Dust and Gold escrita por Finholdt


Capítulo 13
XII. When all I own is just dust and gold


Notas iniciais do capítulo

Leiam as notas finais, caso desejarem.



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Ibn não gostava de crianças. Nunca gostou. Elas são barulhentas, dependentes e nunca fazem o que as pessoas mandam. Ele, é claro, não contava. Foi uma criança perfeita, que assim que aprendeu a andar, recebeu uma espada. Nunca chorava, raramente reclamava e fazia absolutamente tudo o que exigiam dele, até mesmo escalar uma montanha com o pulso quebrado.

Ele não desejaria essa infância para ninguém.

E existia uma quantidade alarmante de crianças com infância indigna e semelhante demais com a dele. Vários heróis mirins, por exemplo.

Ninguém poderia culpa-lo por ficar curioso ao ouvir um choro de bebê em Nanda Parbat, de todos os lugares. Desde quando havia crianças ali, afinal?

Bem, para começar, Ibn sabia que não deveria estar naquele lado da ilha. Ele só teve um dia horrível, em que não conseguia se concentrar em nada, o desgaste físico e emocional por ter morrido tantas vezes só naquela manhã para treinar seu ocultismo o sobrecarregando, e ele acabou pagando o preço por isso no tatame contra Mara diversas vezes, para a irritação e deleite dela.  O poço estava começando a fazer alguma coisa com ele, Ibn sabia disso mas não exatamente o quê.

Então Ibn apenas andou pela ilha, andou até parar de reconhecer as árvores, até começar a se perguntar como em todos os anos em Nanda Parbat ele nunca chegou sequer perto dali.

O choro se intensificou e Ibn remexeu-se incomodado. Sempre odiou o barulho de crianças chorando, por diversos motivos.

Decidido a ir investigar, Ibn disse para si mesmo que quando fosse Ra’s em alguns anos, ele acabaria descobrindo sobre isso mais cedo ou mais tarde. Um peso em seu estômago lhe dizia o que ele já sabia, mas recusava-se a reconhecer até ter a confirmação visual de suas suspeitas.

Era um edifício como qualquer outro da ilha. Haviam bem menos ninjas que do lado principal, porém os poucos que andavam para dentro e fora do edifício já foi um alívio para Ibn. Ainda recusando-se a aceitar o que a voz no fundo de sua mente dizia, Ibn aproximou-se mais, seguindo o choro cada vez mais alto.

Uma ninja, provavelmente o reconhecendo, saudou Ibn e disse:

— Senhor, não se preocupe, a crise está sendo lidada.

Isso não serviu para acalmar Ibn.

— A crise?

A ninja pestanejou, como confirmação. Com uma última reverência, ela foi embora. Como se ter uma criança aos berros em Nanda Parbat fosse completamente normal. Desde quando?

Com passos firmes, Ibn praticamente marchou para dentro do lugar, onde viu dezenas, se não centenas de bebês.

Desde quando?

Fazendo força para controlar as expressões em seu rosto, Ibn observou enquanto a criança que berrava era ignorada e forçada a sentar-se em um canto isolado dos outros. O barulho era irritante e não deixava Ibn conseguir pensar direito.

Andou até a criança, engolindo todas as perguntas que surgiam enquanto ele entrava mais fundo ali. Quando chegou perto o bastante, abriu a boca para perguntar o que estava errado quando um dos ninjas entrou na sua frente, sussurrando, baixo o bastante para que a criança aos berros não ouvisse.

— Meu senhor, a criança deve ser ignorada.

— Como é? — Perguntou friamente.

— Está sendo castigada porque foi pega cantando.

Ibn não respondeu a isso, a expressão inexpressiva. Isso deve ter servido de incentivo para que o ninja continuasse a explicar.

— No Berço, as regras são bem claras: as crianças não podem falar ou comunicarem entre si, estão treinando para serem ninjas.

Por alguns segundos, Ibn não disse nada. Como ele nunca soube desse lugar? Desde quando isso existia? E porque diabos a Liga das Sombras estão treinando bebês...

— Faça-a parar. — Disse entredentes, irritado além da razão por diversos motivos.

— Estamos trabalhando nisso, senhor. — O ninja respondeu nervosamente. — As crianças sabem que quanto mais fazerem barulho, mais vão demorar para comer.

— Faça-a parar agora! Enche-a de comida até ela estar tão satisfeita que vai esquecer que estava chorando.

— Mas senhor, as regras-

— Eu preciso te lembrar quem sou? Faça o que estou mandando agora.

O ninja endireitou a coluna e disse, com um toque de deboche em sua voz que enfureceu Ibn quando disse:

— O Berço só responde Ra's Al Ghul. E ninguém mais.

~*~*~*~

— Mãe. O que é o Berço?

Talia não parecia confusa com o nome, apenas resignada. Como se soubesse que no minuto que o filho ficasse sabendo, eles conversariam sobre isso.

— É onde treinamos as futuras gerações de ninjas.

— São crianças.

— Você também era.

Ibn crispou os lábios, furioso.

— É diferente e você sabe disso, mãe.

Talia cruzou os braços, irritada. Bom. Ele também estava consideravelmente irritado.

— O que você quer que eu diga, filho? Que me arrependo de ter você daquele jeito? Da forma que o criei? Que aparentemente seu avô decidiu que você era um exemplo a ser seguido e criou o Berço?

A revelação, coberta de amargura e ressentimento, disse tudo o que Ibn precisava saber. No entanto...

— E quem é o responsável pelo Berço?

— Apenas Ra's. — Talia estreitou os olhos. — Ninguém mais pode interferir, coisa que já tentei.

Ibn acenou com a cabeça, entendendo. Entendendo bem demais.

~*~*~*~

Ibn não planejava voltar para os Estados Unidos clandestinamente. Estava nervoso, estranhando os arredores e inundado por lembranças indesejadas. Mas ele precisava disso, ainda estava com a cabeça zunindo pelos gritos da criança, pelas lembranças de sua infância, do arrependimento claro da mãe.

O caminho até lá foi feito em silêncio, em um dos helicópteros da Liga. Ibn havia dito que iria desativar uma das usinas nucleares da Coreia do Norte e que não precisava de reforços, por isso estava enfim sozinho. Muitos anos e missões foram necessárias para Ibn conquistar esse tipo de confiança cega.

Enquanto Ibn observava as luzes abaixo de si, pensava em como sua vida chegou a isso. Estava com dezessete anos e completamente perdido.

Quando Ibn voltou para a Liga, tantos anos atrás, ele estava cego pela desilusão e vingança. Então, conseguiu um único objetivo: Aprender misticismo para vingar-se. E jogou todo o seu foco nisso, na magia e na vingança. Em como atingir aqueles que o machucaram. E ele estava tendo bastante sucesso nisso, não? O caos que seu artigo causou foi um ótimo catalizador, assim como os negócios de armas biológicas e extermínio de caçadores ilegais – afinal, a Liga ainda era ecoterrorista. E quanto mais ele cumpria suas missões, mais ele conseguia afogar aquelas vozes de luto e perda, mais esquecia o que um dia foi. E isso era bom. Era excelente para os seus objetivos.

E... quais eram, mesmo?

Ah sim. Superman. Tornar-se Ra’s como foi-lhe destinado. Certo... Era exatamente isso que ele queria. Não era?

Ibn sentia falta de ter um objetivo, um propósito. A Liga dava isso a ele. Era bom, sentir que precisavam dele. Que ele era necessário.

Mas era isso mesmo que ele queria? De verdade?

Ibn pensava que sim. Até ver o Berço.

Tantas crianças... Talia, sua mãe, confidenciou que alguns eram filhos dos próprios ninjas da Liga, sacrificados para servir Ra’s, como se fosse uma espécie de honra. Outros, eram raptados de vilas massacradas, vilas que não seguiam as leis de Ra’s al Ghul. “Salvos”, sua mãe corrigiu quietamente, “se alguém te perguntar algo, você precisa prestar muita atenção nas palavras que vai usar.”.

Saber que a mãe era tão revoltada sobre a existência do Berço quanto ele era um alento.

Ele não sabia o que fazer, apenas que precisava sair de Nanda Parbat. Ver algo além de areia e ninjas e montanhas. Qualquer coisa.

Não saberia dizer o que o fez decidir ir para Gotham, de todos os lugares, de repente. Apenas precisava se sentar em algum lugar familiar e refletir sobre o que fazer. Recusava-se a nomear o aperto em seu peito em estar de volta àquele lugar, que o causou tanto sofrimento e alegria.

— Ei, você.

Ibn gelou ao reconhecer aquela voz. Ele estava certo de que não seria encontrado pelos substitutos naquela gárgula em particular.

Lentamente, Ibn virou-se para a voz, o corpo inteiro ficando na defensiva, pronto para lutar ou correr dependendo do rumo daquela noite. Ele não disse nada, mas não era necessário.

Duke Thomas já havia o reconhecido.

A primeira reação de Thomas foi arregalar os olhos, em choque. Depois, ficar na defensiva.

— Tem que reconhecer a sua coragem de aparecer aqui de novo, Damian.

O uso de seu nome antigo atingiu Ibn como um tapa. Doloroso, mas o suficiente para o despertar do choque.

Imediatamente ficou de pé, shurikens em punho.

— Damian não existe faz um bom tempo, Thomas.

— Rá! É isso que diz pra si mesmo? Pra não ter que enfrentar no que está se tornando?

— Cale a boca, Thomas! Você não sabe o que está dizendo.

— O quê? Vai me dizer que isso é tudo uma fachada para você destruir a Liga de dentro pra fora?

Ibn abriu a boca para retorquir e hesitou. Ele... Nunca tinha pensado exatamente assim sobre o assunto, mas o tempo todo anotava mentalmente coisas que mudaria quando se tornasse Ra’s. Quando isso aconteceu?

— Eu não preciso que você acredite em mim, Thomas. — Respondeu calmamente, guardando as armas.

Thomas balançou a cabeça, a guarda ainda levantada. Ele olhou para Ibn, incrédulo e com raiva.

— As pessoas não mudam, apenas param de fingir. Revelam quem realmente são.

Isso fez Ibn parar. Mesmo que ele resolva compensar os erros da Liga com o seu futuro, isso sequer faria alguma diferença para o resto? Ele já se afundou demais. Talvez... Talvez seja tarde demais para voltar atrás. A história não poderia começar de novo.

— Você é só um covarde, Damian! Que foge quando as coisas ficam difíceis! Sabe o que tivemos que passar aqui? O quanto lutamos e sangramos para manter essa droga de cidade de pé? Você não vai estragar isso!

Ibn não queria ouvir isso. Thomas sabia de nada, ele que não sabia o que Ibn teve que passar!

O primeiro soco veio voando e Thomas reagiu com alegria, como se estivesse louco por uma briga e estava esperando apenas o sinal para entrar nela.

Ninguém chamá-lo-ia de covarde. Ninguém. Ibn lutou com raiva, com luto e acima de tudo, para a sua maior frustração, vergonha. Era inaceitável. Estava tão cego de raiva que lutou sem restrições, soltando-se completamente. Cada soco era um grito de protesto contra essa nova realidade de Ibn, que se tornou um inimigo, quis ser um inimigo. Odiava Duke Thomas pelo que dizia e odiava a si mesmo por concordar com ele.

Ambos estavam tão furiosos um com o outro, com os chutes fortes e os socos potentes, que mal repararam que estavam andando em direção da quina do telhado.

— Eu não preciso que você acredite em mim! — Berrou Ibn, empurrando Thomas para longe de si.

E direto para a noite à dentro.

Thomas arregalou os olhos enquanto caía, segurando-se no último minuto na quina do telhado.

Seu corpo agiu no automático. Na Liga, quando um perdia, o outro deveria dar o ataque final. E o que foi mesmo que Thomas havia dito?

— As pessoas apenas se revelam, não é? — Sussurrou para Thomas, que não pareceu assustado.

Pelo contrário, o brilho em seus olhos mostrava apenas triunfo ali. Como se ele tivesse ganhado a luta.

Irritado, Ibn arremessou suas shurikens nas mãos de Thomas, o obrigando a soltar a quina. E mesmo depois que Ibn ouviu o barulho do impacto dele lá embaixo, continuou insatisfeito.

Ele vai viver.

~*~*~*~

Ibn dizia a si mesmo que a opinião de Duke Thomas não importava. Nunca importou. Agora que Ibn havia encontrado o seu propósito verdadeiro, não o abandonaria. Ele precisava acabar com o Berço, precisava destrinchar a Liga de dentro e ele só irá conseguir fazer isso de verdade quando tornar-se Ra’s. A missão continuava a mesma, apenas com um objetivo diferente.

E se Ibn tivesse que continuar sendo o vilão para conseguir o que deseja, que assim seja.

...Ele se perguntava como Jon estaria.

Eles nunca mais se viram desde o dia em que tudo deu errado. Ibn fazia o possível para manter-se longe do radar dos Supers, principalmente por não saber como acabaria reagindo quando os reencontrasse.

Mas agora... Agora talvez ele poderia... Apenas pedir desculpas. Nada tinha que mudar, apenas deixar claro para Jon que esse arrependimento existia.

Ah, mas não para o Superman. Ibn ainda o queria morto e em uma bandeja.

Antes de acabar se convencendo a mudar de ideia, Ibn foi até a Torre dos Titãs, onde saberia que Jon estaria.

Estava nervoso, principalmente porque queria deixar claro suas intenções – ele nunca mais voltaria a ser Robin, seu parceiro. Mas Ibn al Xu’ffasch renasceu de Damian Wayne e com ele um novo propósito fora a dor e o luto. Queria dizer isso para Jon, que sentia muito que ele tivesse que entrar no fogo cruzado daquela maneira, mas que não precisava se preocupar. Diria que se tornaria um inimigo formidável e então, talvez, o abraçaria.

Era estranho estar no telhado da Torre depois de tantos anos evitando-o. Muitas emoções estranhas tentaram ressurgir, estando tão perto de pessoas que um dia foram queridas, tornaram-se inimigas e então bode expiatório. Ibn sabia que mesmo depois de meses, os efeitos colaterais do artigo ainda latejavam como uma ferida aberta na comunidade heroica.

Bloqueando qualquer tipo de sentimento que sequer assemelhasse com arrependimento, Ibn hackeou os sistemas de segurança da Torre com maestria. Foi tão fácil que uma parte de Ibn sentiu vontade de entrar ali e ralhar com todos eles por estarem tão vulneráveis.

Murmurando baixinho sobre incompetência, Ibn terminou de conectar as câmeras de segurança da Torre. Queria ter certeza de que Jon estaria sozinho, não precisava de outra cena como a de Duke Thomas.

Ibn disse para si mesmo que a kyptonita em seu bolso era apenas para precaução.

Para o grande azar de Ibn, a Torre estava lotada. Jon estava lá junto de todos os outros titãs e uma garota nova, que Ibn não tinha certeza se conhecia.

Conectando com o sistema de som, Ibn não saberia dizer o porque continuou olhando as imagens mesmo sabendo que sua chance de falar com Jon estava praticamente perdida.

— Titãs, eu quero apresentar Katie! — Disse Jon, feliz.

Ele estava mais alto, Ibn notou de forma distraída.

A garota loira e cheia de sardas acenou, contente. Ela parecia tímida por estar ali, mas nenhum pouco envergonhada. Como se super-heróis não a intimidassem.

Os Titãs a cumprimentaram, animados. Aqueles estranhos familiares pareciam bem, todos eles. Ibn não saberia dizer o que sentiu ao constatar isso.

Principalmente Jon, ele parecia... radiante. Mais feliz do que Ibn jamais viu. Mais do que quando eles eram os Superfilhos, isso era certo. Mais do que quando estava com ele.

Não que eu possa culpá-lo por isso.

Ele estavam... felizes. Bem mais felizes do que jamais estiveram. A deserção de Robin deve ter sido mesmo a melhor coisa que já aconteceu.

Todos seguiram em frente, como se as perdas não doessem como uma dor física todos os dias. Como se estivessem melhor agora, como se nada tivesse importado.

Bem, que se dane então. Não vai ser Ibn que vai se impor neles, objetivos nobres ou não.

Para eles, Ibn não passava de um maldito vilão que precisava ser pego, não foi o que Duke Thomas deixou irritantemente claro?

Se era um vilão que eles queriam, era um vilão que teriam.

~*~*~*~

Ele devia ter suspeitado que fora seguido. Mara não estava louca por um motivo, pequeno que for, para o deixar em uma posição ruim na Liga?

Estava quase saindo de Gotham quando a viu, de braços cruzados e irritantemente feliz.

— Mara. A que devo o prazer? — Perguntou, secamente.

— Notei que você estava perambulando pelos Estados Unidos atrás de seus antigos amigos, Damian. Primeiro o garoto de amarelo, depois seus antigos camaradas Titãs... Está tentando ressuscitar o Damian, por acaso? — Debochou. — Mas se você está aqui isso significa que eles te rejeitaram. — Sua expressão ficou dura. — Sabia que nunca deveriam ter confiado em você, você sempre vai escolher eles.

Ela era uma tola. Uma tola que estava pedindo para ficar com outra cicatriz.

— Sua absoluta imbecil, eu escolhi vocês. — Não se incomodou em explicar os detalhes por trás dessa escolha. — Nem sequer entrei na Torre Titã, apenas peguei as novas senhas deles. Foi tudo para a Liga.

Mara continuava cética.

— E o garoto amarelo? Vocês estavam bem amiguinhos quando os vi, antes de ir atrás do seu próximo provável alvo.

— Se tivesse espionado direito, sua imprestável, veria que o joguei para fora da droga do prédio e-, espera. O quê?

Havia puro deleite no rosto de Mara quando ela ronronou suas próximas palavras:

— Bem, eu imaginei que depois do garoto amarelo você iria atrás daquela garota que a tia Talia disse que não servia para você. Ela estava bem perto de onde eu estava escondida, o que facilitou tudo muito bem.

Não.

Ela não.

Ibn fez força para controlar suas expressões quando levantou uma sobrancelha, frio e perguntou:

— Quem? Não sei se me recordo de alguém significativo o bastante para me incomodar.

Mara deu de ombros, não comprando a mentira nem por um seguindo:

— Ah, é? Bem, que pena. Alguma pobre universitária aleatória vai morrer de graça, então.

— Nós não matamos inocentes, Mara. — Ele agarrou o braço dela, forte. Todas as suas intenções eram completamente homicidas. — O que você fez?

Ela se afastou, puxando o braço de volta. Um sorriso louco no rosto, ela adorava quando via Ibn infeliz.

— Bem, eu achava que você acabaria aparecendo, lembra? Então fiz ser bem lento. Ela ainda deve estar sangrando.

Ibn a mataria. Mataria bem devagar, seu posto de comandante do Punho do Demônio que se dane.

Alguma coisa na expressão dele a fez suavizar os olhos. O quê, ele jamais saberia.

— Vamos fazer um trato então, primo. Afinal, família cuida uma da outra, não? Você vai e tenta salvar a “inocente aleatória” que você alega e em troca de eu não contar para o avô que sua lealdade anda meio mexida, você abdica do seu posto de herdeiro.

— Nunca. — Sibilou, entredentes.

Qualquer solidariedade que passou pelo rosto de Mara, foi embora em um instante. Seu rosto voltou com a expressão dura de sempre, uma fúria gélida em seus olhos desiguais.

— Então você não me deixa escolha, Ibn.

Com isso, ela deu-lhe as costas e correu, provavelmente para o seu meio de transporte, seja qual for. Ela daria a língua nos dentes e não pararia até que o avô o castigasse o bastante para que Ibn nem cogitasse mudar de lado. Ibn deveria impedi-la. Deveria matá-la antes que ela dê a língua nos dentes, afinal, faz anos que ela própria tenta acabar com ele de uma vez.

Outro dia.

Se o que Mara disse for verdade, ele tinha apenas segundos para salvar Maya.

~*~*~*~

Ibn evitava Maya fazia tantos anos que era difícil pensar em como ela estaria, em como ela reagiria com Ibn, e não Damian.

Porém nada disso importava. Ele tinha que salvar ela primeiro, acima de tudo.

Maya, que foi a primeira pessoa que o perdoou. Maya, que tinha todos os motivos do mundo para nunca lhe dar uma segunda chance. Maya, que ele traiu profundamente ao a abandonar e tornar-se aquilo que ela disse que ele jamais foi.

Felizmente, ela não havia saído do seu apartamento em Gotham, então foi fácil achá-la.

Mandando as boas maneiras para o alto, Ibn não hesitou ao invadir o apartamento pela janela e parou, congelando com a cena horrenda a sua frente.

Jon poderia ter sido seu melhor amigo, mas Maya era a melhor amiga, desde antes de Ibn sequer saber que Jon existia.

Isso... Isso era inaceitável.

Havia sangue por toda parte, nas paredes, nos móveis na maldita janela.

O corpo de Maya jazia no meio da sala, estirado como se fosse uma boneca de pano.

Ibn correu até ela, ajoelhando-se e procurando pulsação. Apenas respirou aliviado quando sentiu o leve palpitar dos batimentos cardíacos dela sob seus dedos.

Os batimentos estavam pausados demais para o gosto de Ibn.

Desesperado, arrancou a cortina e a rasgou em tiras com as próprias mãos. Ele precisava fazer torniquetes nas pernas dela, e parar o sangramento da barriga.

Ela estava fraca demais. Perdido sangue demais. Não iria sobreviver.

Desespero e impotência o atingiram como um soco, tão forte quanto aquele dia, tantos anos atrás, em que ele era um simples adolescente que queria tomar sorvete...

Não. Eu me recuso.

Levantou-se, decidido. Maya era uma ex-heroína, certamente ela teria algum kit de primeiros socorros ali. Algum tubo de transfusão, ele tinha certeza de que ela possuía algo assim desde a última vez que pôs os pés ali.

Vasculhou o banheiro e encontrou apenas remédios. Frustrado, segurou a vontade de socar o espelho que refletia sua impotência. Precisava continuar procurando.

Foi para a cozinha, olhando armário por armário atrás do tubo. Tinha que estar ali, ele já estava lutando contra o relógio e cada segundo que ele demorava era um segundo a mais que Maya estava próxima da morte.

Invadiu o quarto dela quase quebrando a porta, passando da linha do desespero para o histérico. Vasculhou as gavetas e debaixo da cama. Nada.

Não...

Voltou para a sala, desolado. Havia procurado em todos os lugares! Maldito apartamento pequeno com sua falta de suprimentos necessários. O tempo que gastou procurando por um kit que não existia poderia ter sido usado para ele ao menos tentar levá-la para o hospital, mas novamente Ibn foi incapaz de salvar a vida de quem importava.

Lágrimas indesejadas surgiram em seus olhos e ele ajoelhou-se ao lado do corpo inconsciente daquela que um dia havia o chamado de irmão.  De novo.

Socou o chão e gritou, desesperado. Um grito rouco, feio. Não!

Eu sinto muito, Maya... É tudo culpa minha.

Foi então que notou uma coisa branca, embaixo do sofá. Algo que parecia assustadoramente com uma caixa.

Sem pensar duas vezes, arremessou o sofá longe, mostrando enfim o kit de primeiros socorros.

Alívio, em ondas quentes, o inundou de tal forma que Ibn quase caiu de joelhos novamente. Sem perder mais tempo, Ibn pegou o tubo e a agulha, perfurando o próprio braço primeiro e então quando estava prestes a enfiar a outra ponta no braço dela, hesitou. Se o sangue deles não fossem compatíveis, Ibn faria mais mal do que bem. Qual era mesmo o tipo sanguíneo dela?

Ibn era um AB+, o receptor universal. Era uma péssima hora para ter qualquer tipo de sangue além do O- e Ibn sentiu vontade de amaldiçoar os céus pelo sangue raro que corria em suas veias, graças a Ra’s e Talia – de quem ele puxou o sangue. E Maya? Ela havia comentado um dia. A? B? Ou AB? Era pura projeção e esperança que fazia suas memórias gritarem que era AB e que ele estava apenas perdendo tempo?

Que se dane!

Enfiou a agulha no braço dela e torceu para serem compatíveis. Até lá, ele serviria como seu banco de sangue particular.

Ele precisava retirar o corpo dela dali e logo. Ibn sabia que Mara estava contando com a morte de Maya para atingi-lo e Ibn não queria arriscar o que mais ela poderia fazer caso essa tentativa seja frustrada. E se Ibn quisesse continuar na Liga, precisava deixar bem claro que mais ninguém fora dela importava.

Pegou o corpo inconsciente da garota e ajeitou-a em suas costas, com cuidado para não atrapalhar o fluxo de sangue. Ele precisava ser rápido, logo ficaria fraco demais para continuar a carregando.

Ibn precisava forjar a morte de Maya. E precisava fazer parecer que foi feito pela mão dele.

~*~*~*~

Fazia horas desde que Ibn havia deixado Gotham, dirigindo um helicóptero de forma débil enquanto mais da metade do seu sangue era transferido. Nada nessa situação era segura, mas o que Ibn era além de um rebelde?

Eles pousaram em uma das ilhas de posse de Damian Wayne, o que Ibn evitou pensar demais a respeito.

Havia apenas um chalé modesto, nada exorbitante. Ele não hesitou em carregar Maya até lá e a deitar na cama. Procurou os kits de primeiro-socorros, infinitamente superiores aos que Maya tinha em casa e armou um pequeno hospital no quarto. Ele tinha até mesmo bolsas de sangue, o que era bom, porque Ibn já estava começando a ver dobrado.

Foi apenas quando ele terminou de trocar os tubos de transfusão para as bolsas – tanto para ela quanto para ele, que Maya abriu os olhos.

Queria gritar o nome dela, aliviado. Queria desmaiar de alívio. No entanto, ele apenas a observou, analisando as suas reações.

— Ei, garotinho. — Ela sussurrou.

Foi o bastante para ele quebrar.

Todo o estresse das últimas 24 horas caiu de uma vez nos ombros dele, o fazendo soluçar. Cobriu o rosto, envergonhado, mas sem forças para parar. Chorou de desesperança, de alívio.

— Eu sinto muito, Maya, de verdade. Por tudo. — Soluçou. — Eu me tornei aquilo que todo mundo disse que eu me tornaria, virei um vilão porque eu achei que era só isso o que me restava. E ninguém sequer sentiu a minha falta, estão todos melhores sem mim e estou em paz com isso, de verdade. Você estava enganada, Maya, aquele R nunca foi de redenção, ele sempre sempre foi apenas ruína. E todo mundo que estiver comigo vai ser arruinado junto! A maldita da minha prima te atacou e você quase morreu, Maya! E tudo porque ela sabia que você um dia foi importante, não importava que não nos falávamos havia anos, ela só queria me atingir!

— Ei...

— E maldito seja eu por ter sido atingido! Todo mundo diz que eu não tenho sentimentos, Damian sentia demais, por isso que me livrei dele para começo de conversa! E agora... Agora eu não quero ser apenas isso, eu quero mudar a Liga das Sombras. Eu não posso deixar que outras crianças fiquem como eu, não igual os meus- — Ele se interrompeu, o lábio tremendo.

— ...Igual os seus irmãos. — Maya terminou, baixinho. — Aqueles da ilha, não é? Que morreram protegendo você.

Ibn balançou a cabeça, negando, histérico.

Nunca mais. Eu não quero, eu me recuso. Eu já vendi a minha alma, o mínimo que posso fazer é consertar as coisas.

Maya não disse nada por alguns segundos, ainda recuperando as forças. Silenciosamente, Ibn entregou alguns remédios e um suplemento de ferro que possuía ali, junto de um copo d’água. Felizmente, ela tomou sem fazer quaisquer comentários sobre o surto de Ibn.

E então...

— Sabe — Ela sorriu. —, no fundo, independente do que todo mundo disse, dos jornais e das notícias, eu sempre soube que não tinha te perdido para sempre. Chame de intuição de irmã mais velha.

Ibn perdeu o fôlego.

— Eu sabia que você foi mal influenciada quando ficou patrulhando com o Asa Noturna.

O sorriso dela alargou.

— O que posso te fazer? O homem te adorava. Ele contava as melhores histórias.

Ibn balançou a cabeça, incrédulo.

— Maya, você precisa entender. Para o resto do mundo, você acabou de morrer. A sua vida? Acabou. E é tudo culpa minha.

— Essa informação parece errada. — Ela disse, ainda sorrindo. — Do jeito que eu vejo, você acabou de salvar a minha vida.

— A arruinando para sempre! E você nem teria que ser salva se não fosse por minha causa!

— Irmãozinho. — Maya Ducard então colocou a mão no rosto de Ibn, o silenciando. — Você está perdoado, e se é Ibn que agora quer ser chamado, então é assim que vou te chamar. Mas você nunca vai deixar de ser meu irmãozinho irritante que teve dente de leite até os 11 anos de idade.

— O dente decíduo humano... — Ele começou, sério.

Maya caiu na gargalhada.

Ibn sabia que seria castigado severamente pelas horas que ficou desaparecido e que assim que chegasse na ilha, teria que convencer todos que foi ele quem terminou de dar o cabo em Maya, mas enquanto ele estava ali, sentado, escutando Maya rir tão alegremente, Ibn não conseguiu se importar.

Ele ainda tinha uma família.

~*~*~*~

Ibn havia feito negócios com Lex Luthor.

Sabia exatamente no que estava se metendo e sabia que Luthor tentaria passar a pena nele. Ibn queria comprar peças e armas biológicas de Luthor para comparar com suas próprias criações e avaliar os estragos de cada um em uma vila terrorista que havia no Oriente Médio.

Então quando Ibn fez a transferência e não recebeu os produtos, não estava nem um pouco surpreso pelo recado da LexCorp que eles não fazem negócios com “pirralhos”. Na verdade, Ibn gostou disso, era uma oportunidade extremamente boa para mostrar quem exatamente era Ibn al Xu'ffasch.

Ver Jon ali foi uma surpresa. Uma surpresa desagradável, ele não via o fazendeiro desde aquele odioso dia, pelas câmeras. Desde então, Ibn evitava notícias demais a respeito deles. Todos eles. Soube que Duke Thomas foi internado com os fêmures quebrados em várias partes e que precisaria usar cadeira de rodas por um tempo. Ibn se convenceu de que não se importava com isso e desde então fechou-se de vez para a Liga.

Como sempre, Kent parecia bem. Saudável, sem um pingo de preocupação na cabeça, como se Damian jamais tivesse existido.

Não mais, se Ibn tivesse algo a dizer sobre isso.

Ver Kent em ação, contra ele, destravou algo em Ibn, que passou de um agente das sombras para um oponente direto, que fazia questão de enfrentar o Superboy de frente.

Era um jogo, nada saudável, ele admitia. Ele sentia uma necessidade inatural de perseguir Kent. De ver como ele estava e ficar furioso consigo mesmo por isso. Porque esse cara não é o Jon que ele conheceu, é alguém mais forte, mais seguro de si e mais feliz.

Então Ibn ataca, e ataca. Some por um tempo e aparece de novo, sempre deixando Kent pensando nele, de um jeito ou de outro. Não suportava ver o Superboy mas era ainda mais insuportável ficar sem o ver, sem trocar insultos. A raiva e ódio de Kent eram ótimas, porque refletia o próprio ressentimento de Ibn.

E então Mara roubou sua arma de kryptonita vermelha e tudo mudou.


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Notas finais do capítulo

Sabiam que eu tinha esse capítulo em específico planejado desde antes de sequer começar a escrever dag? Enfim todas as cartas sobre o nosso querido Ibn estão na mesa. Suas reais motivações, ações e sua obsessão nada saudável no menino Jon (que é recíproca, convenhamos).

Fiquei entre continuar o capítulo de volta para o futuro no final ou no começo e depois engatar nos flashbacks, mas acho que o passado do Ibn merecia um capítulo apenas dele, sem dividir espaço.

Qualquer dúvida na linha temporal, por favor podem me perguntar... Espero que continuem gostando e acompanhando essa sofrência escrita e obrigada a todos que continuam aqui insistindo nessa enrolada que vos fala.
Estamos chegando nos finalmentes, enfim. Creio que mais um ou dois capítulos e Dust and Gold será oficialmente encerrado - puts, não sei se estou preparada kkkk, mas tudo que é bom acaba um dia.

Quem quiser dar uma lida na minha one-shot damijon de comédia pra se livrar desse gosto de sofrência, aqui: https://fanfiction.com.br/historia/785037/Promiscuous_Boy/



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