Um Horizonte Maior escrita por André Tornado


Capítulo 26
Jogo de espelhos


Notas iniciais do capítulo

“O disparo foi recompensado por um rugido distante enquanto uma avalancha de parede destruída e de carne queimada caía na câmara.”
In A Guerra das Estrelas, LUCAS, George, Publicações Europa-América



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O bar onde entraram era de uma grandeza imaculada e mais requintado que o bloco de pisos com quartos para alugar aos visitantes onde tinham estado antes. Tudo era limpo, bonito, ordenado, suave, equilibrado. Tão perfeito que dir-se-ia uma fabricação urdida para seduzi-los e torná-los mais fáceis de capturar.

Com Jeiz Becka à cabeça do cortejo composto por dez elementos e um androide, uma trupe impressionante que se podia muito bem classificar como um bando, dirigiram-se para um lugar mais recolhido, situado ao fundo do bar, onde esperava-os uma mesa redonda vazia, reservada para aquela ocasião. Seriam mais se M’mba não tivesse sido dispensada e se ainda contassem com Threepio e com Chewbacca, que deveriam estar a chegar ao espaçoporto.

Como era hábito em estabelecimentos similares, Artoo foi barrado junto à entrada, com o aviso educado de que os autómatos estavam proibidos de frequentar o sítio. Luke deixou-o na rua e pediu-lhe que aguardasse, ou por eles, ou pelo sinal de M’mba. Artoo perguntou-lhe, na sua linguagem binária, como faria para avisá-lo se existisse perigo e Luke disse-lhe que entrasse pelo bar adentro, a apitar ruidosamente, que podia exibir um daqueles truques secretos que ele guardava no seu corpo metálico, pois nesse caso significava que teriam de sair à pressa dali.

Ao reentrar no bar, Luke admirou a decoração singela e elegante, a placidez dos empregados que se postavam no balcão, as conversas polidas entre os frequentadores que bebericavam as suas bebidas coloridas em copos esguios, tão diferente da cantina fétida de Mos Eisley ou da imundície da Estação Toschen. Até em Ord Mantell encontrara um sítio semelhante aos de Tatooine, sórdido, perigoso e escuro.

Em Ostyu a beleza reinava etérea. Branco, prata, névoas de perfume, musicalidade nos barulhos quotidianos, um céu azul intenso, tepidez, macieza, cortesia, generosidade. Os indígenas eram amigáveis, completamente inofensivos, rezavam aos deuses e à Força. Tudo demasiado imaculado.

O grupo sentava-se à mesa, com Becka a organizar os lugares para ficar próximo dos amigos importantes. Vociferava, esbracejava, gargalhava, em nítido contraste com o ambiente sereno do bar. Contudo ninguém se indignava ou olhava para eles em reprovação. Os outros frequentadores, todos naturais do sistema, ali era mais notória a ausência de estrangeiros, não levantavam um olhar, não lançavam um murmúrio de censura, não se incomodavam com o aparato.

E os amigos importantes, claro estava, eram Han e os Mathyas. Becka sentou-se entre o corelliano e o irmão moreno, o mais velho, o Mathyas Um, analisou Luke com algum desdém. O irmão albino seguia-se ao irmão moreno, Nezarthis entalou Han entre ele e Becka e Luke teve de se sentar a seguir ao líder do painel de negociação. Os neimoidianos, inseparáveis, escolheram o par de lugares depois de Luke. Os dois indígenas, mudos, portavam-se com tamanha distância que dir-se-ia que seriam apenas peças decorativas, uma lembrança oca de que tudo estava a acontecer em Ostyu, ocuparam os lugares que restavam, ficando, portanto, de frente para Becka e Han.

Luke não estava a gostar daquilo. Continuava enjoado, com o estômago pesado. Ele percebia o que se estava a passar e o pior era que não podia agir para não provocar uma reação anómala que fechasse em definitivo a armadilha. Por enquanto ainda era possível escapar sem provocar grandes estragos, fugir airosamente com uma desculpa ingénua.

— Meus amigos – indicou Becka, com os tiques assumidos de anfitrião daquele encontro –, vou sugerir para o nosso brinde aguardente de Carida. Nestes dias não é fácil de encontrar, é um pequeno luxo que, segundo me segredaram, está reservado apenas para os oficiais do Império Galáctico. Segredaram-me também que podemos encontrar essa bebida extraordinária em Ostyu, em determinados locais de renome, como este onde nos encontramos. Então, meus caros, permitam-me que vos ofereça… essa bebida digna de heróis!

Uma vantagem inesperada era o facto de o criminoso não estar armado, notou Luke enquanto se dirigiam àquele bar, num passeio amistoso pelas ruas da cidade sublinhado pelas risadas de Becka que se divertia a entreter com piadas duvidosas o contrabandista corelliano, de quem não se descolava, que monopolizava e encantava. Apenas Nezarthis tinha uma pistola laser que ocultava no interior do casaco, da qual ele não conseguira definir o calibre. Seria potente, disso tinha a certeza. Era uma jogada arriscada, a de Becka. Demonstrava todavia que estava confiante na sua superioridade e na sua invencibilidade. Não cogitava a possibilidade de sair perdedor naquele esquema ou não teria sequer a hipótese de uma derrota, se estava a reportar diretamente a Vader.

O empregado robótico do bar serviu-os com celeridade. Depositou, com o auxílio dos seus apêndices metálicos que esticava e recolhia, uma garrafa bojuda no centro da mesa, cheia com um líquido alaranjado, e distribuiu os copos pequenos colocando-os à frente de cada um dos dez convivas.

Becka fez as honras. Retirou a tampa de vidro, serviu o copo de Han primeiro – a preferência começava a incomodar os irmãos Mathyas, cujos rostos denotavam uma certa contrariedade, sob a aparência da sua polidez natural – serviu o de Luke, depois Nezarthis, o seu homem de confiança, só depois os dois tenentes, os dois neimoidianos, os indígenas de Ostyu e, por fim, encheu o seu copo. A seguir, elevou-o, segurando-o com dois dedos, e berrou um brinde:

— Ao sucesso e à amizade!

Luke sentiu os dedos molhados ao levantar também o seu copo. Todos os copos tinham aguardente até à borda, devia ser algum preceito obrigatório para servir a exclusiva e cara aguardente de Carida. Devia ser igualmente um teste aos verdadeiros apreciadores, que não desperdiçariam uma gota, como ele acabava de fazer. Emborcou o líquido e engoliu-o de uma vez. Desatou a tossir, engasgado com o incêndio que ateou no esófago e no estômago. Não era o único. Os neimoidianos sopravam aflitos, os de Ostyu gemiam e murmuravam. Nezarthis ria-se das reações exageradas. Han e Becka riam-se alto. Os irmãos Mathyas tinham os olhos esbugalhados e injetados de sangue, mas não se desmancharam, ocultando o fogo que lhes ardia no seu interior.

— Não é uma maravilha?

— Nunca bebi nada tão saboroso! – aquiesceu Han, esticando o braço a pedir segunda dose.

Jeiz Becka estava a operar no seu terreno natural. Movia-se com uma certeza irrefutável num cenário que ele próprio definira e que lhe garantiria um desfecho feliz do seu plano, das ordens que recebera, do que fosse que o tinha introduzido naquele negócio. Luke aceitou a segunda dose, embora não a tivesse solicitado. Os copos foram novamente abastecidos, à exceção dos indígenas de Ostyu que cobriram os seus com um dedo, negaram educadamente, enquanto tentavam normalizar a respiração.

Não havia qualquer suspeita, apenas certezas. Outra vantagem, pensou Luke vendo Becka e Han beberem o segundo copo de aguardente de um único trago. Para o criminoso, o contrabandista corelliano era Luke Skywalker e ele era, por sua vez, esse contrabandista corelliano que se ligava a uma recompensa lançada pelo bandido de Tatooine, Jabba, o Hutt. Identidades invertidas. Eles eram o alvo, os dois. Se Skywalker era o principal objetivo de Becka, devido às ordens que teria recebido de Darth Vader, o contrabandista corelliano era um ganho adicional, que compensaria o incómodo de estar a perseguir quem, na verdade, não lhe interessava e não lhe daria nenhum lucro. Pelo menos, aquele que a captura do contrabandista renderia. Era um excelente jogo.

Olhou para os Mathyas que apenas bebericaram a segunda ronda de aguardente. Luke ainda não tinha definido com exatidão a função dos irmãos naquela encenação. A crer na intuição de Han, tinham-se aliado ao criminoso, na expetativa de conseguirem um ganho que lhes permitisse esconder-se para sempre dos rebeldes que iriam persegui-los como traidores. A recomendação do general Willard era suficiente para assegurar-lhes algum crédito. No entanto, era notório que alguma coisa eles andavam a preparar… Luke estava confuso.

E tudo se revelou repentina e inesperadamente.

Pequenos sinais, primeiro. Um encadeamento de eventos, depois.

Quarta dose de aguardente de Carida. Luke começou a temer por Han Solo, se ele seria capaz de aguentar tanto álcool sem ficar embriagado. A comemoração do negócio estendia-se e ele evitava lançar sinais de alarme para deixarem o bar, porque Nezarthis começou, de forma inesperada, a marcá-lo e a vigiá-lo, insistindo para que ele bebesse também, a medir a quantidade de aguardente que ingeria, forçando brindes tocando-lhe no copo com o dele, dando-lhe encostos amigáveis com o ombro. Os Mathyas aguardavam, num reduto opaco, observando, não se importando com o tempo que estava a passar.

Pelo canto do olho, Luke viu que a clientela saía do bar. Devagar, aos poucos, em pequenos grupos para que não parecesse uma debandada. Os androides que serviam às mesas estavam estacionados num canto, ao pé do balcão.

Levou o copo aos lábios. Lobrigou um painel envidraçado. Dali conseguia ver-se parte da rua pelas minúsculas janelas encaixilhadas em metal branco. Não viu ninguém a passar. Os transeuntes tinham sumido. Estreitou os olhos. As cápsulas transportadoras não passavam. Ao inclinar a cabeça para a esquerda descobriu a traseira de um desses transportes. Parado. As cápsulas estavam como os androides do bar, estacionadas.

Pousou o copo na mesa. Tinha os dedos peganhentos de aguardente.

Uma gargalhada de Han Solo.

— Starkiller, gosto de beber contigo! É uma pena não nos termos conhecido antes.

— Nunca sabemos onde podemos encontrar amigos… hum, Becka?

— Verdade!

— O que fazes na Rebelião?

— Sou piloto. O melhor piloto que eles têm! Tiveram sorte em encontrar-me.

— Algum feito memorável que queiras partilhar connosco? – sugeriu o criminoso com um gesto do braço. Incluía todos nesse desejo de um relato inesquecível.

— Sou… reservado.

— Não parece!

Um distúrbio, mínimo. A cabeça doeu-lhe.

— Vamos, não sejas tímido, Starkiller… Conta-nos o que fizeste entre os rebeldes.

— Ah… rebentei com algumas coisas.

— Coisas grandes? Uma coisa grande?

As portas do bar escancararam-se. Artoo entrou, apitando de modo estridente, girando a sua cúpula freneticamente. Um sinal de alarme. Alguma coisa acontecia lá fora e eles ali, a beber uns copos, como se nada fosse. Luke deu um solavanco para diante, mas não chegou a levantar-se. Nesse impulso tocou no seu copo e derramou a aguardente. Nezarthis indignou-se com o desperdício.

— O que foste tu fazer? Idiota!

— Não te interessa se bebo ou não a minha dose. Não sai do teu bolso! – respondeu Luke irritado.

Um dos empregados indígenas de Ostyu saía de detrás do balcão para despachar Artoo.

Só estavam eles no bar. Apenas aquele grupo de dez desconhecidos que fingiam ser os melhores amigos do universo.

O irmão Mathyas moreno sacou da sua pistola laser DH-17.

— Jeiz Becka, estás preso em nome da Aliança Rebelde!

Han girou a cabeça de um lado para o outro, perplexo, abrindo e fechando os olhos, a tentar dissipar a névoa alcoólica que os toldaria.

Luke também julgava que não estava a ver bem e não tinha bebido nem metade do que Han bebera.

— O que é que se passa? – tartamudeou.

Becka soltou uma gargalhada ruidosa.

Os neimoidianos saltitavam nos assentos, os indígenas murcharam, encolhendo-se receosos.

Artoo não se calava com os seus apitos. Luke olhou para o painel envidraçado. A rua estava parada. Nem gente, nem transportadores. Ao contrário do bar onde a ação se concentrava, a tensão crescia, onde havia quem se movesse, quem se risse, quem se tolhesse, quem apitasse, quem não percebesse nada do que estava a acontecer.

O Mathyas Dois sabia muito bem o que significava aquilo.

O Mathyas Um disse:

— Estás preso em nome da Aliança Rebelde, Becka. Tu e o teu homem que nos entreguem as suas armas. Deverão depois acompanhar-nos à nossa nave onde ficarão sob custódia, até serem entregues a um tribunal apropriado que vos julgará pelos vossos crimes. Ser-vos-á garantida justiça.

Luke murmurou:

— O quê?

— Ele não vai na nave que eu vou pilotar – avisou Han Solo apontando um dedo a si próprio. – Nem ele, nem esse ajudante dele.

— Calado, capitão! Não sei o que pretendeste com toda esta encenação, mas aviso-te que está terminada. Não estamos em Ostyu para brincar. Existem responsabilidades altíssimas e ordens às quais devemos obedecer, sem contestar ou fabricar situações embaraçosas.

— Encenação? Que encenação? – indignou-se o corelliano. – Tu, tenente, é que te estás a prestar a um papel patético com essa estúpida ordem de prisão. Não fazes ideia do que se está a passar aqui.

— Tu é que não sabes o que se passa – informou Mathyas Um condescendente, sorrisinho cínico a entortar-lhe a boca seca.

Artoo estava a ser enxotado frouxamente pelo indígena de Ostyu, com a ajuda de um pano que agitava diante do androide, como se fosse um bicho nervoso que seria necessário afugentar.

— Porque é que não me contas? – pediu Han.

— Jeiz Becka é um intruso neste negócio – informou o Mathyas Dois. – A aquisição dos caças deveria acontecer apenas com os neimoidianos, os legítimos representantes da companhia que negoceia com os estaleiros imperiais de Kuat e que está agora a negociar secretamente, connosco. Nas instruções que recebemos diretamente do general Willard, a quem reportamos…

Um erro, pensou Luke. Nada de nomes, imbecil! Por outro lado, Becka deveria conhecer o nome do líder da Aliança que era o responsável máximo daquele evento rebelde. Teria chegado ali através desse conhecimento, de um qualquer contacto mencionado por um espião. Willard era um nome bem conhecido, era uma espécie de palavra-passe.

— E a quem continuamos a reportar, desde que aqui chegámos, secretamente e por um canal especial – prosseguiu o Mathyas Dois –, porque estamos neste sistema a representar a Aliança que é uma organização de respeito e idónea, não se trata de uma súcia de malfeitores. Nunca foi mencionado que iríamos conversar com Becka e com um seu representante ou capataz ou o que esse tipo que se chama Nezarthis possa ser. Informação sensível foi trocada com Becka e não o podemos deixar ir, como se nada fosse. Ele está, neste momento, sob custódia da Aliança para a Restauração da República. E tu, capitão… vais transportá-lo na nossa nave, não tens alternativa. Nem eu estou a solicitar a tua opinião, que fique bem claro.

— Está… claríssimo! – ironizou Han irritado.

Tinha a sua lógica. Os tenentes Mathyas agiam em defesa da Rebelião, consideravam que Becka não deveria ter feito parte daquele contrato recentemente assinado em que se vendiam e compravam naves de assalto. Julgavam-no ali a título pessoal, motivado por objetivos egoístas, colecionando informações pertinentes que depois venderia ao Império.

Bem, em abono da verdade, Becka estaria realmente ali a título pessoal, motivado por objetivos egoístas, mas sob uma indicação restrita de Vader que pretendia capturar um determinado piloto rebelde. O que queria dizer que o Império já estaria ao corrente daquele negócio e que não se importava que este se realizasse, confiante nas suas capacidades bélicas superiores.

Era tudo demasiado desconcertante.

A gargalhada de Becka irritou Luke, que apertou um punho.

A intimidação dos Mathyas não surtira qualquer efeito no bandido. Descartava-a com um orgulho desmedido, a certeza de que não iria perder aquele desafio, mesmo desarmado, mesmo sob a mira de uma pistola laser DH-17, mesmo em grande desvantagem.

— Estou preso… é isso?

O Mathyas Um levantou-se de supetão, enervado com o impasse que se desenvolvera.

— Vamos embora!

O Mathyas Dois também se levantou, cópia e sombra do irmão.

— Tem calma, tenente rebelde… Tem calma – pediu o bandido. – Até agora estive a escutar atentamente o teu discurso. Não me deixaste argumentar.

Os apitos de Artoo eram cada vez mais estridentes. Havia alguma coisa no exterior. Um perigo maior do que aquele que de repente crescera dentro do bar. Foi para se pôr de pé como os Mathyas, avisá-los de que deveriam sair dali o quanto antes, mas sentiu algo frio e duro carregar-lhe no flanco. Era Nezarthis que o ameaçava com a sua arma. Luke paralisou. Um disparo àquela distância, para além de ser doloroso, era de certeza mortal. O outro negou devagar e ele percebeu que deveria manter-se quieto, até encontrar uma forma de se escapar daquele cano negro.

— Não quero ouvir os teus argumentos! – indignou-se Mathyas Um.

— Mais vais ouvi-los, tenente rebelde.

Nezarthis espetou o queixo. Outro sinal.

Luzes vermelhas piscaram e Luke voltou o pescoço na direção da estranha iluminação que surgira inesperadamente. Sentiu-se a amolecer, a cabeça latejante a encher-se de um zumbido que abafou todos os sons, até os apitos de Artoo que tinha contornado o empregado que fazia sacudir o seu pano inútil.

Os indígenas de Ostyu tinham acionado um par de detonadores térmicos, que ostentavam pousados na palma da mão direita. Duas esferas cinzentas iluminadas com pequenos pontos rubros numa cintura junto ao polo cimeiro, tal e qual duas bolas inofensivas, um adereço especial que queriam mostrar para impressionarem os visitantes. A sua postura indolente contrastava com o perigo que aqueles explosivos representavan. Estaria tudo combinado de antemão.

Becka sorriu.

— Não me importa o vosso negócio das naves. Está concluído, têm o contrato que vos interessa… Sim, são os neimoidianos que vos irão fornecer os Airspeeder T-47. Na verdade, nunca precisaram de mim para nada… E que tal se continuarmos assim? A minha proposta é a seguinte: deixam-me ir, vocês regressam para a vossa guerra. O meu preço é baixo, apenas quero que me deixem ficar, como penhor da nossa mútua boa vontade, o Starkiller e o Lars.

— Reféns? Queres tomar reféns para depois fazer um acordo de um resgate milionário com a Aliança?

— Esse acordo já foi feito, tenente rebelde… Não preciso da Aliança para ganhar dinheiro com os vossos companheiros que serão meus convidados, daqui por diante. Basta que mos entreguem, sigam a vossa vida e eu seguirei com a minha.

— O Império? – admirou-se Mathyas Dois, olhando alternadamente para Becka e para os dois indígenas de Ostyu que seguravam os detonadores térmicos.

— A Aliança terá as suas naves. Que vos importa o destino destes dois? Não me parece que sejam particularmente… amigos. Será para vocês um alívio livrarem-se deste peso que só vos está a envergonhar.

— Estamos a perder tempo! – gritou Luke.

— Pois estamos – concordou Han zangado. – Essas bombas vão explodir!

— Não, não vão – discordou Mathyas Um confiante. – O Becka não se vai deixar explodir. Seria uma estupidez e um desperdício. Ele está… a fazer uma chantagem ignóbil. Os oficiais da Aliança não se deixam vergar por esquemas tão baixos.

— Não tenhas tanta certeza! – avisou Luke. – Nunca sabemos se estamos perante homens que não têm nada a perder.

— Ouve o teu amigo Lars – apontou Becka sorridente.

Não havia qualquer humanidade naquele olhar frio, naquele rosto petrificado numa certeza impossível de desfazer. O mundo era feito de vencedores e de perdedores e Becka, conhecedor dos seus limites, sabia que aqueles que confrontava não tinham estofo para aguentar aquela prova, que iriam invariavelmente ceder.

— Para de mencionar esses nomes ridículos!

Foi então que Becka teve um sobressalto. Uma falha na sua estratégia… O sorriso desapareceu.

E ficou tudo preto. Sem aviso prévio. Uma escuridão opaca que envolveu tudo e todos num véu de uma noite artificial, sem estrelas e sem luas.

E também sobreveio um silêncio, tão pesado como a ausência de luz.

Tinham sido apanhados de surpresa.

Luke pestanejou depressa para verificar se não era um problema exclusivamente seu. Comprovou que não, ainda conseguia ver as luzes dos detonadores térmicos à sua esquerda, por isso não tinha perdido a visão. Alguém desligara simplesmente a iluminação do bar e fizera descer as gelosias sobre as janelas envidraçadas que filtravam a luz suave do dia para o interior.

Ele pensou em Artoo. O astromec fora o autor daquela alteração de ambiente, pois tinha-se calado. No escuro havia uma possibilidade para todos, de escapar das ameaças, de mudar de posição. Só podia ter sido o Artoo…

Havia então uma hipótese. Tinha de reagir.

Quanto tempo se passou entre estas análise e cogitações? Quase nenhum.  

E não havia tempo a perder. O cronómetro dos detonadores térmicos continuava a fazer a sua contagem decrescente. E Becka já se tinha apercebido do esquema que eles tinham montado, que eles não eram nem Lars, nem Starkiller. Muito provavelmente seriam quem ele procurava armadilhar e capturar, era o seu primordial objetivo ao ter aparecido naquela situação sensível, mas a dúvida tinha-se instalado.

Com um safanão, empurrando com ambas as mãos, Luke levantou e virou a mesa que caiu com estardalhaço. Mergulhou para a frente, deslizando pelo soalho de bruços. Quando parou sacou da sua arma, ainda no chão voltou-se e, soerguido, empunhou-a para as sombras que não mostravam nada mais do que um negrume absoluto. Não conseguia distinguir vultos, amigos de inimigos. Pelo menos já não via as pequenas luzes vermelhas. Teriam os indígenas de Ostyu desligado os detonadores térmicos quando a mesa descrevera uma cambalhota súbita naquela penumbra?

Uma barragem de fogo surgiu. Tiros laser disparados ao acaso. E depois, gritos. Estavam todos cegos, irritados, berravam e insultavam. Demasiado arriscado. Bastava um acaso e haveria um ferimento, um sério problema. A prioridade era abandonar o bar, escapar do perigo maior que se aproximava.

— Artoo! – berrou.

O androide respondeu com um apito e tudo se iluminou, tão subitamente como se apagou. Luke semicerrou os olhos, ofendidos pelo brilho que lhe invadiu a retina. Limpou depressa as lágrimas protetoras que tinham surgido, apontou a sua arma e fez pontaria ao lugar onde deveria estar Becka. Han Solo aterrou junto dele, com um pontapé derrubou uma mesa fazendo desta um parco escudo contra os tiros laser que se entrecruzavam, sibilando pelo ar, causando rebentamentos e pequenos buracos naquilo que atingiam. Han disparou a sua pistola laser DL-44. Perguntou-lhe exaltado, todo ele era excitação febril:

— O que raios se está a passar aqui?

— Artoo detetou algum perigo, veio avisar-nos… E a comédia com o Becka já durava há demasiado tempo, o Mathyas tinha razão.

— Qual deles? O moreno?

— Sim, esse…

— Acho que morreu.

A garganta de Luke secou.

— O que dizes? Um dos tenentes… está morto?

— O Nezarthis está a apontar para tudo o que se mova. Protege o Becka que está para ali a rugir ordens como um louco. O idiota não veio armado para este encontro… Julgava que iria apanhar-nos facilmente. Os tipos das bombas também não escaparam… A sorte do Mathyas Dois foi estar a rastejar à procura dos detonadores, que andam a rebolar pela sala. – Olhou rapidamente para a entrada. Silhuetas acercavam-se, marchando rapidamente, movimentando-se por detrás das janelas que se viravam para a rua principal, turvadas pelo fumo. Artoo juntou-se a eles, insistindo nos silvos de aviso. – É melhor não irmos por ali. Vem aí alguém.

Luke comprovou o que o corelliano avistava.

— O que sugeres?

— Agarra nos neimoidianos…

— Nos… neimoidianos? Onde estão os neimoidianos?!

— Faz o que te digo, miúdo!

— E o outro Mathyas?

— Ele que se desintegre com as bombas, quero lá saber. Como o Becka observou e muito bem, não somos amigos e pouco me importa se vai conseguir safar-se ou não. Precisamos dos neimoidianos para dar o aval final no contrato da compra desses malditos caças! Depois desta confusão não me espantaria que considerassem o contrato nulo.

— Ainda estão vivos?

— Olha para ali…

De facto, o par de neimoidianos, totalmente tomado pelo pânico, arrastava-se rente ao soalho que se sujava com os detritos que os tiros laser iam causando, ao arrancarem pedaços das paredes, do mobiliário, da decoração, que ardiam e se desfaziam, arruinando aquele estabelecimento sóbrio.

A porta de entrada sumiu-se com um estrondo. Luke encolheu-se. Pensou que os detonadores térmicos tivessem finalmente rebentado. Depois viu o tenente Mathyas albino a gatinhar desesperado e percebeu que tinham sido outros explosivos. O que viu a entrar pelo buraco recentemente aberto, a disparar para diante para proteger o seu avanço imparável, deixou-o estarrecido.

Stormtroopers!

— Afinal, Vader não brinca em serviço – resmungou Han.

Luke guardou a sua pistola laser e, com alguma relutância, esticou os braços para puxar os dois neimoidianos. Para sua enorme surpresa eram criaturas leves que se deixaram arrastar entre gemidos de medo. Protegiam as cabeças com as mãos trémulas e imploravam, num tom dócil, que não lhes fizessem mal.

— Por onde, Han? Depressa! Já os tenho!

Han rebentou com um mecanismo que se ocultava atrás de um vaso bojudo. Uma porta estreita abriu-se soltando faíscas, o painel recolhendo-se numa ranhura lateral. O corelliano indicou aquela passagem com o polegar, disparou uma rajada de tiros para cobrir a fuga e enfiou-se por esta de cócaras. Previdente e atento, Han já teria fixado aquela eventual via que lhes permitiria escapar caso as coisas azedassem, o que viera realmente a ocorrer. Luke empurrou os neimoidianos pela passagem, gritou para Artoo entrar e o astromec fechou o cortejo. Como Han tinha destruído o painel, não foi possível tornar a encerrar aquela porta. A solução era mesmo correr sem parar e ganhar a distância suficiente para escaparem dos stormtroopers.

O corredor era secundário, cheirava mal e pelo desmazelo não seria utilizado havia algum tempo. Uma qualquer entrada secreta para convidados especiais, pois conduzia diretamente ao recanto privado do bar. As botas deles soavam ásperas e pesadas sobre o chão, os rolamentos de Artoo rangiam e os neimoidianos não faziam qualquer barulho com os pés, devido ao seu calçado feito de tecido e ao facto de serem tão pouco pesados. Suspiravam e impavam, temendo pelas suas vidas. Luke olhava para trás de vez em quando mas ninguém vinha em perseguição deles.

Uma vez na rua dirigiram-se na mesma pressa para o espaçoporto onde a nave deles estava pronta para descolar e abandonar o sistema de Ostyu. Podia haver um problema no corredor de saída do planeta. Aqueles stormtroopers teriam desembarcado ali vindos de um star cruiser, no mínimo. Teriam de desencantar outro corredor aéreo.

Quando dobraram uma esquina que os levava para a praça onde se situava o espaçoporto, ele viu o primeiro pelotão de soldados imperiais ao longe. Escutou uma explosão que fez o chão tremer. Os detonadores térmicos. Todos aqueles que se encontravam dentro do bar estariam mortos.

Na pista, milagrosamente livre de soldados, subiram a rampa da nave aos tropeções, cansados e ofegantes. Luke empurrou os neimoidianos para o compartimento dos passageiros e verificou que M’mba estava ali. Um acaso perfeito. Pediu-lhe que fosse com ele para a carlinga, ela ajudaria a definir outro corredor aéreo mais discreto.

Han estacou, dobrado, mãos sobre os joelhos.

— Estás bem?

— Um pouco tonto… miúdo…

Luke pensou na corrida, na aguardente, na loucura daquela fuga que ainda não tinha terminado. Não teve tempo de alvitrar uma hipótese para as tonturas do amigo, pois este caiu de borco, com um baque e quedou-se sem sentidos.

— Han!

Chewie rosnou preocupado, Luke pediu-lhe que continuasse no assento do copiloto, a ligar os sistemas da nave. Os motores troaram ensurdecedores. Threepio comentou:

— Creio que o capitão Solo desmaiou devido a um leve envenenamento.

Luke admirou-se.

— O que dizes, Threepio? Não… está bêbado, é só isso. A adrenalina fê-lo correr para escapar-se, mas agora a aguardante de Carida cobrou o seu preço.

— O Artoo afirma que o capitão Solo foi envenenado. Deve tomar um antídoto rapidamente para contrariar a substância que tomou.

— É grave, Artoo?

 O astromec informou que não era grave. O veneno que tinha sido usado acelerava e prolongava os efeitos do álcool no sangue dos humanos, de modo a deixá-los inconscientes. Permitiria um rapto sem protestos ou defesa, ajuizou Luke. Do armário de medicamentos retirou uma seringa e uma ampola, indicadas por Threepio que traduzia as indicações de Artoo e administrou o líquido ao corelliano. Como o astromec percebia desses assuntos médicos, era um mistério. Deixou Han adormecido junto dos neimoidianos, pediu-lhes que cuidassem dele com uma advertência ríspida. O par encolheu-se, acenando com a cabeça.

— Por quanto tempo vai estar a dormir?

— O Artoo diz que por algumas horas-padrão, menino Luke – respondeu Threepio. – Oh, céus! Posso tratá-lo pelo seu nome, não posso?

— Claro que podes…

— Os neimoidianos…

— São nossos aliados. E vai acordar bem-disposto?

— Conhecendo o capitão Solo, diria que não.

O piloto seria Luke e ele ocupou o lugar. Fechou o cinto de segurança, puxou as alavancas da direção e a nave começou a elevar-se. Os stormtroopers estariam próximo, provavelmente já teriam entrado no perímetro do espaçoporto. O painel de navegação que Chewie operava começou a receber uma torrente de alarmes.

— M’mba preciso da tua ajuda. Nesse monitor estão as várias coordenadas que podemos usar para sair do planeta. Indica-me aquela menos utilizada, por favor.

— Eu irei convosco… senhor? – murmurou desconsolada.

— Ficarás mais segura. O Império resolveu aparecer. Se souberem que fizeste parte do negócio com a Aliança, serás presa e interrogada. Talvez torturada.

— Oh…

Amoleceu como uma flor diurna à falta de um sol radioso.

— Senta-te nessa cadeira atrás de mim, queres? – pediu Luke frenético.

M’mba obedeceu.

Alcançaram o espaço, internaram-se entre as estrelas, despistaram os seus perseguidores e ignoraram todos os avisos para regressar de imediato ao espaçoporto para uma inspeção de rotina. Antes de serem aprisionados pelo raio trator que os traria de volta ao pesadelo, com o star cruiser imperial nos radares, entraram no hiperespaço e souberam que estavam a salvo.


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Notas finais do capítulo

E Jeiz Becka deixou Luke Skywalker escapar por entre os dedos!
Foi um capítulo muito tenso, com muita ação, situações de perigo mas os nossos rebeldes conseguiram fugir. O negócio das novas naves foi fechado e podemos dizer que a Aliança marcou mais um ponto contra o Império Galáctico.

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Estou aqui.