Um Horizonte Maior escrita por André Tornado


Capítulo 19
Perseguição implacável


Notas iniciais do capítulo

“Escuridão, escuridão total. Enfim, não valia sequer a pena pensar nisso. Pelo menos de momento. Se ao menos não fosse tão frustrante encontrar-se naquela situação!”
In O Regresso de Jedi, KAHN, James, Publicações Europa-América



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O planeta era uma enorme sucateira sem fim. Um depósito lúgubre de metal retorcido e enferrujado disposto em enormes pilhas que formavam torres, autênticas cidades de ruínas obtidas de naves, máquinas, androides, pedaços descartados do que outrora tivera um objetivo firme, que tinham servido uma qualquer causa ou alguém, que tinham brilhado em mil e um artifícios.

Luke de mãos na cintura e cotovelos espetados observava aquele cenário desencorajador ao lado de Artoo que rolava suavemente, para trás e para diante, piando num registo baixo. Se fosse possível, o mau pressentimento que o assaltava desde que se deparara com o sinal de alarme oriundo da Millenium Falcon tinha sido transmitido ao androide que o seguia, parecendo que hesitava em avançar. Ele sacudiu a cabeça num aceno.

— Sim, Artoo. Gosto menos disto agora que aqui cheguei…

Tinha despido o fato de voo laranja que era obrigatório usar sempre que pilotava o seu X-Wing, para ligá-lo ao caça e permitir a monitorização de todas as manobras executadas, dos seus sinais vitais, mantendo-o num contacto permanente com o centro operacional, quer esse lugar estivesse a vigiar os treinos ou uma batalha aérea. Fizera bem em usar uma roupagem menos vistosa e reveladora da sua eventual identidade. Tinham de se manter discretos enquanto estivessem em Ord Mantell e esperava que fosse como Han tinha afirmado, que era só chegar, encontrar o tal conhecido, o “qualquer-coisa” Zinthar, receber algumas peças para uma reparação atabalhoada do hiperpropulsor do cargueiro corelliano e sair dali sem deixar uma impressão ou rasto.

Só que pensar nessa sequência agoniava-o. Era mais simples imaginá-la do que colocá-la em prática. Respondeu a um apito tímido do androide:

— Também acho, Artoo. Este lugar não é amigável …

Postavam-se numa pequena elevação coberta de limalhas, um terreno irregular que se precipitava numa ladeira até um mar de destroços que cintilavam por causa da luz solar que incidia sobre a superfície maioritariamente prateada. Pelo menos havia uma fonte de iluminação, algum calor. Arrastou a bota à procura de terra. O solo do planeta fora integralmente engolido pelo lixo metálico que se via por todo o lado, até perder de vista. Não conseguiu escavar o suficiente para saber de que cor era o terreno. Até podia ser azul, terra estranhamente azul. Nunca iria desvendar esse mistério.

Tinha decidido não dizer nada a Han que descobrira a ligação de Ord Mantell à organização criminosa de Jeiz Becka, que muito provavelmente seria um lugar bem mais perigoso do que antecipava. Os avisos físicos lançados pelos arrepios faziam-no estremecer, todas aquelas sensações quentes e elétricas que lhe beliscavam a pele, o seu mau pressentimento. Apertou os punhos. Estava armado com uma pistola laser modelo DL-44 e com o seu sabre de luz. Tinha como se defender.

Divisou, mais abaixo, junto ao mar de destroços, a cabeça peluda de Chewbacca e depois a mão enluvada de Han Solo a acenar-lhe.

— Vamos, Artoo.

Luke desceu a ladeira para se juntar ao amigo e ao wookie com o astromec no seu encalço. Fê-lo rapidamente, em passo de corrida para não deixar Han desacompanhado, para que também ele não se sentisse tão sozinho. Enquanto caminhava olhou algumas vezes por cima do ombro para se certificar de que não vinha ninguém atrás de dele.

O X-Wing estava pousado numa plataforma secundária de um espaçoporto abandonado. Combinara com Han chegarem a Ord Mantell separados e só depois se juntariam, quando fossem encontrar-se com o tal “qualquer-coisa” Zinthar. Analisaram as possibilidades de aterragem e escolheram um espaçoporto que serviria para a chegada menos dissimulada da Falcon e a chegada mais discreta do caça rebelde. Luke não pretendia, e dissera-o a Han, envolver a Aliança numa eventual confusão. O contrabandista, estranhamente, não protestou e aconselhou-o em relação ao local de pouso. A Falcon usou o mesmo espaçoporto, mas numa área mais afastada e que ainda estava um uso.

Encontravam-se agora, junto aos destroços.

— Onde está o tal… tipo? – Luke evitou usar a palavra amigo. Não se via no mesmo patamar do que esse estranho que os iria ajudar. – Ele mora no meio deste lixo?

Olhou à volta e descobriu um caminho que cortava a paisagem irregular e metálica daquele oceano artificial, iluminado com algumas lâmpadas como que a dar a indicação de que era uma estrada segura que conduziria a uma espécie de civilidade. A disposição do cenário era caricata.

Como seria de esperar, pois não havia outra opção aparente, Han apontou para o caminho aceso.

— Mais um pouco e encontramos a casa dele.

— Existe uma casa no meio disto?

— Existem várias casas, miúdo. Deste lado do planeta acho que até existe uma cidade… Bem, mais uma aldeia gigante, composta por vários aglomerados de habitações construídas a partir do lixo que por aqui abunda.

Começaram a andar. Na sua retaguarda, Chewbacca, armado com a sua besta laser artesanal vigiava os arredores e Artoo também se armara, discretamente, com os seus radares.

— Existia aqui algum estaleiro? – perguntou Luke, mais para fazer conversa e quebrar o silêncio denso que os rodeava do que por verdadeiro interesse pelo sítio. Na verdade não tinha qualquer vontade de regressar ali, pelo que não se tornava necessário saber se haveria qualquer ponto de interesse que motivaria esse regresso. – Para existir tanto lixo, tanto que até dê para construir uma cidade.

— Não. Ord Mantell foi a base da organização criminosa “Sol Negro” durante a guerra dos clones.

Foi… a base?

— Sim, miúdo. Essa organização agora mal existe… Perderam muitos líderes com o aparecimento do Império. Acho que foram todos para oficiais ao serviço de Darth Vader. – Riu-se da piada, mas logo ficou sério para continuar com a explicação: – O “Sol Negro” negociava principalmente com sucata e foi acumulando metal que ninguém queria até formar este enorme depósito que cobre a superfície do planeta. Ganhavam dinheiro ao ficar com os desperdícios dos outros. Criaram outro problema pois o que recebiam ultrapassou muito as suas expetativas e o fluxo parecia imparável, impossível de conter e deter. Mas nunca deixaram de receber esse lixo. Faziam bom dinheiro…

— Em vez de terem ido para oficiais de Darth Vader devem ter fugido deste lugar horrível para gastar os lucros que conseguiram em algum sistema que seja mais agradável do que este depósito de metal. Devem estar a viver à grande, pouco se importando com a catástrofe que deixaram para trás.

— Muito provável, miúdo. Mas não te preocupes demasiado com Ord Mantell. Ninguém se preocupa!

Após uma curva, o caminho afundou-se. Ou melhor, as paredes de destroços elevaram-se consideravelmente e tornaram-se tão altas que engoliram a claridade. As sombras súbitas explicaram a iluminação que Luke achou muito bem-vinda ou teriam dificuldade em ver por onde andavam.

De seguida, a galeria abriu-se para uma paisagem surreal. O mar de destroços derramava-se por um declive a simular uma cascata metálica que se precipitava para um vale atapetado com o mesmo metal onde se erguia um conjunto de habitações que simulavam um vilarejo de casas dispersas, aparentemente sem uma ligação estreita entre si pelo que não se podia considerar que aquela seria a tal aldeia mencionada por Han. No lado esquerdo, o mesmo lixo formava um terraço que era o prolongamento, em forma de largo pátio, de outro conjunto de casas encavalitadas, umas sobre as outras, caixas com janelas e portas para as quais se acedia através de uma escadaria torta e um elevador ferrugento. Uma melodia desafinada e abafada sublinhava o casario inusitado.

— É aqui que mora o “qualquer-coisa” Zinthar?

Han olhou para Luke com uma expressão cómica.

— Sim, é aqui. Deixa estar que eu encontro-o.

Chewbacca rosnou, assinalando a aproximação de um androide que os interpelou com a sua linguagem binária composta principalmente por rangidos e por estalidos, uma espécie de rodas dentadas enferrujadas que se roçavam entre si num movimento inútil para ativar o sistema desgastado que lhe permitia comunicar através da língua-padrão da galáxia. O androide era uma semi esfera escura munida de antenas e de outros apêndices que simulavam braços e que girava de forma ameaçadora junto às botas deles, das patas do wookie e dos rolamentos de Artoo.

— Pelos vistos, ele é que nos encontrou… – resmungou Luke com a mão crispada sobre a sua pistola laser, pronto para sacá-la do coldre. – O que quer esse androide, Artoo?

O astromec respondeu com uma série de pios.

— Oh…

— Diz-me miúdo.

— É o mordomo do teu amigo.

— Contacto, ele é um contacto. O Zinthar não é meu amigo…

— Isso é reconfortante.

Han revirou os olhos. Agitou a mão direita em direção ao Artoo.

— Esse daí que nos leve ao Zinthar e rápido. Não estamos aqui para ver as vistas e temos pressa. – Voltou-se para o seu copiloto e sussurrou-lhe: – Olhos abertos, Chewie. Esta receção… não estava prevista. E foi estranha. Julgava que seria o próprio Zinthar a vir ter connosco.

O sussurro foi escutado por Luke. Ficou imediatamente tenso. Olhou em volta, mas tudo permanecia numa modorra fria e inquieta, como se entre os limites sombrios existissem olhos que os vigiavam. Não era só metal, havia qualquer coisa perigosa naquele lugar, insidiosa e viva, indícios de que não eram bem-vindos. Concordou com a disposição enérgica e nervosa de Han. Também ele se queria despachar e sair dali.

Artoo seguiu o outro androide que deslizava, rangendo e estalando num convite falado que significaria muito provavelmente que fizessem o que estavam a fazer, que fossem atrás dele, que ele os levaria ao sítio onde estava o “qualquer-coisa” Zinthar. Percorreu um curto trajeto e voltou abruptamente à esquerda, rodeou a torre torta de casas e deteve-se diante de uma porta blindada marcada pela ferrugem. A música anteriormente escutada provinha daí. Seria um local de reunião, de jogo, um antro de gente mal-afamada, antigos membros do Sol Negro, os esquecidos que tinham ficado para trás a vigiar as pilhas de sucata. Luke agarrou novamente no punho da sua pistola laser. Sentiu uma onda quente apertá-lo como um agasalho. Estava a senti-los lá dentro… Respirou fundo.

A porta blindada recolheu-se verticalmente, o androide mordomo entrou, rangendo e estalando o mesmo convite falado. Deveriam continuar a segui-lo e eles fizeram-no. Entraram naquela sala fumarenta e pestilenta. Avançaram apenas dois passos depois de cruzarem o limiar da porta que se fechou de seguida, cortando a luminosidade do exterior e o ar fresco.

— Olhos abertos, miúdo – aconselhou Han.

Luke acenou com a cabeça.

Havia mesas redondas espalhadas pelo recinto, demasiadas para a sua dimensão pelo que as cadeiras colavam os seus espaldares e os seus ocupantes andavam constantemente a empurrar-se uns aos outros, entre grunhidos e roncos. No lado esquerdo havia um balcão que aviava bebidas que dois androides e uma criatura anã serviam em bandejas encardidas, num vai e vem constante e apressado, porque os clientes eram exigentes, ruidosos, estúpidos. Havia jogos, conspirações, bebedeiras, discussões, gargalhadas. A música provinha de uma máquina sonora embutida na parede, no fim do balcão, melodias escolhidas aleatoriamente a partir de uma coleção antiquada, provavelmente dos tempos gloriosos do Sol Negro, gravações de alguma banda que ali conhecera o êxito. Um ambiente mais pesado do que aquele que Luke conhecera na cantina de Mos Eisley.

— Vamos escolher uma mesa – disse Han e fez um sinal com os dedos. Chewie rosnou baixinho, colocou a sua besta laser a tiracolo.

— E o “qualquer-coisa” Zinthar? – perguntou Luke impaciente.

— O androide deve ter ido buscá-lo. Foi por ali.

Havia uma passagem escura entre a máquina musical e o balcão, um corredor que conduziria aos fundos daquele recinto, quartos mais resguardados para encontros de negócios sensíveis.

Deve ter ido buscá-lo?

Eles estavam ali numa situação também sensível, o mais lógico seria terem ido com o androide mordomo, em vez de aguardarem, como alvos fáceis de atingir, pela chegada do “qualquer-coisa” Zinthar.

Luke sentou-se contrariado, respirando de forma pesada a indicar o seu descontentamento. Tossiu devido ao fumo que impregnava o ambiente. A cortina fumarenta era de tal forma intensa que parecia que se via tudo através de um filtro amarelado. Artoo encostou-se à sua cadeira e soltou um pio discreto. Estavam entalados entre uma parede e outras mesas, mas ao menos o lugar que ele tinha escolhido para si era de certa forma espaçoso, pelos padrões da sala, porque possibilitou que o astromec tivesse estacionado próximo.

— Pensava que não te querias demorar.

— E não me vou demorar! – informou Han estalando os dedos para pedir bebidas. Nenhum dos dois androides, ou mesmo a criatura anã, deram mostras de ter percebido o seu gesto. O contrabandista forçou a sua cadeira para empurrar aquela que se colava à dele e assim estender as pernas. Não se escutou nenhum protesto. Esticou o pescoço para ver se conseguia chamar a atenção de algum dos empregados, aproveitando também para espreitar a passagem escura.

Um par de mãos peludas, de um tipo diferente do peludo do Chewbacca, grossos cabelos negros e encaracolados que deixavam entrever uma pele avermelhada, pousou quatro copos na mesa.

— Presumo que o vosso androide não beba.

O personagem desalojou um alienígena esguio de uma cadeira próxima com um pontapé e sentou-se. Mais uma vez, sem um protesto. Seria norma ali lutar-se por espaço e por assento. Era alguém humanoide, de uma coloração encarnada, com o rosto coberto por uma massa de pelos, uma barba selvagem mal aparada a crescer em poros esquisitos, iguais aos pelos das mãos e dos pulsos, olhos vidrados de um tom claro entre o verde e o amarelo. Corpulento, vestia roupa que se esticava penosamente sobre o corpo, como se não lhe pertencesse, coberto por um casaco que pendia como tiras debaixo das axilas por ser demasiado pequeno. Respirava profundamente, exalando um hálito quente. Era grande e ameaçador.

— É um prazer voltar a ver-te, Zinthar. Onde está a minha encomenda? – começou Han puxando um copo para si. Soava amigável, mas uma tremura indelével na voz entremostrava um certo nervosismo.

Luke também puxou um copo e cheirou o seu conteúdo. Escondeu uma careta fingindo que começava a beber aquele líquido pestilento e espesso, que devia ser uma espécie de aguardente destilada ilegalmente. Molhou ligeiramente os lábios e o amargor foi tão grande que sentiu um vómito na garganta.

— Onde está o meu pagamento?

Han fez um sinal com a cabeça e o wookie retirou alguns créditos da sacola que levava consigo. Zinthar nem olhou para os pequenos retângulos esmaecidos, dinheiro antigo mas ainda em circulação, com o cunho do Império. Bebeu um trago do seu copo e Luke pensou em como conseguia a criatura imensa beber aquela beberagem que mais parecia um veneno. Pensou também nas razões puramente práticas que levavam Han a ter aquele dinheiro consigo, uma poupança estranha para momentos ainda menos previsíveis, nalgum esconderijo guardado pelo wookie.

Estalou uma luta no canto oposto. Havia murros e apêndices voadores entre vozearia e gritos. Luke crispou a testa. Começou a sentir uma perturbação, um sinal de perigo muito ténue. Não era o seu pressentimento inicial, era alguma coisa mais palpável, real e concreta. Zinthar retirou de debaixo da mesa uma caixa de dimensões médias que pousou com alarido sobre a mesa, erguendo uma nuvem de pó. Não estaria ali antes, se tinha as mãozorras ocupadas com os copos então deveria tê-la empurrado pelo soalho empoeirado do salão. Na caixa estariam placas e peças diversas, o que implicava um remendo mais extenso na Falcon do que aquele que acontecera para abandonarem o planeta não cartografado onde conheceram o Dak Ralter. No entanto, não se devia deixar enganar pela aparência robusta da caixa, seria mais um remendo e Luke esperava que servisse de maneira a que o cargueiro conseguisse chegar ao ponto de encontro, estourado, avariado, exaurido mas que chegasse. O mais provável era que fosse o que precisavam no imediato, seguramente não aquilo que a Falcon precisaria que clamava por reparações profundas e talvez uma remodelação total em partes da sua fuselagem e maquinaria, as opções não abundavam. Bastava assegurar uma viagem e depois logo se veria…

Han analisou a caixa descuidadamente, nem sequer a abriu para verificar o seu conteúdo. Ainda não tinha bebido nada da aguardente, embora tivesse fingido que o fizera, assim como Luke. Chewie limitava-se a regougar e a observá-los, sem qualquer interesse no seu copo. Artoo mantinha-se parado, num modo que lhe permitia poupar energia.

— Hum... Conseguiste resolver-me o problema.

— Não sei se isso só chega, por aquilo que me transmitiste, mas não tenho mais nada. E tu estás um forreta… Com o que me estás a pagar, não te arranjava mais do que o que está aí dentro. Créditos imperiais? Gosto mais de outro tipo de créditos, nestes dias…

— Chega perfeitamente.

Luke apertou os lábios para não fazer a pergunta sacramental – o que tinha a caixa e como Han tinha a certeza de que era o que tinha encomendado? Como podia Han confiar tão cegamente naquela criatura?

— Pois sim… De quem andas a fugir desta vez, Solo?

— De ninguém, Zinthar – esclareceu Han um pouco indignado. – Estava a fazer uma viagem e apareceu-me uma avaria. Como sempre, o compressor da Falcon gosta de me meter em enrascadas quando é mais inoportuno.

— Uma viagem tem sempre um ponto de partida e um ponto de chegada.

Han riu-se com uma gargalhada.

— Não te vou revelar os meus negócios, Zinthar.

— Nem precisas. Parece que Jabba, o Hutt, anda desesperado à tua procura e se ele quer capturar-te é porque tens andado desaparecido. Nestes tempos quem anda desaparecido está com os rebeldes.

A segunda gargalhada foi mais forçada. O contrabandista apontou um dedo a si próprio.

— Eu? Com os rebeldes? Não luto por causas perdidas.

— Pois sim – repetiu Zinthar e girou os olhos aguados para Luke. – E tu? Onde encontraste este falhado?

— Em Tatooine – respondeu Luke. Correspondia à verdade pelo que não lhe foi difícil responder.

Zinthar riu-se para dentro e acabou com a sua aguardente emborcando o copo. Arrotou, levantou-se num impulso e empurrou a mesa com o seu corpanzil, espalmando Luke contra a parede. Este arquejou, Artoo rodou a sua cúpula apitando indignado, mas Luke deu-lhe um pontapé para que não emitisse outro protesto. Apoiou as mãos no tampo da mesa e, por sua vez, empurrou-a para afrouxar o aperto, sem desfitar Zinthar que o olhava intensamente. Encontrou a massa da criatura que impediu-o de se libertar na totalidade daquela posição.

— Sabes disparar essa pistola laser?

Essa resposta não era tão fácil de dar e Luke não disse nada, fitando Zinthar desconcertado. A criatura, no entanto, percebeu o que desejava perceber e disse, antes de se ir embora:

— Ainda bem.

Han puxou a mesa para si e ajudou a desentalar Luke, que se agitou indignado e largou uma exclamação:

— Que tipo mais antipático!

— Chewie, guarda a caixa e vamos embora daqui.

— Não vais abri-la? – explodiu Luke em surdina, inclinando-se sobre a mesa para que ouvidos indiscretos não o escutassem. A dúvida que o queimava como brasa soltou-se em forma de torrente de palavras: – Como é que tens a certeza de que não foste enganado e que o que está aí dentro vai reparar a tua nave? Não confio nesse “qualquer-coisa” Zinthar!

— Calma, miúdo… Já te explico.

— Não quero explicações!

— Aqui, não. Vamos.

Han levantou-se.

— Mãos para cima, Solo!

Luke olhou para o amigo que estava estático, como uma estátua viva que apenas tinha a faculdade de mexer os olhos. Chewbacca também se levantou com um pulo, mas Han dobrou um cotovelo, fazendo-lhe um ténue sinal que não se movesse. Luke olhou para todos os lados, indeciso sobre o que estava a presenciar.

Um homem maltrapilho, mas cujo torso estava coberto por uma magnífica couraça prateada e baça com desenhos gravados no metal, que usava um cinto igualmente vistoso e calçava botas de cano alto muito bem engraxadas, interpelava o corelliano falando-lhe próximo do ouvido direito, tão encostado que só podia significar que existia uma arma laser entre eles. Luke estranhou:

— O que está a acontecer?... Isto é normal?

— Não, miúdo…

— O quê?

Não conseguia decidir-se a levantar-se, como Han e Chewie. Raciocinava depressa sobre a situação, desenhando cenários que lhes pudessem ser mais favoráveis, mantendo aquela posição mais baixa. Talvez acabasse por ser uma vantagem, refletiu. Talvez pudesse livrar Han daquela ameaça se disparasse de um ângulo estranho, escondendo a sua pistola laser sob o tampo da mesa. Artoo piou agitado e ele mandou-o calar-se. Com dedos lentos começou por destravar a pistola. Depois, na mesma lentidão, retirava-a do coldre.

Han afirmou, irritado:

— Um caçador de recompensas…

O homem corrigiu, agastado:

— Sou amigo do Greedo.

O corelliano levantou devagar os braços para cima, a indicar que se rendia e que não iria usar a sua pistola laser que entretanto o outro lhe confiscava.

— Greedo? O Greedo não tinha amigos! – refutou.

— Não conhecias assim tão bem o Greedo.

— Quanto é que o Jabba te pagou pela minha cabeça? Posso pagar-te mais…

— Não vais conseguir corromper-me, Solo.

— A sério que não? Estou carregado de créditos.

— Créditos antigos do Império. Eu vi o que pagaste ao Zinthar.

— Outros créditos, tenho-os guardado num sítio especial.

Luke via que não podia disparar contra o caçador de recompensas. Não conseguia fazer uma mira decente e corria o risco de atingir o amigo que involuntariamente servia de escudo. Queria salvá-lo, não desejava feri-lo durante o salvamento. Han era necessário para reparar a Falcon e em última análise conduzi-la até ao ponto de encontro com a frota da Aliança. Olhou em redor rapidamente. O salão continuava com os seus assuntos como de costume, a cena dramática em que ele, Han, Chewie, Artoo e o caçador de recompensas participavam não implicara uma mudança no ambiente, nem indignação, nem fugas para o exterior, nem apoios. A luta do canto oposto também prosseguia e se eles não se tinham importado com aquela altercação, também ninguém se iria importar com eles. Estavam por sua conta, o que era outra vantagem.

Entretanto, Han tentava empatar o caçador de recompensas com conversa.

— Não sabes quanto poderás ganhar comigo.

— Sei muito bem o que irei ganhar contigo, Solo! O prémio da recompensa pela tua captura.

— Não acredito que seja tão valioso para o Jabba.

— Estás outra vez enganado…

— Como sabias que eu estava aqui? Ninguém vem para Ord Mantell nestes dias…

— O teu amigo bateu com a língua nos dentes.

— O Zinthar? Não é meu amigo.

— Talvez se fosse não estarias nesta posição, não é, Solo?

— Não estou surpreendido. Vá lá, aceita, ao menos, conversar comigo sobre os meus créditos guardados num sítio especial.

— Acho que já conversámos demasiado.

Um tiro laser rebentou com a máquina musical que se apagou entre faíscas e um estouro. Seguiram-se gritos, tombos, indignação, um tumulto. Muitos se levantaram dos seus lugares e empunharam as suas armas laser, apontando-as para o lado oposto da máquina musical, sítio lógico de onde teria partido o tiro que a destruíra. A confusão ajudou Han a livrar-se do caçador de recompensas, acertando-lhe uma cotovelada nas costelas. De seguida mergulhou junto às patas de Chewbacca que se agachava. Fora dele o tiro que rebentara com a máquina musical, fizera-o a pedido de Luke com a sua potente besta laser artesanal.

Por sua vez, Luke lançou o braço e antes que o caçador de recompensas fugisse do seu alcance, pois tropeçara numa criatura histérica que estava nas suas costas, retirou-lhe a pistola laser DL-44 que pertencia ao amigo. De seguida virou a mesa para que o tampo os protegesse dos disparos que começavam a encher o salão e nem todos eram dirigidos a alguém ou alguma coisa em particular. Disparava-se simplesmente para responder a uma ameaça que existia ali dentro, sem um alvo definido, sem um objetivo. Causava-se danos por causar.

Han arrastou-se para atrás da mesa. Artoo apitava inquieto, agitando-se elétrico, pois a mesa não o protegia na totalidade, a sua cúpula giratória ficava de fora. Luke entregou a pistola ao amigo que a empunhou, carregou no gatilho despejando uma chuva de raios para dissuadir aqueles que disparavam naquela direção.

Um tiro laser despedaçou um dos lados da mesa, lançando farpas metálicas.

— Isto não vai aguentar muito tempo! – exclamou o corelliano. Chewbacca rosnou alto. – Eu sei, companheiro! E esta mesa não chega para proteger o Chewie!

— Nem para proteger o Artoo. Temos de sair daqui – respondeu Luke usando a sua pistola, espreitando por cima do tampo para disparar. Sentou-se e apontou para diante. – A saída fica daquele lado!

Um tropel de gente, de criaturas e de androides tinha tido a mesma ideia e procurava escapar-se do salão. Acumularam-se diante da porta que parecia estar ainda fechada e que impedia o escoamento daquela massa heterogénea de corpos. Os da frente batiam na parede e berravam, exigindo a abertura da porta.

— Será melhor aproveitar a barafunda.

— Sim, boa ideia! – concordou Han e deu um empurrão no wookie que grunhiu em protesto, mas não rejeitou a indicação. Agitando uma mão, o corelliano indicou: – Agarra na caixa… Qual caixa? Bola de pelo estúpida, a caixa com as peças que viemos buscar a este buraco ou não voamos longe com a Falcon!

Encolhido para se escapar do fogo cruzado, o wookie esticou um dos seus braços enormes e conseguiu recuperar a caixa que estava perdida entre cadeiras e mesas reviradas, patas e botas. De seguida foi atrás de Han que se dirigiu à saída. Luke empurrou Artoo e misturaram-se com o grupo assustado que se acumulava junto à porta, batendo, esmurrando, berrando, uivando, numa amálgama de raiva e de medo. Entretanto, a porta deslizava vagarosamente para cima, desvelando uma faixa ténue de luz. Sem conseguirem aguentar que se abrisse totalmente, alguns forçaram o painel o que não beneficiou em nada, pelo contrário, avariaram o mecanismo de abertura e a porta enferrujada deteve-se sensivelmente a meio do caixilho.

Os primeiros começaram a sair o que aliviou a pressão sobre a turba que se acumulava desordenada junto à única saída do salão. A confusão começou a diluir-se à medida que mais gente se escapava para o exterior. Os tiros continuavam a encher o recinto de chispas e de perigo, estralejando ao atingir as paredes, a mobília, o balcão, alguém ou alguma coisa.

Han foi derrubado por um murro nas costas. O caçador de recompensas tinha-o alcançado. Puxava-o, cravando a mão esquerda no colete escuro. Luke viu-o e atirou-se a ele, afastando-o com o peso do seu corpo. O caçador de recompensas, aturdido, caiu de bruços, arquejou com a boca cheia do pó que cobria o soalho. Luke bateu-lhe na cabeça, fazendo com que a testa encontrasse a dureza desse soalho sujo. O homem gemeu inconsciente. Han levantava-se e cruzava o umbral da porta avariada com Chewbacca na liderança. Provavelmente não se tinha apercebido de quem o tinha atacado e de quem o tinha salvado. Artoo rolou apressado atrás do corelliano e Luke levantou-se para correr também com os amigos.

Quando deu por si já subia o caminho estreito rasgado entre a sucata. Os pulmões ardiam-lhe com falta de ar, mas a adrenalina impedia-o de abrandar. Havia que fugir para longe daquele antro o mais rapidamente possível, iludir o caçador de recompensas.

Nisto, uma explosão desfez uma das margens de lixo, espalhando detritos por todo o lado. Pedaços afiados como punhais cravaram-se no solo num chocalhar assustador. Han protegeu a cabeça com os braços e travou, Chewbacca rosnou irritado e surpreendido. Luke deteve-se e espalmou-se contra a margem oposta. Um dos pedaços voadores rasgou-lhe o casaco, penetrou os tecidos até ao braço esquerdo causando um ferimento fino e doloroso. Ele levou a mão ao rasgão e pressionou, cerrando os dentes. Artoo apitou preocupado.

Han correu no sentido contrário.

— Vai para a tua nave – gritou-lhe. Apontou a pistola laser ao caminho e disparou vários raios numa barragem de fogo dissuasora. A seguir deu um pontapé na sucata que se desmoronou ruidosamente, formando uma barreira que lhe serviria de proteção contra o inimigo que os perseguia.

— É ele, não é? O tal caçador de recompensas?

O corelliano não respondeu. Um segundo disparo explodiu e criou nova nuvem de destroços afiados. A arma que causava aqueles estragos era potente, uma espingarda laser de calibre superior. Desfazia qualquer coisa que atingia.

— E tu? – insistiu Luke.

— Não te preocupes! Vou conseguir safar-me. Tenho o Chewie comigo… Além disso não sou assim tão fácil de apanhar.  

— Tens a certeza?

— Ei, quando é que foi que te desiludi, miúdo?

Luke guardou a sua pistola laser, não totalmente convencido mas só iriam perder tempo se ele insistisse naquela discussão. Não lhe agradava deixar Han sozinho, não o iria convencer, o dilema era esse. De qualquer modo estavam em naves separadas, a fuga seria sempre separada. Olhou para a mão, notou a mancha de sangue. Tinha de tratar aquele ferimento.

Estava ali a mais, Han já se concentrava no próximo confronto. Chewie disparava a sua besta laser artesanal. Eles safavam-se bem os dois, concordou Luke.

Fez sinal a Artoo, desatou a fugir e depressa se afastou do tiroteio que criava uma chuva de fagulhas sempre que os tiros atingiam o metal da lixeira. Chegou à plataforma secundária onde estava o seu X-Wing, sem marca que indicava que tivesse sido descoberto ou sabotado por alguém maldoso, que ali havia gente capaz dessas vilanias. Fez uma ligadura improvisada para estancar o sangramento do braço, vestiu o fato de voo rapidamente, o astromec ocupou o seu lugar no caça. Ele galgou as escadas metálicas, arrumou-as, sentou-se na carlinga, ligou os diversos painéis.

Ficou a pairar próximo da órbita de Ord Mantell e só abandonou aquele sistema quando se assegurou de que a Millenium Falcon estava também a voar, comunicação restabelecida com Han e Chewbacca e a certeza de que estavam bem, a avaria resolvida e prontos para resumir a viagem a uma estável e desejada velocidade da luz.

O destino do caçador de recompensas não foi discutido, mas Luke desconfiava de que Han tinha matado a criatura.


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Notas finais do capítulo

Numa cena de O Império Contra-Ataca, Han Solo fala sobre um encontro com um caçador de recompensas em Ord Mantell - e a partir dessa frase, que o contrabandista diz à princesa Leia, construí este capítulo.
Não é fácil ser-se um homen procurado, os perigos espreitam em qualquer esquina, mas o Han é alguém previdente e cheio de recursos.
Vale-lhe também ter Luke Skywalker por perto e a companhia do inseparável Chewbacca,
Mas esta pequena aventura vai ser útil para outros que procuram um certo piloto rebelde...

Próximo capítulo:
Identidade revelada.