Um Horizonte Maior escrita por André Tornado


Capítulo 20
Identidade revelada


Notas iniciais do capítulo

“Skywalker. Parecia-lhe impossível.”
In O Império Contra-Ataca, GLUT, Donald F., Publicações Europa-América



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Passou a mão pelo rosto. Repuxou os lábios, o queixo. De olhos fechados, desconfortável e inadaptado, sentia-se a sufocar. Não se sentira assim quando aconteceu o primeiro encontro, agora temia pela sua vida e não sabia como confrontar a ameaça que era gigantesca, negra e invencível. Tinham-lhe contado que conseguia desviar tiros laser com uma única mão, rira-se nessa ocasião e para se divertir, também para calar esse idiota que ousava contar mentiras para assustar os seus homens, apontara-lhe a sua pistola e antes de lhe estourar com a cabeça afirmara:

— Impossível! O meu castigo é impossível de esquivar.

Agora, porém, acreditava nessa lenda, narrada numa sala fumarenta, com cheiros diversos entre o fumo, álcool a correr inesgotável encharcando o sangue daqueles que queriam esquecer, sombras, medos e gargalhadas, muito dinheiro perdido, jogo, pequenos ódios e mínimas lealdades.

Acontecera que ele fora tocado por essa lenda de uma forma pessoal, palpável e irrevogável nos últimos dias que correram céleres, como se estivesse a bordo de uma nave ultrarrápida e desgovernada. E já a percebia como verdadeira, por experiência própria, uma maldição que lhe fora imposta pela sua arrogância. Não, nunca o vira a desviar tiros laser com uma mão, mas assistira à maior traição que alguma vez lhe tinham feito e que ele julgaria impossível de acontecer, instigada por essa criatura tenebrosa. O seu irmão declarara guerra contra ele e Jeiz Becka estava envolvido num conflito amargo e gigantesco que ameaçava desmembrar a sua organização, destruir o seu império e minar a sua reputação para sempre.

Darth Vader não lhe tinha parecido assim tão ameaçador. Um homem máquina com problemas respiratórios – conhecera alguns estropiados da Guerra dos Clones com problemas físicos semelhantes, com acessórios parecidos que os auxiliavam a viver naquele universo ingrato, gente revoltada que acabava por se suicidar ou enveredar por um caminho que os levava a um encontro providencial com um assassino – com uma estatura acima da média que impressionava pela sua altura, uma atitude vaidosa que derivava da forma assustadiça com que era tratado pelos oficiais do Império que deviam impor as suas ordens e não ao contrário. Os seus dotes místicos ou sobrenaturais, como aquele célebre de que desviava tiros laser com uma mão, não foram demonstrados. No final do encontro, todavia, Becka percebeu que Vader tinha muito jogo escondido debaixo daquela máscara negra. E não seria um qualquer fanfarrão para ser tão respeitado por Palpatine.

Em suma, Vader possuía um poder absoluto que ele subestimara por pura ignorância e soberbia. E agora pagava o preço.

Continuaria a pagá-lo, da maneira mais vil, quando lhe dissesse que ainda não tinha conseguido cumprir a sua parte no acordo. Havia rumores sobre o tal piloto rebelde herói, mas não passavam de simples rumores. Preocupado com as movimentações hostis do irmão não se tinha ocupado verdadeiramente da caça a esse homem, mas tinha conseguido informações que poderiam abreviar a perseguição. Contava que isso bastasse, por ora, pois acabava de entrar a bordo da Executor convocado por lorde Vader – lorde Vader, foi assim que foi designado na mensagem holográfica que lhe fora transmitida, outro expediente para reduzi-lo ainda mais à sua insignificância – e essa convocatória tinha como objetivo a entrega do tal almirante desgraçado, Harish Muitel.

Outra armadilha bem elaborada.

Claro que Vader sabia que ele não tinha o piloto rebelde consigo. Não podia existir uma verdadeira troca entre o almirante e esse almejado futuro prisioneiro, tal como tinha sido negociado anteriormente. Por isso, havia ali outro propósito e Becka ficara inquieto. Detestaria descobrir em primeira mão aquelas facetas mais sombrias, cruéis e secretas desse temido e lendário lorde Vader, maldito fosse e toda a sua lenda com ele! Não queria mais problemas e nem queria exaltar-se ao ponto de provocar uma ira irremediável em Vader que lhe ditasse um destino estúpido.

Já lhe bastavam os problemas com o irmão, com a sua organização, com os traidores que apareciam sempre nessas ocasiões. Não queria ter de lidar com o rancor do agente imperial mais famoso da galáxia.

Tentava acalmar-se. Tinha os seus trunfos, não iria para aquele encontro completamente de mãos vazias. A sorte sorrira-lhe e colocara no seu caminho, poucas horas antes de partir para a Executor, uma informação vital que muito provavelmente iria salvá-lo.

Depois de o terem deixado sozinho numa câmara destinada aos convidados, um oficial sisudo veio buscá-lo, acompanhado de uma escolta de seis stormtroopers ameaçadores e calados, com as suas espingardas laser cingidas ao peito. Perguntou-se porque estariam armados. Julgariam que ele representava uma ameaça? Uma imprevisibilidade? Ou protegiam naturalmente o seu senhor, ou não o consideravam suficientemente avisado para se defender sozinho. O mais simples seria que demonstravam o poderio do Império que não admitia rival na enormidade da galáxia.

Becka seguiu o oficial sem nada comentar ou dizer. Mantinha-se taciturno, atento, apreensivo apesar das tentativas de afastar de si o nervosismo que aquele encontro lhe provocava.

Entraram num salão escuro, uma sala de audiências daquela nave imensa que estaria preparada para o próprio Imperador. Tentou não se impressionar com a vastidão do local, a impessoalidade da sua decoração rigorosa, as sombras que ocultavam perigos não inteiramente evidentes. Assentou as mãos na cintura, olhando para todos os lados. Percebia-se, estranhamente, sozinho ali.

A respiração mecânica anunciou a chegada de Darth Vader.

Os pelos da nuca de Becka arrepiaram-se quando a figura negra como o salão se aproximou dele, caminhando num passo de uma cadência precisa, quase matemática, galgando espaço, encurtando a distância entre eles. Tinha entrado por outra porta ou sempre estivera ali, observando desde as sombras que fariam parte da sua natureza particular?

Becka decidiu-se a não se deixar influenciar por nenhum dos medos que o assombravam desde que fora intimado a comparecer na Executor. Porque, na realidade, eram apenas isso. Medos estúpidos e inúteis.

O lorde negro parou defronte dele. A máscara de durasteel fitava-o.

Não disse nada e Becka também não inaugurou o colóquio. Vader que tomasse a iniciativa. Afinal, fora ele que requisitara a sua presença, fora ele que dera a ordem. Ele que falasse primeiro. O bandido tinha o seu orgulho, os seus truques, as pequenas dissimulações aprendidas duramente enquanto ascendia na organização que agora liderava. Não era nenhum amador, percebia o que estava a ser preparado ali. Se ele abrisse a boca era para se justificar de um erro que não era verdadeiramente um erro. Não se iria denunciar, tinha a sua defesa preparada mas apenas se fosse encurralado.

O tempo passava devagar na densidade do salão.

Becka, vacilante, inquieto, não quebrava o contacto visual com Vader.

Sentia as gotas de suor descer das têmporas para o queixo, arrastando-se na barba por escanhoar. Sentia os dedos dormentes a deixarem de sentir o tecido do colete que vestia. Sentia as pernas a perderem a força que o mantinha de pé. Sentia a cabeça a apertar-se com uma dor perfurante que lhe comprimia o crânio. E continuava sem quebrar o contacto visual com Darth Vader.

A porta por onde ele tinha entrado abriu-se, deslizando horizontalmente. A diferença de temperatura, aquele salão estava quente, os corredores estavam mais frios, arrefeceu-lhe as costas arrepiou-o.

Começava a irritar-se por estar a perder tempo.

O que lhe queria Vader que não lho revelava, categoricamente?

Não, ele não iria ceder à tentação de confessar um erro que não cometera.

Nem sequer de encetar uma conversa que perderia com argumentos frágeis.

Estivera demasiado ocupado. Era uma desculpa patética, sabia-o, mas iria justificar-se desse modo. Estivera ocupado, ele era um homem ocupado e não precisava de arranjar outras explicações.

Na realidade, nem se importara com os problemas de Vader e do Império. Tinha as suas próprias encrencas para resolver e se pudesse esquivar-se àquele negócio vergonhoso, fá-lo-ia. De facto, se pudesse escolhia nunca se ter encontrado com Vader em primeiro lugar e ter concordado com aquela contrapartida idiota em troca de um reles piloto rebelde.

Não aguentou a curiosidade e espreitou por cima do ombro. Dois oficiais chegavam. Pelas divisas ostentadas percebeu que era um almirante e um comandante de campo.

Arrastou os pés para se afastar ligeiramente. Era um intruso e cada vez mais aquela convocatória lhe parecia aberrante e despropositada – o que fazia ele ali numa aparente reunião do alto comando imperial?

Então, por fim, Vader reagiu e a sua voz grave troou no salão:

— Almirante Harish Muitel.

Apenas, sem acrescentar um cumprimento ou uma qualquer frase reveladora. Uma apresentação para que Becka soubesse quem era o seu prémio. Franziu uma sobrancelha. Cruzou os braços, passou o peso de uma perna para outra. Quedou-se a observar, desejou fundir-se nas sombras. Tinha um mau pressentimento…

O almirante empertigou-se, fez uma saudação militar. Havia uma centelha de irritação no seu olhar que disfarçava com a rigidez na expressão fechada e pálida. Não seria uma vítima branda. Introduziu o comandante de campo:

— Lorde Vader, em cumprimento das tuas ordens, trago perante a tua presença o comandante Vikasterr.

Vikasterr fez a mesma saudação militar, exagerando no gesto. Talvez quisesse afirmar a sua lealdade incondicional pois desconfiaria que estava a ser colocado à prova. Era isso o que acontecia ali. Estavam todos a ser colocados à prova. Becka, que conhecia a linguagem corporal dos homens e das criaturas menos racionais, percebeu que havia uma pressão invisível, orientada pelo senhor negro, sobre todos eles. E todos tentavam agradá-lo para conseguirem sair vivos daquele desafio, escolhendo na raia do desalento os piores argumentos para sustentar as suas respetivas posições.

Estranho e assustador…

— Lorde Vader, é um prazer estar na Executor— acrescentou Vikasterr untuoso. – Que nave formidável!

— Comandante Vikasterr, segundo me foi dado conhecer, abandonaste o posto avançado imperial situado em Dantooine, fugindo cobardemente de um grupo de guerrilheiros rebeldes mal armados que resolveste, de uma forma ingénua e incauta, acolher na base como se de simples viajantes se tratassem.

Vikasterr gaguejou ante aquela declaração:

— Senhor…

Vader prosseguiu:

— Essa falha é imperdoável, comandante Vikasterr, e será punida em conformidade. O castigo a aplicar deve constituir um exemplo da justiça implacável e rápida do Império Galáctico, para que outros não sejam tentados a seguir a mesma via vergonhosa que foi por ti escolhida. Estamos em guerra, comandante, e a nossa superioridade não se afirma com retiradas e derrotas evitáveis.

A declaração intensa atingiu Vikasterr que inspirou profundamente, agredido no seu orgulho. Crispou os punhos e colocou-os atrás das costas. Do sítio onde estava, Becka viu como os nós dos dedos do comandante embranqueceram com a força que empregava para fechar as mãos. Vader voltou a sua indignação para o outro oficial.

— Por que razão, almirante Muitel, este homem não foi imediatamente castigado?

— Senhor, as ordens eram para trazê-lo à tua presença… senhor.

— Mais uma vez, os teus métodos surpreendem-me, almirante Muitel.

Uma ligeira fenda abriu-se na postura irrepreensível de Muitel.

— Senhor, os meus métodos nunca foram questionados pelo Imperador Palpatine e é a ele a quem respondo, diretamente.

A respiração mecânica de Vader não alterou a sua cadência, porque era automática e o computador que a controlava não pressupunha esse tipo de oscilações, mas Becka percebeu que o senhor negro ficou furioso. Levantou um dedo enérgico e vociferou, atrás daquela máscara terrível:

— Almirante Muitel, recordo-te que eu sou o representante do Imperador Palpatine, em qualquer lugar desta galáxia e que quando te encontras na minha presença, é como se estivesses perante o Imperador. Não me agrada essa falta de consideração para com a autoridade máxima do Império!

— Estou a cumprir estritamente as ordens que me foram dadas! Pediste-me o comandante Vikasterr… Eis o comandante Vikasterr!

— Almirante Muitel, não estás a melhorar a tua posição ao persistir nessa afronta.

— Oh, lorde Vader! Deixemo-nos de rodeios. O que está em causa aqui é mais do que a minha missão ridícula de ir resgatar o comandante Vikasterr ao planeta miserável da Orla Exterior onde estava escondido. Por que não me informas das acusações que pendem sobre mim e me dás voz de prisão? Todos estes subterfúgios não condizem contigo, definitivamente.

Um homem corajoso, considerou Becka alarmado.

Darth Vader manteve o braço levantado. Distendeu os outros dedos, formando uma garra torcida. A luva rangeu quando ele os moveu lentamente, como se estivesse a apertar algo que eventualmente estivesse a segurar. Ao mesmo tempo, o almirante levou as mãos ao pescoço que esticou, dobrando a cabeça e projetando o queixo. A glote contorcia-se em espasmos, tentava aspirar o ar que não conseguia puxar para dentro para ventilar os pulmões. Estava a ser estrangulado por uma força invisível, a mesma pressão negra que oprimia aquele salão.

O comandante Vikasterr olhava em frente, para nenhures, para evitar contemplar aquele espetáculo degradante. Becka descruzou os braços e o instinto fê-lo dar um passo atrás. Franziu a fronte, estranhando as reações de Muitel, a imobilidade de Vader.

Era uma tortura lenta que o lorde negro aplicava no almirante. Com aquela mão enclavinhada no ar apertava à distância o pescoço do infeliz oficial que, de algum modo, se tinha atravessado no seu caminho e o desagradara. O mesmo almirante que lhe estava prometido para ser supliciado nas suas arenas, recordou Becka cada vez mais perplexo. Não se condoía de Muitel, nem de Vikasterr que suava em pânico por saber que a seguir teria a mesma sorte, pensava de uma forma prática e egoísta nele próprio.

Ele não tinha nada para oferecer a Darth Vader!

Muitel ficava gradualmente roxo, os olhos saltavam-lhe das órbitas. Arquejava em seco, privado do ar que ele procurava inspirar em desespero. Mas não implorava, nem se ajoelhava, nem gemia. Iria cair de pé, orgulhoso, fazendo jus à sua reputação militar.

Becka apertou os dentes. Talvez houvesse outra possibilidade… Se Muitel não lhe iria ser entregue a troco de nada, no fim de contas era evidente para Vader que o piloto rebelde não estava ali com eles a assistir àquela bárbara demonstração da justiça imperial, existia ali outro propósito. Talvez se safasse… Ou talvez recebesse, por último, a mesma sentença mortal.

Vikasterr fechou os olhos quando Muitel tombou, sem vida. A única reação que revelou todo o seu terror. Recompôs-se rapidamente. Apertou depois os lábios e manteve-se naquela posição ereta e ausente, com os olhos presos na parede oposta, para além de Vader. Encheu os pulmões de ar, reflexo derivado do seu sentido de autopreservação. Só que isso poderia prolongar-lhe a agonia.

— Jeiz Becka!

A interpelação causou uma descarga elétrica em todos os nervos de Becka. Tornou a assentar as mãos na cintura.

— Lorde Vader…

— Aguardo pela tua declaração.

— Não tenho nada para te contar…

— De certeza?

— Sim… Julguei que tínhamos combinado que seria eu a contactar-te assim que tivesse novidades sobre o teu piloto rebelde. Já que fui convocado até à Executor pensei…

— Não quero saber do que eventualmente possas ter pensado, Becka. Aguardo pela tua declaração – insistiu, sinistro.

— Não tenho o teu piloto.

A sinceridade daquela declaração fora insensata. Becka fez um esgar.

— O quê? – rugiu o lorde negro. – Julgas que a minha paciência é grande o suficiente para tolerar o teu desleixo e incompetência?!

— Evidentemente que não. – Olhou de soslaio para Muitel morto. – Acabei de o comprovar com aquilo que fizeste ao teu almirante. Espera… Não era este que me irias entregar em troca desse piloto rebelde? Parece que mais uma vez estás a alterar o nosso negócio…

— Posso alterá-lo sempre que considerar que isso serve os meus propósitos e os objetivos do Imperador. Não me provoques, não é sensato.

Becka levantou as mãos e abanou-as.

— Não questiono… os teus propósitos e os objetivos do Imperador.

— Já contrataste o Fett?

— Não… Escuta, lorde Vader, eu…

— Que caçador de recompensas contrataste, então?

— Não estou a pagar a nenhum caçador de recompensas para…

Agarrou-se ao pescoço. Uma mão invisível envolvia-o num aperto suave mas seguro. Uma ameaça. Vader tinha os braços em baixo, não exibia aquela garra mortífera com que atacara Muitel. Mas era ele, de certeza, que estava a tocar-lhe o pescoço com aqueles dedos invisíveis e quentes. Engasgou-se. Exclamou aflito, temendo perder aquele trunfo:

— Tenho informações!

— Que tipo de informações?

— Sei o nome do piloto rebelde. Outro… outro caçador de recompensas conseguiu encontrá-lo porque andava a perseguir um fugitivo, um contrabandista com uma dívida imensa ao maior bandido de Tatooine, Jabba o Hutt. Um corelliano que viaja sempre acompanhado por um wookie

Os dedos invisíveis estreitaram-se o suficiente para estimulá-lo e Becka continuou a falar, aos guinchos:

— Estavam em Ord Mantell. O teu piloto rebelde, o contrabandista e o wookie. Chama-se Luke Skywalker!

Os dedos desapareceram. Becka esfregou o pescoço, entre o alívio e o medo.

— Skywalker?

— Sim, lorde Vader. Skywalker… É assim que se chama o teu piloto rebelde. Com um nome será mais fácil marcá-lo como alvo. Existem demasiados pilotos rebeldes por aí…

— Mas nem todos fizeram o que ele fez. Nem todos são heróis declarados da Aliança.

— Sim, concordo… Nem todos são tão famosos.

Becka afirmou com a cabeça. Continuava a esfregar o pescoço, como se assim pudesse criar uma barreira contra o estrangulamento invisível de Vader.

Pausa. Uma pausa atroz, espessa, aflitiva. A morte morava nas sombras.

Bastava um gesto simples do lorde negro e tudo terminaria.

Dir-se-ia que Vader refletia sobre a revelação, se a considerava pertinente, válida, útil. A sua vida dependia da aquiescência de Vader, Becka irritava-se por se encontrar tão vulnerável e dependente. Em todos os aspetos, desde que o Império resolvera requisitar amavelmente os seus serviços, requisição que ele nunca pedira ou procurara. Que fossem todos amaldiçoados!

— O nome não é suficiente – declarou Vader, por fim.

Becka zangou-se.

— O que mais queres? Já tinha dito que não esperava ser convocado tão cedo para apresentar resultados dessa caça ao homem.

— Não testes a minha boa vontade.

— Não estou a testar nada! – exclamou o bandido imprudente, mas naquela fase começava a considerar que não havia nada que pudesse dizer ou fazer que contrariasse os planos do lorde negro, já definidos quando entrara naquele salão. Tal como acontecera com Muitel. O almirante não se desenganava quanto ao seu destino. Espreitou o cadáver rapidamente. – Estou a trabalhar… no nosso negócio. Consegui o nome do piloto rebelde, consegui saber que a sua companhia, o contrabandista corelliano com a cabeça também a prémio, é uma mais-valia para resolvermos este assunto mais rapidamente do que estava à espera. Capturar um rebelde não é assim tão aliciante… Mas capturar alguém que ofendeu o Jabba… Isso sim, vale a pena o risco.

— O tempo é um ativo de que não dispões em abundância, Becka.

— Eu sei, eu sei… Sou um homem de negócios, compreendo relativamente bem a importância do fator tempo em qualquer contrato. E o que ganho em troca desta informação, Vader? – pediu Becka com ousadia. – O que ganho por te ter revelado que o piloto se chama Luke Skywalker? – Apontou para o almirante tombado. – Mataste o meu futuro protagonista de uma sessão de divertimento nas minhas arenas.

— Um almirante imperial – escarneceu Vader – por um nome não satisfaz os meus requisitos de uma troca justa. Mas tens razão, nesta parceria não devemos ficar descontentes ou… cometeremos erros irrevogáveis. Entrego-te o comandante Vikasterr, faz dele o que quiseres. Se achares que não serve para as tuas arenas, utiliza-o como escravo, mata-o à chegada do teu quartel-general. Não me interessa o fim que irás dar a este miserável.

Becka olhou para o comandante que estava rígido como um androide desativado, de olhos fixos no tal ponto situado na fundura sombria do salão. Havia um horror latente que o envolvia, que lhe fazia os músculos tensos e trémulos, o rosto a afoguear-se ligeiramente com o sangue que disparava pelas suas veias. Havia também uma indignação tão palpável que se lhe dessem uma arma dispararia contra Vader. E então, nesse instante de cólera e desgoverno, Becka contemplaria o tal espetáculo lendário de Darth Vader a desviar tiros laser com apenas uma mão.

Com essa fantasia a distraí-lo do ambiente opressivo daquele salão, esboçou um sorriso torto.

O lorde negro não se despediu, como também não se fez anunciar com um cumprimento desnecessário. Saiu do salão nas suas passadas largas, a sua capa a ondular sobre os calcanhares, a sua respiração mecânica a pontuar cada passo. Entrou de seguida uma patrulha de stormtroopers orientada por um par de oficiais que escoltaram Vikasterr para os hangares, onde seria despachado como prisioneiro para a nave de Jeiz Becka. Tudo em silêncio, cortado apenas pelas ordens curtas dos oficiais. Estes não se dirigiram a Becka e ele não fez menção de querer entabular uma conversa com aquele par pedante. Considerava-se esclarecido e afortunado.

Sim, com muita sorte! No fim de todos aqueles acontecimentos que se derramaram como numa torrente em tão poucas horas, Becka suspirou com um travo de felicidade amarga na garganta. Não tinha saído vencedor, mas também não tinha perdido nada de irrecuperável. E ainda tinha tempo e toda a legitimidade para procurar por aquele piloto rebelde que se chamava Luke Skywalker, pois o acordo com Darth Vader mantinha-se.

***

Uma memória.

Um sabor doce nos lábios mortos.

O toque suave e molhado, um nome sussurrado, a felicidade e a harmonia, um coração cheio batendo, ardente e jovem. Um segredo murmurado, uma jura inquebrável.

Era o nome de uma rainha bela, a imagem de uma rainha bela. O beijo dessa rainha… A explosão de uma estrela enchendo tudo de luz. Ainda se conseguia recordar dela depois de todos aqueles anos, depois das camadas grossas que embrulhavam a fragilidade desse eu primitivo, anterior, débil e desprezível.

Padmé…

A raiva veio como onda gigantesca e varreu a memória.

Sepultou a doçura, todos os murmúrios e as promessas quebradas, encerrando os brilhos convocados. Os lábios continuavam mortos. Frios e estéreis como o espaço sideral que ele contemplava na imensa janela panorâmica da ponte da Executor.

Então, ela tinha-o enganado e o bebé tinha nascido.

Um rapaz. Luke Skywalker.

Filho de Anakin Skywalker e de Padmé Amidala, rainha e senadora de Naboo.

Memória esquecida, calcada numa comissura profunda, lacrada com um ódio sem retorno. Amor despedaçado e abjurado.

Iria guardar essa informação para si, o nome do piloto rebelde, não o daria de pronto ao Imperador, seu senhor e mestre, pensou Darth Vader. Considerava que demonstraria melhor a sua obediência se apresentasse Skywalker como a derradeira oferenda, uma forte testemunha da sua lealdade e comprometimento para com o Lado Sombrio da Força, um novo aprendiz a ser moldado na maldade, o herdeiro natural do império que ele ajudava a erguer. De resto, desconfiava de que Palpatine, com toda a sua omnividência, já deveria saber de parte da verdade.

Decidiu também que iria perseguir esse Skywalker implacavelmente.

Sem descanso, através de todas as estrelas, de todos os sistemas, luas, planetas, campos de asteroides, destruindo tudo o que se atravessasse no caminho da sua Esquadra da Morte.


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Notas finais do capítulo

Darth Vader na sua gloriosa personalidade de terrível lorde Sith!
Jeiz Becka já não estava tão soberbo no segundo encontro com Vader, já sabe com quem está a fazer "negócio" e se não o tivesse percebido, a demonstração de crueldade serviria para abrir-lhe os olhos.
De uma assentada só, Vader despachou dois adversários que o incomodavam, Muitel e Vikasterr. Entretanto, subjugou o criminoso Becka.
Depois de saber o nome do piloto rebelde... a luz insinuou-se dentro de Vader com uma memória...

Nesta história pretendi apresentar a transição de Vader de aquilo que vimos no episódio IV, alguém com poderes misteriosos que merecia o respeito da hierarquia militar do Império, para aquilo que ele demonstrou ser no episódio V, um senhor inatingível e cruel que infundia o mais absoluto terror. Espero estar a consegui-lo.

Próximo capítulo:
Uma tarde calma.