Um Horizonte Maior escrita por André Tornado


Capítulo 22
Negócios


Notas iniciais do capítulo

“O conhecimento trouxera-lhe, no entanto, outros benefícios: racionalidade, boa educação, poder de escolha. O poder de escolha era, sem dúvida, uma lâmina de dois gumes, mas mesmo assim merecia a pena.”
In O Regresso de Jedi, KAHN, James, Publicações Europa-América



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Um lugar agradável, civilizado e desimpedido, para variar.

A metrópole estendia-se até ao horizonte em linhas harmoniosas, onde predominavam as transparências, os brancos, os ângulos abruptos de uma arquitetura original. Os telhados envidraçados dos edifícios atarracados refletiam o céu de um pujante tom de azul. As avenidas eram largas, corredores paralelos e perpendiculares que corriam ao longo das construções, que as cortavam em túneis, que voavam em passadiços sobre altas pilastras alvas. Essas vias de comunicação eram divididas entre os tímidos habitantes e cápsulas velozes que serviam de transportadores entre diversos pontos importantes da cidade. Não havia ruído assinalável, apenas um sussurrar de vestes dos caminhantes calados, os sibilos discretos dos veículos. 

Depois de se ter fascinado com o céu especial do planeta Ostyu, desde Tatooine que não via um céu tão hipnotizante, Luke obrigou-se a prestar mais atenção naquilo que o rodeava, para prevenir potenciais situações anómalas. Afinal, eles eram estrangeiros ali e os forasteiros não abundavam assim tanto entre os transeuntes, a raça nativa daquele sistema, que se deslocava com uma lentidão irritante, mudos e apáticos, em puro contraste com os rápidos transportadores. Na realidade, não havia mais ninguém diferente a andar por aquelas avenidas higiénicas a não ser o grupo onde se integrava.

A comissão rebelde que viera negociar a aquisição de novos caças de ataque do modelo Airspeeder T-47 era composta por ele e por Han, que viera acompanhado de Chewbacca, por dois oficiais da confiança do general Willard e por uma secretária que tinha sido recrutada entre os locais, chamada M’mba, que trataria do processo administrativo e lhes servia de guia. Juntavam-se a eles Threepio como intérprete, uma decisão que se revelara acertada pois aquelas criaturas, que comunicavam através da língua comum da galáxia, tinham por hábito fazer apartes num dialeto próprio que seria necessário descodificar para não acontecerem surpresas, e Artoo, pois nunca se saberia quando se podia necessitar de um androide tão versátil quanto aquela pequena lata bojuda.

Os alienígenas eram esguios, com uma pigmentação acinzentada, os crânios alongados onde se podiam ver três olhos, três orifícios no lugar do nariz, orelhas formadas por pregas de pele amarrotada e uma boca rasgada sem lábios, com as extremidades descaídas como se estivessem zangados ou tristes. A sua atitude vagarosa, displicente, distante era estranha e exagerada. Um contraste com os transportadores que zuniam em velocidades assombrosas. Mesmo a mulher que os seguia exibia os mesmos traços de personalidade, sem procurar cativá-los.

O corelliano parecia não se incomodar com nada, ou mesmo admirar qualquer coisa. Seguia descontraído como se conhecesse desde sempre aquela cidade retorcida e angulosa, habitada por criaturas introspetivas, mas Luke quase que apostava que Han nunca tinha posto um pé em Ostyu, sistema da Orla Média, durante os seus dias de contrabandista, que tinham acontecido maioritariamente nos mundos esconsos da Orla Exterior. A sua confiança era inspiradora, mas chocara os dois oficiais que tinham vindo supervisionar o negócio.

Provavelmente o problema seria esse. Os tenentes Mathyas, dois irmãos que eram uma cópia inversa um do outro, um moreno, o outro albino, que se recusaram em revelar o primeiro nome de cada um, para dificultar de propósito a distinção, esperavam liderar o negócio. Durante as curtas apresentações, ainda a bordo da Home One, tinham afirmado com uma sobranceria irritante que tinham estudado tudo o que havia para saber sobre os caças Airspeeder T-47. Mas quando, na nave que os levava a Ostyu, os relatórios foram abertos e lidos, para definir as competências de cada um dentro da comissão, os irmãos Mathyas ficaram estarrecidos por não terem sido nomeados como negociadores-chefe, cargo que coubera a Han Solo. O comandante Skywalker não tecera qualquer comentário, pois percebera como o ambiente se alterara.

E Han não se importava se continuava a provocar os irmãos Mathyas até à raia do conflito e da ofensa pessoal. Perante a recusa tácita de os tenentes revelarem os seus nomes, começara a chamar ao moreno Mathyas Um e ao albino Mathyas Dois. Para piorar recusara o piloto e o copiloto que Willard tinha designado para conduzir a nave que os levaria até Ostyu, um velho transportador roubado num ataque relâmpago a Taanab, e que eram grandes amigos dos irmãos. Han alegara que nunca entraria numa nave que não pilotasse, que tinha o melhor copiloto da galáxia, referindo-se a Chewbacca – um exagero que nascia do profundo companheirismo existente entre o corelliano e o wookie, perfeitamente desculpável e aceitável – e que nem valia a pena encetar uma qualquer argumentação oca para tentar convencê-lo. Essas tinham sido as suas palavras, uma argumentação oca, a olhar diretamente para os olhos dos irmãos Mathyas, a espetar-lhes um dedo indicador junto à ponta dos respetivos narizes.

Tudo contribuía, portanto, para a animosidade que se criara entre os tenentes Mathyas e Han Solo. Luke vigiava o antagonismo, não pretendia interferir a não ser que os sentimentos azedassem ao ponto de sacarem das respetivas armas.

Esse era um detalhe fundamental, embora algo incomum. No espaçoporto onde tinham pousado a nave taanabiana fora apenas feito um registo das pistolas laser que carregavam e emitida uma autorização simples para que as levassem para a metrópole. Não mencionaram o sabre de luz, indicando que não conheciam os Jedi. Outra estranheza. Luke reparava que nenhum dos habitantes sorumbáticos que passavam por eles estava armado, mas não reagiam com espanto perante as armas deles. Ou seja, não reagiam perante nada.

M’mba conduzia-os discreta e calada, uma prancheta holográfica entre as duas mãos compostas por um trio de dedos compridos, tão invisível que até Threepio soltava rangidos esporádicos, ao querer verbalizar uma qualquer observação, refreando-se no segundo-padrão seguinte por considerar que seria indelicado e inapropriado, abanando a cabeça, dobrando os braços pelos cotovelos.

Após um longo passeio desnecessário e tenso, se existiam aqueles transportadores velozes Luke não percebia por que razão não os tinham usado no espaçoporto para alcançarem o seu destino, entraram num edifício que emulava uma tigela voltada ao contrário, com torreões tortos que pareciam ter sido repuxados por uma pinça gigante a partir da cobertura. No átrio uma dezena de seres vogava pelo recinto circular como se não soubesse muito bem onde deveria dirigir-se, na mesma calma e silêncio dos seus conterrâneos que percorriam as avenidas. M’mba, felizmente, devia saber o que fazia naquele edifício e voltou a conduzi-los, desta feita até um elevador que transportou o grupo para um patamar de onde se conseguia avistar o átrio por um varandim que corria ao longo de um dos lados.

Entraram numa sala de reuniões feita de vidro e de metal, encaixada no centro do patamar. De um lado tinham o varandim e o átrio. Do outro muitas portas cinzentas fechadas. Han foi à frente, depois Chewbacca, os tenentes, Threepio, Luke e, por último, Artoo, que ia gravando na sua memória os lugares por onde iam passando. M’mba fez-lhes uma mesura e também entrou.

Sentaram-se nas cadeiras de espaldar estreito e tubular. Eram desconfortáveis mas ninguém se queixou. Na cabeceira da mesa invulgar, cujo tampo era também estreito, com buracos e efeitos torcidos na sua superfície o que tornava impraticável depositar-lhe em cima o que quer que fosse, estava um quinteto de seres.

O líder era um homem mal-encarado. Vestia-se com elegância, estava bem penteado mas o rosto austero e o olhar desconfiado denunciavam que não pertencia inteiramente àquele ambiente polido. Um indício de que fora convidado para conduzir aquele contrato com a Aliança, talvez pela sua experiência, talvez por ter os contactos certos, talvez por ser intransigente. Ou seja, aquele personagem lançava muitas interrogações. Do lado direito do homem estavam dois neimoidianos nervosos que se vestiam com roupas formais que não lhes assentavam totalmente e do lado esquerdo sentavam-se dois indígenas de Ostyu, muito parecidos a M’mba. Melancólicos e enfastiados, parecendo que iriam adormecer a qualquer momento.

Luke olhou em volta. A mesa tinha uma forma quadrada, estando um dos lados ocupado pelo quinteto. Han sentara-se à direita do quinteto e tinha rodado ligeiramente a sua cadeira para encará-los, Luke ocupava a cadeira seguinte, depois Chewbacca, Threepio aguardava de pé e Artoo postava-se mais atrás, encostado a uma das vidraças. Os irmãos Mathyas tinham escolhido o lado oposto afastando-se do corelliano e, ao lado deles, estava M’mba que ligava o holopad onde iria tomar as suas notas, enquanto secretária.

O líder pigarreou e assim deu início à reunião.

Os dois neimoidianos remexeram-se nas respetivas cadeiras. Os indígenas paralisaram numa pose amolecida, os ombros magros descaídos, as mãos de três dedos pousados na borda da mesa, agarrando-a frouxamente.

— Julgava que o que tinha sido estabelecido nos encontros preliminares iria ser cumprido – reprovou o líder semicerrando os olhos, olhando diretamente para o corelliano.

Não era uma boa maneira de se começar aquela reunião, pensou Luke sentindo uma ligeira apreensão. Han não reagia bem a críticas e a desconfianças e se percebesse que os seus esforços para ser diplomata estavam a ser em vão, partia para o confronto sem se importar quem prejudicaria. E nem sequer tinha havido um cumprimento, uma apresentação formal, uma frase de acolhimento que quebrasse a rigidez. Aquela negociação não iria ser fácil. Fechou um punho debaixo da mesa, mas logo percebeu que não conseguia esconder o gesto sob aquela peça de mobília invulgar e abriu a mão, pousando-a sobre o joelho.

— Os rebeldes não são companhia decente nestes dias atribulados, em que o conflito alastra pela galáxia e quando o poder legítimo que governa tantos e tão diferentes sistemas procura terminar com esse conflito que só nos traz mais sofrimento do que benefícios. É mais fácil denunciar rebeldes do que negociar com eles – ameaçou o líder inclinando-se. – Por isso, meus caros, não vamos tornar a nossa situação impossível. Pretendemos sair daqui agradados, uns com os outros. Um negócio só é um sucesso quando as partes ficam contentes, sem reservas. E este negócio começou com um acordo prévio, que me parece desconhecido pelos presentes. O general rebelde falou-me em dois negociadores e vejo quatro, acompanhados de uma criatura imponente a fazer de guarda-costas. Também percebo que trouxeram uma habitante de Ostyu que está a tirar apontamentos, um procedimento que, lembro-me, não autorizei. Para além disso, o painel que foi selecionado pessoalmente por mim – apontou para os que o ladeavam com um gesto largo do braço – teve como principal requisito que todos compreendessem e falassem o idioma padrão da galáxia, para que não fosse necessário um intérprete. A confiança é fundamental para que nos possamos entender, do início ao fim. E vejo que se fazem acompanhar de androides… desnecessariamente.

O líder apontou um dedo para Threepio que se endireitou, provocando um subtil rangido nas suas articulações que naquela pausa soou ensurdecedor. Um estalido indicou que iria falar para se defender, mas um curto apito de Artoo calou-o.

Luke incomodou-se com aquelas acusações. Tinha lido atentamente os relatórios preparatórios e não se lembrava de nenhuma advertência relativa a condições pré-contratuais. Seria uma mentira bem elaborada para confundi-los e reduzir-lhes a margem de manobra? Outro talvez… Confiava que Han se lembrasse do resumo que ele lhe fizera e que tivesse a mesma impressão de que se tratava de um embuste do líder para vergá-los. O corelliano recusara ler a sua cópia do relatório, alegando que estava ali para pilotar e depois para negociar a aquisição das naves, não tinha tempo para mais nada.

E Han respondeu à acusação do líder, que continuava a apontar para Threepio:

— Ele é bom em cálculos.

— Julgava que se tratava de um androide protocolar perito em milhões de formas de comunicação e outras tantas habilidades. Um intérprete!

— Confere, tem outras habilidades. Cálculos. Precisamos de fazer contas, vamos gastar uma quantia brutal de créditos – insistiu Han. – Aqui o douradinho sabe fazê-las muito bem. Contas.

— E aquele astromec? Para que precisam de um mecânico?

— Vamos falar de naves e contamos ver um dos exemplares para concluirmos o negócio. Terão uma nave num hangar próximo para fazer uma demonstração do produto, certo? Uma nave brilhante e pintada de fresco para impressionar os vossos clientes… Acredito que iremos precisar de um mecânico para verificar alguns pormenores técnicos, porque só a pintura nova não nos vai convencer.

O líder espetou o queixo, entrelaçou os dedos. Han prosseguiu:

— E a menina de Ostyu é importante para interagir com os teus dois meninos, mas pela atitude que eles demonstram habitualmente, não temos nada a recear. Pois quando os três resolverem discutir sobre um qualquer pormenor relacionado com este planeta, palco desta reunião clandestina e tão perigosa, já estaremos longe deste sistema. Se somos dois, quatro ou dez negociadores, o problema é da Aliança que terá mais gente a quem deve honorários, sim, que eu não estou aqui a trabalhar de graça. De qualquer modo, só vais conversar comigo. Para além disso, não me lembro de ter sido falado que teríamos traidores neimoidianos a esta mesa. Não confio em tipos que fazem da especulação comercial um modo de vida, lançando taxas inúteis para enriquecerem à custa de comerciantes honestos. Se me disseres que são os donos das naves, não acredito… Se me dizes que têm linhas de crédito para oferecer, continuo a não acreditar.

A intimidação não tinha resultado. A réplica de Han Solo fora brilhante.

Luke espreitou os irmãos Mathyas. Estavam mais rígidos do que as vigas metálicas que sustentavam aquela sala de reuniões envolvida em vidro. Han concluiu:

— Estes são os termos iniciais. Tu fazes acompanhar-te de quem quiseres, nós fazemos o mesmo. Não é obrigatório que no fim deste dia sejamos todos amigos e que iremos comemorar o sucesso deste negócio na cantina local mais bem frequentada desta cidade aborrecida. O que interessa é que tens uma coisa para vender e que nós queremos comprar. Conferido, chefe?

O líder estremeceu ligeiramente. Os neimoidianos gemeram, encolhendo-se nos respetivos assentos.

— O quê, rebelde?

— Eu perguntei se estava conferido… chefe – tornou Han. – Para podermos avançar. Somos rebeldes muito ocupados, temos uma guerra à nossa espera.

O corelliano estava anormalmente calmo. Só não se recostava e colocava as botas em cima da mesa porque aquela cadeira não tinha um espaldar decente que permitisse essa pose descontraída.

A resposta do líder foi soprada entre os dentes.

— Conferido. Podemos começar…

— Ótimo! Que naves tens para nos oferecer, chefe? Não ficou claro quando enviaste ao nosso general a mensagem a concordar com o contrato. Esperas conseguir despachar algumas sucatas que estão a ocupar-te os hangares?

— Rebelde, não me ofendas com essa suspeição ofensiva. Não temos sucata à venda! Somos comerciantes honestos!

— Correto, chefe. Era só para ficarmos esclarecidos desde o início.

Uma reunião sem nomes. Excelente, refletiu Luke mais otimista. Eles não se tinham apresentado, o corelliano tinha tomado a mesma opção. Eram rebeldes, chefe, meninos de Ostyu, neimoidianos. Os dedos de M’mba acariciavam a tela do holopad e parecia estar ausente da sala.

— Temos os caças estelares habituais – anunciou o líder. – Os T-65B com um excelente preço. Fizemos algumas mudanças no seu sistema de direção, torna-os mais manobráveis e fiáveis. Será uma boa aquisição, rebelde. Têm a garantia dos estaleiros de Kuat. Estarão certamente ao corrente de que temos uma parceria oficial com o Império, que usamos para avalizar as nossas naves. Como vêm, este negócio representa um certo risco para a nossa organização comercial…

— Estás a falar-me de X-Wing.

— Sim, rebelde. O caça estelar preferido pela Aliança.

— Correto. Mas hoje estávamos interessados nos T-47.

— Os Airspeeders?

— Sim, chefe.

— São naves para voos a baixa altitude, ideais para batalhas terrestres. Para combates no espaço têm as suas limitações…

— Igualmente manobráveis e fiáveis, que se podem escapar de um caça TIE com a mesma facilidade do que um T-65B, mas com menos rapidez. Conhecemos as limitações. Chegou ao nosso conhecimento que possuem essas naves e estamos interessados em comprá-las.

— E o que chegou ao vosso conhecimento está certo. Temos os Airspeeders T-47.

— Quantas naves nos podem entregar num prazo máximo de três meses-padrão?

— Todas as que necessitarem.

— Duas esquadrilhas de vinte naves.

O líder uniu as sobrancelhas sobre os olhos escuros.

— Posso assegurar uma esquadrilha nesse prazo. A segunda só daqui a quatro meses… Ou seja, um mês após a primeira entrega.

— Então não são todas as que necessitamos, chefe – sorriu Han malicioso.

— Rebelde, terão todas as naves de que necessitam dentro de quatro meses. Experimentem encontrar outro comerciante nesta galáxia que vos garanta um prazo inferior.

Os neimoidianos sussurraram entre si. Os indígenas de Ostyu recolheram as mãos para o regaço e assentiram com as longas cabeças. M’mba mantinha-se atenta ao holopad, os irmãos Mathyas empertigados, Chewie rosnava, Threepio rangia com alguma timidez e Artoo estava estático, como se desligado.

— Nós sabemos que podemos acreditar nas vossas condições, daí terem sido escolhidos para negociar com a Aliança.

— E tinham outras escolhas?

— Claro que tínhamos! – exclamou Han. – Esta galáxia reserva ainda muitas surpresas… para o Império.

O líder mostrou um sorriso sardónico.

— Acredito que sim. A Aliança para a Restauração da República tem conseguido grandes feitos militares e está a sobreviver enquanto oposição política ao regime imperial. Haverá certamente muitas organizações comerciais a querer fazer a sua parte nestes novos tempos.

— E tu irás contribuir para que a Aliança prossiga no cumprimento dos seus objetivos de justiça e de liberdade. É uma honra servir esta tão nobre causa, acredito – devolveu Han com a mesma ironia.

— Falemos de pagamento…

— A linha de crédito tem o valor que foi previamente combinado pelo nosso general. Dois milhões.

— Receio que não vai ser suficiente.

— Porquê? – indignou-se Han.

— O tipo e a quantidade de produto, assim como o prazo, foram alterados. Novas cláusulas. Novo contrato. Os meus colegas concordarão comigo. O teu general tinha mencionado os T-65B, uma única esquadrilha, prazo de entrega de seis meses.

O corelliano fuzilou com os olhos o par de neimoidianos que o líder indicava com a mão. Era mentira, claro. O relatório do Willard continha apenas referência aos Airspeeders e todas as cláusulas estavam perfeitamente definidas de antemão, sem qualquer margem para alternativas, caso uma linha negocial falhasse ou outras interpretações dúbias. Threepio ia intervir para mencionar esse facto, mas Luke conseguiu evitar que o androide falasse, arrastando ruidosamente a cadeira. Estavam num ponto crítico da negociação e não podiam deitar tudo a perder por causa de um deslize ingénuo. Até os irmãos Mathyas estavam perplexos e furiosos. Han respirou fundo.

— Desembucha, chefe…

— Três milhões.

Os neimoidianos saltitavam nos assentos como se estes estivessem demasiado quentes. Os indígenas de Ostyu olhavam fixamente para um ponto invisível atrás de M’mba que digitava o holopad diligentemente, na mesma velocidade, parecendo alheada do que estava a acontecer na sala.

De súbito, Han levantou-se.

— Nada feito. Obrigado pelo vosso tempo. Não estamos interessados nesta transação por esse preço ridículo.

— O que estás a fazer? – disse o irmão Mathyas moreno.

Luke empalideceu.

— Capitão! – exclamou Threepio. Chewbacca calou-o com uma rosnadela ameaçadora.

O líder também se levantou.

— Não estão interessados? O que querem dizer com isso?!

— Acho que não preciso que o meu androide protocolar, que também é muito bom com números, traduza o que acabei de dizer. Não estamos interessados. Vamos contactar outro fornecedor que nos oferece as condições que procuramos.

O sangue parecia que lhe tinha fugido do corpo. Luke abriu e fechou as mãos para estimular os dedos dormentes. Contudo, confiava no amigo. Ele sabia o que estava a fazer. Não fora em vão que o general Willard o tinha escolhido para ser o representante da Aliança naquele encontro. O general sabia que iria ser difícil… O general sabia que precisavam da experiência de Han.

— Vocês não têm outro fornecedor! – arriscou o líder.

— Queres fazer uma aposta? Tenham um bom dia. Gostei de conhecer este planeta… Dá-me sono, mas acredito que deve ser um lugar interessante.

M’mba tremelicava como uma planta açoitada pela ventania. Estava com medo. Luke não percebeu a reação dela. Teria o governo daquele planeta negociado alguma contrapartida para que usassem a sua metrópole como cenário daquele encontro clandestino com a Aliança? Seria lógico. Afirmar-se contra o Império não era muito prudente, quando se pretendia conservar uma neutralidade aparente para prosseguir com o seu modo de vida.

— Dois milhões e setecentos – atirou o líder.

Han entortou o sorriso.

— Estamos a regatear alguma coisa?

— Vá, faz a tua oferta, rebelde.

— Tu conheces a minha oferta. Se não é do agrado dos neimoidianos, o problema não é meu. Nem da Aliança.

— Dois milhões e meio.

— Tem um bom dia.

— Dois milhões e duzentos!

Um bipe de Artoo sobressaltou Luke. Fechou os olhos. Havia uma espécie de neblina quente entre os presentes que ele conseguia pressentir, a pairar naquela sala de vidro. Os humores exacerbados, a excitação de um confronto entre fortes, avisados, resilientes, entre seres que não estavam habituados a perder. Han disse:

— Aceito esse preço, chefe.

O líder engoliu em seco.

— Os dois milhões e duzentos?

— Só nessas condições voltarei a sentar-me. Que fique registado pela nossa secretária, chefe. Dois milhões e duzentos mil. Uma linha de crédito avaliada pela Aliança, a disponibilizar com a assinatura do contrato.

— Ela que registe – concordou o líder com brusquidão. – O preço está fechado.

E Han tornou a sentar-se. Traçou a perna direita sobre a esquerda, pousou as mãos na bota.

— Duas esquadrilhas, cada um com vinte caças Airspeeder T-47, a primeira entrega a acontecer daqui a três meses, a segunda entrega para daqui a quatro meses, um mês depois da primeira. Regista, secretária. E rápido! – exigiu o corelliano.

M’mba murmurou uma frase na sua língua nativa.

— Como temos as condições do contrato acertadas e encerradas, podemos ver agora um exemplar do T-47 que nos têm para oferecer?

— Já de seguida – concordou o líder, forçando um sorriso. Limpou o suor que lhe perlava a testa com a ponta dos dedos, passando-os para secá-los na aba do casaco que envergava.

— Foi um prazer fazer negócio contigo, chefe.

— O prazer… foi todo meu, rebelde – resmungou o líder irritado. Movimentou o pescoço para se libertar da tensão que lhe tolhia músculos e nervos.

A postura do corelliano era de descontração vitoriosa. Se tivesse um copo consigo teria feito um brinde e tê-lo-ia bebido de um gole só.

— Depois da nossa visita aos hangares vamos assinar o contrato. Convém não perdermos este ambiente agradável que se criou entre nós.

O líder fez uma careta.

— Tentarei fazer isso acontecer, rebelde. Mas não depende totalmente de mim.

Han estranhou:

— O que queres dizer? Não és tu que vais assinar o contrato?

— Oh não, rebelde! Sou apenas um representante da organização comercial que está a negociar com a Aliança. Como se trata de uma transação tão importante, terão o privilégio de conhecer o nosso presidente. Ele fez questão de estar presente nesta ocasião… especial.

— E ele chegará a Ostyu dentro em breve?

— Sim, ainda hoje, conforme previsto. O contrato vai ser assinado hoje, não temas. Afinal… têm uma guerra à vossa espera.

Os ombros de Han relaxaram.

— Não temos qualquer objeção em ter esse contrato assinado pelo teu presidente. Vai ser até mais oficial dessa forma, não é?

— E és tu que o vais assinar, rebelde?

— Não, chefe. Para isso tenho ali os meus dois amigos rebeldes. – E Han indicou os irmãos Mathyas com o polegar. – Quem é esse presidente que vamos conhecer?

— Jeiz Becka.

Luke e Han entreolharam-se.


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Notas finais do capítulo

Este é um dos meus capítulos favoritos desta história.
Aqui Han brilhou ao exibir todos os seus recursos de negociador. Acredito que ele será assim, cheio de expedientes para conseguir ter a vantagem em qualquer parceria comercial - não foi em vão que foi escolhido pela Aliança para ser o intermediário neste negócio das novas naves rebeldes.
Afinal, Han era um famoso contrabandista antes de se juntar à causa e como bom contrabandista teria de saber negociar...
Tivemos um painel interessante de novos personagens.
E temos também o regresso do Jeiz Becka!

Próximo capítulo:
Opções discutíveis.