Encarei a porta do apartamento como se dentro houvesse uma passagem para o céu. Eu queria bater e esperar que viesse me atender, mas eu tinha as chaves, eu só não tinha coragem para entrar.

Segurei a maçaneta, quando a mão de vovó se sobrepôs a minha.

— Faremos juntas. — Ela sorriu, eu apenas assenti.

Não foi fácil organizar as coisas que eram sua vida.

Tudo ali tinha seu perfume, tudo era você. Cada canto, parede, livro, fotografia, até a bagunça espalhada pelo chão era você.

Aos poucos te dividimos, organizamos e empacotamos. No final da vida será que todos se resumem a isso? Uma pilha de caixas etiquetadas?

Segurei uma das suas fotografias e a abracei.

Eu não sei dizer  quando as lágrimas chegaram, mas elas vieram. Derramei-me em choro, era a primeira vez que chorava desde sua partida. Vovó me abraçou e chorou comigo.

Ela tem suas mãos e seus olhos, e seu abraço é como a candeia iluminando a escuridão. Agora entendo porque vovó era tão especial para você, ela também chora sua falta.

Pela manhã quando acordei, estava com medo.

Agora sei que você ficou em mim, num ciclo sem fim. Era hora de seguir em frente.