O nadador e o assistente escrita por phmmoura


Capítulo 10
Capítulo 10




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Nelson estava tão concentrado que mal parecia se mover ou respirar. Ele era uma pedra no rio. Um olho estava fechado e o outro na mira de plástico, seu dedo estava pronto para puxar o gatilho da sniper de brinquedo. Uma gota de suor desceu por sua testa, mas ele não se moveu para limpá-la.

— Ignore tudo a sua volta. Não perca a concentração por nada. Até mesmo eu — sussurrou Cris no ouvido de Nelson.

Até sem ver, Nelson sabia que seu assistente sorria. Ele ignorou o melhor que pôde. Sabia que Cris só tentava fazer ele errar o alvo e vencer a aposta e tinha se preparado para tal. Mas não podia prever que Cris assopraria no seu ouvido.

— Pare com isso! — Nelson inclinou a cabeça e quase tirou as mãos do brinquedo para cobrir o ouvido. Ele conseguiu se controlar e não tirou os olhos da mira. — Sem trapacear!

— Não vou! Eu nunca faria algo tão baixo — mentiu Cris com sua voz inocente. — Só estou… me certificando de que você não vai perder sua chance, isso.

— A de vencer sua pontuação mais alta — murmurou Nelson alto o bastante para Cris ouvir.

— Ah? É isso? — Cris colocou um dedo no queixo e ergueu a cabeça. — Ah é, entendi agora. Hum, hum. Não percebi. É verdade que você pode vencer minha pontuação, mas isso só se NÃO ERRAR O TIRO!

Nelson flexionou as mãos por reflexo e seu dedo acabou apertando o gatilho. Ele assistiu, descrente, enquanto a bala errava o terrorista e atingia a filha do presidente, quem ele deveria salvar, bem perante seus olhos. A tela mostrou um GAME OVER em grandes letras brancas que foram cobertas por sangue. O nadador tirou os olhos da mira e levantou-se sem falar nada. Ele virou-se para Cris, quem falhava em esconder o sorriso.

— Tá feliz agora? Tá satisfeito? — Nelson acenou com a mão para a tela para um efeito dramático. — Está orgulhoso de uma vitória manchada por trapaças?

Cris não conseguia mais conter a risada. Nelson aguardou em silêncio com uma expressão vazia.

— Ah, qual é. Manchada por trapaças? Não seja um mau perdedor. Vitória é vitória. — Ele fez um V com os dedos, seu sorriso aumentando enquanto o nadador cerrava os olhos e balançava a cabeça. — Acredito que nossa aposta esteja empatada agora. Quer jogar o quê?

— Acha mesmo que vou deixar você mudar de assunto assim? — reclamou Nelson. Ele ainda estava bravo por perder, mas se divertia bastante, de todo jeito. Ele olhou em volta, procurando pelo próximo jogo para competirem. Seus olhos brilharam quando encontrou, o rosto se iluminando com um sorriso enquanto apontava. — Aquele!

Cris seguiu o dedo dele.

— Carrinho de bate-bate? Sério? Não dá pra saber quem vence nisso. Na verdade, nem é um jogo. Tenho a impressão de que você tá bravo e quer bater em mim — reclamou, mas ainda seguiu o nadador com um sorriso nos lábios.

— Faz anos desde que fui num desses — disse Nelson enquanto sentava no carro. Ele abriu e fechou as mãos no volante, seu sorriso aumentando enquanto as memórias voltavam. — Ah, vei. Acho que faz uma década.

Cris não conseguia tirar os olhos do sorriso de Nelson sem mostrar um sorriso gentil.

— É, eu também. Faz tanto tempo que só é uma lembrança agora — disse, pressionando os lábios. Levou um instante, mas quando o nadador se lembrou da fala, os dois riram.

— Você e suas referências — murmurou Nelson.

— Pois é, o capitão ficaria orgulhoso — disse Cris. — Então, como decidimos o vencedor?

Nelson arregalou os olhos e ficou sério por um instante. No segundo seguinte, ele virou-se para Cris com um sorriso.

— Quem não conseguir ficar de pé depois é o perdedor.

Cris ficou em silêncio por um momento e depois riu.

— Se quiser isso, tudo bem. Mas não acho que posso chamar “não ficar de pé” como perdedor — disse, o sorriso ficando malicioso. — Adoro homens que me deixam assim, com as pernas tremendo e tudo mais.

Enquanto o sino tocava e os carros se moviam, eles perceberam seus erros. Tentaram apenas focar um no outro, mas havia um grupo de crianças de uma festa de aniversário no game station e eles não ficaram felizes que, graças aos dois, o grupo não pode brincar junto.

— Que bando de pirralho de merda. Não lembro de ser assim quando pequeno — reclamou Cris enquanto se inclinava para perto de Nelson, usando o nadador de apoio. — Minha cabeça dói depois de se unirem pra bater em mim.

— A minha também. Acho que estou vendo duplo. — Nelson piscou e conseguiu levar Cris até o banco mais próximo. Eles sentaram lado a lado e o assistente se inclinou, descansando a cabeça no ombro do nadador. — Odeio admitir isso em voz alta, mas quero muito dar uns murros neles.

— Sim… Concordo plenamente…

Eles ficaram em silêncio por um tempo, descansando os olhos até melhorarem.

— Ei, Cris? Isso… acontece muito? — perguntou Nelson. Cris murmurou e forçou-se a virar a cabeça para onde o nadador indicava.

Havia um grupo de adolescentes no game station. Os rapazes e algumas meninas tentavam e falhavam olhar para Nelson e Cris discretamente. Quando perceberam que foram vistos, eles pararam de encarar e se afastaram, embora alguns ainda olhassem por cima do ombro.

— Infelizmente — respondeu Cris com a voz cansada, virando-se para inclinar-se no ombro de Nelson de novo e fechar os olhos. — A maioria das pessoas acha que sou uma menina com estilo diferente de primeira, mas quando percebem que sou um rapaz afeminado, a atitude muda. Alguns ficam desconfortáveis, alguns bravos, outros excitados e tem gente que até me olha torto daquele jeito.

Nelson encarou Cris, descrente.

— Que merda! E você tá de boa com isso?

— Claro que não. Eu preferiria viver em num mundo em que cada um cuida da própria vida em paz. Mas não rola. — Cris acenou com a mão, deixando o assunto para lá.

Ah, ele sabe melhor do que eu. É um assunto sensível. Um com qual ele não parece a fim de falar agora, notou Nelson e suspirou.

— Você não pode nem sair com um amigo sem lidar com essas coisas. Deve ser horrível quando está com o namorado ou um cara que gosta.

— Sim e não — disse Cris com um sorriso fraco. — Faz muito tempo desde que tive um namorado pra pensar nessas coisas. Mas quando tinha que pensar, normalmente me vestia de garota.

— Por que precisava fazer isso?

— Eu não precisava, mas era menos irritante dessa forma. Primeiro, as pessoas parecem não se importar tanto quando pensavam que éramos um casal hétero. E já que não ligo de me vestir de garota, era o jeito mais fácil.

— Não liga? — Ah é mesmo. Ele estava vestido de garota ontem quando nos conhecemos.

— É. Não é como se eu fosse transexual ou travesti. Minha prima curte me usar de manequim desde que éramos crianças e acabei gostando disso.

— É mesmo?

— Sim. É bem divertido ver a reação das pessoas. A maioria das garotas ficam com inveja que um menino podia ser tão ou até mais bonita do que elas. E os caras tinham sentimentos complexados por se sentirem atraídos por um homem. — Cris soltou uma risada malvada e totalmente satisfeita.

— Você é bonito vestindo tanto de garota quanto garoto. — Nelson deixou as palavras escaparem. Ele arregalou os olhos e ficou vermelho quando notou o que disse. O nadador se certificou de não olhar para Cris, embora tivesse a impressão de que o assistente olhava para ele com um sorriso. — Então, mesmo vestido de garoto, as pessoas te confundem com uma garota tanto assim? — perguntou logo.

— Vou deixar essa passar — murmurou Cris, rindo. — Pra responder sua pergunta. Sim, quase o tempo todo. Que nem você fez ontem.

— Ei, não foi exatamente minha culpa. Você não só estava vestido de garota como assumi que fosse uma por causa de seu nome. E o fato que raramente vejo um homem assistente não ajudou também.

— Tudo bem, tudo bem. Tem razão. Mas de qualquer forma, precisamos acertar nossa aposta. Estou curioso sobre o que vai pedir de mim se ganhar.

— E o que você vai pedir?

— Pra cumprir minha oferta — disse Cris, olhando para Nelson da mesma posição e erguendo uma sobrancelha. — Mas isso só depois de terminarmos. O que vamos jogar agora?

O assistente olhou ao redor. Eles passaram boa parte da tarde jogando e haviam poucos jogos agora que podiam usar para competir.

— Que tal basquete? — perguntou Nelson, levantando-se. — Duvido que consiga trapacear.

— Sou uma droga nisso, mas tudo bem. Só que, Nelson? — O nadador virou-se para encarar Cris. — Não vamos revirar o passado — disse, mostrando um sorriso que fez Nelson rir.

— Danosse… — Nelson não fazia ideia do que dizer enquanto olhava o placar.

— Não diga. Não ouse dizer nada. — Cris olhou para qualquer direção além da de Nelson.

Nelson cobriu a boca, mas era óbvio que ele sorria.

— Você disse que era uma droga, mas nunca pensei que não ia conseguir acertar uma única cesta. — Ele mal continha a risada mais.

— Calado! — Cris socou o braço de Nelson. — Você acerta fácil só porque é alto! Se eu tivesse a sua altura, também ia conseguir!

— Altura não tem nada a ver com isso. Permita-me demonstrar. — Nelson levantou-se atrás de Cris. Ele gentilmente pegou os braços do assistente e o posicionou na pose de lance. — Você mexe os braços e mãos assim. Isso. Desse jeito. Bem assim.

Enquanto Nelson mostrava a forma de novo, ele nunca notou que Cris corou, nem que as batidas do coração do assistente estavam aceleradas.

— Pronto para tentar pra valer agora? — Nelson passou o cartão e escolheu o modo mais fácil.

Dando o seu melhor, Cris conseguiu marcar cinco cestas dessa vez.

— É. Consegui. Sou foda — disse o assistente, virando-se com os braços erguidos em vitória. — Graças a você, eu marquei o primeiro ponto sem depender da sorte. Acho que é a primeira vez que vejo minha pontuação com dois dígitos.

— O menor dos dois dígitos, mas parabéns — disse Nelson.

Cris ergueu a cabeça, fechou os olhos e mostrou um sorriso alegre que fez as bochechas do nadador ficarem com um tom cor-de-rosa. Nunca notei o quão bonito ele pode ser, pensou Nelson, desviando o olhar. Não é de se estranhar que os caras se sintam atraídos por ele…

Durou só alguns segundos, mas enquanto olhava para aquele sorriso, o tempo parecia passar mais devagar para Nelson. O telefone tocar o trouxe de volta à realidade. O nadador arregalou seus olhos e as bochechas perderam a cor quando viram a tela.

— O que foi? — perguntou Cris em voz baixa e preocupada.

— É… o meu médico…

— Atenda. — Cris colocou uma mão firme no braço de Nelson.

Ele respirou fundo algumas vezes e então segurou antes de pressionar a tela e levar o telefone ao ouvido.

— Sim?

— Nelson? Sou eu — disse o médico.

— Oi, doutor. Se você está ligando, quer dizer que… chegaram os meus resultados, né?

— Sim. Recebi há pouco, mas eu estava dando uma olhada, só pra ter certeza. E estou… — Ele parou para tossir algumas vezes. A mão de Nelson agarrou o telefone com mais força enquanto a raiva, ansiedade e incerteza o preenchiam, mas ele continuou de boca fechada. O médico limpou a garganta antes de falar de novo. — Desculpe. Como eu dizia, estou feliz em dizer que você está curado.

— Estou…? — Nelson não ousou acreditar, sua respiração ficando rápida.

— Sim, completamente curado. Pode voltar para as piscinas e ganhar muitas medalhas.

— Claro! Obrigado, doutor. Muito obrigado!

O médico riu.

— Apenas se cuide no começo, tudo bem?

— Claro, claro — disse Nelson. Ele se virou para Cris, quem já sorria. — Estou curado.

— Eu ouvi. Parabéns — disse o assistente.

Antes que notasse o que fazia, Nelson abraçou Cris com força e o girou o assistente algumas vezes, quase pulando de alegria. No momento, ele não ligava se as pessoas olhavam pra eles ou não.

— Finalmente posso voltar — disse, quase chorando.

— Sim, você pode — disse Cris em voz baixa, devolvendo o abraço de Nelson com toda sua força. — Vamos chegar ao topo juntos.


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