Um Horizonte Maior escrita por André Tornado


Capítulo 2
A festa para os heróis


Notas iniciais do capítulo

“Ela era ainda mais bonita do que na imagem, decidiu Luke enquanto a olhava desorientado.”
In A Guerra das Estrelas, LUCAS, George, Publicações Europa-América



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O ambiente que se vivia no profusamente iluminado Salão de Audiências do Templo de Massassi era elegante, ruidoso e contagiante. A animação perpassava cada canto e cada pessoa com uma ligeireza tal que nem parecia que a guerra ainda continuava. No dia épico desse futuro sonhado por todos, em que o Império Galáctico seria finalmente derrotado, a festa deveria ser inesquecível, quando, por comparação, após uma primeira, mas decisiva vitória da Aliança, se comemorava com aquela pujança. Por outro lado pretendia-se exatamente esse objetivo: varrer das mentes e dos corações dos presentes a opressão dos dias negros de luta e de sacrifício.

Muitos tinham perdido a vida, recentemente. Havia quem, nos seus trajos festivos, exibisse um símbolo do seu luto. Os caídos, desaparecidos prematuramente durante o assalto à Estrela da Morte, tinham sido apropriadamente lembrados numa cerimónia emotiva que tinha acontecido antes da entrega das medalhas aos heróis máximos do ataque, o piloto do caça X-Wing Luke Skywalker e o capitão da nave Millenium Falcon Han Solo, que se fizera acompanhar pelo seu copiloto, o wookie Chewbacca.

Também havia quem tivesse sobrevivido e na festa que se preparara, para celebrar a ascensão e o sucesso da Aliança, eram os que se mostravam mais ávidos dos festejos, congregando as atenções de toda a gente. Tudo se desenrolava naturalmente, sem fingimentos, artifícios, culpas ou remorsos. Eram tempos difíceis, tempos de guerra. Os dias existiam para serem vividos. Amanhã os mortos celebrados poderiam ser aqueles que agora se riam.

Tal como a princesa Leia Organa de Alderaan e ex-senadora do extinto Senado dissera no seu convite transmitido por Artoo, num tom agradavelmente político, naquela ocasião realçava-se o triunfo da Aliança sobre o Império. Podia parecer um motivo normal, mas também podia transfigurar-se em extraordinário, se medidas as circunstâncias instáveis que ainda se verificavam. Não havia que desdenhar daquelas pequenas oferendas que ainda eram possíveis naquele grupo que conhecia muitíssimo bem o preço de lutar pela liberdade face à opressão que espartilhava a galáxia.

Os enormes portões do Salão de Audiências estavam escancarados para possibilitar a circulação dos presentes, existindo ainda outras saídas por onde passavam correntes de ar que refrescavam o interior, impregnando a atmosfera de um agradável aroma a fresco proveniente da floresta. Havia balcões que dispensavam bebidas e até existia uma pequena banda a tocar, junto da qual se improvisara uma pista de dança já muito bem frequentada naquele início de festa. Os músicos foram encontrados entre o pessoal da base e os instrumentos pertenciam aos próprios. As melodias nunca se interrompiam e quando parecia que uma música iria terminar, logo outra se seguia. Escutavam-se palmas e assobios, a incitar os incansáveis instrumentistas.

As galerias de acesso pareciam mais escuras face ao brilho da iluminação do Salão, mais quentes devido à frescura que vinha das árvores que sussurravam com o vento, mais silenciosas por causa do som estrídulo do grupo musical. Luke vestia o casaco amarelo de piloto de caça rebelde, o mesmo que estava a usar naquele dia em que fora condecorado – trazia ainda a medalha ao pescoço, assim como Han Solo – mas depois de percorrer aquela galeria escura, calorenta e sossegada, ante a visão daquele caótico mar de gente que conversava, que se ria, que dançava e que bebia, só lhe apetecia despi-lo, devido ao calor que subitamente lhe subiu do peito para o rosto. Soprou ruidosamente o ar pela boca.

— Acalma-te, miúdo! Estamos aqui para nos divertirmos.

Luke olhou para Han irritado com a insinuação e disparou:

— Eu estou calmo!

O contrabandista percebeu que lhe tinha atingido um qualquer nervo sensível e usou de uma tática amigável para não parecer que insistia na provocação que, realmente, nunca existira.

— Nunca estiveste numa festa, hum?

Artoo piou atrás das pernas de Luke. Threepio também os acompanhava, mais discreto. Dir-se-ia que também estaria nervoso com a perspetiva de passar as próximas horas num lugar como aquele, apinhado de gente, confuso, barulhento e imprevisível. O androide protocolar não apreciava o caos, não condizia com a programação que lhe tinha sido incutida que primava pela educação, diplomacia e cortesia. O seu mundo eram as alas de um palácio ou de uma câmara de políticos, não um salão de gente alienada das preocupações mundanas.

Luke explicou, aborrecido:

— Quando o meu tio Owen me deixava, costumava ir a uma cantina da Estação Toschen, perto da cidade de Anchorhead, em Tatooine. Tinha os meus amigos... Biggs era um deles, antes de ter ido para a Academia Imperial. Não eram festas como esta, mas sempre era um convívio.

O piloto Biggs Darklighter tinha morrido no ataque à Estrela da Morte, quando o seu X-Wing foi atingido por um disparo laser de um caça TIE, no momento em que percorria a trincheira central que levava ao exaustor que deviam alcançar para estourar com a estação espacial. Fora o melhor amigo da infância de Luke Skywalker. Os dois rapazes, naturais de Tatooine, aprenderam a ser pilotos juntos e desafiavam-se mutuamente em corridas nas suas respetivas naves T-16, a caçar ratos womp no Desfiladeiro do Mendigo, em Jundland. Quando se formou na Academia, Biggs fizera uma última visita a Tatooine e contara a Luke os seus planos de desertar para a Aliança. Encontraram-se depois naquela lua de Yavin, voaram juntos uma última vez na Esquadra Vermelha. Um dos mortos que Luke lamentava naquele dia e, por isso, também usava uma faixa negra no braço direito a lembrar o amigo.

Han Solo estendeu um braço indicando a alegre confusão do Salão:

— A Estação Toschen deve ter sido bastante diferente disto. Aposto...

— Podes apostar que ganhas – remoeu Luke.

— Ei, miúdo... Não me leves a mal. Só quero que te descontraias esta noite e que aproveites o máximo que conseguires.

— Eu estou descontraído e estou calmo – insistiu o rapaz. Artoo fez soar um bipe-bipe de apoio. De facto, ele estava precisamente o contrário, tenso e nervoso, mas não era por causa do rebuliço que se lhes apresentava. Era porque iria encontrá-la e ansiava por esse momento... Não queria era que ninguém percebesse, mas o contrabandista era perspicaz e também começava a ser seu amigo, os amigos conseguiam sempre perceber aquelas pequenas alterações. Raios!

— Pago-te uma bebida. Vem!

— Aceito. Ainda não deves ter tido tempo de gastar todos os créditos que ganhaste como recompensa por teres resgatado a princesa.

Han Solo percebeu a tentativa de Luke de pagar com a mesma moeda a insinuação de que continuava a ter a alma simples de um rapaz de uma quinta de humidade de um planeta esquecido. Desenhou o seu habitual sorriso torto. Um tiro laser em resposta de outro tiro laser. O miúdo estava a aprender a não ser tão ingénuo.

— É uma pequena fortuna, admito. Mas como não sabemos o que nos reserva o futuro, o mais provável é sermos caçados sem piedade pelo Império que não esquece, nem perdoa, as afrontas feitas ao seu incontestado domínio e governo, não conto guardar esse dinheiro para uma ocasião mais apropriada. Não me importo de o gastar todo esta noite, nesta festa, em bebida. Para ti e para mim!

Chewbacca rosnou.

— Já sei, já sei... Não me esqueço que não devo exagerar. E também te pago uma bebida, Chewie!

— Julgava que o tinhas devolvido...

O contrabandista riu-se com os olhos brilhantes e adiantou-se ligeiramente, chamando por Luke com uma mão. Não confirmou, nem desmentiu o boato que ele escutara de que Han Solo recusara a recompensa, que tão veementemente exigira quando estavam em apuros correndo pelos corredores da Estrela da Morte, pelo incómodo de estarem a salvar a princesa Leia Organa de Alderaan, o dinheiro que tão egoisticamente açambarcara assim que a largara em Yavin com o alto comando rebelde que preparava em desespero o assalto a essa estação espacial que vinha para obliterá-los. Pelos vistos não admitiria o gesto tão estranho à sua fama pessoal. Luke sorriu, caminhando pelo Salão com as mãos nas costas, atrás do contrabandista.

E ele também tinha escutado que as bebidas da festa eram oferecidas...

Alcançou um dos balcões onde se enxameava um grupo entusiasmado de festeiros. Quando chegou, uma clareira abriu-se e desatou a distribuir apertos de mão, sorrisos, agradecimentos. Todos quiseram cumprimentá-lo e felicitá-lo, alegrar-se com a sua presença ali, como se fosse uma espécie de convidado de honra indispensável para o sucesso da celebração. Não reconheceu ninguém, gesticulava automaticamente, enquanto, pelo canto do olho, procurava por Han Solo. Já se tinha embrenhado no grupo que se fechara sobre o balcão, conseguiu encontrar o corelliano por causa de Chewbacca que se erguia acima do mar de cabeças.

— Vem cá, miúdo!

Artoo empurrava-lhe as pernas e ele forçou-se a avançar por entre as pessoas que se comprimiam sobre o balcão. Pelos vistos festejar causava uma sede imensa que exigia estar permanentemente satisfeita. Ou seria a música destrambelhada que provocava aquelas atitudes menos racionais.

Os braços de Han Solo surgiram entre a pequena multidão e ele agarrou num dos copos foscos meio cheio de um líquido transparente. Cheirou-o e o odor forte fê-lo afastar o rosto e torcer o nariz.

— O que é isto?

— Uma bebida apropriada para a ocasião. Rum corelliano. Bebe! Vai fazer-te bem!

— Vai acalmar-me? – brincou Luke.

— Vai fazer-te andar entre as estrelas.

— Preferia cerveja jawa. Era o que eu bebia, na Estação Toschen.

— Tatooine está muito longe. – Han chocou o seu copo com o de Luke e disse: – Ao nosso sucesso e ao sucesso da Aliança.

— À vida!

Chewie, com o seu copo, também os acompanhou no brinde com um breve rugido. Os copos foram até à boca. Assim que bebeu um trago, Luke desatou a tossir. Han deu-lhe uma palmada nas costas, Chewie inclinou a cabeçorra para a esquerda, Artoo piou e Threepio lançou um dos seus habituais “Oh, céus!” que soou incrivelmente débil no meio daquela algazarra.

— Forte, hum? – troçou o contrabandista.

Luke abanou a cabeça para tentar retomar a respiração, enquanto sentia o esófago a arder por causa da passagem da bebida que assentava no estômago como um tiro laser disparado a curta distância para o interior de uma caixa.

— Não têm... cerveja jawa?

— Devem ter, mas não te metas nisso. És um herói! Os heróis bebem como homens! – E para ilustrar as suas palavras, emborcou o copo. Sacudiu a cabeça, soltou um prolongado Ah! para aliviar o ardor que lhe invadiu o aparelho digestivo. Luke reparou que Han tinha ficado com os olhos vermelhos.

— Capitão Solo, o volume de álcool do rum corelliano é de quarenta e dois porcento, o que significa que um copo dessa bebida é potencialmente indutora de um estado leve de embriaguez – avisou Threepio solícito.

— Muito obrigado, lata dourada. Mas não preciso dos teus números numa noite como esta.

Luke sorriu e fez outra tentativa. Bebeu um segundo trago e voltou a arrepender-se. Não tinha graça nenhuma ser um herói se seria para beber coisas daquelas que lhe davam mais aflição, do que prazer. E para mais, ele ainda não era um homem ou o seu amigo Han não o via como tal, ao tratá-lo constantemente por miúdo.

Já tinham conquistado o seu espaço naquele balcão. Por deferência ou simplesmente porque estavam ali e ocupavam o lugar com a sua presença física, eram um grupo considerável de dois humanos, um wookie e dois androides, os que se aproximavam para pedir uma bebida, que se iam logo embora com os respetivos copos ou que se deixavam ficar para conversar com alguém conhecido em quem tinham tropeçado, concediam-lhes aquele espaço. Era uma festa ordeira, entre camaradas e companheiros, sem sinal de animosidades ou rivalidades que poderiam descambar em violência, brigas entre adversários com egos demasiado inflacionados. Isso acontecia amiúde na Estação Toschen, lembrou-se Luke. Era um dos motivos porque o seu tio Owen não gostava de o deixar ir até lá, apesar de os seus protestos de que iria encontrar-se com os seus amigos.

Luke deixou-se ficar por ali ao lado de Han Solo que pedia um segundo copo e cerceava as tentativas de aviso de Threepio com um ameaçador dedo espetado. Só atendia, pelos vistos, às chamadas de atenção de Chewie que lhe rosnava. Ato contínuo, o contrabandista replicava que tudo estava sob controlo. Passou os olhos pelo Salão que nem parecia o mesmo sítio solene onde tinha recebido a medalha pendurada ao seu pescoço e que acariciava distraído com os dedos. Nesse então, os rebeldes postavam-se ordeiramente, em fileiras, nas alas do Salão. No palco ao fundo, iluminado pelo sol quente do sistema de Yavin, estava a princesa que os esperava para agraciá-los, na companhia do alto comando da Aliança presidido, militarmente, pelo general Jan Dodonna.

Durante aquela festa, os rebeldes tinham desistido das fileiras ordeiras, circulavam pelo lugar descontraídos, misturados em grupos heterogéneos, pilotos com técnicos de manutenção, pessoal auxiliar com artilheiros, políticos com soldados, casais dançando e sorrindo, androides convivendo com humanos e criaturas, como se os seus circuitos artificiais pudessem entender a excitação do momento.

À medida que a bebida ia sendo distribuída e consumida, as gargalhadas soavam mais altas e as vozes esforçavam-se para se fazer soar acima das demais. Luke espreitou o seu copo. Ainda tinha bastante rum para beber. Ao levantar os olhos descobriu um quarteto de mulheres que o vigiavam e logo que sentiram que a vigia era recíproca, uma delas, a morena de cabelo cortado rente, num estilo masculino, segredou à segunda morena que sorriu de uma forma enviesada, o rosto afogueado devido, seguramente, ao excesso de álcool ingerido, encostada à terceira morena que apenas analisava tudo como se lhe tivesse sido exigido que fizesse um relatório no final da noite. Fixou-se, no entanto, naquela que era a mais franzina do grupo, com cabelos castanhos ondulados e que usava um gancho brilhante a prender-lhe os caracóis por cima da orelha direita. Já a tinha visto antes, a correr pelos corredores do templo, a transportar placas com mensagens holográficas de um lado para o outro. Trabalhava diretamente com o comandante Hudsol, viera a saber. Como se chamava, não fazia a mais pequena ideia. Nem saberia designar o nome de qualquer uma das três morenas.

— Estarão interessadas no Han... ou em mim? – indagou curioso.

Artoo respondeu-lhe com um conjunto de apitos.

— Estão interessadas em si, menino Luke – confirmou Threepio.

— Em mim? Tens a certeza? Qual delas?

Uma novidade. Cabia sempre ao contrabandista o protagonismo junto do público feminino e ele experimentara essa ofuscação naquela base, por um par de ocasiões. Não que ele se importasse... Não estava interessado em ter uma namorada naquela fase complicada da sua vida.

— Todas elas, de acordo com o Artoo.

— Como sabes isso?!

A pergunta foi dirigida ao androide mais pequeno, mas foi Threepio que o voltou a esclarecer, pois conseguia decifrar a linguagem sonora do seu companheiro metálico na perfeição.

— O Artoo tem estado a contabilizar o tempo que têm levado a olhar nesta direção e que tem sido bastante insistente. De acordo com os seus cálculos que definiram o vetor da observação, apurando o ponto de partida e o ponto de chegada, este último é, definitivamente e sem sombra de dúvida, o menino Luke. Com um acerto de cerca de noventa e seis porcento.

— Ah... Estranho... Eu conheço-as? Não me estou a lembrar...

— Julgo que nunca foram apropriadamente apresentados. Mas podia encarregar-me perfeitamente da formalização das introduções sociais. Se me der licença, menino Luke, irei até ao lugar onde estão as quatro senhoras...

— Não, Threepio! Deixa-te estar quieto!

Voltou a cabeça para o lado oposto, roído pela sua habitual timidez. Ainda não tinha bebido o bastante de rum corelliano para ser descarado o suficiente para tentar imitar os trejeitos de conquistador romântico do contrabandista, que conversava alegremente com um dos técnicos encarregado da afinação dos motores dos caças X-Wing. Discutiam velocidade de naves espaciais e falavam em parsecs.

Voltou a cabeça e os olhos prenderam-se no palco onde ele tinha recebido a sua medalha naquele dia. Antes iluminado pelo sol quente, agora a luz intensa provinha dos holofotes que tinham sido transferidos momentaneamente, para proporcionar iluminação à festa, do hangar principal. E sobre toda aquele brilho havia alguém que cintilava como uma magnífica estrela.

Sentiu-se a corar ao encontrá-la com um olhar repentino. Num reflexo bebeu todo o seu rum corelliano. Começou a tossir. Recebeu uma palmada nas costas. Han perguntou-lhe:

— Queres outro copo para desimpedir a garganta?

— Sim, por favor – aceitou com a voz rouca. Estendeu o copo vazio e recebeu outro cheio que levou aos lábios dormentes. Chewie mirava-o curioso, farejando o ar para analisar se também ele já tinha bebido que chegasse.

Ela usava o mesmo vestido branco da cerimónia das medalhas, com uma capa elegante que pendia dos seus ombros pequenos e redondos. No colo rebrilhava o colar simples prateado, que fazia conjunto com o cinto que apertava a longa túnica alva. O cabelo estava arranjado de molde a que uma longa trança lhe descesse pelas costas. Via-lhe o perfil aristocrático, a beleza fresca, o sorriso luminoso. Conversava com o general Dodonna, ao lado do general Willard e do comandante Hudsol, que a escutava com atenção e que, de vez em quando, assentia positivamente, com uma gravidade que destoava do entusiasmo dela e da postura descontraída do general.

Han encostou-se ao balcão, pousou os cotovelos no tampo, alargando o espaço que ocupava ali. Ninguém protestou. A medalha do contrabandista lançou uma centelha de luz quando se moveu com o seu dono.

— Olha, Sua Alteza já se dignou a aparecer na sua própria festa! – exclamou zombeteiro.

O técnico já se tinha ido embora e o contrabandista também reparava nos ocupantes do palco elevado.

— Esta festa não é da Leia – explicou Luke incomodado e bebeu mais um trago de rum. Sentia que iria explodir a qualquer momento. Cheio de calor, o estômago em chamas, o coração descontrolado.

— Pelo convite que nos enviou, pareceu-me o contrário. É uma pena que esteja de costas para cá ou já lhe teria acenado para vir beber um copo connosco. Mesmo sendo da realeza aposto que ela já bebeu muito rum corelliano. Não me parece uma mulher de beber apenas licor e sumos naturais de fruta...

A observação fez Luke sorrir.

— Tens razão! Não a consigo imaginar a beber sumo...

— Seria uma excelente companhia na Estação Toschen, no meio do fumo de qualquer cantina de Tatooine.

— A jogar uma partida de sabacc...

— Podes crer, miúdo! Gosto que as princesas sejam assim.

Eu também gosto, pensou Luke e ainda abriu a boca para verbalizar esse pensamento mas refreou-se ao notar que o amigo tinha encostado outra vez o copo ao dele, o tilintar do vidro, o oscilar da bebida transparente.

— Às mulheres que gostam de beber rum corelliano! – propôs Han, como brinde.

— Às mulheres...

Luke bebeu um grande trago que lhe deixou a boca causticada, cerrou os olhos franzindo a cara. Han acabou com mais um copo, pousando-o ruidosamente no balcão. Chewie rugiu. Lembrou-se do quarteto de mulheres que o observavam. Estariam a ver o que ele fazia, as caretas, os copos emborcados, a triste figura... Também teria brindado a elas? Provavelmente, sim, mas só tinha a princesa no pensamento.

Sentiu uma mão a apertar-lhe o ombro e abriu os olhos assustado, pensando que seria alguma delas mais ousada que tivesse resolvido aproximar-se e aproveitar a presença do androide protocolar para a formalização das introduções sociais. Mas seria assim tão complicado apresentar-se a alguém? Bastava sorrir e dizer, olá, chamo-me Luke Skywalker...

— E estou aqui para salvar-te – murmurou lembrando-se que fora com esses modos que se apresentara à princesa. Ela era prisioneira, ele estava a usar o uniforme branco de plastoid de um stormtrooper. Os dois de branco, embora ela fosse o anjo que continuava a ser e ele estava disfarçado de demónio.

Lembrou-se que alguém o interpelava e corou envergonhado por parecer um bêbado a falar sozinho. Não estava ainda suficientemente embriagado. Zonzo, com a cabeça pesada e a extremidade dos dedos insensíveis. Mas embriagado, não. Aclarou a garganta e encarou quem ainda lhe segurava o ombro.

Suspirou aliviado. Não era nenhuma das quatro observadoras.

— Ei, Luke! Não tive a oportunidade... de te agradecer por me teres salvado a vida, durante o ataque à Estrela da Morte.

Conseguiu sorrir a seguir ao suspiro.

— Wedge. – Luke encolheu os ombros. – Tudo bem, amigo. Não estava à espera que me agradecesses. Estávamos lá a proteger as asas um do outro. E tu salvaste-me primeiro.

— Sim, é verdade...

Wedge Antilles era do sistema Corellia, como Han Solo, e servira na Marinha Imperial como piloto de caças TIE. Antes da Batalha de Yavin e já sob as ordens da Aliança participara em ataques rebeldes menores, ao estilo de guerrilha, pelo que se poderia considerá-lo como um piloto experimentado. De resto, era ligeiramente mais velho do que ele, sabia Luke. Por ser paciente, conciso e sincero, tinham colocado os dois no simulador para que Wedge conduzisse um breve treino de pilotagem ao jovem Skywalker, recentemente recrutado como piloto rebelde, poucas horas antes de saírem para o espaço para a missão contra a estação espacial do Império. A primeira simulação fora um desastre, mas na segunda tentativa Luke conseguira superar Wedge, o que muito admirou o veterano.

Continuava a admirar, pois o piloto corelliano ergueu o seu copo, Luke fez o mesmo, estariam os dois a beber o mesmo rum, fazia sentido que assim fosse dadas as origens de Wedge, e este disse:

— És um piloto fantástico, Skywalker.

— Obrigado, Antilles. Aprendi tudo o que sei com o melhor piloto da Aliança!

Brindaram, Luke bebeu outro trago de rum com Wedge que apontou para a medalha quando afastou o seu copo da boca, espetando o dedo indicador da mesma mão.

— Conquistaste essa medalha com todo o mérito e estamos todos muito agradecidos. Se não fosse por causa de ti e do capitão Solo, neste momento estaríamos todos feitos em cinzas a flutuar no espaço e a Aliança teria sido desfeita. O Império Galáctico continuaria a espalhar o terror pela galáxia e acredito que se passariam ainda muitos anos até que alguém tomasse novamente coragem para lutar contra a tirania. Esta festa é para vocês, sabem disso...

— Oh sim... Sabemos. Mas como te disse, se tu não tivesses vindo em meu auxílio e se não tivesses destruído aquele caça TIE, eu não teria tido a oportunidade de utilizar os meus torpedos de protões contra a Estrela da Morte. Esta medalha pertence-me, mas também pertence a todos os outros que me ajudaram a chegar até aqui.

— Gostaria de pilotar mais vezes ao teu lado, Luke.

— Eu também, Wedge.

— Temos de desempatar isto... Saber quem, efetivamente, é o melhor piloto da Aliança!

— Acredito que não vão faltar oportunidades.

Wedge olhou para o fundo do seu copo quase vazio, tornou-se melancólico.

— Infelizmente, é verdade... A Batalha de Yavin apenas abriu as hostilidades. Iremos combater mais vezes aos comandos dos nossos caças contra o Império.

Para desanuviar a melancolia que se apossara subitamente do companheiro, sombreando-lhe a expressão habitualmente fechada, Luke perguntou-lhe:

— Qual preferes? Um X-Wing ou um TIE?

Conseguiu fazer com que Wedge esboçasse um sorriso, um trejeito cansado que lhe entortou os lábios, mas que podia ser considerado um sorriso. Um lampejo súbito iluminou-lhe os olhos escuros.

— Um caça TIE é algo muito especial. Uma grande máquina! Sentes-te invencível aos comandos de um TIE. Altamente manobrável, muito estável, elevada precisão de tiro... Quando ganharmos esta guerra, quero voltar a pilotar um TIE.

— Deixaste-me curioso.

— Voaremos juntos em dois caças TIE. Fica combinado, Skywalker?

— Combinado, Antilles! – reagiu Luke, entusiasmado.

— Um X-Wing também é uma excelente nave de ataque. Consegue enfrentar perfeitamente um TIE em combate aéreo individual, mas o piloto precisa de saber uns truques para flanquear as habilidades do TIE. Nada impossível de aprender e de dominar.

— Vais ensinar-me esses truques?

— Acho que não precisas, Luke... Adaptaste-te muito bem ao teu X-Wing e creio que descobriste por ti os segredos desse caça com uma personalidade muito própria. Mas não me importo nada de trocar contigo os meus segredos sobre pilotagem de um X-Wing, pois tu também tens coisas para me ensinar.

Wedge despediu-se e dirigiu-se para um grupo ruidoso que estava a fazer uma espécie de tentativa de ensaiar uma canção triunfal sobre os últimos feitos rebeldes. Luke mexeu na sua medalha, a sonhar com o dia em que voltaria a entrar na cabina do seu X-Wing, com Artoo a orientar-lhe a navegação, a postos para qualquer reparação ou relatório sobre os motores.

A conversa com Wedge distraíra-o momentaneamente do palco e quando olhou outra vez para lá descobriu que a princesa já não estava com o general Dodonna, com o general Willard e com o comandante Hudsol. A sua imensa simpatia, o seu esplêndido sorriso e o seu incomensurável brilho iam todos para o contrabandista que se lhe tinha juntado no palco e que lhe falava sorridente, fazendo-a rir-se alto, tornando-a ainda mais bonita. Uma ponta de ciúme entristeceu Luke. Han e Leia conseguiam entender-se maravilhosamente bem apesar de todas as diferenças que os separavam e da animosidade inicial que se estabelecera quando se conheceram. Com relutância até conseguia admitir que os dois formavam um casal interessante, pois as personalidades fortes que se destacavam, quer de um, quer do outro, que faziam faísca numa aproximação mais estreita, até pareciam combinar-se.

Deixou o segundo copo vazio no balcão, limpou os lábios molhados de rum com a língua e decidiu que estava na altura de arejar a cabeça. Os androides não o seguiram.


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Notas finais do capítulo

Luke Skywalker está definitivamente longe de Tatooine...

Imaginei que depois da cerimónia das medalhas pudesse existir uma festa, em que o pessoal rebelde se pudesse divertir. Uma celebração sem regras antes do regresso à guerra, pois o Império Galáctico ainda não foi derrotado. Luke quer divertir-se também, mas tem a cabeça muito cheia de pensamentos.

Próximo capítulo:
A noite das estrelas.