Sombra de Lobo escrita por Sarah


Capítulo 7
Capítulo 07




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Eles caçaram um Cabeiri que assombrava uma adega, em seguida uma Danava que tinha arrastado três crianças para um lago, e, então, um grupo de Bies que se transformara em mulheres nuas, bonitas além de qualquer coisa que os dois já tivessem vistos, para então retornarem a uma forma semi-humana, com chifres, pernas longas e deformadas e uma face alongada.

Os dois fizeram uma pausa depois disso, em um hotel um pouco melhor do que eles normalmente costumavam ficar. O lugar tinha uma piscina, e estava calor o suficiente. Eles nadaram, comeram num restaurante agradável que servia torta de carne e sorvete de morangos silvestres, e deitaram-se juntos no final da tarde.

Foi uma boa rotina durante três dias, até que Sirius atendeu uma ligação de Moody, perguntando se eles cuidariam de um caso onde três famílias tinham morrido de forma suspeita, ou se ele precisaria se deslocar através de três condados até a cidade em que aquelas pessoas estavam morrendo. 

A primeira família fora morta pela mãe, o marido e as duas filhas envenenados, e em seguida ela também se matara. O padrão tinha se repetido: nas duas outras famílias os pais haviam matado suas esposas e filhos — o primeiro através de asfixia, o segundo com tiros de escopeta —, e se suicidaram depois. Os três trabalhavam numa editora especializada em livros de terror. A polícia estava trabalhando com a hipótese de que os três envolvidos faziam parte de um culto, mas alguém tinha alertado sobre a possibilidade de haver algo na distribuição de água do prédio que causava distúrbios mentais.

— Deve ser um demônio. Possessão — Remus sugeriu após ler os jornais locais, quando os dois já estavam realocados num motel barato na cidade onde as mortes aconteceram. — Alguém realmente querendo causar mal, ou algum idiota, deve ter mandado um livro onde um demônio estava preso para a editora, e eles acabaram liberando a coisa.

O quarto apertado e meio poeirento, com as paredes pintadas de um tom laranja desgastado, parecia mais o ambiente natural deles do que o hotel anterior. Parecia como estar em casa, e Sirius se sentiu um pouco medíocre pelo pensamento.

Demônios não eram exatamente fáceis de caçar, mas eram comuns. Tanto Remus quanto Sirius já tinham enfrentado sua cota deles, e símbolos de proteção, água benta e sal geralmente funcionavam bem.

O plano que eles traçaram não era muito elaborado, consistia apenas entrar no prédio da editora furtivamente durante a madrugada e procurar por traços do demônio: cheiro de enxofre, pequenos bichos mortos, uma população muito grande de aranhas. Se tivessem sorte, talvez pudessem encontrar o livro ao qual o demônio estava ligado e destruir o objeto, o que seria infinitamente mais fácil do que enfrentar a própria criatura.

A editora ficava num bairro retirado, uma linha de árvores cobrindo a calçada a sua frente. Eles tinham a prática de uma vida inteira e foi fácil invadir o local. A suspeita sobre algo ruim na água havia trabalhado a favor deles: o lugar estava deserto, nem mesmo um vigia. Dentro do prédio era escuro e silencioso.

Sirius inspirou profundamente, mas não pegou nenhum cheiro no ar, nada de ferro ou ovo podre.

— Sente alguma coisa? — Não fora preciso muito tempo para que ele percebesse que Remus tinha um nariz melhor que o seu. Ele inalou, balançando a cabeça em seguida.

— Tudo limpo.

Era possível que aquilo fosse um bom sinal — ao menos para eles. Talvez o demônio não estivesse ali, restando somente encontrar o livro.

Seguiram por um corredor repleto de quadros com de capas de livros — Drácula, O Retrato de Dorian Gray, It —, até que ele se ramificou em dois. Não havia sinais de vida em nenhum dos lados, e eles acabaram seguindo pela direita. Com a arma apontada à frente, Sirius abriu a primeira porta, encontrando um escritório vazio. Havia duas mesas empurradas contra as paredes, alguns armários de arquivos, duas prateleiras de livros. Remus inspecionou o lugar com a lanterna, mas não havia nenhuma vibração estranha no ar, nem nenhuma aranha ou inseto morto.

A porta ao lado revelou a mesma coisa, e a outra, e outra, e a outra. A última porta era um armário de despejo e não um escritório, mas estava tão escassa de demônios quanto o resto. Quando o corredor se dividiu novamente, Remus suspirou.

—Eu vou pela esquerda dessa vez. Você segue por aqui — Ele remexeu na bolsa onde carregava os vidros de água benta e demais instrumentos, tirando um sinalizador de ruído de lá de dentro. — Se encontrar algo, solte isso antes de fazer qualquer coisa.

Sirius sabia que ele tinha outro sinalizador igual na bolsa. Assentiu, apetando o braço de Remus de forma confortadora antes de começar a se afastar.

Ele levou cerca de meia hora andando ao redor, inspecionando cada escritório a procura de alguma coisa que indicasse atividade sobrenatural, às vezes parando e folheando os livros que estavam sobre as mesas, mas não parecia existir nada a ser encontrado.

Estava começando a considerar que as teorias dos jornais podiam estar certas e que deviam comprar água engarrafada no caminho de volta para o hotel, quando um estrondo o sobressaltou, gelando o sangue nas suas veias.

Não foi o ruído do sinalizador, mas o barulho inconfundível de um armário de arquivos sendo lançado contra uma parede. Um som desagradável, como de garras arranhando o chão, ecoou pelo prédio vazio no momento em que Sirius começou a correr. Outro móvel pareceu ter sido jogado longe, e só então o sinalizador sonoro soou.

Sirius amaldiçoou o emaranhado de corredores. Ele deu em lugar nenhum duas vezes, a bolha de desespero em seu estômago ameaçando sufocá-lo, mas, então, girou uma esquina e havia algo no chão daquele corredor. Foi necessário todo seu autocontrole para que ele diminuísse o passo e se aproximasse com cautela.

Dessa vez havia um odor no ar, porém era de carne podre, e não de enxofre. Ele esperou sangue, mas a coisa viscosa no chão era negra demais, mesmo no escuro. Um punhado de pele estava amontoada no canto. Pela forma dos membros espalhados e pelas madeixas de cabelo, era possível discernir aquilo como vagamente humano.

Oh, eles tinham sido tão estúpidos! A coisa que estavam caçando não era um demônio, mas sim um metamorfo. Se separarem havia sido a coisa mais idiota que poderiam ter feito. Sirius sentiu como se seus pulmões fossem pequenos demais para sorver ar.

Ele precisava encontrar Remus. Abriu a porta mais próxima com um baque, dando de cara com um aposento consideravelmente maior do que o resto. Era óbvio que uma luta tinha acontecido ali. O arquivo que ele ouvira ser lançado longe estava chão, milhares de folhas de papel tinham se espalhado pela sala. Uma mesa de mogno, que não devia pesar menos do que quatrocentos quilos, estava virada e tinha sido arrastada por alguns metros.

Na frente dela, havia um corpo no chão. Remus.

Não existia dúvida quanto a isso. Sirius podia reconhecer a suave curva dos seus ombros e a forma do seu nariz. Ele estava de barriga para cima, e a camiseta com os dizeres extraídos do Senhor dos Anéis estava manchada de sangue. Uma poça de sangue também se espalhava por baixo da sua cabeça.

Em vez de se aproximar, Sirius percebeu que estava recuando. Ele queria vomitar, queria voltar atrás, sair daquele lugar e voltar até seu quarto de motel barato, deitar com Remus na cama e fazer amor com ele... O rosto de Remus estava virado para ele, a boca aberta como se estivesse tentando gritar no momento em que fora morto.

Sirius achou que ia começar a chorar, mas então uma voz soou através do escritório.

— Sirius?

Remus estava de pé, três metros a sua frente, o corpo morto entre eles.

Cada músculo do seu corpo ficou tenso, mas ao menos o choque limpou um pouco sua mente. Sirius trincou os dentes. Ele era um caçador, ele tinha sido um caçador durante toda a vida, e antes disso tinha visto coisas ainda piores dentro de casa. Desde quando caçara com James, desde que se unira a Remus, a possibilidade de perdê-los sempre fora real. Fazer o seu trabalho era mais importante, ele enlouqueceria depois. A arma estava firme em seu punho e ele a ergueu até a altura do coração de Remus.

Diante do seu movimento, o Remus que estava de pé, vivo, ergueu as mãos. Ele olhou para Sirius, e então para o corpo, parecendo chocado e enojado também.

— Era um metamorfo, não um demônio. Eu o matei, Sirius.

O problema era que Sirius não podia saber de verdade quem tinha matado quem. A mira da sua arma não cedeu. Daquele ângulo um pouco da luz que vinha da rua batia no corpo no chão, e Sirius podia ver a cicatriz que subia pelo pescoço de Remus até a sua bochecha, destacada como marfim.

— Eu não tenho como saber se é você. — A afirmação soou como lamento, e Sirius se sentiu estúpido. Era como se ele tivesse pedindo ajuda a Remus, quando Remus podia ser o monstro.

Ao assumir uma forma, as únicas fraquezas do metamorfo eram as da criatura em que se transformara. Se ele tinha a forma humana, uma bala poderia matá-lo, mas sal e água benta não fariam nada contra ele — não o delatariam. Ele também assumia as lembranças e as principais características da personalidade da pessoa em que se transformara.

Sirius ouvira falar de caçadores que tinham tido pessoas próximas mortas por metaformos e conviveram com a criatura por meses achando que ela era de fato a pessoa em quem tinha se transformado. Também escutara histórias de gente que havia enlouquecido depois de um encontro com esse tipo de ser, sem nunca conseguir saber realmente se quem estava ao seu lado era mesmo quem deveria ser ou uma cópia.

Céus, Sirius estava fadado a esse destino...

Remus deu um passo atrás, sentando-se na barra de madeira que ligava os dois pés da mesa virada, como se não pudesse mais suportar seu próprio peso. Um pouco de sangue sujara seu sapato e ele sacudiu o pé em um gesto desesperado, raspando-o no carpete para limpar o líquido vermelho o melhor que podia. Por fim, Remus segurou a cabeça nas mãos com uma expressão de dor.

Ele lançou a Sirius um olhar selvagem, meio desvairado. Seus olhos estavam vermelhos. Se estivesse menos desesperado, Sirius perceberia que sentira medo dele naquele instante — não apenas pela possibilidade de ele não ser ele, mas pela própria essência de Remus.

— Posso provar que sou eu.

— Como? — Sirius disse numa voz que pretendia ser desafiante, mas que soou meio morta.

— Sua faca de prata. — Sirius arqueou uma sobrancelha. — Me dê sua faca de prata, Black. Eu sei que você sempre carrega ela junto do corpo.

— Prata não vai fazer nada contra um metamorfo — Sirius falou, desconfiado. Uma parte desvairada da sua mente teve certeza de que aquele não era Remus, mas uma criatura das trevas que queria ludibriá-lo para conseguir uma arma. Uma parte mais racional considerou que uma faca pequena contra uma arma ainda era uma boa probabilidade.

— Mas vai fazer mal contra mim, Sirius — Remus disse, soando terrivelmente cansado. Suas pupilas pareciam maiores e mais escuras do que o normal.

Sirius curvou-se, tirando a faca da bainha onde ela ficava presa em sua canela direita. O movimento foi muito rápido. Segurou a lâmina a frente do corpo, sem oferecê-la.

— Explique.

Remus suspirou como se ele fosse um tolo.

— Todas as vezes em que eu passei a noite fora, Sirius, em todas elas, era lua cheia. — Ele falou, obviamente dolorido, olhando para o cadáver no chão com raiva. Sirius piscou duas vezes, trabalhando com aquela informação. Ele não se lembrava da lua em todas as ocasiões que Remus saíra, mas se lembrava de algumas, e, de fato, era sempre lua cheia. — Eu não tenho nenhuma peça de prata. Também não tenho um símbolo de proteção tatuado porque isso me machucaria, Sirius. É o tipo de coisa pensada para afastar criaturas como eu.

Remus esfregou as mãos sobre os olhos com violência ao mesmo tempo em que Sirius abaixou-se, pousando a faca de prata no chão e dando impulso, fazendo-a escorregar até Remus. Ao se aprumar, Sirius voltou a segurar a arma com firmeza, posicionando o dedo no gatilho, embora não tivesse certeza se poderia atirar mesmo que tudo aquilo fosse uma emboscada.

— Você é um lobisomem. — Ele poupou Remus da dor de dizê-lo.

Remus sorriu com todos os dentes diante da afirmação. Era um pouco uma provocação amarga, uma vingança por toda aquela dor — você demorou todo esse tempo para perceber, seu idiota estúpido. Remus pegou a faca.

Apenas segurá-la provocou uma careta de dor, mas Remus não se limitou a isso; isso não seria suficiente. Ele estendeu a mão esquerda e arrastou a lâmina pela palma. O sangue fluiu, primeiro apenas pingando, mas então chiando, borbulhando, fazendo um barulho de silvo como se estivesse fervendo. Remus deixou escapar um uivo de agonia, largando a faca no chão. No momento seguinte Sirius estava a sua frente, passando por cima do cadáver sem se importar com ele.

A dor fez Lupin ajoelhar no chão, e Sirius o acompanhou, abraçando-o. Ele pegou a mão cortada de Remus na sua e a aninhou junto ao peito. A outra mão de Remus estava contra sua cintura. Sirius beijou-o na bochecha, na boca, sobre a fronte; beijos leves, onde quer que pudesse alcançar.

— Eu sinto muito, sinto muito, sinto muito — disse, o desespero que estivera contendo escapando pelas bordas. — Não vamos mais nos separar, nunca devíamos ter feito isso.

Remus não pareceu realmente ouvi-lo. Em vez disso, o outro o encarou como se fosse ele quem devesse as desculpas, ainda com um pouco de raiva, ainda na defensiva, porém mais surpreso do que qualquer outra coisa.

— Você não está com raiva de mim? Eu sou um monstro... Eu... — A voz de Remus morreu na garganta.

Sirius apoiou a mão livre em sua nuca e o guiou até que a fronte de Remus descansasse sobre seu pescoço.

— Você não é um monstro, e eu não estou com raiva.

Finalmente, Remus começou a chorar.

.

.

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Remus parecia prestes a desmaiar a qualquer instante quando voltaram ao hotel. Sirius não se sentia muito melhor.

Céus, ele deveria ter percebido. Que tipo e caçador ele era que em quase um ano não percebera que o companheiro com o qual ele dividia um quarto era um lobisomem?

Remus se adiantou, respondendo essa questão antes que Sirius pudesse verbalizá-la.

— Você não percebeu porque a ideia é absurda. Um lobisomem caçando criaturas das trevas não é uma possibilidade a ser considerada — ele disse enquanto se curvava para sua mala, as iniciais RJL brilhando em dourado sob a luz do quarto, tirando de lá a garrafa com o preparado alcóolico.

Àquela altura, Sirius pôde deduzir que Remus tomava aquilo nas noites de lua cheia antes de se transformar, como uma maneira de acalmar o lobisomem. Ele tomou um gole e ofereceu a Sirius, que também aceitou um trago.

Em seguida, Remus puxou as cobertas do que seria a sua cama, se eles estivessem usando colchões separados. Ele o encarou com algum desafio e uma boa porção de desalento. Sirius não se abalou, seguindo até ele e exigindo espaço.

Não era possível durar muito tempo através de uma bebida capaz de amortecer um lobisomem. Não demorou até que os dois adormecessem. Quando acordou, Sirius encontrou Remus ao seu lado, sentado com as costas apoiadas na cabeceira da cama e as pernas apertadas junto ao peito.

— Venha cá — ele pediu, estendendo os braços. Remus lhe lançou um olhar desconfiado, porém, depois de um algum tempo de hesitação, deslizou até descansar contra ele. — Você me prometeu que contaria qual era o problema. Talvez agora seja um bom momento.

Remus suspirou, mas, ao fim, devia ter achado que era melhor se livrar e tudo aquilo de uma vez.

Ele contou como seu pai irritara um lobisomem, e a criatura o mordera como vingança. Ele tinha seis anos. Contou como a família de James aparecera para ajudar, porém não existia cura para mordida de lobisomem. Remus morava em uma propriedade rural apenas doze quilômetros de onde o Sr. Potter tinha se estabelecido, e a família cuidara dele. Contou como sua infância fora uma merda, até que seu corpo se tornasse forte o suficiente para suportar as transformações, mas, então, ele tivera que lidar com a raiva do lobisomem. Fora o pai de James quem inventara o preparado que ele bebia antes das transformações, aprimorado com o tempo, de forma a apaziguar um pouco o lobo, permitir que Remus tivesse um pouco de controle...

James tinha sido seu amigo através de tudo aquilo, fora ele quem sugerira que Remus se tornasse um caçador. James tinha tentado tatuar um símbolo de proteção em seu peito quando eles tinham quatorze anos. A coisa o queimara de dentro para fora, e por alguns instantes Remus achara que fosse morrer, e a tatuagem virara apenas outra cicatriz. Não importou, pois afinal descobriram que demônios não gostavam de possuir outras criaturas das trevas. James lhe dera a mala com suas iniciais gravadas e o convidara para caçar com ele, mas James já tinha prometido sua companhia à Sirius, e Remus não achara prudente que outra pessoa soubesse sobre ele.

— Porra, eu tinha tanta inveja de James, que não era um monstro, que podia ir a uma escola normal, que tinha amigos como você. Ele me mostrava suas fotos, falava sobre você o tempo inteiro durante as férias. Quando eu vi você pela primeira vez, nós tínhamos dezesseis anos — ele disse e Sirius assentiu. Fora uma copa do mundo, James o convidara para passar duas semanas na sua casa e assistir os jogos. — Não foi difícil ficar meio apaixonado. Eu não pude começar a caçar com você e arriscar que descobrisse.

Sirius o aconchegou melhor contra o peito, beijando o topo da cabeça de Remus.

— Você podia ter me contado. Poderia ter me contado naquela época, devia ter dito alguma coisa agora, não precisava ter passado todo esse tempo sozinho.

Remus fungou.

— Eu achei que tinha superado tudo isso quando aceitei caçar com você depois do casamento do James, mas também não consegui dizer nada... Tive medo de que você sentisse nojo de ter me beijado quando descobrisse o que eu sou.

Remus disse aquilo como se não fosse julgá-lo se ele se sentisse daquela forma. Seu coração doeu em seu peito, de repente parecendo muito pesado. Sirius se aprumou ligeiramente.

— Venha cá, Remus — ele pediu. Remus o acompanhou, colocando-se meio sentado novamente.

Sirius tocou o rosto dele, dedilhando os lábios e as sobrancelhas bem desenhadas, o polegar correndo por suas olheiras, depois sentindo os rastros de barba em seu maxilar. Em seguida, guiou-se pela cicatriz no rosto de Remus até seu pescoço, apoiando as mãos ali e curvando-se para beijá-lo, doce e lento, língua, lábios e dentes.

— Eu nunca senti tanto medo quanto ontem à noite. Eu amo você, e eu não estou indo a lugar nenhum.

Pela expressão de Remus, Sirius podia dizer que ele ainda precisaria de um tempo para acreditar naquelas palavras, mas, ainda assim, ele sorriu de leve e as mãos dele foram para o seu rosto, guiando-o para que Sirius voltasse a beijá-lo, e isso foi o suficiente naquele instante.

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Remus estava dirigindo, o que significava que eles tinham passado por uma composição de piano e violino que Sirius não reconhecia para Like a Virgin. Eles ainda não tinham um destino definido, mas fazia dois dias que estavam no carro, revezando-se na direção, e logo teriam que parar em algum motel de beira de estrada.

Sirius fungou ao pensar em outro quarto com paredes alaranjadas. Remus lhe lançou um olhar de esguelha e tirou a mão do volante, entrelaçando os dedos nos seus.

— Eu sei fazer torta de abóbora.

A informação, lançada daquela forma, fez Sirius sorrir.

— Você está me dizendo que sabe cozinhar?

Remus deu de ombros.

— Só algumas coisas, mas não sou ruim. Acho que a torta de abóbora é a coisa mais gostosa que eu já fiz — ele contou e fez uma pausa. — No primeiro mês em que estávamos caçando juntos, eu me transformei numa cidade que dizia ter o melhor doce de abóbora do mundo. Você pareceu gostar disso, comprou um pote de doce. Achei que gostaria de provar uma torta também.

Sirius não esperava que Remus lembrasse daquilo — ele mesmo já tinha quase esquecido, a lembrança só retornando por causa das palavras do outro —, como também não sabia onde Remus queria chegar ao dizer aquelas coisas. Ainda assim, Sirius assentiu, acariciando o torso da mão de Remus com o polegar em um movimento inconsciente.

— Eu gostaria de ver você cozinhar.

Remus sorriu diante daquela resposta.

— Seria bom parar em um lugar que tivesse uma cozinha. Uma casa. Um lugar onde não precisássemos nos preocupar com paredes finas demais — Remus falou, seu olhar se tornando repentinamente malicioso.

— Seria bom — Sirius concordou, e era verdade. Mas, em contrapartida, também havia o pensamento sobre o trabalho que eles faziam e que pouca gente estava disposta a assumir. Raios, que pouca gente sabia que deveria ser feito.

— Você já pensou em se aposentar, como James?

— Às vezes, mas nunca soou como algo muito real. Sempre parece cedo demais.

No entanto, antes que eles percebessem, seria tarde demais — o pensamento ecoou na sua mente, e ele sabia que era algo que Remus também vinha considerando. O cadáver de Remus — o metamorfo morto, transformado em Remus, Sirius se forçou a corrigir mentalmente — era uma presença constante em seus pesadelos.

— Talvez a gente deva começar a pensar nisso. Não precisa ser agora. Quem sabe conseguir uma propriedade em algum lugar, uma base doméstica. Seria um alívio para o carro ter onde depositar todos esses livros — Remus disse casualmente, apontando para o banco de trás. 

— Um lugar com uma cozinha?

— Sim. — O sorriso de Remus era cálido. Sirius sentiu um pouco daquela quentura correr por suas veias. — Com um forno, para que eu possa assar a torta.

Uma casa que não fosse lar de magia negra, dominada pela presença da sua mãe, que não fosse um dormitório de colégio — compartilhado com James, mas também com dois outros meninos com os quais Sirius jamais tivera intimidade —, nem o banco de um carro, ou os quartos impessoais de motéis. Uma casa com uma cama de casal, uma banheira, uma horta na parte de trás, com janelas redondas como a toca de um Hobbit e uma cozinha onde Remus faria tortas de abóbora.

Sirius sorriu. Oh, ele poderia se acostumar com essa ideia.


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Notas finais do capítulo

Ufa!!



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