Dust and Gold escrita por Finholdt


Capítulo 3
II. In this cold and empty room


Notas iniciais do capítulo

E aqui começamos as quebras de linha do tempo... Se acostumem, por que vão ser várias vezes.



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Tudo começou com um sorvete. É, eu sei o que você vai dizer. “Como todo o caos e anarquia que se instalou no mundo pode ter começado com um simples sorvete, Jon?”

Bem, duh, esse é todo o ponto dessa história, não?

[x][x][x]

Damian estava, pra variar, com roupas casuais. Estávamos na Mansão Wayne e Damian discutia com o irmão mais velho sobre algum evento de caridade ou algo do tipo. Todos iriam – até mesmo Jason, e o baixinho não queria mesmo ir.

— Eu só não estou com vontade, Grayson, eu sei que suas capacidades mentais não são tão rápidas como precisam, mas acho que não consigo ser mais claro que isso.

Dick suspirou, escolhendo ignorar o insulto – uma característica que você teria que adotar pra poder formar algum tipo de relacionamento com Damian Wayne.

— Eu sei que você não gosta desses eventos, mas nenhum de nós gosta, carinha. O Jon pode ir com a gente também, que tal?

— Ah sim. Porque Damian Wayne e Jonathan Kent são melhores amigos, independente do fato de que tecnicamente nenhum nunca conheceu o outro.

Remexi-me desconfortável, trocando o peso de um pé para o outro. Eu havia chegado ali para chamar o Damian pra jogar videogames de surpresa, sem nem ligar pra avisar ou algo, e bem quando o jogo estava carregando o Sr. Wayne (que eu gosto de chamar de Senhor Emburrado) apareceu para falar do tal evento.

— Você é filho do seu pai mesmo, hein. Completamente obcecado com a identidade secreta.

Disfarcei a risada que queria sair com um ataque de tosse. Damian era absolutamente péssimo para esconder que era o Robin e tirando a Maps todo mundo acabava descobrindo bem rápido.

Infelizmente acabei atraindo a atenção dos dois com minha ação descuidada e senti o rubor subir para o meu rosto.

— Uhhh... É que eu ia chamar o Damian para sair. — Menti, pensando rápido.

Damian franziu a testa.

— Mas e os jo-

Fala sério, pro cara que me ensinou a mentir em primeiro lugar ele está lento demais.

— Granulados! Sim! Não podemos perder aqueles granulados, Damian!

Dick não parecia impressionado.

— Tenho certeza de que os granulados vão continuar no mesmo lugar, Jon.

— Talvez, mas isso é Gotham! As chances de a sorveteria estar sendo destruída ou roubada enquanto falamos é muito alta.

— Vou levar meu comunicador, ligue se tiver problemas. — Disse Damian antes de agarrar meu pulso e disparar porta a fora, ignorando os gritos do irmão mais velho.

Nossas risadas se misturavam enquanto corríamos pelo terreno da mansão e agarrei os braços de meu amigo antes de saltar alto para fora dos portões.

[x][x][x]

Como eu não conhecia Gotham direito, Damian foi quem escolheu a sorveteria. Era estranho andar com ele nas ruas com nossas roupas casuais, mas um estranho bom. Olhando assim, ele quase parecia um adolescente normal. Eu poderia me acostumar com a expressão leve em seu rosto e os olhos verdes brilhando de um jeito que eu não estava acostumado a ver, sempre escondidos por trás da máscara dominó.

Eu tomava meu sorvete de baunilha com granulado tranquilo, mas estava difícil ignorar o sorriso zombeteiro dele em direção ao meu sorvete.

— O que foi? — Resmunguei, já me preparando para uma inevitável discussão.

— Nada.

— Se fosse nada você não estaria fazendo essa coisa medonha você chama de sorriso.

Mas Damian não mordeu a isca, pra variar, e continuou rindo pro meu sorvete Grunhi em frustração e escondi a sobremesa debaixo da mesa, longe do campo de visão do meu amigo— como eu tinha que repetidamente me lembrar.

— Heh. Relaxa fazendeiro, eu só estava pensando que baunilha — Deu uma risadinha — combina com você.

Eu admito. Eu só fui entender o que ele quis dizer semanas depois. Mas isso não me impediu de sacar que havia algum tipo de insulto ou piada escondido ali, então o chutei por baixo da mesa.

O que o fez chutar de volta.

Coloquei o sorvete de volta em cima da mesa e começamos uma pequena guerra de pés embaixo da mesa. Eu tomava cuidado para não acabar usando minha super-força sem querer e acabar quebrando uma de suas pernas, mesmo sabendo que Damian não ligava de verdade pra essas coisas, como a fragilidade do seu corpo humano, por exemplo.

E foi em meio a risadas, um sorvete com granulado quase completamente derretido e uma das melhores horas da minha vida que tudo começou a desmoronar.

Estamos ao vivo na Torre Wayne para a mais nova fundação de caridade de Bruce Wayne”. O barulho da pequena televisão se fez ouvir por cima da nossa zoeira e voltamos nossa atenção para a tela na parede.

— Olha só do que te salvei. — Comentei, brincando.

Ah, se eu ao menos tivesse ficado calado...

Damian não riu, mas sorriu, um sinal de que ele preferia estar naquela sorveteria comigo do que em um evento chato com a família.

Na tela, o cameraman mostrava o Sr. Emburrado e os irmãos de Damian todos vestidos com smoking e sorrisos carismáticos. Menos Jason, é claro, diferente de Dick e Tim, ele estava sentado em vez de pé e um olhar de puro tédio o enfeitava. Eu não tinha certeza, mas se o Damian acabasse indo lá, ele estaria ou de cara fechada com Jason ou com sorrisos falsos com Dick e Tim. Damian é sempre um mistério para mim.

Eu estava prestes a perguntar em qual situação exatamente eu iria o encontrar se ele tivesse ido quando aconteceu.

Mais tarde, descobriríamos de que foi um ato terrorista. Algo para extinguir todos os herdeiros da fortuna Wayne numa tacada só? Talvez simplesmente atacar o homem mais influente de Gotham e apavorar a cidade?

Nunca chegamos a descobrir. Suponho Damian não quis perguntar antes de cortar suas gargantas.

Foi com horror que vi, enquanto a câmera estava focada no rosto de Bruce Wayne, um buraco se formar bem em sua testa.

Eu honestamente não consigo dizer qual som foi mais ensurdecedor. Os gritos que vinham da tela, os gritos que vinham da sorveteria, ou Damian puxando o ar de uma vez como se tivesse levado um soco.

A tela desfez o zoom e tentava procurar o assassino quando mais barulhos de tiro se fizeram ouvir e vimos Dick se debruçando sobre o corpo do Sr. Wayne, tentando o carregar para longe e acabar sendo atingido com três balas no peito.

— Não... — Arquejou Damian, o som mais dolorido que já ouvi em toda minha vida.

Prevendo um desastre o agarrei pelo pulso, o prendendo no lugar. Na hora eu só pensava que não queria que ele morresse também, mas eu entendo completamente sua raiva e seus gritos angustiados enquanto assistíamos horrorizados, Jason pular na frente de Tim e levar mais quatro tiros. Um deve ter atravessado, já que seu smoking estava manchado de sangue e aumentando cada vez mais enquanto ele se debruçava por cima de Jason e tentava fazer primeiros socorros, se tornando um alvo fácil e levando mais tiros.

Eu me sentia debaixo d’água, com todos os sons se abafando de uma vez. Eu podia ouvir toda a cidade gritando, podia ouvir cada bala, cada suspiro, até mesmo a batida de coração descontrolada de Damian estava alto demais.

Minha cabeça começou a doer e eu me envergonho em admitir que não soube como reagir. Minha audição ficou descontrolada e eu não conseguia dar forma para os meus pensamentos ou sentidos, eu só conseguia ouvir o sofrimento de Damian e ver sua família sendo alvejada, a memória marcada a fogo em minha cabeça.

Consegui voltar aos sentidos quando senti uma mordida forte o suficiente para sangrar em minha mão. Voltei meus olhos, ainda chocados, para Damian.

Sua aparência... Nunca vou esquecer... Seus olhos estavam completamente vermelhos enquanto ele fazia força para não chorar, os dentes sujos do meu sangue e rosnando para mim, por ter o impedido de sair correndo naquela hora e o pulso roxo com a marca da minha mão.

Eu o soltei por dois segundos e foi o suficiente para ele sair correndo, esfregando os olhos com tanta força que temi que ele fosse arrancá-los para tirar aquela cena terrível da cabeça.

Tentei dar um passo para ir atrás dele e tropecei, caindo no chão. Ainda entorpecido observei o sangue sujar o chão da sorveteria em escarlate. A mesma cor que inundou o smoking bonito de Dick, a mesma cor que explodiu da cabeça do pai de Damian.

Virei a cabeça e vomitei.

[x][x][x]

Eu tentei ligar para Damian ou tentar escutar seu batimento cardíaco enquanto pulava sobre os prédios de Gotham o procurando, mas meus poderes ainda estavam muito instáveis. Às vezes eu perdia a força de salto enquanto estava no alto e tinha que me concentrar em ficar invulnerável de novo para não quebrar todos os ossos do meu corpo.

Minha mãe me ligou assim que Damian saiu correndo da sorveteria, completamente apavorada para saber onde eu estava e se ainda estava com Damian. Meu pai estava do outro lado do mundo quando aconteceu e já estava voando para Gotham. Eu mesmo já podia ouvir o que ele estava pensando, como era tudo culpa dele e que ele devia ter sido rápido o bastante para salvá-los.

Eu sei disso porque é o que eu estava pensando.

Abafei um soluço e tentei controlar o meu corpo. Eu ainda era novo demais no ramo de herói, e depois daquela vez com Kid Amazo, Damian nunca mais me carregou para casos em que havia assassinatos envolvidos, e por mais que me irritasse quando ele me tratava como criança, sempre fui grato por sua sutil consideração.

Minha mãe implorou para eu voltar para Metrópolis, mas eu não podia abandonar Damian depois... Depois daquilo. Simplesmente não. Então encerrei a ligação e continuei a busca por seu batimento cardíaco.

Deixei meu celular ligado no caso de um milagre acontecer e Damian retornar alguma das minhas ligações ou mensagens de texto e meu coração parava toda vez que eu sentia o aparelho vibrar em meu jeans, e dessa vez não foi exceção.

Afobado, atendi ao telefone sem nem olhar o visor.

— Damian?!

Houve um breve silêncio e prendi a respiração enquanto aterrissava de qualquer jeito em um telhado.

— ...Jon, sou eu. — Senti lágrimas se acumulando em meus olhos com a voz de meu pai. Eu estava um desastre e metade de mim só queria abraçar os meus pais e chorar até não sentir mais nada. — Eu- eu estou no hospital daqui de Gotham. Damian está aqui.

Senti meu próprio coração parar e um ataque de pânico começando a se formar. Não, não, não... Eu devia ter sido mais rápido, devia ter o segurado mais forte, devia—

— Filho. Jon! Escute, ele está bem! Quando chegou no... Na Torre, a ambulância estava levando Jason e Tim. Ele foi com eles. Tim ainda está em cirurgia, Damian está esperando notícias aqui.

Senti uma onda de alívio tão forte passar por mim, como se fosse um soco no estômago.

— E- e... — Minha voz deve ter decidido que não tinha mais forças para continuar, e não consegui dizer mais nada.

—  ...Jason morreu ainda na ambulância. Não resistiu os ferimentos.

Cai de joelhos no telhado e cobri os olhos com a outra mão. Se eu tivesse ido com o Damian, talvez... Talvez...

— Da- Dami-

— Não estava na ambulância quando aconteceu, ele estava com o Tim.

Senti outro soco invisível e tentei me imaginar em sua situação, vendo toda a sua família morrer diante de seus olhos. Lembrei-me de quando Manchester Black mexeu com a minha cabeça e eu vi minha mãe perdendo a perna enquanto meu pai, meu superpai, falhava em salvá-la e eu também.

Meu estômago já estava vazio depois que vomitei na sorveteria, mas isso não impediu que eu me virasse e expelisse mais suco gástrico.

— Jon? Jon?! Filho!

— In... do... Aí...

~*~*~

Damian não nem sabia por onde começar, as irritantes lágrimas nublando sua visão. Seu pai e Grayson- não. Não. Ele não vai se permitir pensar nisso por enquanto.

Virou-se para as cadeiras e encontrou os corpos de seus outros irmãos junto de vários outros. Ignorando completamente a cena ao seu redor, correu até Jason e Tim, usando as duas mãos para medir a pulsação de cada um.

— Estúpido Todd, você não pode malditamente pular na frente de uma arma, você nem aparece nos eventos de família, por que em nome de Deus você veio?! — Ele gritava e rosnava, tentando impedir que o nó em sua garganta se forme completamente e ele comece a chorar. Não, isso era simplesmente inaceitável. —  Drake idiota, idiota, porque você foi tentar fazer RCR?!

Os dois estavam inconscientes e com pulsação fraca. Damian respirou fundo. Ele teria que escolher.

Pai... Grayson...

Já estão mortos, salve quem você ainda pode.

Trincou os dentes e coçou a cabeça com tanta força que sentiu filetes de sangue escorrendo.

A pulsação de Tim estava mais fraca que a de Jason, já que o estúpido, idiota, inconsequente, foi fazer reanimação cardiorrespiratória enquanto tentava tampar os sangramentos logo depois de levar uma bala na espinha, exaustando o corpo completamente.

Ele não podia entrar em pânico.

Respirou fundo, tentando controlar a respiração enquanto tirava a própria camiseta e a usava para parar os sangramentos de Tim, tentando forçar o ar entre seus pulmões danificados.

~*~*~

A ambulância não demorou a aparecer e Damian tentou não olhar enquanto eles colocavam seu pai e seu irmão querido em um saco preto de qualquer jeito.

um, dois, três, respira

Sentiu a bile subir por sua garganta e as lágrimas queimarem seus olhos, mas se recusou a ceder a qualquer um dos impulsos de seu corpo, como vomitar as tripas ou chorar até desmaiar. Não, ele era melhor que isso.

um, dois, três, respira

Por isso, mordeu ainda mais forte o lábio, ignorando completamente o sangue que escorria de sua boca dilacerada e continuava tentando manter a pulsação de Tim.

um, dois, três, respira

Eles levaram Jason e o garoto sentiu um banho de alívio quando os paramédicos gritaram que aquele ainda estava vivo e que precisavam ir para o hospital.

um, dois, três, respira

Uma paramédica colocou a mão no ombro de Damian e ele quase arrancou seu dedo fora enquanto rosnava. Ela arregalou os olhos, mas rapidamente voltou para a fachada profissional.

— Você fez muito bem, mas agora nós precisamos leva-lo para o hospital.

— Não. — Rosnou.

— Não? — Ela parecia levemente surpresa.

— Não vou sair daqui. Não vou parar. Eu não vou perd- — Se impediu de continuar, ele não podia perder tempo deixando sua mente vagar para outras coisas além de um, dois, três, respira.

— Se não o levarmos para o hospital, todo o seu esforço vai ser em vão.

Maldição, ela tinha um ponto.

— Então me levem junto, porque eu não vou sair daqui.

Ela suspirou levemente impressionada, mas ainda assim aborrecida. Esse pentelho estava atrapalhando o seu serviço, afinal de contas.

Eles precisaram de mais três paramédicos para transferir o corpo de Tim para a maca com Damian ainda em cima dele

um, dois, três, respira

~*~*~

— Eu preciso de mãos extras aqui!

Damian estava tentando bloquear todos os sons a sua volta, encarando fixamente a janela e contava os segundos que eles levavam para chegar ao maldito hospital. Com certo custo, Damian finalmente saiu de cima de Tim e sentou no canto, tentando ficar fora do caminho. Ele queria fazer mais, não queria sair de cima de Tim até ter certeza de que aquele idiota não ia morrer em seus braços, mas os gritos dos paramédicos dizendo que Tim poderia morrer se não o tratassem logo fez com que o garoto saísse do caminho.

— Vamos, resista!

Ele não podia se virar e olhar ia tornar tudo real demais. Maldição, ele estava mais do que acostumado com a morte, no entanto algo o impedia de se mexer, de tentar oferecer sua ajuda de alguma forma. Com sua vida, por exemplo.

Viu o hospital ainda ao longe e pulou de pé. Ele precisava ver como estava o progresso de Jason, com certeza aquela cabeça dura que roubava seus bonecos do Capuz Vermelho iria resistir, o filho da mãe já morreu uma vez, certamente-

Saltou da ambulância ainda em movimento, ignorando os gritos dos paramédicos e correu até a ambulância que tinha levado Jason a tempo de vê-los fechando um saco preto sobre sua cabeça estúpida e morta.

O grito que saiu de sua garganta não pode ser descrito com nada além de desumano. Todos os paramédicos e médicos ali presentes ainda escutariam seu grito anos por vir em seus pesadelos.

— NÃO!


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