Sombra de Lobo escrita por Sarah


Capítulo 3
Capítulo 03




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Três semanas depois de queimarem o livro de canções, os dois estavam tomando café numa lanchonete que ficava numa cidadezinha na beira do nada. O lugar tinha um aspecto sujo por fora. Remus fizera uma careta de desgosto ao entrar, mas afinal teve que reconhecer que a comida servida era boa.

A caçada do dia anterior tinha rendido a Sirius uma torção no pé, e ele havia se enchido de analgésicos, engolindo os comprimidos com um copo de conhaque. Também eram sete horas da manhã, e Sirius ainda se sentia meio zonzo de sono. Remus, por sua vez, tinha uma expressão cansada, olheiras escuras marcavam os seus olhos, e ele andava irritável.

Sirius não tinha certeza se queria distrair o outro ou a si mesmo quando abriu a boca.

— Você nunca me perguntou como eu me tornei um caçador.

Remus parou a meio caminho de morder um bocado do seu sanduíche de carne fria.

— Que eu saiba, só existem duas maneiras de entrar nesse negócio: ou é o ramo da sua família, ou você se depara alguma com alguma coisa terrível em algum momento da vida e não pode se livrar do fato — ele disse, finalmente mordendo um pedaço do café da manhã. Quando voltou a falar, estava de boca cheia: — Então, família ou coisa terrível?

Sirius deu um sorriso amargo. James tinha vindo de uma família de caçadores; a família de Sirius, no entanto, sempre estivera muito mais propensa a se aproveitar da magia negra do que a tentar se livrar dela.

— Família, mas não do jeito convencional. Eles lidavam com artes das trevas. Eu cresci cercado das coisas que a gente enfrenta hoje em dia. Havia muito dinheiro, mas também era uma merda.

— Eu lembro quando você fugiu para a casa do James no verão do segundo ano... E depois do colégio começou a caçar com ele — Lupin falou, mais organizando os fatos que sabia do que realmente perguntando. Sirius aquiesceu.

— Ele contou sobre a minha família também?

— Não, você sabe, ele não faria isso. — Sirius sabia, porque quando James falava de Remus, e ele falava bastante, tomava o cuidado de deixar as coisas realmente pessoais de fora. — Sirius? — o outro disse num tom cuidadoso. — Você me perguntou porque eu nunca me juntei a James nas caçadas, mas nunca me disse porque parou de caçar com ele.

Sirius sentiu suas bochechas esquentarem conforme o sangue fluiu para elas, tornando suas faces vermelhas. Remus fingiu não ver, tomando um pequeno gole de café.

Oh, ele tinha caçado com James por um ano inteiro assim que os dois terminaram a escola. Se não estivessem juntos naquela época, ambos terrivelmente inexperientes, era provável que tivessem morrido. Mas, então, compartilhar o espaço com James sem poder tocá-lo, sem ter qualquer esperança para aquilo que sentia, havia se tornado torturante demais. Sirius achava que teria enlouquecido se continuasse daquela forma. Fora uma fraqueza — céus, ele tinha deixado as costas de James desprotegidas —, mas, ao fim, a autopreservação ganhara, e ele fora embora.

— Eu tinha estado com James desde os doze anos. Precisava de um tempo — Sirius falou, sentindo que aquilo era o mais perto da verdade que conseguiria chegar naquele instante. Remus não insistiu. — E você? Como acabou se tornando um caçador?

Remus balançou seu copo de café, fazendo o conteúdo girar lá dentro. Apesar disso, ele manteve os olhos nos seus ao responder:

— Coisa terrível.

Sirius esperou por um minuto, mas quando Remus manteve-se em silêncio, ele também não o pressionou para que dissesse mais.

.

.

.

Seja lá o que Sirius esperava, a conversa da manhã não fez nenhum bem ao humor de Remus. Ele não parecia com raiva realmente, apenas agoniado, e Sirius não discutiu quando ele pediu que parassem para o final de semana numa cidade que dizia ter o melhor doce de abóbora do mundo, segundo as placas na estrada. Ao menos isso parecia promissor.

No dia seguinte, logo antes do anoitecer, Remus bateu na porta do seu quarto.

— Vou precisar sair para a noite — ele anunciou, pálido como um fantasma.

— Você está bem? — Sirius perguntou, preocupado. Apostava que o outro estava mais perto de desmaiar do que de alcançar a saída do motel onde estavam hospedados.

— Só preciso de um pouco de ar livre e vou ficar bem. Estarei de volta pela manhã.

Não era algo que Sirius tinha o direito de contestar, então ele não o fez, mas passou quase toda a noite em claro, tentando escutar qualquer ruído que indicasse movimento no quarto ao lado do seu. Não houve nenhum, e por volta das cinco horas o sono o venceu.

Sirius acordou sobressaltado com a descarga da suíte de Remus soando através das paredes finas do estabelecimento. Eram onze horas da manhã.

Ele chamou três vezes até que Remus abrisse a porta. Ele vestia pijamas, mas não parecia ter dormido nem um segundo. As olheiras estavam ainda piores e seu cabelo castanho estava completamente desordenado. Remus sempre raspava a barba antes de sair do quarto para o café-da-manhã, mas naquele instante ela ainda estava por fazer. Sirius tentou encontrar algum rastro de sangue através do pijama ralo que o outro usava, porém não viu nada. Apesar disso, cada movimento de Remus parecia ser dolorido.

— Acabei dormindo demais, desculpe... — Remus começou a falar, mas Sirius sacudiu a cabeça.

— Não me faça de idiota, você não dormiu porra nenhuma essa noite — Sirius acusou, olhando-o de cima a baixo.

Imediatamente a expressão de Remus se fechou, e Sirius pegou-se pensando que jamais gostaria de estar no lugar de uma criatura que Remus estivesse caçando.

— Me deixe em paz, Sirius. Vou estar pronto em cinco minutos e então podemos seguir viagem.

— Uma merda — Sirius rebateu. —Deite-se — ele comandou. — Vou renovar nossa estadia até amanhã e pegar analgésicos, você descansa enquanto isso.

Ele deu às costas a Remus antes que o outro pudesse contestar. O atendente na recepção ficou feliz em renovar os quartos e isso não demorou mais do que cinco minutos, mas os estoques de aspirina de Sirius estavam baixos depois da torção no pé, e a farmácia mais próxima ficava a dois quarteirões. Ao retornar para o quarto, Sirius estava fazendo malabarismos com copos de café e sacos de papel gordurosos.

— Café da manhã — ele anunciou, destacando um analgésico da embalagem. — Você prefere engolir isso com água, café, ou com um donnuts? Também trouxe doce de abóbora.

Normalmente cada um deles pagava pela própria refeição. Remus hesitou ao aceitar o donnuts e o café, mas tomou o remédio com avidez.

— Você não precisava.

— Porra, Remus, olhe para si mesmo.

O olhar dele voltou a ser feroz.

— Não preciso de você para me dizer isso.

Sirius mordeu a língua.

— Você foi caçar sozinho?

— Não... — ele respondeu, mas então engasgou com a palavra e ela virou uma afirmação. — Sim. — Oh, existia mentira ali, embora Sirius não pudesse determinar onde. — Não é da sua conta. Eu disse que às vezes teria negócios que precisaria resolver sozinho, e você disse que poderia respeitar isso.

Os dois se encararam por um longo segundo, até que Sirius suspirou, contrariado, mas vencido.

— Tudo bem, se você quer dessa forma... Descanse, vou tentar encontrar um destino para nós.

Se Sirius precisava de uma prova de que o outro realmente estava mal, foi ele obedecer. Remus arrastou-se para cama, aninhando-se contra o lençol, enquanto Sirius buscou seu computador e abriu na mesa meio bamba que ficava no quarto de Remus.

Não demorou mais do que quinze minutos até Sirius perceber que Remus tinha dormido, a respiração dele se tornando um pouco mais pesada. Sua concentração não levou muito mais tempo para se esvair. Em algum momento, Sirius se deu conta de que estava apenas olhando por cima do computador para a figura adormecida de Remus.

Ele estava encolhido contra si mesmo e tinha o cenho franzido. Estava dormindo, mas obviamente não muito confortável. No bar, com James, e enquanto Remus cavava para enterrar os galhos de uma árvore amaldiçoada, Sirius tinha achado-o bonito. Ali, adormecido e frágil, ele parecia quase etéreo.

Sirius sentiu algo quente escorrer por suas veias, preenchendo seu peito e causando uma leve pressão em seu baixo ventre.

Remus estremeceu, e Sirius percebeu que ele estava tremendo levemente. Foi até ele, puxando a coberta sobre seus ombros. Se Remus acordasse, ele não saberia que desculpa dar para aquilo, mas Remus não acordou, apenas suspirou no sono e seus músculos relaxaram visivelmente.

Ao reparar que também não tinha uma desculpa para dar a si mesmo acerca daquele gesto, Sirius deu meia volta e saiu do quarto, deixando Remus sozinho.


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