Um Horizonte Maior escrita por André Tornado


Capítulo 21
Uma tarde calma


Notas iniciais do capítulo

“Voltando ao recarregador, Luke debruçou-se sobre Artoo e começou a raspar e a dar batidas no topo do pequeno droide com um picão cromado. Ocasionalmente, recuava bruscamente quando a pequena ferramenta fazia os pedaços de metal corroído estalar no ar.”
In A Guerra das Estrelas, LUCAS, George, Publicações Europa-América



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Soprou para limpar melhor a peça. Fechou o olho direito para concentrar toda a sua capacidade de visão no outro olho que focava o interior da argola metálica dourada para verificar que a limpeza exaustiva estava a cumprir o seu objetivo.

Tinha o hábito de soprar sempre qualquer peça, embora agora não fosse necessário porque estava longe, muito longe, da areia do deserto onde fora criado. Se nascera nesse planeta esquecido da Orla Exterior nunca tivera a certeza, pois a tia Beru nunca lhe contava nada sobre o seu nascimento, os seus verdadeiros pais, o motivo para estar a ser educado por ela e pelo tio Owen que eram parentes do seu misterioso pai.

Naquele instante, todavia, em que limpava peças para as usar num melhoramento que imaginara para o seu caça X-Wing as preocupações do seu nascimento estavam muito longe da sua mente. Residia com a Aliança para a Restauração da República, era um rebelde com toda a convicção e não pretendia alongar-se em dissertações sobre si mesmo quando não esperava conseguir respostas tão cedo.

Algum dia, tinha a certeza, conheceria a verdade.

Colocou a peça num tabuleiro e começou a limpar uma segunda peça, em tudo idêntica à primeira. No braço direito usava uma ligadura que lhe cobria o ferimento provocado pela farpa de metal de Ord Mantell. Já não lhe doía e o bacta operara a cicatrização necessária que fechara o corte, sem marca assinalável na pele. Só por preguiça e distração é que mantinha a ligadura, porque não precisava do tecido para proteger um ferimento inexistente e porque estava completamente absorvido naquela tarefa.

Artoo ajudava-o, utilizando as suas capacidades únicas de androide perito em mecânica. Postava-se ao lado dele que trabalhava sobre uma bancada corrida numa das oficinas, usando os seus apêndices em forma de ferramenta para manusear as placas que Luke estava a redesenhar, aplicando as peças, afinando e testando os circuitos. Apitava algumas sugestões menores que Luke aceitava com acenos de cabeça, orientando-o sempre para agir conforme a ideia que estava a desenvolver.

A concentração era de tal ordem que só se apercebeu que a porta deslizante da oficina se abrira quando escutou a voz de Threepio a entrar por ali adentro.

— Sua Alteza, permita-me ainda que recorde que não respondeu ao convite do general Dodonna sobre o jantar desta noite. Não será apenas uma ocasião social, mas uma reunião em que serão debatidos, embora de forma informal, conforme me foi dado conhecer para que lhe fosse transmitido, algumas questões cruciais para o futuro da Aliança.

— Sim, Threepio, não me esqueci desse convite – respondeu a princesa de Alderaan impaciente. – Estava a considerar muito seriamente recusá-lo.

Tinha visitas. Luke fez rodar a peça entre os dedos, apertando o pano que usava para limpá-la. Era sempre agradável receber Leia e não se importava de interromper o que estava a fazer para conversar com a sua amiga. Escondeu um sorriso.

— Oh, céus! – exclamou o androide protocolar alarmado. – Porventura não sabe que a senadora Mon Mothma vai estar presente? O jantar foi marcado, se me permite afirmá-lo, em honra dessa figura política importantíssima para a Rebelião. O apoio da senadora tem sido fundamental para o nosso sucesso no terreno.

— Já não se trata de uma senadora. O Senado Galáctico foi dissolvido por Palpatine e todos os seus membros foram recambiados para os respetivos sistemas, com ordens expressas para se manterem inativos politicamente. Uma outra forma de controlo abjeto que esse Imperador gosta de demonstrar para afirmar que o seu poder é incontestado… Os senadores mantêm-se calados, subjugados, espezinhados.

— Bem… Mas não pode negar a autoridade e a importância de Mon Mothma para a Aliança, Sua Alteza. Ao contrário dos seus colegas menos… corajosos, Mon Mothma prossegue com a sua agenda política.

— Não o estou a fazer, Threepio. Também eu servi no Senado antes de a minha nave ter sido cobardemente abordada pelo star cruiser de Darth Vader. Sei o que significa ter sido um senador em tempos tão difíceis. Reconheço o empenho e a dedicação de Mon Mothma a esta causa subversiva… Só estava a pensar que papel poderei representar num círculo tão restrito como aquele do general Dodonna, já que Mon Mothma vai congregar todas as atenções. Talvez tenha sido convidada para que sirva como enfeite, a princesa do desgraçado planeta Alderaan que já não existe… Um exemplo da maldade do Império e da justiça da nossa causa, para impressionar a Mon Mothma que não precisa de ser impressionada.

— Não creio que fosse esse o intuito quando lhe foi endereçado o convite. Sua Alteza é mais do que… um enfeite numa reunião informal do alto comando da Aliança.

Ela suspirou profundamente.

— Tens razão Threepio. Não sou em enfeite… Sou tão necessária na linha da frente do combate, como na área política e mais diplomata da Rebelião. Diz-lhes que irei a esse jantar. Agora, vai. – Fez um gesto seco com a mão. – Quero falar com o Luke.

— Oh…

Threepio espevitou-se e pareceu notar apenas naquele momento que Luke estava ali. Artoo piou, anunciando também a sua presença ao distraído e eficiente androide protocolar.

— Claro, princesa. Levarei a sua resposta ao convite e… depois…

— Estás dispensado, vai recarregar as tuas baterias. Tens trabalhado esforçadamente nestes últimos dias e eu não te tenho poupado.

— Muito obrigado, princesa, por se lembrar do meu bem-estar.

— Podes ir – insistiu a princesa.

— Artoo?

O astromec fez soar uma série de apitos. Ficaria ali. Não tinha sido dispensado. Então, finalmente, Threepio deu meia volta e cruzou a porta que se fechou após a sua saída. Leia desabou sobre a cadeira mais próxima de Luke expirando o ar ruidosamente. Levou uma mão à testa para corrigir alguns fios de cabelo que se tinham soltado do penteado simples que prendia com uma grossa trança que lhe rodeava a cabeça. Luke espreitou-a, achou-a bonita. De resto, ela era sempre bonita, em qualquer ocasião. Depositou outra peça no tabuleiro.

— Muito trabalho?

— Nem imaginas quanto! – exclamou Leia aliviada.

Teria escolhido vir vê-lo para se obrigar a uma pausa. A ele e nenhum outro. Estava nos pensamentos dela, isso era significativo, importante. O coração dele começou a aquecer.

— Threepio ajuda-me bastante, é competente e a sua base de dados linguística é uma enorme mais-valia nos diversos contactos diplomáticos que estamos a estabelecer. Mas por ser tão meticuloso chega a ser aborrecido… Por vezes apetece-me desligá-lo.

— Basta pedires que se cale que ele obedece – indicou Luke com um sorriso. Artoo apitou. – O Artoo concorda comigo.

Leia sorriu.

— Eu peço-lhe que se cale… Várias vezes! Fica ligeiramente ofendido, mas depois retoma a sua atitude profissional e exigente. Considero que tenho muita energia para dar, todos os dias, à Aliança, mas estar por perto do Threepio cansa qualquer um, por mais resistente que seja!

— Acredito!

Ela olhou para os tabuleiros onde ele dividia as variadas peças que limpava e preparava. Ele continuava com a sua tarefa, sabendo que ela não se importaria. Vê-lo trabalhar acalmava-a, decerto, ou já teria emitido um protesto nesse sentido. Ele conhecia a princesa, ou pelo menos gostava de acreditar que a conhecia.

— O que estás a fazer?

— Tenho algumas ideias para melhorar o desempenho dos caças… – respondeu ele, evasivo.

— Os X-Wing?

Ele admitiu com um único aceno.

— A Aliança está a pensar adquirir novos caças.

— A sério? – E Luke olhou para Leia.

— Sim. A nossa frota de caças encontra-se diminuída depois do ataque à Estrela da Morte – começou ela a explicar. – Temos alguns planos de ataque preparados para aumentarmos as nossas linhas de abastecimento e causar alguns danos aos suprimentos imperiais, mas estão todos suspensos por falta de força ofensiva capaz de nos garantir o sucesso de cada missão. Não podemos arriscar perder pilotos numa altura como esta em que cada um de vocês é tão precioso, nem tão pouco naves, muito preciosas também. Qualquer passo mal calculado e o nosso poder diminui… E não estou somente a falar de poder de fogo, mas também de poder político. Nesta galáxia respeita-se essencialmente o poder, puro e simples. A lei do mais forte.

— Oh… Percebo, Leia. E os X-Wing? Vão ser desativados?

— Não, nem pensar! Esses caças são excelentes e são as únicas naves que conhecemos que são superiores em combate aéreo a qualquer caça TIE. Ou seja, seria um desperdício que as usássemos para ações de guerrilha, em que precisamos de naves velozes, verdade, para entradas e saídas de cena com a rapidez necessária para sustentarmos o efeito surpresa, mas não tão velozes. – Ela sorriu-lhe para lhe dar confiança, apertou-lhe o braço. – O trabalho que tens estado a desenvolver na esquadrilha de caças X-Wing tem sido excelente, Luke. Receio que não seja suficiente… A Aliança precisa de mais. Não quero que penses que estou a insinuar que desistas do que estás a fazer, ou a dar-te a entender que esse esforço já não será necessário. Nada disso. Não esmoreças, peço-te!

— Eu sei que não me estás a pedir isso, Leia. Se houvesse alguma mudança de planos, o Wedge haveria de me informar. – Artoo apitou a concordar, pois também ele estava envolvido naquele trabalho de melhoramento dos X-Wing— Claro que vamos continuar, Artoo.

— O Wedge está a liderar a esquadrilha atual dos caças.

— Sim, está. É o nosso piloto mais experimentado e como chegou a graduar-se na Academia imperial, tem algumas vantagens.

— Em breve também terás uma esquadrilha, comandante Skywalker.

— Eu sei. – Os olhos de Luke brilharam.

— Talvez com as novas naves…

— E quando vai acontecer a compra dessas naves? Já fazem ideia dos modelos que pensam adquirir?

— Primeiro iremos negociar com os compradores que estão dispostos a fazer comércio connosco. Somos uma organização clandestina, continuamos no meio de uma guerra civil e não é fácil conseguir contactos sérios e proveitosos para fazer negócio nessas condições. Mas sim, os modelos já estão definidos. Serão Airspeeders T-47, veículos versáteis que foram otimizados para voos a baixa altitude. São ideais para as ações de guerrilha que temos planeado!

— Hum… Acho que conheço esses modelos. Já os vi no holopad do Wedge, uma vez. Será ele que vai representar a Aliança no negócio?

A princesa remexeu as mãos e Luke encarou-a.

— Quem vai ser, Leia?

— O general Willard quer que o consultor técnico… sejas tu.

— Eu?

— Sim. No fim de contas, as naves serão para que tu as organizes nessa nova esquadrilha.

Luke torceu a boca num esgar.

— Não irás sozinho – esclareceu Leia. – Willard também requisitou… o Han para esse negócio. Creio que o Chewie vos acompanhará, ele não deixa o Han sair sozinho para lado nenhum. Levarás o Threepio na condição de ser o intérprete, caso se apresente alguém que não se comunique com a língua comum da galáxia. – A um silvo de protesto, ela acrescentou: – E o Artoo irá também.

— O Han?

— A fama de contrabandista do Han foi a razão para ele ter sido escolhido para acompanhar a pequena comissão rebelde. O Willard considera que ele possui as competências essenciais para que o negócio seja bem-sucedido num prazo curto. Aqui, o fator tempo é essencial. Como rebeldes assumidos, não nos podemos demorar demasiado em qualquer lugar, nem mesmo num sistema amigável, pois a tentação de uma traição a favor do Império é demasiado grande.

A apreensão de Luke manteve-se. Ele cruzou os braços.

— Percebo o que estás a pensar, Luke – disse Leia, assertiva. – Depois do último episódio vivido por vocês, acredito que deves estar a pensar que o Han deve manter-se mais recolhido para evitar outros encontros desagradáveis semelhantes. Ainda tentei usar esse argumento com o Willard, mas ele contestou-me, afirmando que o perigo existirá sempre desde que façamos parte da Aliança. O general tem razão… Não consegui manter essa discussão a vosso favor. – Ela olhou para o braço dele. – Como está o teu ferimento?

Luke corou ligeiramente.

— Eh… Já está curado, eu não me lembrei foi de tirar a ligadura.

— E como está o Chewie?

Sorriram os dois.

Quando chegara ao ponto de encontro que tinha sido estabelecido pela frota rebelde, vindo de Ord Mantell, Luke verificara também a chegada da Millenium Falcon e fora ter com os amigos. Foi só então que descobrira que Chewie, durante a fuga, tinha sido atingido por um tiro laser. De raspão, no braço. Perguntara pelo caçador de recompensas. Pelos vistos tiveram mesmo de o silenciar definitivamente, o corelliano explicara seco e sem margem para novas inquirições. Pondo por palavras mais simples, Han matara o caçador de recompensas, tal como ele tinha intuído à saída de Ord Mantell. O wookie berrava ferido, exacerbando a gravidade do ferimento e continuara a fazer soar os seus queixumes roucos durante o tratamento. Quando Luke lhe mostrara o seu ferimento, irritara-se. Tinha sido atingido com um disparo, não fora um simples bocado de metal.

— Já está curado, como eu – respondeu Luke mantendo o sorriso. – Um pouco de bacta e fica tudo resolvido, não é?

— Ainda o fui visitar, na enfermaria – revelou Leia também a sorrir. – Lamentava-se como se estivesse a encarar a morte. É um gigante peludo sentimental.

— Pensava que não gostavas muito dele.

— Aprendi a gostar! – revelou Leia envergonhada.

— Acho que o Chewie também… aprendeu a gostar de ti.

— Ele gosta do Han e dos amigos do Han. A mecânica é simples.

— É uma criatura simpática…

Luke não queria vê-la embaraçada. A relação da princesa com Chewbacca não tinha começado da melhor maneira, quando se tinham conhecido na Estrela da Morte. A princesa chamara ao wookie um enorme tapete peludo ambulante. Mas quando se tinham escapado dos caças TIE que tinham vindo em perseguição da Millenium Falcon, ela abraçara-o para comemorar a fuga.

Ele retomou o assunto anterior.

— Quando iremos partir e para onde? O Han e eu?

— Serão oficialmente convocado pelo Willard e terão depois todas as informações. O sistema para onde se deverão dirigir, os vossos contactos, as reuniões preparatórias, as naves que deverão ser negociadas, orçamentos e outras questões burocráticas constarão de um relatório próprio. Não queiras apressar as coisas… Não vai ser um passeio agradável.

— Nenhum passeio será agradável depois de me ter alistado na Aliança.

— Não estás arrependido…

— Como poderia estar, Leia? A outra alternativa era ter ficado na quinta de humidade do meu tio Owen… Se ainda tivesse uma quinta depois de me ter cruzado com o Artoo e com o Threepio. O que era bastante improvável.

Ela colocou uma mão sobre o ombro dele.

— Perdoa-me. Fui indelicada. Estou cansada, tenho trabalhado muito…

— Eh… Não foste indelicada, não precisas de me pedir desculpa. Temos estado todos sujeitos a alguma pressão que nos faz ficar menos simpáticos. Aconteceu muita coisa, de repente.

No presente, a Aliança não tinha uma base terrestre fixa após ter abandonado a Base Um de Yavin Quatro que, segundo as últimas notícias, já tinha sido ocupada pelo Império. Era estranho pensar em stormtroopers a devassar o Templo de Massassi, a revirar tudo… Os dirigentes rebeldes, incluindo os generais e demais comandantes operacionais e outros oficiais, o pessoal militar, os pilotos, o restante pessoal técnico e civil, naves, maquinaria e androides, reuniam-se a bordo dum cruzador estelar no sistema Ileenium, próximo ao planeta D’Qar, um mundo verdejante circundado por um anel de rochas flutuantes. Era uma nave gigantesca, modelo MC80 construída nos estaleiros dos Mon Calamari, raça antiga e inteligente que começava, secretamente, a apoiar a Rebelião, fornecendo adidos militares que ajudavam na definição da estratégia de condução da guerra civil. A nave, que se chamava Home One, um nome apropriado, possuía dispositivos ofensivos e defensivos de proteção, como canhões laser e escudos defletores, um hangar imenso que albergava as várias esquadrilhas de caças estelares e outros cargueiros, acomodações para todos os rebeldes e ainda para os que se lhes quisessem juntar. Os transportadores maiores vogavam ao lado do cruzador, formando uma frota inusitada que constituía o coração da Rebelião.

Uma solução de que já se tinha ouvido falar à boca pequena, um boato. De resto os boatos abundavam entre o pessoal. A outra hipótese que tinha sido aventada nunca chegara a ser concretizada, ou seja, nunca tinham chegado a utilizar um star cruiser modificado roubado aos estaleiros de Kuat.

Em abono da verdade e boatos àparte, eram um alvo fácil de abater, se o Império descobrisse que estavam ali, a pairar no espaço sideral, desprotegidos e ingénuos, à espera de encontrar uma nova base que fosse suficientemente longe, secreta e adequada. Não era totalmente reconfortante ou seguro, Luke lembrava-se disso todos os dias.

A princesa estava calada e pensava, envolvida num silêncio particular. Mexia nas peças que faltava limpar e sem que se apercebesse estava a sujar a ponta dos dedos com um pó fino e negro. Para arrancá-la daquele isolamento que lhe criava a famosa ruga de preocupação na testa, Luke lembrou-se da sua inquietação diária e perguntou-lhe:

— Já temos um lugar para onde ir? Quero dizer, a Aliança já encontrou uma nova base?… Precisamos de um lugar qualquer, não podemos ficar para sempre a navegar na órbita de D’Qar.

O lugar era remoto, situado na Orla Exterior, mas mesmo assim havia a hipótese de serem detetados se ficassem demasiado tempo num único sítio. Comunicações poderiam ser intercetadas, espiões poderiam aparecer…

— Existem algumas possibilidades.

— Esta noite, no tal jantar em que vai estar a Mon Mothma…

— Não acredito que se fale nessa questão. Creio que será mesmo um jantar de amigos políticos, em que se vão discutir trivialidades e lealdades. Provavelmente o tópico mais quente e que vai gerar mais discussão, sempre amigável e positiva, será o compromisso definitivo dos Mon Calamari com a Aliança. Estamos a usar as suas naves, estamos a receber conselhos militares dos seus reputados almirantes.

— Que possibilidades existem em cima da mesa para uma nova base?

— Frio e calor extremo.

Leia largou a peça com que brincava entre os dedos e fez um sorriso amargo. Luke pestanejou. Não eram possibilidades generosas ou apelativas.

— Frio e calor extremo…

— Gelo ou lava. Oh, Luke, se soubesses como a repressão do Império tem crescido depois da destruição da Estrela da Morte! O medo alastra, antigos aliados recuam ante a chantagem de Palpatine, os sistemas começam a exigir provas de que podemos ganhar a guerra para nos darem o seu apoio, temos linhas de abastecimento cortadas, precisamos urgentemente de colocar em prática as ações de guerrilha de que te falei. Não está a ser fácil.

— Bem, prefiro o frio.

— O quê?

A declaração cortara-lhe o lamento e Leia encarou-o.

— Prefiro o frio – repetiu ele. – Morei a minha vida toda num planeta desértico com temperaturas diurnas elevadas e insuportáveis. Prefiro o frio.

— Não… sabes o que estás a dizer. Não conheces o frio.

— Claro que conheço. As noites em Tatooine eram geladas, mas sempre preferi as noites aos dias.

— O sistema que temos em cima da mesa, como um dos possíveis destinos, é mortalmente frio. Não é possível uma exposição ao exterior acima de algumas horas-padrão por dia, as tempestades de neve são constantes na época do ano em que o planeta se afasta mais da sua estrela, não tem nenhuma colónia estabelecida, é apenas povoado por criaturas pouco amigáveis…

— Gostava de experimentar. Parece-me uma boa opção. Remoto e inóspito, o Império vai deixar-nos sossegados durante algum tempo.

Leia recostou-se na cadeira, descaiu os ombros.

— Estás a dizer isso para me animar.

Artoo apitou algo semelhante. Luke sorriu e concordou:

— Sim, estou a tentar animar-te.

— Hoth não é… animador!

— Hoth? É como se chama a bola de gelo?

— Já ouviste falar?

— Nunca. – Voltou-se para o astromec. – Artoo, no teu banco de dados sobre rotas e navegação, tens alguma informação sobre Hoth?... Não? Nenhuma informação… Obrigado, Artoo. Então, é como penso. Esse sistema será perfeito.

— Tem o teu voto?

— Se pudesse votar, sim…

— Luke, não decidas estas coisas de ânimo leve.

— Não estou a decidir nada de ânimo leve. Se dizes que as outras hipóteses têm lava, presumo que teremos uma paisagem feita de pedra derretida e vulcões, com terramotos à mistura. Ou seja, um lugar instável e perigoso.

— Gelo é instável e perigoso.

— Não digo que não, mas prefiro à lava. Frio ao calor, sem hesitar.

Leia suspirou.

— Quando chegarmos ao célebre dia em que escolheremos a nova base da Aliança para a Restauração da República, irei lembrar-me do que me disseste, comandante Skywalker.

— Bem, deveriam consultar os outros comandantes.

— Não vai acontecer. Não se trata propriamente de uma escolha democrática, será uma decisão difícil com base em cenários pouco animadores.

O intercomunicador de Leia apitou. Ela consultou-o, puxando-o do bolso das calças, mas sem o retirar totalmente.

— Oh, não… Tinha-me esquecido disto…

— Tens outro compromisso?

— Estou sempre cheia de compromissos, Luke. Por vezes gosto de me escapar de alguns e o Threepio ajuda-me a enviar uma justificação plausível. Senão, não conseguiria conversar contigo…

Ele encheu-se de coragem e disse:

— Então, temos de combinar um compromisso. Assim ficava na tua agenda de forma oficial e já não tens de te sentir culpada por estares a conversar comigo. E que tal irmos beber qualquer coisa na cantina da nave? Cerveja de especiarias, um licor…

Não quisera acrescentar rum corelliano, pareceu-lhe demasiado ousado.

— Eu não me sinto culpada por estar aqui contigo. Isso é um convite para um encontro numa noite descontraída?

Não tinha falado em noite, mas se ela queria formalizar nesse sentido, ele não se opunha. Acenou com a cabeça, a garganta apertou-se, todo ele se incendiou por dentro, coração a bater descompassado.

— Sim, é um convite… para um encontro. – Acrescentou atropelando as palavras: – O Han também pode vir, claro! E o Chewie…

Ela levantou-se da cadeira, guardou o intercomunicador empurrando-o para o fundo do bolso.

— Sim, claro, o Han também pode vir… – concordou distraída.

Luke saltou da sua cadeira. Artoo recuou para lhe dar espaço, apitando um protesto. Ele não se apercebeu da veemência do astromec. Leia entremostrou um sorriso.

— Foi uma pausa curta, mas gostei muito de conversar contigo, Luke.

— Eu também… Leia.

Ela levantou o dedo indicador enquanto se encaminhava para a porta.

— Não me vou esquecer… Fico à espera do teu convite.

Quando saiu, Artoo insistiu nas apitadelas, nos silvos, a cúpula girava de um lado para o outro, na sua verborreia típica. Luke olhou admirado para o androide.

— O que foi? Do que é que estás a falar?… A princesa é uma pessoa muito ocupada, não podia fazer mais do que fiz. E ela não se importou com a minha proposta para uma bebida na cantina. Escuta-me, Artoo. Vais perguntar ao Threepio qual é o melhor dia para convidar a princesa… Sim, claro que vais ajudar-me nisto.

Então, ele permitiu-se a corar com o que o androide afirmou em apitos.

Voltou a ocupar a sua cadeira. Agarrou numa peça, no pano e retomou as limpezas. Respondeu encabulado:

— Sim, gosto dela… Artoo.


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Notas finais do capítulo

Foi mesmo um momento mais calmo depois da confusão em Ord Mantell.
Temos, neste capítulo, alguns prenúncios do que virá a seguir. A Aliança vai comprar naves novas e Han Solo será designado como o intermediário principal entre os rebeldes e os fornecedores.
Também se falou pela primeira vez em Hoth.
E Luke confessou ao seu androide Artoo que gosta da princesa... Não vai por um bom caminho!

Próximo capítulo:
Negócios.