivos, tarefas concretas. Encheu-se de motivação e de alegria, abandonava a reclusão das paredes frias e mudas do ginásio. Estava completo, queria o que se seguia e podia ter bastante mais continuando a ser leal e concentrado na missão suprema da Aliança.

Se a Rebelião vencesse a guerra, se o Império Galáctico fosse derrubado, ele estaria livre para procurar pelo cavaleiro Jedi que lhe iria dar todas as respostas e explicar todos os segredos. Haveria de ter conhecido também Anakin Skywalker e Obi-Wan Kenobi. Haveriam de partilhar lembranças, iria ser treinado nos caminhos da Força. Seria também um Jedi, como o pai antes dele.

Apertou o punho do sabre de luz.

Um Jedi. Je…di.

A palavra era poderosa. Uma noção em si mesma. Um desígnio e uma ambição. Exigia sacrifício, abnegação, controlo.

Luke levantou-se, encaminhou-se para a saída do ginásio. Abriu a porta carregando no botão que acionava o mecanismo que trancava o espaço. As luzes automáticas apagaram-se nas suas costas.

Ele era um comandante da Aliança e tinha as suas responsabilidades.

Depois de terem regressado de Ostyu tomara conhecimento de que o local da nova base secreta da Aliança já tinha sido votado numa primeira sessão em que se tinham reunido os líderes rebeldes, sob a égide do general Dodonna. Conhecera o general Carlist Rieekan e recebera um louvor do general Willard pelos serviços excecionais desempenhados na negociação dos novos caças. E Han despertara, como previsto, com uma azia tremenda e um feitio demolidor, berrando como um louco que lhe trouxessem qualquer coisa para beber pois sentia a garganta a arder de tão seca, terrivelmente maldisposto. Threepio fugira do corelliano e aconselhara Artoo, que o enfrentava, criando uma barreira entre ele e Luke que procurava acalmá-lo, para que fizesse o mesmo. Chewbacca rugia irritado. Os neimoidianos gemiam e pediam clemência, temendo que a fúria da ressaca de Han se virasse contra eles. M’mba estava distante, olhos embaciados, como era habitual nela.

Então, Luke conseguiu sorrir ao lembrar-se da cena de loucura que tinha acontecido na nave quando estavam a aproximar-se da Home One e da restante frota aliada. Sacudiu os ombros e todo o peso da sua solidão, com as suas memórias e os seus silêncios, desintegrou-se. Prendeu o sabre de luz no cinto.

Regressava para a zona dos alojamentos, voltou à esquerda mas parou e escondeu-se para que não o vissem. Ou melhor, não queria interromper aquele encontro, não queria ser acusado de estar a desmanchar o momento de alguma felicidade.

Baixou a cabeça, tímido. Um casal beijava-se no corredor. Ele colocava uma mão na cintura dela, a outra nos cabelos. Ela enlaçava os braços no pescoço dele e aceitava o beijo prolongado de pálpebras cerradas, movimentando o rosto lentamente. Era constrangedor estar a assistir àquilo, mas Luke não conseguiu lembrar-se de voltar para trás e encontrar outra via para regressar ao seu quarto. Estava tolhido pela vergonha de estar ali.

Enfiou as mãos nos bolsos das calças, espreitou o par de namorados. Conseguiu identificá-los neste segundo relance e ficou ligeiramente chocado. Ela era a Nyra e ele era Dak Ralter. Olhou para a biqueira das botas, encostou-se à parede, deixando o corpo embater com suavidade na parede metálica. Escutou um murmúrio, uma risada, o estalo dos lábios num beijo rápido, outro murmúrio. Despediam-se, separavam-se. A seguir, os passos do rapaz enquanto se ia embora. Mas ela ficou, suspirando alto, no cantinho onde tinha estado com ele, a pensar certamente nos beijos trocados, naquelas palavras sussurradas.

Luke resolveu continuar o seu caminho até ao quarto, fingindo que estava a passar por ali apenas naquele instante. Pôs-se direito, sacudiu os braços com as mãos ainda metidas nos bolsos. Iria inevitavelmente cruzar-se com ela, não seria agradável. A última vez que tinham falado fora antes da missão a Dantooine e a conversa não fora das melhores. Julgara que ela o evitava, ele nunca procurara fugir dela mas o acaso nunca mais os tinha colocado no mesmo lugar e com alguma privacidade para voltarem a ver-se e falar. Na verdade, ele não tinha nada que quisesse debater com ela.

Avançou, com a respiração presa no peito. Ela ainda continuava no mesmo sítio onde estivera com Dak, recolhida num transe apaixonado, a recordar as carícias. Ele fingiu ter reparado na sua presença e abrandou o passo, mas não parou.

— Eh… Olá, Nyra.

Ela mostrou-se surpreendida.

— Luke!

Com um salto, travou-o ao postar-se na frente dele. Luke soltou o ar que sustinha, pestanejou incrédulo com a agilidade dela e com a vontade que tinha, obviamente, de querer dizer-lhe alguma coisa que fosse além de um simples cumprimento de circunstância. Olhou para trás. Estavam sozinhos.

— Olá, Luke. Há… quanto tempo…

— Sim. Temos andado muito ocupados, não é?

— Tu… viste-nos? – perguntou com a sua falsa timidez.

Os músculos de Luke sentiram um choque súbito que o paralisou. Era um jogo dela, não podia deixar-se enredar nos esquemas esquisitos da mulher que parecia obcecada por ele. Inclinou a cabeça para a esquerda. Como podia ela estar a acossá-lo quando ainda tinha os lábios vermelhos da boca de outro?

— Vi? Não sei o que possa ter visto, Nyra – mentiu. – Estou a ir para… Quero descansar, tive um dia muito preenchido. Dás-me licença?

Ela sacudiu a cabeça, a pedir que não se fosse já embora. E confessou, corada:

— O Dak tem sido simpático para mim…

Luke suspirou. Ela partia do pressuposto que ele a tinha realmente apanhado namorando o rapaz que treinava afincadamente, na sua companhia, para ser piloto de caça. Por instantes pensou alarmado que ela ficava com o Dak… para ficar mais próximo dele. Era um pensamento demasiado elaborado, ela já tinha demonstrado que se quisesse abordá-lo sem rodeios fá-lo-ia.

Bom, teria de admitir que assistira a tudo para não empolar aquela situação já de si embaraçosa.

— Nyra… Tu podes ver quem tu quiseres.

— Gosto do Dak… Mas não é daquela maneira especial.

Ele não percebeu. Ela enrolava as mãos uma na outra e disparou:

— Tu sabes como é! Tu sabes o que se sente quando gostamos de alguém que não nos corresponde.

— Não sei do que estás a falar.

— Gostas da princesa e ela não te liga nenhuma. Eu… eu gosto de ti… E tu também não queres saber de mim. Evitas-me. Tens medo do quê?

Luke fechou os olhos. Sentiu-se muito cansado. Não queria fazer confidências à moça, nem queria ser indelicado ao ponto de se tornar malcriado.

— Eu não tenho medo de nada. Nyra… eu… gosto de ti mas acho que não é dessa maneira que tu queres.

— Eu sei, eu sei. Mas posso desejar… ter-te para mim, não posso? Não me podes impedir de sonhar.

— Queres ter-me para ti? – perguntou Luke confuso. – O que significa isso?

— Ah, não podes ser assim tão ingénuo!

— Eu não sou ingénuo.

— Queres que te explique o que quero de ti? Não é possível que não tenhas percebido até aqui o que eu quero de ti, Luke Skywalker!

Ele sabia muito bem o que ela queria dele. Sempre que se encontrava com ela, contudo, não conseguia ser franco o suficiente para rejeitá-la de uma vez por todas e sem possibilidade de uma segunda oportunidade. Temia magoá-la tão profundamente que ela se tornasse vingativa.

— Por favor, Nyra… Tu não vais querer dizer isso…

— Quero namorar contigo.

Perplexo, Luke indagou:

— E o Dak?

— Oh, Luke… O Dak é um bom rapaz… Mas não provoca em mim… o que tu provocas. Eu adoro-te com toda a minha alma.

— Então por que razão estavas… bem, por que razão estás com ele?

Ela olhou-o de baixo para cima através das pestanas, mordeu o lábio inferior. A tentativa de sedução foi pueril e deslocada.

— Ah… Estás a tentar fazer-me… ciúmes? Não, Nyra. Não faças isso com ele. Contigo. Não é justo para nenhum de vocês e não me consegues atingir. Tu sabes que eu não sinto por ti o mesmo que tu sentes por mim. Eu não… te adoro assim…

Ela insistiu, irritada com a insegurança dele:

— Não vou desistir de ti.

Luke murmurou desiludido:

— Nyra…

— Não vou, Luke. Quero… quero que vejas que poderás gostar de mim como gostas da princesa. Sou também uma boa mulher, com algumas qualidades. Serei boa para ti.

— Tenho a certeza que serás… uma boa mulher. Provavelmente, não saberia aproveitar essas tuas qualidades… Seria uma pena que não fosses feliz comigo, pois acho que mereces ser feliz.

Foi calado pelos lábios dela que se colaram aos dele. Outro beijo roubado. A Nyra estava mesmo decidida em conquistá-lo! Desta vez, no entanto, ela não recuou. Empurrou-o contra a parede e entalou-o, insistindo no beijo, no contacto.

Luke prendeu-a nos braços dele. Puxou-a contra si, apertou-a, sentiu-lhe as curvas, o calor, os seios, o coração palpitante. Estava a ir fundo, numa prospeção física que o levaria a um recôndito imaterial, até à tal alma que ela afirmava que se entregava em adoração a ele.

A língua dela procurou pela dele, ele abriu a boca. O beijo tornou-se profundo e lascivo. Ela arfava e salivava, amolecia e arrepiava-se, exigindo mais, muito mais do que Dak lhe tinha dado havia menos de cinco minutos-padrão. O prazer ligava-os numa corrente elétrica que arrepiava pele e sentidos. Nyra gemia, abria-se completamente à sua exploração e Luke prosseguiu, conquistando cada porção daquela mulher que se despia de todas as barreiras e pudores. O desejo era palpável, quente, inebriante.

Ele desceu as mãos até às nádegas dela, acariciou-as demoradamente. Ele começava a ficar excitado com as vibrações da mulher que aumentavam de temperatura. Se pudesse defini-las por cores, diria que tinham passado de amarelo para laranja e agora pintavam-se de um vermelho intenso de paixão e luxúria. Semelhante a um alarme que o convidava para entrar naquele reduto e aí se perder, em vez de representar um sinal de perigo. Era delicioso, era bom. Os gemidos dela, o cheiro dela, os contornos dela. Nyra esfregou-se deliberadamente no volume que crescia no interior das calças dele.

Luke parou, atarantado. Soltou-se da boca de Nyra, do encantamento vicioso.

Um exagero, estavam a ir longe demais.

Recuou um passo. Ela ofegou:

— Eu desejo-te tanto…

— Cala-te, Nyra. Isto não está certo e não podemos continuar.

— Sim, podemos.

— Estou a ser desleal com o Dak. Nunca faria isso com ninguém. Ser desleal… Muito menos com o Dak. Ele é meu amigo.

Ela insistiu, no mesmo registo melífluo, a tremer ansiosa:

— Quero passar esta noite contigo…

— Não.

— Leva-me para o teu quarto. Ama-me, Luke!

Ele fechou os olhos.

Podia fingir. Imaginar que era a princesa na sua cama enquanto amava Nyra.

No entanto não seria capaz dessa perversão.

Seria uma traição imperdoável, que envolvia não apenas a si próprio, mas também Leia Organa, Dak Ralter e a Nyra, que haveria de afirmar que não se importaria de fingir que era a outra com quem ele sonhava desde que provasse do amor dele, nem que fosse por uma única e irrepetível noite.

Ele espetou um dedo, aclarou a garganta, pediu num tom grave:

— Nunca mais… Nyra, ouviste-me? Nunca mais me faças isto.

Fugiu pelo corredor, enojado com o que tinha acabado de acontecer, pela sua fraqueza abominável que quase o lançara num trilho indesejável de consequências nefastas para o seu futuro. Como comandante da Aliança, como homem. Ele não precisava de mais problemas, de riscos, de desafios! Tinha-os em abundância. Onde estava com a cabeça por se ter permitido a deixar-se enlevar pelo beijo da mulher, pelos seus devaneios e vontades?

Então as pernas cederam, foi com os joelhos ao chão. O corpo balançou até ficar escorado na parede fria, evitando a queda. Esfregou a cara com as mãos, furioso. Levantou-se mas não conseguia andar. Não conseguia respirar. O peito oprimia-se com uma dor profunda.

Estava tudo silencioso e vazio. Menos mal. A Nyra não tinha vindo atrás dele.

— Luke? Sentes-te bem?

Leia aparecia no corredor.

Ele tentou disfarçar o mal-estar. Um zunido distorcia os sons que ele escutava, a cabeça doía-lhe. Pareceu-lhe que estava a ter uma visão, ela aparecia-lhe na contraluz, vestida com uma blusa branca larga, umas calças pretas, botins. Estava linda como só ela podia ser… Há pouco quase que a tinha convocado para dormir com ele enquanto beijava outra. Esquisito. Pigarreou e disse sem grande convicção:

— Sim, sinto-me bem… Ia agora para o meu quarto.

— De certeza? Estás…

A princesa revirou os olhos. Desistiu de lhe perguntar o que quer que fosse pois sabia que ele não iria esclarecer nada. Puxou-o por um braço e entraram numa saleta equipada com sofás e mesas, um local de lazer utilizado durante o dia pelos funcionários administrativos que passavam por aquele corredor a realizar as suas costumeiras tarefas burocráticas. Ela acendeu as luzes, trancou a porta. Foi até um balcão preparar uma bebida tonificante. Retirou copos de uma prateleira, acendeu uma máquina embutida na parede que chiou quando ela pressionou os botões certos.

— Senta-te, Luke.

Ele obedeceu.

— Olha como estás a tremer. O que foi que aconteceu? – Reparou no sabre de luz. – Estiveste outra vez a treinar-te com isso?

Era uma boa desculpa para que ele se desviasse da verdadeira razão do seu estado lastimoso. Não se queria lembrar do beijo da Nyra e das suas súplicas apaixonadas.

— Como sabes que eu me treino?

— Uma vez vi-te, fora do Templo de Massassi, em Yavin Quatro.

Luke penteou o cabelo com os dedos. Começou a ficar dormente e exausto, a desligar os sensores nervosos do corpo e a deixar de sentir o que o rodeava. Demasiado trémulo e afetado, parecia-lhe agora que estava inserido num sonho. Focou a visão em Leia para não adormecer.

— Parecias muito concentrado – completou ela, voltando-se para a máquina. – Em Yavin Quatro. Aqui nunca te vi a treinar. Muita concentração poderá ser esgotante.

Ele concordou:

— Eh… Sim, Leia. Acho que sim… Não o consigo fazer corretamente. O treino. Aliás, acho que o que faço nem sequer se devia chamar de treino. Por isso fico tão cansado, tens razão. Devo parar, devo deixar de julgar que me posso treinar com o sabre de luz. Uma perda de tempo!

Leia desligou a máquina e voltou-se para o balcão. Agarrou num dos copos e colocou-o numa plataforma, debaixo de uma bica. Pressionou um botão e um líquido azulado encheu o copo.

— Não digas isso, Luke. Essa arma pertenceu ao teu pai que foi um grande cavaleiro Jedi. Estás de certeza destinado a seguir o exemplo dele e também tu vires a ser um Jedi.

— Como? Estou sozinho!

Ela aproximou-se dele com os dois copos cheios, entregou-lhe um e ordenou-lhe que o bebesse. Luke levou o copo à boca, bebeu um trago. O leite estava morno, era doce e era o que ele precisava naquele momento. Se ela lhe trouxesse um copo com aguardente de Carida também beberia e consideraria que era aquilo de que estaria a precisar naquele momento. Aceitaria qualquer coisa da parte dela.

— Não deves desanimar, Luke.

Ele baixou a fronte, copo quente entre as mãos frias.

— Sinto falta do Ben…

Leia sentou-se e encostou-se a ele. Fez-lhe uma carícia na face.

— Acredito que sim. Ben Kenobi foi um grande homem, que fez grandes sacrifícios em nome da liberdade. Seria um excelente mestre, acredito, mas não te deves deter com o que poderia ter sido quando não podes mudar o que aconteceu. Deves olhar para o futuro. Ben, se to pudesse dizer, concordaria comigo.

— Ele falou comigo, durante o ataque à Estrela da Morte – recordou Luke, emocionado. – Pediu-me para acreditar na Força, que ela estaria sempre comigo. Depois, calou-se… e nunca mais o ouvi. Precisava de o ouvir mais vezes.

— Se ele falou contigo uma vez, vai voltar a fazê-lo.

— Verdade, Leia? – perguntou Luke com os olhos a brilhar.

Ela sorriu-lhe.

— Verdade. – Empurrou gentilmente o copo que ele segurava. – Bebe mais um pouco… Está a fazer-te bem.

Ele engoliu um grande gole de leite.

— Leia, acreditas que ainda existe algum Jedi vivo? Depois de todo este tempo… Depois de Darth Vader os ter perseguido e exterminado...

— Sim, acredito.

— Então o Ben não era o último Jedi…

Leia pousou uma mão na perna dele. Ainda não tocara na sua bebida. Contou-lhe:

— Bail Organa, o meu pai, falava-me muitas vezes dos cavaleiros Jedi, os nobres guardiões da Antiga República. Não eram apenas guerreiros armados com um sabre de luz. Eram seres incrivelmente poderosos, unidos com a Força, sensíveis, brilhantes e únicos, treinados desde muito jovens numa religião que prezava a comunhão com a natureza, a união e a solidariedade entre os povos, a justiça universal, o caminho da luz e do Bem. Obi-Wan Kenobi, em particular, foi um grande amigo do meu pai que combateu com ele durante a Guerra dos Clones. Ele lamentava muitas vezes por o grande general Kenobi ter de viver num exílio degradante, para poder sobreviver ao fanatismo que matava, um por um, os últimos Jedi da galáxia, personificado por Darth Vader. O lorde negro não teve qualquer compaixão pelos Jedi que torturou e matou, a mando de Palpatine. Mas, por outro lado, o meu pai percebia que Kenobi estava numa missão muito importante, incógnito, a cumprir uma qualquer derradeira e vital ordem que lhe tinha sido transmitida pelo Conselho da Ordem Jedi antes de este ter sido dissolvido.

— Numa missão?

— O meu pai nunca soube que missão era essa. Mas tinha a indicação de que o general Kenobi seria um recurso a que deveríamos recorrer, em momentos de desespero para a Aliança.

— O roubo dos planos secretos da Estrela da Morte…

— Sim. A minha missão diplomática esteve em grave perigo nessa altura e enviei a mensagem a Obi-Wan Kenobi através de Artoo, seguindo as instruções do meu pai.

Ele escondeu um sorriso com o copo.

— Foi quando te conheci. – Bebeu um segundo gole bastante generoso. O estômago confortava-se com o leite azul.

— Parece que sim, Luke Skywalker!

Lembrou-se dos lanches que a tia Beru lhe preparava em Tatooine com um leite semelhante, menos aromatizado. Ben Kenobi era um eremita bem conhecido em Tatooine. E estava numa missão…

Uma vez, tinha ele sete anos ou oito, não se recordava bem, perdera-se num desfiladeiro perigoso que fazia parte do território dos Tusken. Encontrava-se com um amigo, um rapazito que deixara o planeta pouco tempo depois do ocorrido. Estavam aborrecidos e resolveram cavalgar o dewback que pertencia ao outro menino. Um dragão krayt ameaçou-os e encurralou-os numa gruta. Aparecera o velho Ben, o eremita que assustava crianças e adultos, adormecera o dragão agitando dois dedos. Fora a primeira vez que Luke vira aquela magia e admirara-se. Quisera saber mais, o velho Ben sorrira-lhe e prometera mostrar-lhe noutra ocasião, primeiro deveria pedir autorização para o seu tio. Quando o deixara na quinta de humidade, o tio Owen ficara irritado com a presença do eremita. Expulsou-o de casa e vociferou que nunca mais o queria ver por perto do sobrinho Luke.

— Uma missão…

Leia interrogou-o com os seus meigos olhos castanhos.

— Hum?

— A missão de Ben em Tatooine. Eu estava lá…

Ele afastou essa ideia. Não era possível que a missão de um cavaleiro Jedi respeitável e famoso como Obi-Wan Kenobi se relacionasse consigo, um simples quinteiro. Filho de um Jedi, era certo, mas nada mais nele era especial… Ou talvez não.

Não queria elaborar teorias que o deixariam ansioso e frustrado e de pronto olvidou essas conjeturas, zangado por se deixar envolver em futilidades. Acabou com o leite azul. Levantou-se e pousou o copo sujo em cima do balcão. A princesa também se levantou. Não tinha bebido o seu leite e deixou o copo cheio no mesmo balcão.

— Leia…

— Sim, Luke?

— Obrigado.

Ela deu-lhe uma palmadinha no ombro.

— Vai descansar. Precisas de repor as tuas energias para não perderes a tua fé na Aliança.

Ele mostrou-lhe um sorriso incerto.

— Eu ainda acredito na Aliança, Leia. Irei acreditar sempre, até ao fim.

— Precisamos de mais como tu, Luke. Mas desconfio de que tu sejas… único.

— Isso é bom, não é?

— Excelente!

Ela beijou-lhe o rosto com ternura.

Não se despediram, cada um encaminhou-se para os seus respetivos alojamentos e assim se afastaram.

A princesa a conferir no seu intercomunicador os seus compromissos para o dia seguinte, reuniões, conferências, debates, análises.

O piloto herói da Rebelião a sorrir com a afeição que sentia pela princesa, a segurar confiante no seu sabre de luz, relíquia de tempos antigos, de magníficos cavaleiros que lutavam com honra por um mundo melhor. No fundo, era o que ele fazia.


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Notas finais do capítulo

Hoje estivemos envolvidos com Luke Skywalker, com um jovem Luke cheio de dúvidas, despreparado, a sentir um tumulto dentro de si.
Tivemos também duas mulheres, a Nyra e Leia Organa.
E tivemos o lendário leite azul.
Foi mesmo um capítulo de Luke Skywalker.
A seguir regressamos ao Império Galáctico e ao seu imenso poderio militar, que esmaga qualquer esperança...

Próximo capítulo:
Exercícios de preparação.