O nadador e o assistente escrita por phmmoura


Capítulo 21
Capítulo 21




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Nelson parou no instante em que abriu a porta do quarto para dar início a sua corrida matinal. Ao invés do corredor vazio, ele viu um rosto familiar.

— Bom dia, Nelson! — disse Cris com uma voz animada antes do nadador dizer qualquer coisa. Apesar das olheiras sob os olhos, ele tinha um grande sorriso.

— Ei, Cris. Bom dia — respondeu Nelson com a voz arrastada, esfregando o rosto e contendo um bocejo.

— Dormiu mal? — perguntou Cris, todo interessado.

— Sim. Pelo visto você também? — Nelson trancou a porta e caminhou até o elevador com o assistente ao seu lado. — O que tá fazendo aqui tão cedo?

— Vim seguir você pra que não faça nada idiota como tentar compensar além da conta durante os exercícios. — Não havia qualquer vergonha na voz ou na expressão do Cris enquanto dizia aquilo.

— E por que eu faria isso? — perguntou Nelson, tentando não demonstrar expressão.

— Bom, como você ficou mudo na volta ontem, fiquei com medo que você desse a louca por causa daquele tempo. — Cris ainda sorria, jamais tirando os olhos de Nelson.

— Faça como quiser.

O nadador sabia que seu assistente diria algo assim. É claro que ele está preocupado. Mas não precisava ser tão direto, pensou Nelson, esperando o elevador chegar. Apesar de estar de seus sentimentos conflitantes, a ideia colocou um sorriso em seu coração. Porém, agora não posso perder tempo. Não depois de ontem…

Apesar das palavras, Cris não disse nada enquanto saíam do dormitório masculino e foram até o parque. Tudo que o assistente fez foi bocejar, esfregar os olhos e olhar para o nadador pelo canto do olho de tempo em tempo.

Com a cabeça cheia, Nelson fez todos os exercícios de alongamento. Levou mais tempo que o normal, já que ficava repetindo alguns de novo e de novo. Apenas quando finalmente se sentiu pronto foi que notou que Cris, apesar de usar roupas de ginástica, estava sentado no banco.

— Já avisei que tô aqui só pra observar você — disse o assistente quando notou que o nadador o encarava.

— Pensei que tinha dito, repetindo suas próprias palavras, que me ia me seguir — disse ele, sorrindo. Apesar de se sentir daquele jeito, Nelson não podia guardar aquele comentário para si.

Cris abriu a boca, mas nada saiu. Um segundo depois, arregalou os olhos um pouco ao se lembrar.

— Sim, seguir você… com os olhos — disse, triunfante.

Nelson encarou o assistente sem demonstrar qualquer expressão. Mas, no instante seguinte, riu e sorriu, balançando a cabeça.

— Sempre com uma resposta na ponta da língua. — Aprecio isso, de verdade, pensou, mas não disse essa parte. — Sendo assim, por favor, me siga com seus olhos. Espero que não ache chato depois ficar sentado aí enquanto corro. Pode se juntar a mim quando a qualquer momento.

— Relaxe que eu não sou doido feito vocês, atletas. Além do mais, observar você suar é divertido de várias formas para mim — disse Cris com uma voz maliciosa, desviando o olhar e de bochechas coradas.

— Melhor não perguntar. — Nelson riu de novo.

— Melhor mesmo.

Com um último aquecimento, Nelson começou sua corrida matinal.

É estranho, pensou depois da primeira volta. O caminho era uma pista circular de quase 500 metros. E, por todo o tempo, Nelson podia sentir Cris olhando para ele. Ele olhou para o banco onde ao assistente estava sentado.

Não sei por que, mas é estranho quando ele me olha assim. Não é como quando um amigo tá preocupado contigo. Nem como um gay me secando. É mais… um pai conferindo se o filho não vai fazer burrada, ele percebeu, acelerando o ritmo um pouco.

Valeu, Cris. Aprecio muito. Sério… Mas, qual é, não sou criança, vei. E, além do mais, por que você iria me impedir se eu fosse um pouco além da conta? Tipo, você viu meu tempo ontem. Não fiz qualquer alongamento, mas ainda assim… 12 vezes pior que meu pior tempo… Eu não devia estar tão ruim, mesmo depois do acidente. Se o pessoal lá em cima descobrir, tô lascado…

Pera! O Cris já pôde ter contado pra eles. Ele pode ser meu amigo, mas também é empregado do clube. Sem falar que é parte da família Prado Maranhão… Eu já tava precisando vencer a próxima competição local, mas agora tenho o dobro de pressão em cima de mim…

Não seja idiota, Nelson. Ele balançou a cabeça e limpou o suor dos olhos, acelerando ainda mais.

A pressão sempre estava lá. Um atleta de nível olímpico como eu precisa vencer uma competição municipal… Tá todo mundo esperando isso… Mas vou conseguir mesmo? Com um tempo como aquele? Se eu tivesse mais tempo pra treinar… Porém a transição pra a piscina pode levar duas semanas, quem sabe até mais… Quanto tempo terei pra me preparar? Será que vai dar?

Quando Nelson voltou a si, Cris estava no meio da pista de corrida, chamando-o.

O nadador piscou e diminuiu o ritmo para mudar de caminho. Ele teria evitado a colisão se Cris não tivesse se movido para bloqueá-lo de novo. Eles caíram juntos e se embolaram.

— O que você tá fazendo? — reclamou Nelson quando tentou se separar de Cris e levantar.

— Aparentemente, ficando por baixo de você. E pra ser honesto, não desgosto da posição — disse Cris com o tom descontraído de sempre, apesar da dor.

— Dá um tempo nessas brincadeiras. — Nelson não sentiu a raiva ir embora com a piada. — Você sabe que é perigoso ficar parado no meio da pista. Tá tudo bem?

— Ah, fala sério. Já tive fodas mais violentas que isso — disse, erguendo-se e tirando a poeira de si.

— Que bom pra você — disse Nelson, sem se incomodar em esconder a raiva da voz enquanto massageava o joelho. — Mas pra que fazer isso?

— Porque você estava pensando demais em tudo, pra variar — disse Cris, na cara dura.

— Eu não estava.

— Ah, jura? Então não notou que estava passando do limite? — Cris perdeu todo o traço de graça e diversão na voz, ficando sério.

Nelson ficou quieto e desviou o olhar. Era difícil continuar olhando para Cris quando sabia que o assistente tinha razão.

— Tem ideia de quantas voltas já fez?

— Sei lá. Cinco, seis? — Nelson deu de ombros.

— Dezessete. — Cris colocou uma mão no queixo de Nelson e forçou o nadador a olhá-lo nos olhos.

Ele ficou quieto por um instante, mordendo os lábios.

— Aguento mais — disse, teimoso, desviando o olhar de novo.

— Pode ser que sim, ou pode ser que não. Jamais saberemos.

— É mesmo? E por quê? — Nelson olhou de volta para Cris com uma expressão desafiadora.

— Porque eu não vou deixar — disse Cris com o tom descontraído.

Antes que o nadador pudesse reagir, o assistente agarrou o braço de Nelson, torceu e pressionou sua cintura contra ele, e então virou o corpo.

Sem entender o que aconteceu, Nelson olhou para o céu e se viu deitado no chão com o rosto contra a grama. Antes que pudesse tentar levantar, Cris sentou nas suas costas, segurando o braço de forma que doesse sempre que o nadador tentasse mover o membro.

— Ai! Para com isso! — Apesar da dor, Nelson tentou se livrar do assistente, mas ele não conseguia colocar força alguma no braço. Como alguém tão pequeno consegue fazer isso comigo? — Me larga!

— Só quando você se acalmar e me escutar — disse Cris, torcendo o braço mais um pouco. Nelson parou de se mover, respirando fundo para suportar a dor. — Bom garoto.

— Agora dá pra sair de cima de mim? — Nelson tentou, mas não podia conter a raiva na voz.

— Não. — Mesmo do chão, Nelson viu um relance do sorriso no rosto do assistente.

— Não foi esse o combinado!

— Eu falei que ia sair quando você se acalmasse e me escutasse. Agora, seja um bom garoto. — Cris soltou um pouco da força que apertava o braço quando Nelson relaxou um pouco. — Me diga no que está pensando.

— Você está curtindo isso demais!

— É… Não dá pra negar… — riu Cris. — Embora prefira o contrário, não dá pra dizer que não gosto de ter um homem preso entre minhas pernas.

— Que bom pra você!

— Se quiser que eu saia de cima, se acalme e me diga no que está pensando — repetiu Cris, calmamente.

— Você já sabe — murmurou ele, desviando o olhar.

— É, tem razão. Mas ainda quero escutar da sua boca.

Nelson soltou um gemido frustrado e exalou pelo nariz algumas vezes antes de falar.

— Eu… depois de ontem, eu… eu pensei que tudo ia dar certo se me esforçasse, mas depois de ver aquele tempo… — Antes que notasse, ele começou a relaxar. — Eu preciso compensar o tempo perdido de todo jeito…

— Exatamente como imaginei… quase palavra por palavra… — Cris suspirou e mostrou um sorriso gentil quando Nelson olhou para ele. — Você não vai compensar nada assim. Sobrecarregando seu corpo… Se não cuidar de si, pode acabar arruinando tudo. No pior dos casos, até de vez.

— Eu sei, mas… quero fazer algo! Não posso só ficar parado sem fazer nada! — Nelson não conseguiu conter as lágrimas. Ele pressionou o rosto contra a grama para escondê-las de Cris.

— Nelson… Eu não faço ideia do quão frustrante deve ser pra você. — O assistente soltou toda a força no braço. — Mesmo assim, não vou deixar que destrua tudo pelo que está lutando para se recuperar — disse Cris, com a voz firme.

Ele… ele… tem razão… Com o sentimento de vergonha por todo corpo, Nelson fechou os olhos.

— Obrigado… por me parar — disse com a voz abafada.

— Sempre que precisar. — Sorriu Cris.

Eles ficaram daquele jeito por um momento.

— Tá bom, agora dá pra sair de cima de mim?

— Só um segundo… Ficar por cima… não é comum pra mim — disse Cris, ajustando sua posição. — É bem legal. Passa uma sensação de poder. Talvez eu deva tentar ficar por cima qualquer dia…

— Pera… — Quando Cris ajustou sua posição, Nelson começou a sentir outra coisa. — Esse troço nas minhas costas… é o que eu acho que é?

— Eh… É a reação natural de qualquer jovem saudável… Não posso controlar — disse Cris, desviando o rosto como se ficasse envergonhado.

Nelson tentou se levantar novamente, e o assistente deixou dessa vez. Quando o nadador ficou de pé, Cris caiu de bunda no chão, rindo.

Suspirando, Nelson ofereceu sua mão ao seu assistente. Cris pegou e levantou-se, sorrindo.

— Onde aprendeu a fazer aquilo?

— Fazer o quê? — perguntou Cris, tirando as folhas e grama das roupas.

— Me derrubar assim… foi Judô? — Nelson limpou a sujeira das roupas o melhor que pôde.

— Ahãm. De vez em quando, entre dois caras — disse, cruzando os dedos como se fossem espadas — é preciso um pouco de força… especialmente pra levar um deles pra a cama — murmurou a última parte alto o bastante para Nelson ouvir.

— Eu… Eu… Eu não sei como reagir…

— Brincadeira. Sabe, eu gosto das coisas meio brutas, só que, de vez em quando, tem caras que são brutos demais. Consigo sobrepor eles como judô — riu Cris.

— Parece… assustador…

— O que tem de assustador em ser fofo e forte? — Cris inclinou a cabeça, sorrindo.

Nelson sentiu as maçãs do rosto corarem. Ele desviou o olhar, coçando a cabeça.

— Sabe que você parece muito narcisista quando fala essas coisas?

— Não tem nada que eu possa fazer. Não se pode negar a verdade.

Nelson abriu a boca, mas dela só saiu uma risada.

— É, não dá — murmurou.

Não conseguiu tirar os olhos de Cris. Por que o sorriso dele é tão fofo? Antes que Nelson percebesse o que fazia, sua mão já estava na bochecha do assistente.

Cris olhou para a mão e então para o dono, seu rosto um tom forte de vermelho.

Eles olharam nos olhos um do outro.

Nelson sentiu o coração bater mais alto. O que estou fazendo? Engoliu em seco, tentando encontrar uma desculpa. Então ele puxou um galho do cabelo de Cris.

— Isso…

— Ah… valeu — disse Cris, passando a mão pelos cabelos pretos. Embora tenha conferido tudo, o rosto ainda estava vermelho. — Cabelo longo é um saco de cuidar, mas gosto muito do meu.

— É… é bem bonito…

Nelson e Cris ficaram quietos por um tempo, ambos desviando o olhar um do outro.

— Nossa, olha a hora. Quase na hora da minha primeira sessão e preciso comer algo antes — disse o nadador, do nada.

— É mesmo… vamos — disse Cris em voz baixa, ainda sem olhar nos olhos de Nelson.

O nadador se virou, mas não dera três passos quando sentiu algo em suas costas, dois braços envolvendo seu pescoço, e duas pernas sua cintura.

— O que você está fazendo? — perguntou ele para Cris quando parou.

— Estou cansado e com sono. Acordei cedo de novo só por você. Por isso, me carregue até o refeitório — disse com uma voz mimada, enterrando o rosto nas costas de Nelson.

Nelson virou a cabeça para ele, sem acreditar.

— Você é pesado.

— Sou não! Mal peso 55 quilos — disse Cris, entrando na defensiva.

— Isso é pesado pra mim. Especialmente pra carregar até o refeitório. Além do mais, você não acabou de me mandar não exagerar?

— Você é um atleta. E o peso, eu, no caso, não é considerado exagerar.

— Sou um nadador e não levantador de peso.

— Na realidade você é um nadador muito rude, sabia? — Cris colocou mais força nos braços. Nelson tocou nele três vezes e ele parou.

— Tá, tá, você venceu — disse Nelson, colocando o braço sob as pernas de Cris e ajustando o assistente nas suas costas.

Alguns momentos depois que começou a caminhar, ele sentiu uma respiração fraca atrás de si. Caiu no sono… ele disse que não era de acordar cedo e ainda assim, madrugou por mim nos últimos dias… Nelson sentiu o coração bater mais rápido.

— Eu não contei pro meu pai — disse Cris após um tempo. Sua voz era tão baixa que Nelson pensou que ele falava enquanto dormia.

— Contou o quê?

— Do tempo… de ontem…

— Sério…? Disse Nelson, sem conter a animação.

— Não… — Cris virou a cabeça e a descansou a bochecha contra as costas de Nelson. — Estou aqui pra te ajudar… contar aquilo pra alguém não ia ajudar…

— Valeu… — Nelson corou. Que bom que ele não pode ver meu rosto agora

Não houve resposta. Caiu no sono de novo, pensou o nadador com um sorriso.

Então, embora fosse fraco, Nelson pôde sentir o coração de Cris. De repente, ele percebeu o quão leve seu assistente era.

Ele é tão leve e pequeno… Carregá-lo assim faz ele parecer tão frágil… mas se não fosse por ele, eu estaria em caos… se não fosse por ele, eu… posso carregá-lo, mas é ele quem me faz seguir adiante…

Nelson caminhou até o refeitório, escutando o som do coração de Cris por todo o caminho.


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